GNOSE ALEM DA RAZÃO O FENÔMENO DA SUGESTÃO JEAN ...
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a situação da análise ou da terapia é um simples pretexto para liberar, ou espantar, os seus próprios fantasmas e os seus próprios desequilíbrios. Mas o mal maior que Freud quer evitar não está ligado principalmente ao fato de o pai da psicanálise, e com ele os psicanalistas que pretendem ater-se à frieza da relação psicanalítica, na realidade não terem eles mesmos dominado a transferência, naquilo que lhes diz respeito? Se Freud sempre desconfiou do elemento afetivo na terapia, não desconfiou menos do elemento didático. Veremos agora em que esta segunda desconfiança se revelou também causa de confusão e de contradições no pensamento de Freud, no que se refere à sugestão. Uma das preocupações mais altamente respeitáveis de Freud foi sempre a de evitar que o analista influencie o seu paciente, durante o tratamento, inculcando-lhe os seus próprios ideais filosóficos ou religiosos. Esta é outra razão do recuo ou da má consciência do analista freudiano perante uma implicação pessoal no tratamento. Mas Freud foi obrigado a convir que "nós (os psicanalistas) não podemos evitar receber, para análise, pessoas tão fracas de caráter, tão pouco capazes de se adaptarem à vida, que nos vemos obrigados a associar para elas a influência educativa (entenda-se aqui: a sugestão) à influência analítica. Aliás, para a maior parte dos nossos pacientes, de tempo em tempo nós nos vemos também obrigados a nos colocar na posição de educadores e de conselheiros (isto é, a usar a sugestão)". "Mas, acrescenta Freud, isso sempre deve ser feito com muitas precauções e não é preciso procurar modelar o doente à nossa imagem e sim levá-lo a liberar e a aperfeiçoar sua própria personalidade"12. É preciso ensinar, constata Freud. Mas ensinar o quê? E como fazê-lo sem atentar contra a liberdade do paciente? E com que autoridade? Tantas são as perguntas, tantos são os dilemas sem saída dentro dos quais se fechou o pensamento de Freud. Foi em boa parte por falta de ter elucidado o problema da sugestão que a psicanálise freudiana caiu bem cedo no dogmatismo e no espírito de escola mais estreitos. O freudismo: "método racionalista, psicologia sem alma", escreveria Jung, implacável, em 1932. Freud, entretanto, teve o obscuro pressentimento de que faltava um elemento decisivo no edifício psicanalítico. Testemunha disso são os novos caminhos que ele tentou abrir durante a última parte da sua existência, nos anos 1920-1930, quando de suas pesquisas sobre o instinto da morte, sobre a significação psicológica do sentimento religioso e sobre a noção do superego. Mas como Diel observou muito bem, o superego de Freud, na realidade, é um sub-ego, produto de proibições parentais e sociais. Na religião, que é, segundo ele, apenas uma neurose, individual ou coletiva, Freud só soube ver a imagem psicopatológica que dela lhe davam, na realidade e infelizmente, as religiões que pôde observar em seu tempo ou conhecer pela história. Em sua maneira de ver a religião, Freud projetou as
suas próprias deformações neuróticas e as deformações que sua prática de analista ensinou--Ihe a reconhecer em seus pacientes. A complexidade do psiquis-mo pessoal de Freud, e sua extraordinária capacidade de discernir e de analisar sutilmente o respectivo mecanismo, durante muito tempo mascararam o seu profundo desequilíbrio como homem, sua própria neurose e a extrema pobreza real da vida interior do grande psicólogo vienense. Freud, entretanto, viu com muita clareza que o analista deve, também ele, colocar-se num estado análogo ao do seu paciente, que não é o estado de vigília. Em artigo publicado em 1912 no Zentralblatt für Psychoana-lyse, Freud escreveu: "O psicanalista deve evitar deixar que se exerça, sobre a sua faculdade de observação, qualquer influência que seja e (deve) confiar inteiramente em sua "memória inconsciente... sem se preocupar com saber se vai reter alguma coisa"14. "Assim como o paciente, prossegue Freud, deve contar tudo o que lhe passa pelo espírito, eliminando toda objeção lógica e afetiva que o levaria a uma escolha, também o médico deve estar em condições de interpretar tudo o que ouve a fim de descobrir tudo o que o inconsciente dissimula, mas isto sem substituir por sua própria censura a opção que o paciente renunciou. Em resumo: o inconsciente do analista deve se comportar em relação ao inconsciente emergente do doente como o receptor telefônico em relação a quem fez a ligação. Assim como o receptor retransforma as ondas sonoras, assim também o inconsciente do médico consegue, com a ajuda dos derivados do inconsciente do doente que chegam até ele, reconstituir este inconsciente do qual emanam as associações emitidas. Entretanto, para que o médico seja capaz de assim se servir de seu próprio inconsciente, como de um instrumento, é preciso que, em larga medida, se submeta a uma certa condição psicológica. Ele não deve tolerar qualquer resistência suscetível de impedir as percepções do seu inconsciente chegarem ao seu consciente, caso contrário introduziria na análise uma nova espécie de seleção e de deformação, bem mais nefastas do que a provocada por um esforço da sua atenção consciente. Não basta, por isso, que o médico seja mais ou menos normal; ele deve submeter-se a uma purificação psicanalítica"15. Esta longa citação de Freud mostra muito claramente que a cura psicanalítica na realidade é, ou deveria ser, um contato, uma comunicação de consciente a inconsciente, que requer um estado intermediário, diferente do estado normal de vigília, tanto para o analista como para o analisado. Este simples fato é bastante para situar a cura psicanalítica num plano que é exatamente o da sugestão, e não o da análise racional, discursiva e essencialmente intelectual, em direção à qual, entretanto, evoluiu uma fração muito grande da escola psicanalítica, mais particularmente na França.
