06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

sui generis, como gostava de dizer. Entre uma fórmula e outra, me recebia na única mesa<br />

da sua casa. E se punha a contar anedotas, a contar casos de meninos suburbanos,<br />

espertos, anárquicos, galhofeiros. E sorria e ria, e gargalhava, por<strong>que</strong>, ao contar, ele era<br />

público e personagem e, de tanto narrar histórias de meninos mole<strong>que</strong>s, deixava na<br />

gente a impressão de ser um deles. Como um Chaplin <strong>que</strong> fosse Carlitos. Se na vida da<br />

gente houver algo <strong>que</strong> nos perca, <strong>que</strong> mergulhe no abismo a natureza <strong>que</strong> já se acha<br />

perdida, ele contava, e contava a rir, a soltar altíssimas gargalhadas o caso <strong>que</strong> foi a sua<br />

perdição:<br />

- Na greve dos estudantes de Direito, eu fui lá para prestar solidariedade aos colegas. Eu<br />

estava só no meio da massa, assistindo à manifestação. Aí chegou o fotógrafo da revista<br />

O Cruzeiro. Quando ele apontou o flash, eu me joguei na frente dos estudantes. Olha<br />

aqui a foto.<br />

E mostrava uma página em <strong>que</strong> ele aparecia de braços abertos, destacado, em <strong>que</strong>da,<br />

como um jogador de futebol em um brilhante jogada, em voo sobre as palavras de<br />

ordem, viva Cuba, yankees go home, reforma agrária na lei ou na marra. Sorrindo em<br />

<strong>que</strong>da livre o meu amigo, na página da revista O Cruzeiro.<br />

Por isso ele gargalha, por sair em edição nacional, por força do seu espírito mole<strong>que</strong>. Por<br />

isso ele se diz, esta é a lógica, dias depois:<br />

- Tem umas cobrinhas... Eles vêm me pegar!<br />

O meu amigo da foto é <strong>que</strong>m me resolve problemas de matemática <strong>que</strong> não consigo<br />

resolver. Num deles, de fração, ele, esperto, me esclarece o <strong>que</strong> a ambiguidade do<br />

problema não deixava ver: existe uma fração da vara enterrada no leito do rio, o corpo<br />

dela não vai só até a parte submersa, o todo vai até abaixo da areia depositada sob a<br />

água. “Bandidos não deixaram claro, assim, é fácil”, eu lhe digo. E a minha revolta para<br />

ele é um justo motivo de gargalhada. Mas me consola:<br />

- Na sua idade, eu também não resolvi esse problema.<br />

Não sei se sou idealista na<strong>que</strong>le mau sentido dos manuais simplificadores do marxismo<br />

mas, agora, à distância, eu percebo a dignificação <strong>que</strong> o espírito dá. O respeito <strong>que</strong><br />

relações assim construídas funda. De passagem, lembro <strong>que</strong> fui amigo de indivíduos<br />

valentões, rápidos nos socos e de força, com <strong>que</strong>m jamais briguei. Ainda bem, claro. Mas<br />

112

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!