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Hemofilia A - Genética - ufcspa

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Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre<br />

Departamento de Ciências Morfológicas<br />

Disciplina de <strong>Genética</strong><br />

<strong>Hemofilia</strong> A<br />

Porto Alegre, 07 de novembro de 2001.<br />

Giselle Martins Pinto<br />

Nelson Gianni de Lima<br />

Rafael Domingos Grando<br />

Lisiane Machado<br />

Luciana Mendes Johan<br />

1


Resumo<br />

A hemofilia A é um distúrbio hereditário da coagulação caracterizado por um au-<br />

mento do tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA), fácil aparecimento de hema-<br />

tomas e hemorragias dentro de articulações e músculos. Sua incidência no sexo mas-<br />

culino é de aproximadamente 1 para cada 5000 indivíduos. Por ser uma doença de he-<br />

rança recessiva ligada ao X (gene localizado em Xq28), mulheres raramente são afeta-<br />

das e, quando carreadoras, dificilmente apresentam evidências clínicas da doença. A-<br />

proximadamente 30% dos casos surgem de mutação nova. A etiologia básica desta<br />

patologia é a deficiência de fator VIII da coagulação, sendo o tratamento baseado na<br />

reposição deste através de derivados plasmáticos ou fator VIII recombinante.<br />

Palavras-chave: hemofilia A, fator VIII, derivados plasmáticos, fator VIII recombinante.<br />

2


Abstract<br />

Hemophilia A is an hereditary disorder of the coagulation cascade , characterized<br />

by prolonged activated partial-thromboplastin time, hematomas and bleeding into joints<br />

and muscles. Its incidence approaches 1 to 5000 males. Because it is an inherited X-<br />

linked recessive disorder (gen layed at Xq28), women are seldom affected and, when<br />

carriers, rarely present any symptoms. About 30 percent of cases arise from a sponta-<br />

neous mutation. The basis etiology of this disease is the coagulation factor VIII defi-<br />

ciency, and its treatment is based on reposition therapy with plasma-derived factors or<br />

recombinant factor VIII.<br />

Keywords: hemophilia A, factor VIII, plasma-derived factors, recombinant factor VIII.<br />

3


Introdução<br />

As hemorragias dramáticas, os efeitos da doença na história pela sua presença<br />

nos descendentes da rainha Victoria e o papel devastador dos concentrados terapêuti-<br />

cos na transmissão da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) têm feito da<br />

hemofilia A objeto de grande interesse médico, científico e público. É um dos distúrbios<br />

hereditários da coagulação mais comumente observados e uma doença sem limites<br />

étnicos ou geográficos. Sua incidência é de aproximadamente 1 (um) para cada 5.000<br />

nascimentos do sexo masculino, 1,2 apresentando-se com padrão hereditário.<br />

Entretanto, a doença é resultado de uma nova mutação genética em aproxima-<br />

damente um terço dos pacientes, logo, pode não haver história familiar de distúrbios de<br />

sangramento.<br />

Hoje se sabe que a hemofilia A é causada pela ausência, deficiência severa ou<br />

defeitos na função do fator VIII da coagulação (fator anti-hemofílico), presente no plas-<br />

ma. A história da hemofilia A, também chamada de “hemofilia clássica”, se estende<br />

desde nosso mais antigo conhecimento sobre hemostasia e coagulação até os recentes<br />

avanços da biologia molecular. 3,4<br />

Apesar de clinicamente indistinguível da hemofilia A e de também ser transmi-<br />

tida pela herança ligada ao cromossomo X, a hemofilia B (doença de Christmas) é dife-<br />

rente da hemofilia A, uma vez que nesses casos o fator IX da coagulação é que é o de-<br />

ficiente. 5 O tratamento dessas duas condições é completamente diferente, logo, o diag-<br />

nóstico diferencial entre essas duas doenças é fundamental e deve ser realizado por<br />

medida dos fatores de coagulação.<br />

4


Dados Históricos<br />

Relatos antigos presentes no Talmude e outros escritos hebraicos mostraram<br />

que o padrão de herança ligado ao cromossomo X da hemofilia A foi primeiramente re-<br />

conhecido há aproximadamente 2.000 anos. O Talmude postulava que se uma mulher<br />

submetesse seus dois primeiros filhos a circuncisão e eles morressem devido a san-<br />

gramentos, ela não precisaria circuncisar seu terceiro filho. Além disso, dizia também<br />

que se duas irmãs circuncisassem seus filhos e ambos morressem por sangramento, a<br />

terceira irmã não precisaria submeter seu filho à circuncisão. A explicação oferecida era<br />

baseada em fatos reais ocorridos em que um menino, sobrinho de duas mulheres que<br />

perderam seus filhos na circuncisão, foi liberado de realizá-la. 3<br />

Segundo os escritos, membros de algumas famílias tinham “perda de sangue”,<br />

enquanto que em indivíduos normais havia “retenção de sangue” (isto é, coagulação). A<br />

discussão da doença nas escrituras do Talmude e nos escritos de rabinos revela o no-<br />

tável conhecimento daquele povo sobre este distúrbio de sangramento hereditário.<br />

Mais tarde, em 1803, John Conrad Otto descreveu padrão de herança da he-<br />

mofilia como uma doença ligada ao cromossomo X, observando indivíduos afetados<br />

numa família de New Hampshire: “somente o sexo masculino é afetado, mas as mulhe-<br />

res, mesmo sem a doença, podem transmiti-la para seus descendentes do sexo mascu-<br />

lino”. 6<br />

A hemofilia ficou mais conhecida por seu efeito nas famílias reais da Europa,<br />

devido a seu aparecimento súbito entre os filhos da Rainha Victoria, da Grã-Bretanha.<br />

Ela tornou-se conhecida como a “doença Real”, porque se disseminou às famílias reais<br />

européias da Rússia, Prússia e Espanha através dos descendentes da Rainha Victoria.<br />

5


Ela sempre tinha se preocupado com a qualidade do sangue da família real Britânica e<br />

temia profundamente que ocorresse alguma imperfeição nos descendentes da família<br />

Real.<br />

Victoria era uma portadora clinicamente normal e retratada como a fonte da<br />

mutação ou herdeira de uma mutação ocorrida nas células germinativas de seu pai,<br />

Edward Augustus, o Duke de Kent. Victoria teve um filho, Leopold, que apresentou he-<br />

mofilia, e duas filhas, Alice e Beatrice, que eram portadoras e transmitiram a doença<br />

para as famílias reais da Rússia, Prússia e Espanha, devido aos casamentos arranja-<br />

dos entre membros das famílias reais para consolidar alianças políticas. Leopold, o oi-<br />

tavo filho de Victoria e único afetado, teve uma vida curta e sofreu várias hemorragias<br />

severas. Sempre tinha sido descrito como um menino muito delicado. Apesar de todos<br />

os cuidados de que era cercado, faleceu aos trinta e um anos devido a uma pequena<br />

queda.<br />

Conta a história que Alix, uma das filhas de Alice (e neta de Victoria) também<br />

era portadora e casou-se com Nikolas II, da família imperial Russa, tendo quatro filhas<br />

antes do tão esperado herdeiro do trono russo, Alexis, que apresentou hemorragias e<br />

hematomas em braços e pernas após pequenos traumas, além de hemartroses e dor.<br />

Seu pai e sua mãe, vendo seu sofrimento, recorreram ao monge Rasputin, no qual de-<br />

positaram total confiança por acreditarem ser a única pessoa capaz de aliviar o sofri-<br />

mento de seu filho. Alguns sugerem que Rasputin utilizava técnicas de hipnose para<br />

tranqüilizar o menino e colocá-lo para dormir. Com a grande preocupação dos pais com<br />

a saúde do filho, a situação do Estado Russo se deteriorava, culminando posteriormen-<br />

te com a Revolução Russa.<br />

Uma vez que tanto a hemofilia A quanto a B são clinicamente indistinguíveis e<br />

nenhum dos descendentes afetados da Rainha Vitória estão vivos (o último, Waldemar,<br />

bisneto de Victoria, morreu em 1945 aos 4 anos de idade), nós poderemos nunca saber<br />

exatamente qual o tipo de hemofilia que eles apresentaram. 8<br />

6


Definição e Epidemiologia<br />

A hemofilia A é uma doença hereditária recessiva ligada ao cromossomo X que<br />

ocorre devido à deficiência do fator VIII da coagulação ou a defeitos estruturais em suas<br />

moléculas. 9<br />

Inicialmente, é importante enfatizar que a hemofilia A é um distúrbio clinica-<br />

mente heterogêneo, o que pode ser esperado devido à quantidade de defeitos diferen-<br />

tes no gene do fator VIII. É uma doença que não respeita limites étnicos ou geográficos,<br />

ocorrendo em todo o mundo. A hemofilia A pode ocorrer nas formas leve, moderada e<br />

severa, correspondendo a níveis de fator VIII plasmáticos de 6 a 30% do normal, 2 a<br />

5% do normal e 1% ou menos do normal, respectivamente. 8 No estudo de Soucle et al<br />