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a situação da análise ou da terapia é um simples pretexto para liberar, ou<br />
espantar, os seus próprios fantasmas e os seus próprios desequilíbrios. Mas<br />
o mal maior que Freud quer evitar não está ligado principalmente ao fato<br />
de o pai da psicanálise, e com ele os psicanalistas que pretendem ater-se à<br />
frieza da relação psicanalítica, na realidade não terem eles mesmos<br />
dominado a transferência, naquilo que lhes diz respeito?<br />
Se Freud sempre desconfiou do elemento afetivo na terapia, não<br />
desconfiou menos do elemento didático. Veremos agora em que esta<br />
segunda desconfiança se revelou também causa de confusão e de<br />
contradições no pensamento de Freud, no que se refere à sugestão.<br />
Uma das preocupações mais altamente respeitáveis de Freud foi sempre a<br />
de evitar que o analista influencie o seu paciente, durante o tratamento,<br />
inculcando-lhe os seus próprios ideais filosóficos ou religiosos. Esta é<br />
outra razão do recuo ou da má consciência do analista freudiano perante<br />
uma implicação pessoal no tratamento.<br />
Mas Freud foi obrigado a convir que "nós (os psicanalistas) não podemos<br />
evitar receber, para análise, pessoas tão fracas de caráter, tão pouco<br />
capazes de se adaptarem à vida, que nos vemos obrigados a associar para<br />
elas a influência educativa (entenda-se aqui: a sugestão) à influência<br />
analítica. Aliás, para a maior parte dos nossos pacientes, de tempo em<br />
tempo nós nos vemos também obrigados a nos colocar na posição de<br />
educadores e de conselheiros (isto é, a usar a sugestão)". "Mas, acrescenta<br />
Freud, isso sempre deve ser feito com muitas precauções e não é preciso<br />
procurar modelar o doente à nossa imagem e sim levá-lo a liberar e a<br />
aperfeiçoar sua própria personalidade"12.<br />
É preciso ensinar, constata Freud. Mas ensinar o quê? E como fazê-lo sem<br />
atentar contra a liberdade do paciente? E com que autoridade? Tantas são<br />
as perguntas, tantos são os dilemas sem saída dentro dos quais se fechou o<br />
pensamento de Freud. Foi em boa parte por falta de ter elucidado o<br />
problema da sugestão que a psicanálise freudiana caiu bem cedo no<br />
dogmatismo e no espírito de escola mais estreitos. O freudismo: "método<br />
racionalista, psicologia sem alma", escreveria Jung, implacável, em 1932.<br />
Freud, entretanto, teve o obscuro pressentimento de que faltava um<br />
elemento decisivo no edifício psicanalítico. Testemunha disso são os novos<br />
caminhos que ele tentou abrir durante a última parte da sua existência, nos<br />
anos 1920-1930, quando de suas pesquisas sobre o instinto da morte, sobre<br />
a significação psicológica do sentimento religioso e sobre a noção do<br />
superego. Mas como Diel observou muito bem, o superego de Freud, na<br />
realidade, é um sub-ego, produto de proibições parentais e sociais. Na<br />
religião, que é, segundo ele, apenas uma neurose, individual ou coletiva,<br />
Freud só soube ver a imagem psicopatológica que dela lhe davam, na<br />
realidade e infelizmente, as religiões que pôde observar em seu tempo ou<br />
conhecer pela história. Em sua maneira de ver a religião, Freud projetou as