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Casino, Hipnose e Extinção [pdf] - António Júlio Duarte

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ARTES, LETRAS E IDEIAS<br />

PARTE INTEGRANTE DO HOJE MACAU Nº 2467. NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />

ANTÓNIO JÚLIO DUARTE WHITE NOISE<br />

CASINO, HIPNOSE E EXTINÇÃO


h 2 I D E I A S F O R T E S<br />

7 10 2011<br />

NOCTURNO, INERTE, HIPNÓTICO<br />

WHITE NOISE LIVRO DE FOTOGRAFIAS DE ANTÓNIO JÚLIO DUARTE NOS CASINOS DE MACAU<br />

no enésimo regresso a Macau, An-<br />

E tónio <strong>Júlio</strong> <strong>Duarte</strong> publica “White<br />

Noise”, livro de 36 fotografias a cor, em<br />

redor dos casinos, da atmosfera insone<br />

dos lobbies, dos objectos e da ausência<br />

que percorre a geografia do jogo local.<br />

Editado pela Pierre von Kleist Editions,<br />

o livro deverá estar disponível ao público<br />

no próximo mês de Dezembro.<br />

<strong>António</strong> <strong>Júlio</strong> <strong>Duarte</strong> regista o insólito dos<br />

casinos com a distância familiar própria de<br />

um antropólogo romântico em busca dos<br />

mais eloquentes vestígios de uma civilização<br />

em perda, no caso, em busca de despojos<br />

da humanidade anulada pelo fulgor<br />

das luzes, dos materiais e das arquitecturas.<br />

Trata-se de uma humanidade ausente,<br />

de corpos inertes feridos pela disciplina<br />

do espaço e daí o sentimento onírico ou<br />

labiríntico a que a promoção do livro se<br />

refere. “Durante os últimos dez anos, <strong>António</strong><br />

<strong>Júlio</strong> <strong>Duarte</strong> tem fotografado os lobbies<br />

dos casinos de Macau. Em jet lag, à<br />

noite, com um flash e uma câmara de médio<br />

formato, <strong>Duarte</strong> fez dos lobbies o seu<br />

território pessoal. A lúxuria destes locais, a<br />

estranheza dos seus objectos e a ausência<br />

humana criam um forte sentimento onírico.<br />

Como que flutuando somos guiados<br />

por um labirinto. O trabalho é, ao mesmo<br />

tempo, um importante documento sobre a<br />

pouco vista realidade dos casinos de Macau<br />

nos nossos dias e uma reflexão muito<br />

pessoal sobre o Ocidente e o Oriente, sobre<br />

como nos relacionamos com o mundo<br />

através da fotografia”.<br />

O título do livro “White Noise”, como<br />

afirma na entrevista que aqui publicamos,<br />

remete para esse barulho nocturno e indistinto<br />

que o fotógrafo identifica com<br />

a insónia, um estado prolongado de (in)<br />

consciência materializado no universo<br />

do casino. Mais do que espaço de insónia<br />

será, antes de tudo, um espaço de desolação,<br />

e mais ainda, de desconsolo pessoal.<br />

Este parece ser, aliás, a fundação do edíficio<br />

que constitui todo o livro porque é a<br />

partir dessa angústia, ou da depressão, ou<br />

da tristeza, ou do ódio, em todo o caso, a<br />

partir de um sentimento de disconformidade<br />

face a este objecto, afectivamente,<br />

violento que o fótografo constrói o seu<br />

discurso. Não é, por isso, de surpreender<br />

a sua afinidade com os trabalhos do<br />

japonês Daido Moriyama que, embora<br />

monocromáticos, percorrem também os<br />

lados mais obscuros, intrigantes, invisíveis<br />

ou marginais de Tóquio.<br />

ESTADOS GERAIS<br />

A presença de <strong>António</strong> <strong>Júlio</strong> <strong>Duarte</strong> em<br />

Macau tem sido recorrente e o seu trabalho<br />

na RAEM não é estranho. Uma<br />

IMAGEM DE LOBBY DE CASINO PUBLICADA EM “WHITE NOISE”<br />

das mais recentes estadias do fotógrafo<br />

ocorreu em Julho de 2009 quando, no<br />

âmbito do projecto mundial “Estados<br />

Gerais” do colectivo “Kamera Photo” a<br />

que pertence, <strong>António</strong> <strong>Júlio</strong> permaneceu<br />

uma semana na redacção do Hoje<br />

Macau acompanhando os jornalistas nos<br />

seus trabalhos diários. Foi, exactamente,<br />

a semana da eleição do actual Chefe do<br />

Executivo, Fernando Chui Sai On, fotografo<br />

por <strong>António</strong> <strong>Júlio</strong> cujos trabalhos<br />

É a partir da angústia, ou da depressão, ou da<br />

tristeza, ou do ódio, em todo o caso, a partir de<br />

um sentimento de disconformidade face a este<br />

objecto, afectivamente, violento dos casinos que<br />

o fótografo constrói o seu discurso


I D E I A S F O R T E S<br />

se reuniram, depois, aos dos outros fotógrafos<br />

do “Kamera Photo” que durante<br />

os mesmos sete dias de Julho estiveram<br />

espalhados em redacções de jornais em<br />

vários países do mundo. O resultado pretendia<br />

registar essa semana do Verão de<br />

2009 no mundo e ser, depois, apresentado<br />

no Festival Internacional de Fotojornalismo<br />

“Visa pour le image”, em Perpignam,<br />

sul de França. “Todos os integrantes<br />

no projecto escolheram jornais que se<br />

preocupam com as notícias do sítio onde<br />

estão inseridos, numa abordagem local.<br />

Um pouco para comparar com o que difundido<br />

pelas grandes agências. E também<br />

para analisar como vimos a notícia e<br />

como o jornal em que estamos inseridos<br />

a viu”, afirmava, então, <strong>António</strong> <strong>Júlio</strong> na<br />