(1998) para freqüência das formas da hemofilia A em seis estados americanos foram<br />

feitos 2.156 diagnósticos de pacientes com a doença. Desse, 43% (1.140) apresenta-<br />

ram a forma severa; 26% (684) apresentaram a forma moderada e 31% (848) apresen-<br />

taram a forma leve da hemofilia A.<br />

Essa distinção entre doença severa e não-severa é fundamental, uma vez que<br />

as formas leves ou moderadas da doença são raramente complicadas por episódios de<br />

sangramentos espontâneos em articulações. De fato, a forma leve de hemofilia pode<br />

ser detectada em adultos após trauma ou cirurgia, e pode não haver história de san-<br />

gramentos. 9<br />

A hemofilia A é a principal doença causadora de sangramentos severos e a se-<br />

gunda principal causa de todos os distúrbios congênitos que causam sangramentos,<br />

ficando atrás somente da doença de von Willebrand (uma doença autossômica domi-<br />

nante). Aproximadamente 1 (uma) em cada 5.000 crianças do sexo masculino (levando-<br />

7


se em conta a população geral, sua incidência é de aproximadamente 1 para cada<br />

10.000 nascimentos) é afetada pela hemofilia A, ao passo que a incidência da doença<br />

de von Willebrand é de 1 para cada 1.000 nascimentos, afetando ambos os sexos 16 . A<br />

incidência da hemofilia A em mulheres é extremamente rara, devido à necessidade de<br />

homozigose para expressão do fenótipo, aparecendo numa freqüência de 1 em cada<br />

25.000.000. 7 Já na hemofilia B – mais rara – aproximadamente 1 (uma) em cada 30.000<br />

crianças do sexo masculino é afetada (levando-se em conta a população geral, sua in-<br />

cidência é de aproximadamente 1 para cada 60.000 nascimentos). 8<br />

Apesar de pacientes com hemofilia leve apresentarem sangramentos excessi-<br />

vos somente após trauma ou cirurgia, os portadores da forma severa têm uma média<br />

anual de 20 a 30 episódios de sangramento após pequenos traumas, particularmente<br />

em articulações e músculos. Em alguns desses pacientes os episódios podem ser até<br />

mais freqüentes. Estes sintomas diferem substancialmente dos gerados por defeitos<br />

plaquetários ou da doença de von Willebrand, nos quais predominam os sangramentos<br />

das mucosas. 9<br />

Antes da efetiva terapia de reposição ser introduzida no fim dos anos 60, a he-<br />

mofilia causava morte e distúrbios severos numa idade precoce. Na Suécia, um registro<br />

nacional para causas de morte estabelecido no século XVIII tornou possível a docu-<br />

mentação das mudanças na expectativa de vida dos pacientes portadores de hemofilia.<br />

A expectativa de vida média de pacientes portadores de hemofilia severa aumentou<br />

para 11,4 anos de 1831 a 1920; para 20 anos de 1921 a 1960 e para 56,8 anos de<br />

1961 a 1980. 11 Durante este mesmo período, a expectativa de vida da população mas-<br />

culina geral também aumentou, mas somente de 61,7 para 75,6 anos. Infelizmente, a<br />

epidemia de AIDS mudou novamente o prognóstico dos pacientes portadores da hemo-<br />

filia A. Dados de 289 famílias de um grande centro americano de hemofilia mostraram<br />

um declínio na expectativa média de vida de 68 anos (de 1971 a 1980) para somente<br />

49 anos (de 1981 a 1990). 12<br />

Milhares de pacientes com hemofilia A e sem outros fatores de risco para HIV<br />

apresentaram diagnóstico de AIDS, sendo que muitos desses pacientes morreram. A-<br />

pesar do número de novos casos em pacientes hemofílicos estar diminuindo, existem<br />

8


ainda muitos pacientes HIV positivos hemofílicos com risco de desenvolver AIDS, 13,14,15<br />

mas que ainda não manifestaram sinais e sintomas da doença.<br />

9


Padrão de Herança<br />

A herança de fenótipos recessivos ligados ao X segue um padrão bem definido<br />

e facilmente reconhecido. Uma mutação recessiva ligada ao X expressa-se fenotipica-<br />

mente em todos os homens que a recebem, mas apenas nas mulheres que são homo-<br />

zigóticas para a mutação. Em conseqüência, os distúrbios ligados ao X geralmente se<br />

restringem aos homens e, à exceção dos raros heterozigotos manifestos, quase não<br />

são vistos nas mulheres. Uma outra característica desse padrão é que o gene respon-<br />

sável pela afecção é transmitido de um homem afetado para todas as suas filhas. Os<br />

filhos do sexo masculino de qualquer uma dessas filhas têm uma chance de 50% de<br />

herdá-lo. O gene jamais se transmite diretamente do pai para o filho, mas sim de um<br />

homem afetado para todas as suas filhas. Outra característica é que o gene pode<br />

transmitir-se ao longo de uma série de mulheres portadoras e, os homens afetados nu-<br />

ma família são aparentados através das mulheres. Finalmente, as mulheres heterozigó-<br />

ticas geralmente não são afetadas, mas algumas expressam a afecção com intensidade<br />

variável.<br />

Nos raros casos em que a mulher é afetada, ela deve ser filha de pai afetado e<br />

mãe carreadora. A hemofilia A também pode ocorrer em mulheres com hemizigose para<br />

mutação do fator VIII, como resultado de um defeito na lyonização (inativação) do cro-<br />

mossomo X. Alguns casos de hemofilia A têm sido relatados em pacientes com anor-<br />

malidades no cromossomo X como Síndrome de Turner e mosaicismo do X. 9 Se uma<br />

mulher carreadora tiver seu cromossomo X normal inativado, ela apresentará as mani-<br />

festações clínicas típicas desta patologia.<br />

10


Deve-se ressaltar, no entanto, que aproximadamente 30% dos casos de hemo-<br />

filia A surgem de novas mutações, não havendo história familiar deste distúrbio.<br />

11


Etiologia e Patogênese<br />

A hemofilia A é um distúrbio heterogêneo resultante de defeitos no gene que<br />

codifica o fator VIII da coagulação, o que leva a uma redução dos seus níveis circulan-<br />

tes funcionalmente ativos. A redução na atividade pode ser devida a uma diminuição na<br />

quantidade do fator VIII (proteína), à presença de um fator VIII funcionalmente anormal<br />

ou a uma combinação de ambos. Para que o fator VIII seja um cofator efetivo do fator<br />

IX, ele precisa ser clivado pela trombina, numa reação que resulta na formação de um<br />

heterodímero composto pelos domínios A1A2 e A3C1C2 em um complexo com cálcio<br />

(ver anexo 1). Os fatores VIII e IX ativados associam-se na superfície das plaquetas<br />

ativadas para formar um complexo de ativação do fator X, dando seqüência à cascata<br />

da coagulação. Na presença do fator VIII ativado, a taxa de ativação do fator X pelo fa-<br />

tor IX é extremamente aumentada. Não é surpresa que a hemofilia A e hemofilia B a-<br />

presentem manifestações clínicas similares, uma vez que tanto o fator VIII quanto o IX<br />

(ativados) são necessários para formar o complexo de ativação do fator X. Em pacien-<br />

tes com hemofilia A, a formação do coágulo é retardada porque a geração de trombina<br />

está marcadamente diminuída. Além disso, o coágulo que é formado é friável e facil-<br />

mente desalojado, levando a sangramento excessivo e cicatrização deficitária. 9 A fisio-<br />

patogenia da hemofilia A será melhor discutida ao longo do trabalho.<br />

12


Apresentação Clínica<br />

A hemofilia clássica é caracterizada por sangramentos excessivos em várias<br />

partes do corpo. Hematomas em tecidos moles e hemartroses são altamente caracterís-<br />

ticos da hemofilia. Essa doença tem sido largamente classificada em leve, moderada e<br />

severa, mesmo havendo alguma sobreposição entre essas categorias.<br />

Tabela 1 – Manifestações clínicas da hemofilia.<br />

Classificação Nível de fator VIII (ativo) Achados Clínicos<br />

Severa Até 1% do normal Hemorragias e hemartro-<br />

ses espontâneas, reque-<br />

rindo reposição de fator<br />

Moderada De 2% a 5% do normal Hemorragias secundárias<br />

VIII.<br />

a traumas ou cirurgias.<br />

Leve De 6 a 30% do normal Hemorragias secundárias<br />

a traumas ou cirurgias,<br />

raras hemorragias espon-<br />

tâneas.<br />

Muitos pacientes com hemofilia severa podem apresentar sangramentos sem<br />

ter sofrido trauma conhecido além dos associados com sua atividade diária. As hemar-<br />

troses tornam-se freqüentes a partir do momento em que o paciente começa a cami-<br />

nhar. Sem um tratamento efetivo, as hemartroses recorrentes podem ocorrer em paci-<br />

