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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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Mas quando me livrei da “prova do crime”, mesmo sem ser trotskista, me deu um enorme<br />

orgulho da<strong>que</strong>le garoto soldado <strong>que</strong> nunca mais encontrei e tinha tido a coragem de<br />

cumprir uma tarefa maluca como a<strong>que</strong>la.<br />

4.6 Perda da MeMÓria<br />

José Flamarion Pelúcio Silva<br />

Fui preso no dia 15 de abril de 1964. Estava trabalhando na Agência de Fortaleza, do<br />

Banco do Nordeste do Brasil. Eram 14h15min, quando vi uma patrulha do Exército entrar<br />

pelo lado da Rua Major Facundo. Eu trabalhava no outro extremo, <strong>que</strong> dava frente para<br />

a Rua Barão do Rio Branco. Quando vi a<strong>que</strong>la movimentação, tinha certeza de <strong>que</strong><br />

tinham vindo buscar-me. Um capitão entrou pela na sala do gerente, contígua à<strong>que</strong>la<br />

em <strong>que</strong> funcionava a seção de cadastro, onde eu trabalhava. O gerente indicou ao capitão<br />

o meu chefe, mais conhecido entre os colegas por “Babaloo”, por causa do modo<br />

engraçado como falava. Minha mesa ficava de costas para a da chefia, mas ouvi quando<br />

o capitão perguntou-lhe <strong>que</strong>m era José Flamarion Pelúcio Silva. Nesse instante, virei-me<br />

e vi o “Babaloo” ficar de pé e apontar-me: “É a<strong>que</strong>le ali”. Quer dizer, eu fui literalmente<br />

“dedo-durado”! Recebi ordem de prisão em nome do comando da 10ª Região Militar e<br />

fui “convidado” a acompanhá-lo. Fiz um movimento para abrir a gaveta da minha mesa<br />

e o capitão me mandou parar. Disse-lhe <strong>que</strong> ia retirar minha merenda, o <strong>que</strong> fiz em<br />

seguida, entregando-a ao Madeira, colega <strong>que</strong> sentava ao meu lado <strong>que</strong>, de louro <strong>que</strong><br />

era, ficou branco como a folha de papel <strong>que</strong> acabara de pôr na máquina de datilografia.<br />

Desfilei por toda a extensão do longo corredor <strong>que</strong> ligava uma extremidade à outra da<br />

Agência, sob o olhar curioso dos colegas e clientes. Quando entrei na C-14, cabine dupla,<br />

<strong>que</strong> me conduziria não sei para onde, já encontrei alguns outros “perigosos subversivos”.<br />

Entre eles, o meu companheiro de célula do Partidão, e meu futuro advogado no processo<br />

de anistia <strong>que</strong> acabei por conquistar, o Elísio Arimateia Ribeiro.<br />

No futuro, constatei, tive muito mais bem-aventurança <strong>que</strong> o Arimateia. Sofreu ele<br />

muitas torturas ao longo dos anos <strong>que</strong> se seguiram. Eu não. Nunca me encostaram um<br />

dedo. O coronel Hortêncio Aguiar, <strong>que</strong> me inquiriu na prisão, afirmou <strong>que</strong> eu era<br />

“Elemento revoltado. Declara-se muito emotivo: os dramas da pobreza o compungem;<br />

elemento bastante citado no presente IPM; depreende-se <strong>que</strong> seja um elemento agitador,<br />

talvez com ligações de certa profundidade ... um indivíduo caviloso”, li anos depois no<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - o GolPe (1964) 107

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