GNOSE ALEM DA RAZÃO O FENÔMENO DA SUGESTÃO JEAN ...
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por meio de fenômenos de transferência que ela é capaz de produzir. Salvaguardamos a independência final do paciente só utilizando a sugestão para fazê-lo realizar o trabalho psíquico que o levará, necessariamente, a melhorar de forma durável sua condição psíquica"3. Este texto, que contrasta fortemente com os precedentes, comprova uma evolução muito importante no pensamento de Freud. É claro que ele tomou consciência da existência e do papel de primeiro plano do fato sugestivo na psicanálise. Freud se esforçou, entretanto, e com razão, no sentido de esclarecer e aprofundar a noção de sugestão psicanalítica, distinguindo-a da sugestão como era entendida pela escola de Nancy, a fim de evitar os escolhos sobre os quais tropeçou esta última e a fim de salvaguardar os traços específicos da psicanálise. Isto conduziu Freud a duas idéias fundamentais. Em primeiro lugar, a sugestão, ou antes a sugestibilidade, está estreitamente ligada à transferência, isto é, segundo a definição clássica de Freud, aos sentimentos que o analisado leva ao analista e às imagens parentais, ligadas ao complexo de Édipo, que ele projeta sobre este último. Em segundo lugar, é possível usar a sugestão e ao mesmo tempo respeitar a liberdade do paciente. Mas este uso legítimo da sugestão, com o respeito da liberdade, só é realizável se a intervenção do analista fizer apelo à participação ativa do paciente para um "trabalho psíquico" que este é convidado a fazer sobre si mesmo a fim de melhorar seu estado de forma duradoura. Este texto freudiano de 1912 deve ser considerado marco de uma mudança muito importante na história moderna da sugestão. Nele, Freud enfatiza o papel primordial da afetividade na sugestão, desconhecido da escola de Nancy. E, de outro lado, reabilita a sugestão, introduzindo implicitamente a distinção entre o que se poderia chamar, de acordo com critérios por ele propostos, de "boa" e de "má" sugestão. Esta última, a da escola de Nancy, de tipo autoritário, preocupa-se pouco com a independência do doente, que permanece passivo. Ao abandono total entre as mãos do terapeuta e à inibição do julgamento e da vontade da parte do paciente, o terapeuta responde recorrendo a ordens diretas: faça isso, faça aquilo, seus sintomas desapareceram, etc. O outro tipo de sugestão - a "boa" sugestão segundo Freud — está associada à análise; ela faz um apelo constante, durante o próprio desenrolar da cura, à participação ativa do paciente; ela o trata como ser livre. Ou ao menos se esforça para isso. Por mais interessantes que sejam os pontos de vista de Freud precedentemente citados sobre a sugestão, nem por isso seu pensamento, neste domínio, permaneceria menos impreciso, menos ambíguo, e muitas vezes contraditório, por falta de aprofundamento da análise do fenômeno sugestivo e também por falta de rigor na terminologia. Em 1917, na Introdução à Psicologia, tida geralmente como a suma mais completa e a síntese mais acessível da obra de Freud, ele escreveu que se
"a sugestão hipnótica age como um processo cosmético (entenda-se: superficial), em compensação, a sugestão psicanalítica age como um processo cirúrgico"6. E mais adiante, no mesmo texto: "nossa influência repousa essencialmente sobre a transferência, isto é, sobre a sugestão7... O trabalho de interpretação que transforma o inconsciente em consciente... completa-se sob a influência da sugestão"8. "Quanto ao trabalho de luta contra as resistências, que constitui a tarefa essencial do tratamento analítico, ele incumbe ao doente, ao qual o médico acorre em auxílio através do recurso à sugestão"9. Assim, a sugestão se encontra, pelo expresso reconhecimento de Freud, na base dos três elementos essenciais da cura psicanalítica: transferência, tomada de consciência dos conteúdos inconscientes, luta contra as resistências. Em setembro de 1918, no V Congresso Psicanalítico, em Budapeste, nova reviravolta, ao menos parcial, de Freud que declara, para lamentá-la como um mal necessário: "Considerando a aplicação maciça da nossa terapêutica, seremos obrigados a misturar ao ouro puro da análise uma considerável quantidade do chumbo da sugestão direta. Às vezes mesmo deveremos... fazer uso da influência hipnótica"10 Como explicar, afinal, todas essas imprecisões, essas reviravoltas, essas contradições no pensamento de Freud a respeito do problema da sugestão? Para tentar responder a esta pergunta, notemos em primeiro lugar que, embora acentuasse a importância da afetividade na sugestão e de maneira geral na