13


entes jovens e são altamente sugestivas de hemofilia severa. Nesses casos resultam<br />

na artropatia crônica do paciente hemofílico. Os pacientes severamente afetados tam-<br />

bém estão sujeitos a sérias hemorragias que podem dissecar os tecidos planos, poden-<br />

do levar ao comprometimento de órgãos vitais. Entretanto, os episódios de sangramen-<br />

tos são intermitentes e alguns pacientes podem passar semanas ou meses sem apre-<br />

sentar hemorragias. Exceto por hemorragias intracraniais, a morte súbita devido a he-<br />

morragias é extremamente rara.<br />

Os pacientes hemofílicos moderadamente afetados podem apresentar hema-<br />

tomas ocasionais e hemartroses, normalmente associados a um trauma conhecido. Es-<br />

ses pacientes geralmente apresentam 2 a 5% de atividade do fator VIII. Apesar das<br />

hemartroses ocorrerem em pacientes moderadamente afetados, a artropatia associada<br />

é menos debilitante do que a presente em pacientes severamente afetados. 9<br />

Os pacientes com a forma leve da hemofilia A (6 a 30% de atividade do fator<br />

VIII) apresentam episódios de sangramento infreqüentes e a doença pode não ser di-<br />

agnosticada por anos. Ela pode ser descoberta devido a sangramento excessivo no<br />

pós-operatório, após trauma e em pacientes que praticam esportes de contato (por mo-<br />

vimentos bruscos, quedas, etc).<br />

A maioria dos portadores que apresentam níveis de 50% na atividade do fator<br />

VIII geralmente não apresenta hemorragias, mesmo em procedimentos cirúrgicos. En-<br />

tretanto, portadores com nível de fator VIII abaixo de 50% de atividade podem apresen-<br />

tar sangramentos excessivos após trauma (partos, cirurgias, etc) e por essa razão é<br />

necessária a mensuração do fator VIII nas pacientes portadoras do gene para hemofilia<br />

A.<br />

Hematomas<br />

Os hematomas são característicos da deficiência de fatores da coagulação. As<br />

hemorragias no tecido conjuntivo subcutâneo ou em músculos podem ser vistas com ou<br />

sem traumas conhecidos. Uma vez formados, os hematomas podem se estabilizar e ser<br />

absorvidos lentamente sem tratamento. Entretanto, em hemofílicos moderados ou seve-<br />

ros, os hematomas têm tendência a estenderem-se progressivamente, dissecando á-<br />

14


eas contíguas. Os hematomas retroperitoneais podem dissecar o diafragma em dire-<br />

ção ao peito; e os tecidos moles do pescoço, podendo resultar em comprometimento<br />

das vias aéreas. Eles podem também comprometer a função renal quando obstruírem<br />

os ureteres.<br />

As hemorragias ocorrem em músculos seguindo uma ordem de freqüência:<br />

panturrilhas, coxas, glúteos e antebraços são as regiões que apresentam os músculos<br />

mais comumente afetados. Hematomas nessas áreas podem levar a contraturas mus-<br />

culares, paralisias nervosas e atrofia muscular. Sangramentos na língua ou em seu frê-<br />

nulo são particularmente freqüentes em crianças jovens e comumente resultam de<br />

traumas.<br />

Hemartroses<br />

Os sangramentos em articulações respondem por aproximadamente 75% dos<br />

sangramentos de hemofílicos. Qualquer junta pode ser envolvida, mas freqüentemente<br />

há uma “articulação alvo”, que é a articulação propensa a sangramentos repetidos. As<br />

juntas mais comumente afetadas são os joelhos, cotovelos, tornozelos, ombros, punhos<br />

e quadris, respectivamente. Algumas vezes as hemartroses são precedidas por leve<br />

desconforto articular, que num período de minutos a horas, torna-se progressivamente<br />

doloroso. A junta afetada pode aumentar de volume, tornar-se aquecida e exibir limita-<br />

ção aos movimentos. A hemartrose do joelho é mais facilmente detectada pelo exame<br />

físico do que os sangramentos no cotovelo ou ombro.<br />

Entretanto, hemorragias repetidas numa articulação podem resultar em destrui-<br />

ção extensa da cartilagem articular, hiperplasia sinovial e outras alterações reacionais<br />

no osso e tecidos adjacentes. Uma das maiores complicações de hemartroses repeti-<br />

das é a deformidade articular, complicada por atrofia muscular e contraturas dos tecidos<br />

moles. Osteoporose e cistos ósseos subcondrais podem se desenvolver, ocorrendo<br />

progressiva redução do espaço articular, que pode ser observada nos radiogramas. A<br />

instituição de terapia apropriada precoce, inclusive ortopédica, pode reduzir e até mes-<br />

mo prevenir estas alterações.<br />

15


Pseudotumores<br />

As lesões pseudotumorais são raras, porém complicações perigosas da hemo-<br />

filia. 9 A maioria dos pseudotumores não está associada com dor a menos que haja<br />

crescimento rápido ou compressão nervosa. Quando o volume do cisto aumenta, ele<br />

pode comprimir e destruir os músculos adjacentes, nervos e osso. Alguns crescem tan-<br />

to e envolvem tantas estruturas que se tornam inoperáveis. Os pseudotumores desen-<br />

volvem-se primariamente no fêmur, pelve e tíbia, mas podem ocorrer em qualquer local,<br />

inclusive o osso temporal. Os pequenos ossos das mãos e dos pés são mais freqüen-<br />

temente afetados em pacientes jovens. Às vezes pode ser difícil diferenciar pseudotu-<br />

mores de tumores malignos. Biópsias com agulha devem ser evitadas pelo risco de in-<br />

fecção e hemorragia. O único tratamento efetivo é a remoção completa da massa. Se o<br />

pseudotumor não for completamente removido, ele pode recidivar.<br />

Hematúria<br />

Virtualmente todos os hemofílicos severamente afetados podem apresentar e-<br />

pisódios de hematúria. A urina pode apresentar coloração marrom ou avermelhada, de-<br />

pendendo do nível do sangramento. Muitos desses sangramentos originam-se da pelve<br />

renal, alguns se originam do rim e, apenas ocasionalmente ocorrem nos dois lugares.<br />

Apesar de alguns considerarem uma lesão estrutural como causa da hematúria, a pie-<br />

lografia intravenosa e ecografias do trato gênito-urinário geralmente não mostram le-<br />

sões, exceto presença de coágulos. Se a coloração da urina clareia durante a micção,<br />

deve-se suspeitar de sangramento do trato gênito-urinário baixo.<br />

As cólicas renais severas podem ocorrer quanto os coágulos obstruem os ure-<br />

teres. Se a hematúria for mínima, sem dor e a história do paciente não refere patologias<br />

do trato gênito-urinário, o médico está autorizado a aguardar alguns poucos dias que o<br />

sangramento cesse. No entanto, se ele continuar, o tratamento com fator VIII pode ser<br />

necessário.<br />

16


Complicações neurológicas<br />

As hemorragias intracranianas são o evento mais perigoso nos pacientes he-<br />

mofílicos. As hemorragias no SNC podem ser espontâneas, mas geralmente são pre-<br />

cedidas por traumas, mesmo que leves. Os sintomas geralmente ocorrem logo após o<br />

trauma, mas em algumas situações, eles podem aparecer após dias ou semanas. Os<br />

pacientes hemofílicos com dores de cabeça incomuns, especialmente se forem inten-<br />

sas, devem ser sempre investigados quanto à presença de hemorragias intracranianas<br />

e hematomas subdurais. Quando se suspeita de sangramentos intracranianos, o paci-<br />

ente deve ser imediatamente tratado com fator VIII.<br />

As compressões de nervos periféricos são complicações freqüentes de hema-<br />

tomas musculares, particularmente nas extremidades. A compressão do nervo femoral<br />

por um hematoma no iliopsoas pode resultar em perda sensitiva da parte ântero-lateral<br />

da coxa, fraqueza e atrofia do quadríceps e perda do reflexo patelar. O ulnar é o se-<br />

gundo nervo periférico mais afetado. Os sangramentos nos músculos da panturrilha<br />

podem levar a contraturas do tendão de Aquiles. Em resumo, os sangramentos podem<br />

ocorrer em qualquer músculo e podem ser seguidos por permanentes defeitos neuro-<br />

musculares.<br />

Hemorragia em mucosas<br />

Os sangramentos das membranas mucosas são comuns em hemofilia. Epista-<br />

xe e hemoptise freqüentemente resultam de infecções ou traumas e sugerem lesão de<br />

estruturas locais envolvendo o trato respiratório. As úlceras pépticas ocorrem com uma<br />

freqüência cinco vezes maior em hemofílicos adultos do que na população geral. 9 O uso<br />

de antiinflamatórios para aliviar os sintomas da artropatia do hemofílico é uma causa<br />

freqüente das hemorragias gastrointestinais. Por essa razão, a ingestão de antiinflama-<br />

tórios (como aspirina) deve ser cuidadosamente verificada na investigação da etiologia<br />

de cada sangramento.<br />

17


Sangramentos pós-cirúrgicos<br />

As cirurgias geralmente resultam em sangramentos excessivos no local da feri-<br />

da operatória. Os sangramentos podem se arrastar por horas e até mesmo por dias. As<br />

cirurgias nesses pacientes são caracterizadas por uma cicatrização deficiente devido a<br />

pobre formação de coágulos. Com uma terapia de reposição de fator VIII apropriada,<br />

hemorragias intra e pós-operatórias podem ser prevenidas.<br />

As extrações dentárias são os procedimentos cirúrgicos mais freqüentes nos<br />

hemofílicos. A retirada dos “dentes-de-leite” oferece pouco risco, mas as extrações dos<br />

dentes permanentes podem resultar em sangramentos excessivos que podem persistir<br />

por muitos dias até que o tratamento seja administrado.<br />

18


Papel do Fator VIII na Coagulação Sangüínea<br />

A manutenção da hemostasia após uma lesão ou rompimento vascular é al-<br />

cançada basicamente por 4 mecanismos. O primeiro deles é o espasmo vascular, que<br />

instantaneamente reduz o fluxo de sangue a partir do vaso rompido. O segundo é a<br />

formação do tampão plaquetário, que, em muitas vezes, é o suficiente para manter a<br />

hemostasia, não necessitando, portanto, da formação de coágulo sangüíneo. O terceiro<br />

mecanismo é a formação do coágulo sangüíneo, no qual agem os fatores da coagula-<br />

