06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

meu processo. Talvez fosse, mas o fato é <strong>que</strong> eu devia ser mesmo um tanto experto e<br />

soube me sair bem das perguntas, até certo ponto, ingênuas, do coronel.<br />

Ao entrar na<strong>que</strong>la C-14, sentado ao lado do Ari, sem saber o <strong>que</strong> nos aconteceria dali por<br />

diante, fixei meu olhar para fora da janela e fui repetindo mentalmente “não sei de nada,<br />

não conheço ninguém”. A certa altura, bateram no meu ombro e disseram <strong>que</strong> havíamos<br />

chegado. Absorto na minha autoprogramação para es<strong>que</strong>cer tudo, não reparara onde<br />

estávamos. Era o quartel do 23º BC, na Avenida 13 de Maio. Fomos levados para uma cela<br />

de uns 25m², onde já encontrei de trinta a quarenta outros companheiros presos. Havia<br />

um com mais de 80 anos, o Papão, português anarquista <strong>que</strong> veio para o Brasil antes de<br />

1935. Esteve preso na Ilha Grande juntamente com o Graciliano Ramos, após o movimento<br />

fracassado de 1935, a chamada “intentona”. Gente boa, o Papão, só <strong>que</strong> peidava a noite<br />

toda.<br />

Quinze dias depois <strong>que</strong> lá estava, meu Pai, ibadiano (membro do IBAD-Instituto Brasileiro<br />

de Ação Democrática, <strong>que</strong> atuava junto ao Congresso Nacional cooptando parlamentares<br />

para a defesa da “democracia”), conseguiu <strong>que</strong> o oficial do dia, filho do futuro prefeito<br />

de Fortaleza, coronel Murilo Borges, levasse até a minha cela a Larissa, minha filhinha de<br />

onze meses, então. Quando o oficial a pôs no chão da cela e ela ficou olhando sem saber<br />

do <strong>que</strong> se tratava, eu também para ela olhei sem saber do <strong>que</strong> se tratava. Foi preciso <strong>que</strong><br />

o oficial dissesse, “olha aí, rapaz, é a tua filha!” Eu havia perdido a memória.<br />

Em dezembro da<strong>que</strong>le 1964 ines<strong>que</strong>cível, fui para Manaus. Fortaleza e o BNB se tornaram<br />

hostis para mim. As pessoas tinham medo de falar comigo, não sei exatamente por quê.<br />

Lá em Manaus, quando eu <strong>que</strong>ria lembrar da minha mãe, tinha <strong>que</strong> olhar para uma<br />

pe<strong>que</strong>na foto 3x4 <strong>que</strong> levara comigo. Não conseguia recompor-lhe a imagem sem a<br />

ajuda da<strong>que</strong>le pedacinho de papel.<br />

4.7 dois aMiGos<br />

108<br />

Mario Marcio Damasco<br />

31 de março de 1964: através da vidraça da janela da sala onde assistia a uma aula, no<br />

colégio em Friburgo, vi minha irmã indicando <strong>que</strong> precisava falar comigo com urgência.<br />

No pátio, lívida, fez a comunicação:

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!