psicoterapia, Freud, entretanto, sempre desconfiou do elemento afetivo nas relações entre o analista e o seu paciente, sobretudo se fossem de sexos opostos. "Para o analisado, sentencia Freud, o médico deve permanecer impenetrável"11. O analista não deve envolver-se pessoalmente. Sua atitude deve ser voluntariamente distante, fria, impessoal, "objetiva". Este modo de considerar o paciente, em resumo, como uma espécie de cobaia e de fazer dele objeto de pesquisa científica suscitou vivos protestos, particularmente de Maeder. Uma das razões de ser da atitude impessoal do analista é evitar — e isso era muito importante no espírito de Freud — que a psicanálise, terapia com forte componente intelectual, fundada sobre a tomada de consciência dos mecanismos inconscientes, se transformasse sem o saber numa terapia sugestiva, baseada na afetividade da transferência e nas "satisfações substitutivas" (como dizia Freud) que a transferência pudesse dar ao paciente ao provocar uma "diversão agradável" (igualmente expressão de Freud) e uma perda da energia necessária ao próprio tratamento analítico. Que a implicação pessoal do terapeuta apresenta inconvenientes e que ela pode, às vezes, até fazer com que o analisado corra graves perigos, é inegável, e é muito grande o número de analistas e psicólogos para os quais
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por meio de fenômenos de transferência que ela é capaz de produzir.<br />
Salvaguardamos a independência final do paciente só utilizando a sugestão<br />
para fazê-lo realizar o trabalho psíquico que o levará, necessariamente, a<br />
melhorar de forma durável sua condição psíquica"3.<br />
Este texto, que contrasta fortemente com os precedentes, comprova uma<br />
evolução muito importante no pensamento de Freud. É claro que ele tomou<br />
consciência da existência e do papel de primeiro plano do fato sugestivo na<br />
psicanálise. Freud se esforçou, entretanto, e com razão, no sentido de<br />
esclarecer e aprofundar a noção de sugestão psicanalítica, distinguindo-a<br />
da sugestão como era entendida pela escola de Nancy, a fim de evitar os<br />
escolhos sobre os quais tropeçou esta última e a fim de salvaguardar os<br />
traços específicos da psicanálise.<br />
Isto conduziu Freud a duas idéias fundamentais. Em primeiro lugar, a<br />
sugestão, ou antes a sugestibilidade, está estreitamente ligada à<br />
transferência, isto é, segundo a definição clássica de Freud, aos<br />
sentimentos que o analisado leva ao analista e às imagens parentais, ligadas<br />
ao complexo de Édipo, que ele projeta sobre este último. Em segundo<br />
lugar, é possível usar a sugestão e ao mesmo tempo respeitar a liberdade do<br />
paciente. Mas este uso legítimo da sugestão, com o respeito da liberdade,<br />
só é realizável se a intervenção do analista fizer apelo à participação ativa<br />
do paciente para um "trabalho psíquico" que este é convidado a fazer sobre<br />
si mesmo a fim de melhorar seu estado de forma duradoura.<br />
Este texto freudiano de 1912 deve ser considerado marco de uma mudança<br />
muito importante na história moderna da sugestão. Nele, Freud enfatiza o<br />
papel primordial da afetividade na sugestão, desconhecido da escola de<br />
Nancy. E, de outro lado, reabilita a sugestão, introduzindo implicitamente a<br />
distinção entre o que se poderia chamar, de acordo com critérios por ele<br />
propostos, de "boa" e de "má" sugestão. Esta última, a da escola de Nancy,<br />
de tipo autoritário, preocupa-se pouco com a independência do doente, que<br />
permanece passivo. Ao abandono total entre as mãos do terapeuta e à<br />
inibição do julgamento e da vontade da parte do paciente, o terapeuta<br />
responde recorrendo a ordens diretas: faça isso, faça aquilo, seus sintomas<br />
desapareceram, etc. O outro tipo de sugestão - a "boa" sugestão segundo<br />
Freud — está associada à análise; ela faz um apelo constante, durante o<br />
próprio desenrolar da cura, à participação ativa do paciente; ela o trata<br />
como ser livre. Ou ao menos se esforça para isso.<br />
Por mais interessantes que sejam os pontos de vista de Freud<br />
precedentemente citados sobre a sugestão, nem por isso seu pensamento,<br />
neste domínio, permaneceria menos impreciso, menos ambíguo, e muitas<br />
vezes contraditório, por falta de aprofundamento da análise do fenômeno<br />
sugestivo e também por falta de rigor na terminologia.<br />
Em 1917, na Introdução à Psicologia, tida geralmente como a suma mais<br />
completa e a síntese mais acessível da obra de Freud, ele escreveu que se