ção. O quarto e último mecanismo da hemostasia inicia após a formação do coágulo,<br />

podendo seguir dois caminhos distintos: o da organização fibrosa ou simplesmente o da<br />

dissolução da crase sangüínea. 27<br />

Para o melhor entendimento da fisiopatologia da hemofilia A nos deteremos<br />

especificamente no fator VIII, uma proteína ausente ou presente em pequenas quanti-<br />

dades no sangue destes pacientes, agindo como cofator na via intrínseca da coagula-<br />

ção, considerada a principal via de ativação da coagulação na maioria das circunstân-<br />

cias. 7<br />

A via intrínseca começa com uma alteração no sangue ou exposição deste ao<br />

colágeno do vaso traumatizado. Esta alteração sangüínea causa ativação do fator XII<br />

ou de Hageman (XII → XIIa) e liberação de fosfolipídeos plaquetários que contêm a li-<br />

poproteína chamada de fator 3. O fator XIIa ativa enzimaticamente o fator XI ou antece-<br />

dente plasmático da tromboplastina (PTA), na presença de cininogênio HMW (alto peso<br />

molecular), reação esta acelerada pela pré-calicreína. O fator XIa ativa o fator IX ou fa-<br />

tor Christmas que, quando ativado, atua em conjunto com o fator VIIIa, fosfolipídios pla-<br />

19


quetários e com o fator 3 das plaquetas traumatizadas, ativando o fator X. (ver anexo<br />

1)<br />

Apesar da fundamental participação do fator VIII nesse processo, mesmo<br />

quando presente em concentrações relativamente baixas no plasma, o organismo con-<br />

seguirá assegurar uma adequada função de pró-coagulação. Somente uma redução<br />

substancial deste fator (maior que 70%) é capaz de levar a distúrbios sangüíneos típi-<br />

cos da hemofilia A. É importante salientar que os fatores IXa e Xa são proteases do tipo<br />

serina que têm a capacidade de formarem complexos ligadores de membrana com co-<br />

fatores específicos, que são proteínas não enzimáticas: fator VIII no caso do fator IXa e<br />

fator V no caso do fator Xa. O complexo fator VIIIa/IXa é conhecido como complexo X-<br />

ase, que cliva o fator X, ativando-o. O fator Xa age com o fator Va formando o complexo<br />

protrombinase ou ativador da protrombina. 7 A função destes cofatores é acelerar a ve-<br />

locidade das reações em milhares de vezes.<br />

O fator VIII circula no plasma como um grande complexo glicoprotéico não-<br />

covalente com o fator de von Willebrand (FvW), uma proteína multimérica, acentuando<br />

a síntese de fator VIII, protegendo-o contra a proteólise e aumentando sua concentra-<br />

ção no sítio da lesão vascular. Durante muito tempo, esta interação causou muita con-<br />

fusão, sendo que somente na década de 70 é que se conseguiu fazer a distinção entre<br />

esses dois fatores. 1<br />

No entanto, o fator VIII só poderá fazer parte do complexo X-ase quando ele<br />

conseguir se separar do FvW, visto que esta ligação impede sua ação sobre as superfí-<br />

cies fosfolipídicas de células danificadas e plaquetas aderidas. Esta separação requer a<br />

clivagem da cadeia leve do fator VIII pela trombina ou pelo fator Xa. 1<br />

A atividade da via intrínseca é medida pelo TTPA. Observou-se que pacientes<br />

com deficiência do fator XII ou do cininogênio HMW (com TTPA prolongado) não apre-<br />

sentavam episódios de sangramento, demonstrando, portanto, que esses fatores não<br />

são importantes para a ativação fisiológica da cascata da coagulação. No entanto, a<br />

deficiência do fator XI está claramente relacionada a sintomas de sangramento. Este<br />

aparente paradoxo parece ser explicado pela recente demonstração da ativação do fa-<br />

tor XI pela trombina e sua auto-ativação pelo fator XIa. 7<br />

20


Estrutura do Fator VIII<br />

O gene do fator VIII está localizado no topo do braço longo do cromossomo X<br />

(Xq28). Trata-se de um gene de grande tamanho com 186 kilobases (kb), representan-<br />

do 0,1% da constituição total do cromossomo X. 29,30 Este gene é constituído por 26 é-<br />

xons, correspondendo a um RNA mensageiro (RNAm) de 9 kb. Dos 26 éxons, 24 vari-<br />

am em comprimento de 69 a 262 pares de bases. Os éxons 14 e 26 contêm 3106 e<br />

1958 pares de bases, respectivamentes, constituindo os maiores éxons. Em relação<br />

aos íntrons, seis deles são maiores que 14 kb. Incomumente, o íntron que separa os<br />

éxons 22 e 23 contém a ilha CpG associada com duas transcrições adicionais chama-<br />

das F8A e F8B. O F8B é transcrito na mesma direção que o gene do fator VIII, usando<br />

um éxon próprio mais os éxons 23 a 26 do fator VIII. Já o F8A não contém íntrons e é<br />

transcrito na direção oposta ao gene do fator VIII. Além disso, duas cópias de F8A es-<br />

tão implicadas em quase metade dos casos de hemofilia A severa via mecanismo de<br />

inversão parcial. 28<br />

O RNAm do fator VIII codifica um polipeptídeo de 2351 aminoácidos, do qual<br />

um peptídeo hidrofóbico de 19 aminoácidos é removido durante a secreção, 1 formando<br />

conseqüentemente o fator VIII como uma proteína plasmática de 2332 aminoácidos que<br />

circula ligado ao FvW, que age como carreador do fator VIII na circulação.<br />

O fator VIII é constituído por uma estrutura com seqüências repetidas, onde<br />

encontramos três domínios A (A1, A2 e A3), dois domínios C (C1 e C2) e um grande<br />

domínio B central. Este domínio B, codificado pelo éxon 14, não tem sua função clara-<br />

mente esclarecida, contudo parece exercer a função de conexão. Visto que fatores VIII<br />

recombinantes, cujo domínio B estava ausente, mantinham sua função relativamente<br />

21


normal, mostrando, portanto, que pode ser dispensável. 1 É importante salientar que os<br />

Fatores V e VIII apresentam estruturas semelhantes, além de exercerem a função de<br />

cofator na cascata da coagulação.<br />

Durante a ativação do fator VIII, o domínio B é clivado, resultando em duas ca-<br />

deias que juntas representam 70% da massa molecular. A cadeia pesada é constituída<br />

pelos domínios A1 e A2, já a cadeia leve pelos domínios A3, C1 e C2. Entre o domínio<br />

A2 e A3 está o domínio B. (ver anexo 2)<br />

Embora o fator VIII seja sintetizado como um polipeptídeo de cadeia simples,<br />

uma protease ainda indefinida cliva a proteína imediatamente após a sua síntese, tor-<br />

nando o fator VIII plasmático um heterodímero, cuja cadeia leve de 80 kDa é divalente e<br />

a cadeia pesada é um complexo cálcio-dependente que contém quantidades variáveis<br />

do domínio B. No entanto, posteriormente ocorre a clivagem do fator VIII plasmático<br />

pela trombina ou fator Xa nos sítios 372 e 1689 da arginina, essencial para a liberação<br />

do fator VIII ligado ao FvW, permitindo que o fator VIII se ligue à superfície fosfolipídica<br />

e interaja com o fator IXa.<br />

Além dessas clivagens citadas acima, há ainda uma outra clivagem não essen-<br />

cial no sítio 740 da arginina pela ação da trombina ou fator Xa, convertendo a cadeia<br />

pesada em um fragmento de 92 kDa. 1<br />

A clivagem no sítio 372 da arginina, citada anteriormente, converte a cadeia<br />

pesada em dois fragmentos, um de 54 kDa e outro de 44 kDa, 31,32,33,34 ambos essenci-<br />

ais para a atividade pró-coagulante. Ao mesmo tempo, um pequeno fragmento da ca-<br />

deia leve é clivado para separar o fator VIII do FvW. Esta clivagem leva à ativação do<br />

fator VIII, o qual é composto pelos fragmentos 54 kDa e 44 kDa da cadeia pesada e<br />

pelo fragmento 72 kDa da cadeia leve. Estudos demonstraram que a etapa limitante na<br />

ativação do fator VIII é a clivagem da cadeia pesada no sítio 372 da arginina. O mesmo<br />

estudo demonstrou que a associação do fator VIII com o FvW causa um aumento de<br />

oito vezes na eficiência de catalização da trombina na clivagem da cadeia leve, o mes-<br />

mo não ocorrendo na clivagem dos resíduos 372 e 740.<br />

É importante salientar que a clivagem inicial e a ativação do fator VIII podem<br />

ser devido a uma pequena quantidade de fator Xa formado pelo complexo catalítico do<br />

fator tecidual e do fator VIIa. Contudo, a formação do fator Xa por este mecanismo é<br />