entrevista que concedeu a este jornal no<br />

final do projecto.<br />

Em 2008, a passagem do fotógrafo por<br />

Macau haveria ainda de produzir um trabalho<br />

sobre um dos mais insólitos aspectos<br />

da cidade, patente em Espanha, em<br />

Fevereiro do ano passado, numa mostra<br />

colectiva intitulada “Montaña”, comissariada<br />

pelo espanhol Horácio Fernandez,<br />

na Galeria de Arte “Sonado” de Segóvia.<br />

Tratava-se da imagem do vulcão do parque<br />

temático da Doca dos Pescadores<br />

intitulada “Vulcania. The highest man-<br />

-made volcano in Southeast Asia”.<br />

Os lobbies dos casinos como teu território<br />

pessoal, diz o texto de promoção<br />

de “White Noise”. Parece que há um<br />

sentido de fantasmagoria nessas fotos,<br />

uma encenação do desconsolo desumano,<br />

mas o que o leva a esses espaços,<br />

a fotografar (ou documentar?) esses<br />

espaços?<br />

A fotografia é na sua essência fantasmagórica,<br />

registo do que já não é. Uma<br />

ruptura no fluir do espaço-tempo. Mas o<br />

que é realmente fantasmagórico é o real.<br />

Não há encenação, é mais uma projecção<br />

do meu desconsolo, antes um desconsolo<br />

humano. Sinto muitas vezes que<br />

estou a assistir aos últimos dias de uma<br />

espécie em extinção. Sou atraído para<br />

espaços ou situações que reflectem esse<br />

meu mal-estar. Os casinos, com toda<br />

a sua estratégia de anulação temporal,<br />

tornaram-se o arquétipo de tudo isso.<br />

h 3<br />

ANTÓNIO JÚLIO DUARTE DIZ QUE O REAL É FANTASMAGÓRICO<br />

“PARA ATINGIR O PHOTO MODE<br />

PRECISO DE ESTAR DEPRIMIDO”<br />

Michel Foucault falava de heterotopias,<br />

espaços que acumulam outros<br />

espaços, outros tempos, condições<br />

desviantes. Podemos falar desta ideia<br />

neste seu trabalhos?<br />

Pode-se falar efectivamente da ideia de<br />

heterotopia, na condição de que se compreenda<br />

que ela está presente só a um<br />

nível superficial, e que aquilo que está<br />

nos meus trabalhos é antes o meu espaço,<br />

o meu tempo, e as condições predominantes.<br />

A norma é em si desviante.<br />

É uma heterotopia que paira sobre a<br />

hegemonia.<br />

Em que medida entende a fotografia<br />

como dispositivo de mediação/ representação<br />

do mundo? Ou, serão antes<br />

as fotos dispositivos de inscrição no<br />

mundo contrariando a ideia da fotografia<br />

documental, a foto como revelação<br />

de algo que está ali mas não se vê, que<br />

é preciso revelar?<br />

São sempre dispositivos de representação<br />

do mundo e sempre dispositivos de<br />

inscrição no mundo. Por que tenho que<br />

escolher? Não gosto de pensar nas imagens<br />

fotográficas como reveladoras, mas<br />

como algo que se vê e faz ver.<br />

O texto também afirma que fotografa<br />

em jet lag, à noite. Procura também,<br />

de algum modo, fazer fotografia em<br />

estados de consciência alterada?<br />

Para atingir o estado a que Daido Moriyama<br />

chama photo mode, preciso de estar<br />

relativamente deprimido. Outras emoções,<br />

como a tristeza ou o ódio, quando<br />

7 10 2011<br />

“Não há encenação,<br />

é mais uma projecção<br />

do meu desconsolo,<br />

antes um desconsolo<br />

humano. Sinto<br />

muitas vezes que<br />

estou a assistir aos<br />

últimos dias de uma<br />

espécie em extinção”<br />

atingem um certo ponto, podem induzir<br />

este estado. Todos temos os nossos<br />

métodos, não digo para criar, mas para<br />

fazer.<br />

É também uma reflexão pessoal sobre<br />

ocidente e oriente, e em que medida?<br />

Só na medida em que os próprios termos<br />

ocidente e oriente já são clichés.<br />

Por fim, White Noise, porquê este titulo<br />

para o livro?<br />

É um título aberto, até porque não<br />

remete para a imagem. Uma amiga<br />

minha, quando viu a maquete do livro,<br />

achou que white noise se referia ao ruído<br />

das slot machines. Para mim, é o som da<br />

insónia.<br />

UM VIDRO RACHADO DE UMA MONTRA DA RUA DE SÃO BENTO. LISBOA. 27/01/2010.

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