22


apidamente reprimida por uma via de inibição do fator tecidual. Conseqüentemente, o<br />

fator X passa a ser clivado pelo fator IXa, sendo este mecanismo acelerado por feed-<br />

back positivo gerado pela trombina que ativa o fator VIII.<br />

A função de cofator exercida pelo fator VIII é prontamente perdida, não pela<br />

ação de proteólise pela trombina ou fator Xa, mas sim pela própria instabilidade mole-<br />

cular deste fator que resulta da dissociação de suas subunidades. A proteína C ativada<br />

também exerce papel importante na inativação, clivando-o nos sítios 336 e 562 da argi-<br />

nina. 35,36,37<br />

23


<strong>Genética</strong> Molecular<br />

Existe um amplo espectro de defeitos genéticos que atingem o gene do fator<br />

VIII. A caracterização das mutações tem sido feita de maneira lenta, devido ao grande<br />

tamanho do gene, que permite que haja vários pontos de mutações que não afetam<br />

sítios da enzima de restrição, microdeleções que estão abaixo dos limites de resolução<br />

do Southern blotting e mutações dentro de íntrons. Recentemente, algumas limitações<br />

puderam ser solucionadas com o uso da técnica de eletroforese por gel com gradiente<br />

de desnaturação, permitindo a detecção de alterações em um único nucleotídeo, e da<br />

técnica que se baseia no uso da transcrição reversa do RNA mensageiro por PCR (RT-<br />

PCR).<br />

Aproximadamente um terço dos pontos de mutações que ocorrem no fator VIII<br />

estão localizadas no dinucleotídeo CpG, considerado um “ponto quente” para mutação<br />

no genoma humano. 28 Youssoufian et al. (1987) chegou a esta conclusão ao observar<br />

que citosina metilada pode espontaneamente desaminar a tiamina, resultando numa<br />

transição C para T no DNA. 38 Além deste ponto, um grande número de mutações de um<br />

único par de base tem ocorrido no sítio da endonuclease de restrição Taq1. A Taq1 re-<br />

conhece a seqüência TCGA, e mutações neste sítio podem ser diretamente detectadas<br />

pela perda deste sítio de clivagem. 28<br />

Os diversos defeitos genéticos que atingem o gene do fator VIII podem ser a-<br />

grupados em várias categorias: rearranjos, substituição de uma única base de DNA le-<br />

vando tanto a uma substituição de aminoácidos (missense) ou a um término prematuro<br />

na cadeia peptídica (nonsense ou mutação em parada), deleções na seqüência genéti-<br />

24


ca variando de um único par de base a todo gene, ou ainda, inserção de DNA de tama-<br />

nho variável.<br />

Rearranjos Gênicos<br />

Consistem basicamente em uma única inversão responsável por mais de 40%<br />

de todos os casos de hemofilia A severa.<br />

Durante muito tempo tentou-se descobrir a causa de mutações em pacientes<br />

severos por amplificação por PCR de todos os 26 éxons. No entanto, somente em 50%<br />

dos casos estas mutações foram encontradas. No restante dos pacientes, todas as se-<br />

qüências dos éxons foram normais, sugerindo que alguns casos de hemofilia A eram<br />

devido a mutações fora da região codificadora do fator VIII. Contudo, com a utilização<br />

do RT-PCR do RNAm neste pacientes, verificou-se que não era possível a amplificação<br />

entre os éxons 22 e 23. Hoje é sabido que em todos esses pacientes há uma grande<br />

inversão e translocação dos éxons 1 a 22, juntamente com os íntrons, com os éxons 23<br />

a 26, cujo mecanismo é uma recombinação homóloga entre o gene F8A no íntron 22,<br />

cuja função é ainda desconhecida, e uma cópia F8A extragênica de 400 Kb 5’ do gene<br />

do fator VIII. Ou seja, há uma mutação no íntron 22 devido à presença de duas áreas<br />

no topo do cromossomo X (2 cópias de gene A) com seqüências homólogas a uma úni-<br />

ca cópia dentro do íntron 22 do gene do fator VIII. Assim, a inversão ocorre devido a<br />

uma recombinação homóloga entre o pequeno gene A dentro do íntron 22 e uma das<br />

duas cópias adicionais do gene A localizadas distantes do fator VIII, resultando na in-<br />

versão do segmento do gene do fator VIII que inclui os éxons 1-22. Isto leva a uma re-<br />

moção da terminação C da proteína codificada pelos éxons 23-26, ocasionando uma<br />

perda completa da função deste fator. Com esta descoberta, por meio da análise feita<br />

por Southern blotting, que detecta esta inversão com o uso da enzima de restrição BclI<br />

e o gene A como probe, agora pode-se identificar o defeito em aproximadamente 45%<br />

dos casos de <strong>Hemofilia</strong> A severa. 28<br />

Sabe-se que um único erro no crossing-over durante a meiose espermatogênica<br />

pode levar à fragmentação do gene, com subseqüente formação de gametas mutados.<br />

Esta descoberta traz implicações clínicas importantes, visto que as mulheres geradas<br />

25


destes gametas podem ser carreadoras da mutação, mesmo na ausência de uma histó-<br />

ria familiar. Na verdade, estudos familiares demonstraram que a origem para tal inver-<br />

são é quase que exclusivamente de um gameta de um homem normal. Recentemente,<br />

determinou-se que os dois tipos mais comuns de inversões são a cópia distal de F8A,<br />

responsável por 35% dos casos de hemofilia A severa, enquanto que o crossing-over<br />

com a cópia proximal é responsável por aproximadamente 7% dos casos. 28<br />

Substituição de Única Base<br />

Há aproximadamente 309 tipos diferentes de substituições de base única des-<br />

critos. Destas, 85% levam à alteração de um único aminoácido – mutação missense;<br />

14% levam à criação de um códon de parada – mutação nonsense, enquanto que em<br />

casos esporádicos, o splicing do RNAm do fator VIII pode estar alterado ou ausente.<br />

O códon do aminoácido arginina (CGA, CGC, CGG) é freqüentemente afetado<br />

por mutações nos “pontos quentes”. Dependendo de qual segmento do DNA é afetado,<br />

poderemos observar tanto códon de parada (TGA) como um códon para o glutamato<br />

(CAA), cistina (TGC) ou glicina (GGC).<br />

Mutações missense podem interferir na ativação ou função do fator VIII, resul-<br />

tando em vários tipos de fenótipos que variam de moderado a severo, dependendo do<br />

tipo específico do aminoácido substituído. Por exemplo, algumas substituições de dife-<br />

rentes aminoácidos têm sido observadas substituindo a arginina do códon 372, sítio no<br />

qual a trombina age para ativar o fator VIII. 28<br />

Mutações nonsense resultam, quase que invariavelmente, em hemofilia A se-<br />

vera, devido à formação de uma molécula de fator VIII truncada.<br />

Deleções<br />

As deleções presentes no gene do fator VIII contribuem para 5% dos casos de<br />

hemofilia A, 1,9 sendo freqüentemente associadas à doença severa. Estas deleções po-<br />

dem ocorrer nas células germinativas tanto masculinas como femininas. Foram dividi-<br />

26


das arbitrariamente em grandes deleções e pequenas deleções, cujo limite é de 100<br />

pares de bases.<br />

Grandes Deleções<br />

Neste grupo, há deleções desde menos que 1 kb até mais que 210 kb, dele-<br />

tando praticamente todo o gene. O mecanismo mais provável das grandes deleções é a<br />

recombinação não-homóloga., sendo responsável por aproximadamente 5% dos casos<br />

severos de hemofilia A. Estas grandes deleções quase que invariavelmente levam à<br />

doença severa, cuja atividade plasmática do fator VIII não pode ser medida e antígenos<br />

não detectados.<br />

Há apenas 3 relatos de casos de doença moderada envolvendo grandes dele-<br />

ções dos éxons 22 e éxons 23-24 associados. Estas deleções podem ser resultado do<br />

splicing do RNAm que deleta o éxon 22 ou ambos éxons 23 e 24, com subseqüente<br />

secreção de fator VIII hipoativo pela perda dos aminoácidos 52 ou 98 respectivamen-<br />

te. 38<br />

É importante salientar que estes pacientes têm um grande risco (38%) de de-<br />

senvolverem inibidores do fator VIII, ou seja, anticorpos anti-fator VIII, embora ainda<br />

não haja correlação óbvia entre o tamanho da deleção e a tendência a desenvolver es-<br />

tes inibidores. 28<br />

Pequenas Deleções<br />

Neste grupo há deleções desde 1 até 86 pares de bases, que estão distribuí-<br />

das através dos éxons e quase todas associadas à doença severa. Há relatos, porém,<br />

em que pequenas deleções que não alteram a matriz de leitura do gene resultam em<br />

doença moderada. 9 No entanto, se compararmos estes pacientes com os de grandes<br />

deleções, veremos que o risco de desenvolverem inibidores para o fator VIII é menor<br />

(9,6%). 28<br />

A maioria destas deleções produz mutações do tipo frameshift (mudança de<br />

matriz de leitura) e conseqüentemente abolição da expressão do fator VIII. Há um “pon-<br />

27


to quente” de uma deleção A simples num segmento de 9 bases A nos códons 1191-<br />

1194, onde uma única inserção também foi vista. 28<br />

Inserções<br />

As inserções relatadas até então variam em tamanho de 1 par de bases a 2,1<br />

kb, todas elas associadas à doença severa. A inserção L1 (LINE-1) é caracterizada por<br />

elementos genéticos encontrados no genoma humano que carregam similaridade ao<br />

DNA da transcriptase reversa retroviral. 38 No entanto, o nível de antígeno do fator VIII<br />

não é conhecido, conseqüentemente, não se sabe se esta proteína variante é inativa ou<br />

expressada em grau inferior ao normal.<br />

28


Diagnóstico Clínico<br />

Diagnóstico<br />

Em pacientes hemofílicos, a tendência ao sangramento é diretamente relacio-<br />

nada à deficiência de fator VIII da coagulação presente no plasma. Os sangramentos<br />

podem ocorrer em qualquer local. Entretanto, os sítios mais comumente afetados são<br />

as articulações (joelhos, tornozelos e cotovelos), os músculos e o trato gastrointestinal.<br />

Hemartroses espontâneas são tão características da hemofilia que podem ser conside-<br />

radas virtualmente como diagnósticas para a doença.<br />

Pacientes com a forma leve de hemofilia sangram somente após grandes<br />

traumas ou cirurgias; aqueles com hemofilia moderada sangram após traumas médios<br />

ou cirurgias; e aqueles com hemofilia severa podem sangrar espontaneamente.<br />

Muitos hemofílicos são atualmente infectados pelo HIV devido à transmissão<br />

pela infusão de concentrados do fator VIII no passado, sendo que muitos têm desenvol-<br />

vido a AIDS. A trombocitopenia imune associada à infecção pelo HIV pode agravar a<br />

tendência a sangramentos.<br />

Diagnóstico Laboratorial<br />

Na hemofilia A, o tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) está prolon-<br />

gado. Entretanto, as outras medidas da coagulação, incluindo contagem de plaquetas,<br />

tempo de pró-trombina (TP), tempo de sangramento e nível de fibrinogênio são nor-<br />

mais. Níveis plasmáticos ativos do fator VIII da coagulação encontram-se reduzidos,<br />

mas as medidas do fator de von Willebrand são normais.<br />

29


Se misturarmos uma amostra de plasma de um paciente hemofílico com plas-<br />

ma normal, o TTPA da mistura será normal. Falhas na normalização dos valores do<br />

TTPA após a mistura indica que o plasma do paciente hemofílico apresenta anticorpos<br />

inibidores do fator VIII.<br />

Cabe ressaltar também que o achado de plaquetopenia em pacientes hemofíli-<br />

cos nos indica a possibilidade de haver trombocitopenia imune, causada pela associa-<br />

ção com infecção pelo HIV 16 .<br />

Diagnóstico Genético<br />

A introdução da reação em cadeia da polimerase (PCR) para a amplificação<br />

específica in vitro de curtos segmentos de DNA tem revolucionado a análise das muta-<br />

ções no DNA. O DNA genômico pode ser retirado de um paciente hemofílico, por e-<br />

xemplo, pela coleta e separação de glóbulos brancos sangüíneos. Após, todo o seg-<br />

mento, inclusive as zonas de junção (splicing) entre éxons podem ser amplificadas pelo<br />

uso de um primer específico para a determinada seqüência de DNA: os segmentos am-<br />

plificados podem então ser diretamente seqüenciados para indicar a presença de qual-<br />

quer um dos defeitos possíveis causadores de hemofilia A. Há, entretanto, dois proble-<br />

mas com esta abordagem da análise do gene do fator VIII: 1) o grande tamanho da re-<br />

gião codificadora – 26 éxons com mais de 9 Kb de seqüências codificadoras a serem<br />

estudados; e 2) essa estratégia pode não detectar rearranjos gênicos (inversões) onde<br />

a seqüência de éxons esteja inalterada. Estas e outras considerações devem ser anali-<br />

sadas para adoção de outras estratégias que, dependentes do PCR, trazem facilidade e<br />

rapidez na identificação desses defeitos, como o RT-PCR. Para a detecção de muta-<br />

ções missense, uma variedade de métodos baseados em gel tem sido usados para<br />

avaliar um éxon em particular por seqüenciamento (Michaelides et al 1994), ao passo<br />

que rearranjos não-delecionais podem ser detectados pelo método de Southern blotting<br />

usando um probe correspondente à região F8A do íntron 22 (Lakich et al 1993).<br />

Diagnóstico Diferencial<br />

30


Inicialmente, a hemofilia A deve ser distinguida de outras patologias que cau-<br />

sem um tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) prolongado. Através de exa-<br />

mes laboratoriais (dosagem dos fatores da coagulação) este diagnóstico diferencial é<br />

facilmente feito quando encontramos níveis de fator VIII reduzidos. 16<br />

Tabela 2 – Diagnóstico diferencial das causas de TTPA prolongado.<br />

Causas que podem gerar um TTPA prolongado:<br />

- Deficiências congênitas de fatores<br />

- Fatores de contato<br />

- Fator XII<br />

- Fator XI<br />

- Fator IX (hemofilia B)<br />

- Fator VIII (hemofilia A e doença de von Willebrand)<br />

- Anticoagulantes<br />

- Anticorpo anti-fator VIII<br />

- Lúpicos<br />

- Heparina<br />

Clinicamente, a hemofilia A é indistinguível da B (deficiência de fator IX), e a-<br />

penas estudos laboratoriais podem distinguir estas duas patologias.<br />

Nos casos de hemofilia A leve a moderada, é necessária uma diferenciação da<br />

doença de von Willebrand. Como o fator de von Willebrand liga-se ao fator VIII na circu-<br />

lação e o estabiliza, a deficiência grave do fator de von Willebrand acompanha-se de<br />

redução dos níveis de fator VIII. Isso porque há uma diminuição na meia-vida do fator<br />

VIII, pois o fator de von Willebrand (seu carreador) encontra-se diminuído ou ausente.<br />

Todavia, ao contrário da hemofilia, a doença de von Willebrand é herdada como caráter<br />

autossômico dominante, e o paciente pode apresentar uma história de sangramento do<br />

tipo vascular 16 . Na triagem, o tempo de sangramento deve estar visivelmente prolonga-<br />

do na doença de von Willebrand, ao passo que encontra-se dentro do limite na hemofi-<br />

lia. A investigação adicional deve demonstrar a presença de deficiência ou anormalida-<br />

de do fator de von Willebrand, com agregação deficiente das plaquetas mediada pelo<br />

31


antibiótico ristocetina na doença de von Willebrand, mas não na hemofilia. 18,19 Se per-<br />

sistir qualquer dúvida quanto ao diagnóstico, pode ser útil efetuar exames laboratoriais<br />

nos membros da família, a fim de determinar o padrão da herança da deficiência.<br />

Uma outra investigação importante das famílias de pacientes hemofílicos é i-<br />

dentificar quais as mulheres que são portadoras do gene para hemofilia A. Elas podem<br />

ser identificadas pela presença de baixa atividade coagulante do fator VIII, mas com<br />

níveis normais de antígenos do fator VIII.<br />

32


Diagnóstico Pré-Natal e Aconselhamento Genético<br />

Embora os avanços no tratamento tenham melhorado significativamente o<br />

prognóstico de pacientes com hemofilia severa, as complicações do tratamento, incluin-<br />

do doenças virais e formação de inibidores (anticorpos contra o fator VIII exógeno), alto<br />

custo, e necessidade freqüente de hospitalização, geram um ônus físico, psicológico e<br />

financeiro para os pacientes, familiares e sistema de saúde. Por estas razões, muitas<br />

mulheres parentes de pacientes hemofílicos desejam saber suas reais chances de<br />

transmitir a doença. Embora algumas possam ser identificadas como carreadoras ba-<br />

seando-se apenas na história familiar (filhas de pais hemofílicos), mulheres cujos ir-<br />

mãos ou parentes mais distantes são afetados desejam mais do que apenas uma pro-<br />

babilidade estatística. 1 A combinação de análises laboratoriais pode determinar o status<br />

de carreadora ou não carreadora com mais de 95% de sensibilidade em aproximada-<br />

mente 80% das mulheres avaliadas. 39,40,41<br />

Mais recentemente, a análise do DNA, através do método de PCR (polymerase<br />

chain reaction), tem sido utilizada para determinação de mulheres carreadoras. 42 Dada<br />

a habilidade de amplificar e seqüenciar cada éxon, numerosas mutações no gene do<br />

fator VIII foram identificadas. Logo se tornou evidente que 40 a 50% das mutações cau-<br />

sadoras de hemofilia severa eram indetectáveis pelos antigos métodos de clonagem<br />

gênica por resultarem de uma inversão das seqüências de DNA dentro do íntron 22,<br />

que é excisado do gene do fator VIII. Estas mutações somente foram detectadas a par-<br />

tir da introdução do método de RT-PCR. 43 Mutações específicas são atualmente utiliza-<br />

das para a identificação direta de genes com finalidade de diagnóstico pré-natal e análi-<br />

se de pacientes carreadoras.<br />

33


A análise das mutações também pode ser usada no estudo da predisposição<br />

de cada paciente ao desenvolvimento de anticorpos que inativem o fator VIII. 8 Depen-<br />

dendo do tipo de mutação do gene do fator VIII, o portador terá diferentes chances de<br />

desenvolvimento de inibidores.<br />

Até a amniocentese se tornar disponível na década de 1970, muitas mulheres<br />

que eram carreadoras ou potencialmente carreadoras eram aconselhadas a evitar a<br />

gravidez. Quando a determinação do sexo por análise citogenética se tornou disponível,<br />

algumas gestantes carreadoras escolhiam interromper gestações envolvendo fetos<br />

masculinos em países cujo aborto era permitido, mesmo sabendo que a chance do filho<br />

ser hemofílico era de 50%. Em 1979, a fetoscopia assistida por ultrassonografia tornou<br />

possível a obtenção de amostras de sangue fetal entre a 18ª e 20ª semana de gravidez<br />

através de cordocentese, e o diagnóstico de hemofilia se tornou mais acessível com o<br />

advento de imunoensaios sensíveis ao fator VIII. 1 Desde 1985, o diagnóstico pré-natal<br />

se tornou possível durante a 8ª e 10ª semana de gestação através da análise do DNA<br />

de amniócitos (amniocentese) ou material das vilosidades coriônicas. 44<br />

34


Tratamento<br />

O tratamento básico da hemofilia A consiste na restituição da atividade defici-<br />

ente do fator VIII, mas não se limita a isso. O manejo clínico destes pacientes vai muito<br />

além da reposição do fator deficiente. Eles devem ser avaliados rotineiramente em cen-<br />

tros especializados por equipes multidisciplinares. Embora a avaliação geral do pacien-<br />

te dependa de sua condição física, ela deve incluir uma anamnese completa e uma<br />

avaliação do sistema musculoesquelético, com recomendações para programas de e-<br />

xercícios e conselhos para uma boa higiene oral.<br />

Para a reposição do fator VIII deficiente, devemos optar entre a utilização de<br />

derivados plasmáticos ou de fator VIII recombinante. Segurança, custo e disponibilidade<br />

são os principais fatores a serem levados em conta na hora de decidirmos o tratamento<br />

para cada paciente. Devido à disponibilidade reduzida de fatores recombinantes, os<br />

fatores derivados do plasma, atualmente muito mais seguros que no passado, constitu-<br />

em a terapia mais utilizada. 1 Os maiores problemas da utilização destes derivados são<br />

sua capacidade de transmitir agentes infecciosos e de induzir a formação de inibidores<br />

do fator VIII. Na metade da década de 1980, 60 a 70% dos pacientes com hemofilia se-<br />

vera na Europa Ocidental e nos Estados Unidos tornaram-se infectados com o vírus da<br />

imunodeficiência humana (HIV), adquirido através de concentrados plasmáticos. 8 Os<br />

derivados plasmáticos aceitos no momento são o crioprecipitado e o plasma fresco, não<br />

sendo utilizado sangue total.<br />

A segurança dos fatores derivados do plasma depende da carga viral do con-<br />

centrado plasmático e do grau de inativação destes vírus. Os procedimentos atualmen-<br />

te utilizados para a inativação de vírus incluem aquecimento do concentrado a altas<br />

35


temperaturas (80°C ou mais), aquecimento do concentrado até 60°C em solução com<br />

vapor, e a adição de uma mistura de um solvente orgânico e um detergente ao concen-<br />

trado. 45,46 A mistura solvente-detergente é amplamente usada devido a sua alta efetivi-<br />

dade em inativar os vírus da hepatite B e C e o HIV, entretanto esta mistura não inativa<br />

vírus sem envelope lipídico. Esta falha levou a surtos de hepatite A em pacientes hemo-<br />

fílicos. 46 Como resultado, hoje são utilizados pelo menos dois procedimentos de inativa-<br />

ção viral.<br />

Duas preparações de fator VIII recombinante foram liberadas pelo FDA (Food<br />

and Drug Administration) no início da década de 1990. Estudos clínicos demonstraram<br />

sua excelente eficácia e a alta correlação entre a dose administrada e os níveis de fator<br />

VIII alcançados no plasma. 47,48,49,50 Nenhum anticorpo foi formado contra as proteínas<br />

animais utilizadas na produção dos fatores recombinantes e nenhuma transmissão viral<br />

foi verificada. Em pacientes hemofílicos previamente tratados com derivados plasmáti-<br />

cos, o fator VIII recombinante freqüentemente desencadeou a formação de novos inibi-<br />

dores, limitando sua utilização neste grupo de hemofílicos. Já entre os pacientes previ-<br />

amente não tratados, 25 a 30% desenvolveram inibidores nas primeiras 10 a 20 infu-<br />

sões. Entretanto, em um terço a um meio destes pacientes, os inibidores rapidamente<br />

desapareceram ou permaneceram em títulos muito baixos; assim sendo, a incidência<br />

de inibidores permanentes em altos títulos não foi maior do que os esperados 10 a 15%<br />

encontrados nos pacientes tratados com derivados plasmáticos, 51,52 levando a crer que<br />

os fatores recombinantes não são mais imunogênicos do que os fatores derivados do<br />

plasma.<br />

A escolha do produto adequado para a reposição de fator VIII deve levar em<br />

conta três fatores: os fatores derivados do plasma estão se tornando mais seguros, os<br />

fatores recombinantes custam duas a três vezes mais que os derivados, e a capacidade<br />

de produzir fatores recombinantes ainda é limitada, podendo gerar períodos de escas-<br />

sez desses fatores. Levando-se em consideração que os fatores recombinantes são<br />

considerados tão seguros quanto os derivados do plasma, quase todos os pacientes<br />

com hemofilia na maioria dos países recebem derivados plasmáticos. Nos Estados Uni-<br />

dos, 60% dos pacientes com hemofilia severa recebem fatores recombinantes. A Itália e<br />

a Inglaterra dão prioridade para o uso de fatores recombinantes em pacientes recente-<br />

36


mente diagnosticados, previamente não tratados e em pacientes que ainda não desen-<br />

volveram infecções contagiosas pelo tratamento com derivados plasmáticos. 8<br />

Como curiosidade, em 1985 Lewis et al. publicaram o caso de um paciente<br />

hemofílico com cirrose por hepatite crônica viral, adquirida com a terapia de reposição<br />

de fatores plasmáticos, submetido a um transplante hepático de um doador normal. No<br />

período pós-operatório foram detectados níveis quase normais do fator VIII no sangue<br />

do paciente. 53 Ressaltamos, entretanto, que o transplante hepático não deve ser consi-<br />

derado uma modalidade terapêutica, pois seu alto custo e complicações impedem sua<br />

larga utilização.<br />

Um dos problemas de maior dificuldade no manejo clínico da hemofilia é o de-<br />

senvolvimento de anticorpos contra o fator VIII em alguns pacientes. O fator VIII é uma<br />

proteína estranha em muitos pacientes com hemofilia severa, e 10 a 20% destes paci-<br />

entes desenvolvem formas de inibidores do fator VIII. 1 Pacientes cuja hemofilia é devido<br />

a grandes deleções ou mutações nonsense são mais suscetíveis a formar inibidores,<br />

embora a deficiência de fator VIII por outras mutações possa também causar apareci-<br />

mento de inibidores.<br />

Em um amplo estudo de coorte com pacientes com hemofilia A, dos quais um<br />

quarto possuía inibidores, aqueles portadores de mutações missense e pequenas dele-<br />

ções tiveram baixa incidência de inibidores (4 e 7%, respectivamente), ao passo que<br />

naqueles com inversões envolvendo o íntron 22, grandes deleções, e mutações non-<br />

sense tiveram uma incidência muito maior (34%, 36% e 38%, respectivamente). 54 Estu-<br />

dos familiares sugerem que as características da resposta imune herdada afetam a<br />

formação de inibidores, entretanto estudos de histocompatibilidade ainda não identifica-<br />

ram um padrão que seja consistentemente ligado a qualquer predisposição ou resistên-<br />

cia à formação de inibidores.<br />

Anticorpos anti-fator VIII usualmente levam a distúrbios severos da crase, com<br />

sangramentos importantes. O TTPA é prolongado, mas os níveis de fribrinogênio, TP<br />

(tempo de protrombina) e contagem de plaquetas não são afetados. A presença de an-<br />

ticorpos deve der suspeitada em qualquer sangramento severo associado a um TTP<br />

prolongado. O diagnóstico é confirmado por testes combinados e in vivo pela incapaci-<br />

dade de elevar os níveis de fator VIII através de concentrados de fator VIII. O tratamen-<br />

37


to de escolha é ciclofosfamida, usualmente combinada com prednisona. Plasmaferese<br />

para reduzir os níveis de inibidores também pode ser útil. 16<br />

Em pacientes com hemofilia A leve ou moderada, assim como naqueles com<br />

doença de von Willebrand, pode ser usado desmopressina (1-deamino-8-D-<br />

vasopressina, ou DDAVP), um análogo sintético da vasopressina que aumenta a libera-<br />

ção e, por conseguinte, os níveis de fator VIII e do fator de von Willebrand. 55,56 Uma<br />

vantagem óbvia da desmopressina é a ausência de transmissão de doenças e forma-<br />

ção de inidores. Embora haja grande variação entre os pacientes, uma dose intraveno-<br />

sa de 0,3 µg por quilograma geralmente aumenta os níveis de fator VIII e fator de von<br />

Willebrand três a cinco vezes em relação aos valores basais pré desmopressina em<br />

pacientes com deficiência de fator VIII leve ou moderada.<br />

Apesar de todos estes avanços no tratamento da hemofilia A, ainda permanece<br />

como um desafio para a sociedade o fato de que quatro quintos dos pacientes hemofíli-<br />

cos, principalmente em países subdesenvolvidos, não recebem qualquer tipo de trata-<br />

mento. 57 A alternativa atual que surge é a produção e purificação em larga escala do<br />

fator VIII extraído do leite de animais transgênicos, sendo um tipo mais barato de tera-<br />

pia de reposição do fator VIII em países mais pobres.<br />

38


Doenças Secundárias em Pacientes Hemofílicos<br />

Antes do advento dos procedimentos de inativação viral, a maioria dos pacien-<br />

tes hemofílicos que foram submetidos ao tratamento com fatores plasmáticos tornou-se<br />

cronicamente infectada pelos vírus da hepatite B, hepatite C e HIV. Estes vírus podem<br />

ter sérias conseqüências a médio e longo prazo além da cirrose hepática e da síndrome<br />

da imunodeficiência adquirida: nessas pessoas também é comum o desenvolvimento<br />

de certos tipos de tumores.<br />

Um estudo de coorte em pacientes hemofílicos infectados pelo HIV mostrou<br />

que a freqüência de sarcoma de Kaposi foi duzentas vezes maior do que a apresentada<br />

pela população geral 20 . Este mesmo estudo encontrou uma freqüência de linfoma não<br />

Hodgkin aproximadamente vinte e nove vezes maior do que a presente na população<br />

geral. 20<br />

A cirrose hepática, que se estabelece em dez a vinte por cento dos pacientes<br />

hemofílicos cronicamente infectados pelos vírus da hepatite B ou C, aumenta o risco<br />

para aparecimento de carcinoma hepatocelular. Estudos mostraram que em pacientes<br />

hemofílicos o risco para desenvolvimento deste carcinoma é trinta vezes maior que o da<br />

população geral. 21<br />

A introdução de terapias anti-retrovirais altamente ativas tem reduzido a morbi-<br />

dade e a mortalidade de pacientes hemofílicos infectados pelo HIV. 22,23 Entretanto,<br />

combinações terapêuticas que incluem inibidores da protease parecem aumentar a<br />

suscetibilidade desses pacientes a sangramentos espontâneos, particularmente em lo-<br />

cais incomuns, tais como os dedos e articulações do punho. 24,25 A possibilidade de que<br />

39


terapias anti-retrovirais possam aumentar o risco de doenças cardiovasculares preco-<br />

ces em pacientes hemofílicos 26 ainda é tema de discussão.<br />

40


Terapia Gênica<br />

De todas as doenças genéticas, as hemofilias (especialmente a A), apresentam<br />

a combinação de fatores que lhes tornam provavelmente as candidatas mais favoráveis<br />

à terapia de reposição gênica. As manifestações clínicas destas doenças são atribuí-<br />

veis a falta de um único produto gênico (fator VIII ou IX) que circula no plasma em pe-<br />

quenas quantidades. 8 Não é necessário um controle muito rigoroso da expressão gêni-<br />

ca, visto que um pequeno aumento nos níveis dessa proteína (fator VIII) melhora subs-<br />

tancialmente os sintomas nos casos severos. O tratamento atualmente disponível con-<br />

siste na reposição periódica de produtos plasmáticos humanos ou proteínas recombi-<br />

nantes que são sintetizadas em tecidos de cultura. A terapêutica ideal seria aquela que<br />

proporcionasse produção endógena contínua destes fatores, protegendo o paciente de<br />

sangramentos e agentes infecciosos que possam estar presentes nas terapias de repo-<br />

sição. Teoricamente, este objetivo pode ser alcançado com a terapia gênica. 58<br />

Alguns estudos vêm analisando a viabilidade de uma terapia gênica baseada<br />

na liberação de fatores virais, os quais seriam responsáveis pela expressão do fator<br />

VIII. Dois obstáculos são encontrados nos estudos em animais. Os vetores baseados<br />

nos vírus da leucemia murina de Moloney inicialmente produziram apenas pequenas<br />

quantidades de fator VIII devido à instabilidade do RNA mensageiro deste fator. Este<br />

problema foi corrigido através de manipulação dos vetores e uso de DNA complementar<br />

(cDNA). Estas mudanças aumentaram grandemente (de 100 a 1000 vezes) os título de<br />

vetores virais, mas a transferência gênica inadequada (transdução) in vivo permanece<br />

um problema, visto que os vetores necessitam divisão celular do hospedeiro para uma<br />

integração eficiente. 59<br />

41


Atualmente, está em andamento um estudo em pacientes com hemofilia A se-<br />

vera, no qual a terapia é baseada na injeção intravenosa de vetores de retrovírus da<br />

leucemia murina contendo cDNA para o fator VIII que não possui o domínio B. Os resul-<br />

tados deste estudo ainda não foram publicados. 58<br />

Em junho de 2001, Roth et al. publicaram os resultados de um estudo em paci-<br />

entes submetidos a um tipo diferente de terapia gênica, sem vetores virais. A técnica se<br />

baseia na introdução do gene do fator VIII em fibroblastos da pele ex vivo por eletrofo-<br />

rese seguida de implantação destas células na cavidade peritoneal dos pacientes. 60 Os<br />

autores encontraram níveis detectáveis de fator VIII em quatro dos seis pacientes que<br />

receberam estas células; dois pacientes obtiveram níveis superiores a 1,0% do normal,<br />

considerado o limiar terapêutico. Nenhum dos pacientes desenvolveu inibidores contra<br />

o fator VIII. O uso de fator VIII recombinante pôde ser diminuído em três pacientes com<br />

os maiores níveis de atividade do fator, e o número de episódios de sangramento es-<br />

pontâneo diminuiu substancialmente. Entretanto, os níveis de fator VIII foram progressi-<br />

vamente diminuindo e se tornaram indetectáveis 10 meses após a administração dos<br />

fibroblastos modificados em três dos quatro pacientes. O declínio dos níveis de fator VIII<br />

pode ser atribuído ao silenciamento do gene, clearance imunológico dos fibroblastos,<br />

ou senescência dos fibroblastos primários após extensivo crescimento ex vivo.<br />

A escolha da via intraperitoneal para a administração das células, embora téc-<br />

nicamente simples, é problemática por diversas razões. Primeiro, a inabilidade de recu-<br />

peração destas células para análise deixa muitas questões sem resposta. Uma delas é<br />

o mecanismo do declínio da expressão gênica; entretanto, há outras potenciais compli-<br />

cações deste procedimento. Por exemplo, estes pacientes formam adesões como resul-<br />

tado de um processo inflamatório no peritônio tentando eliminar as células ectópicas? E<br />

o que acontece com os fibroblastos submetidos às suas capacidades quase máximas<br />

de divisão? A transformação maligna é plausível sob estas circunstâncias? 58<br />

Afora estas questões, os resultados apresentados por Roth et al. são promisso-<br />

res. Níveis detectáveis de fator VIII no plasma ainda não tinham sido alcançados por<br />

terapia gênica antes deste estudo. A afirmação de que níveis de fator VIII acima de<br />

1,0% são terapêuticos ainda é discutível. Mesmo assim, é inegável que o futuro da he-<br />

42


mofilia passa por estes estudos gênicos que investiguem a real capacidade de fazer<br />

com que o paciente hemofílico produza seu próprio fator VIII.<br />

43


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