dinâmicas de gênero na educação infantil - Itaporanga.net
dinâmicas de gênero na educação infantil - Itaporanga.net
dinâmicas de gênero na educação infantil - Itaporanga.net
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Introdução<br />
DINÂMICAS DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL<br />
ANITA LEOCÁDIA PEREIRA DOS SANTOS<br />
PPGE/UFPB e UEPB<br />
As roti<strong>na</strong>s e os hábitos retratam o cotidiano. Este, no dizer <strong>de</strong> Certeau po<strong>de</strong> ser<br />
<strong>de</strong>sig<strong>na</strong>do como conjunto dos procedimentos (2005, p.109), situados no terreno do irrefletido,<br />
da vida diária, para on<strong>de</strong> nosso olhar é dirigido no momento, por entendê-lo como importante<br />
espaço e tempo educativo. Conforme Gutiérrez,“a vida cotidia<strong>na</strong> é a situação mais próxima e<br />
mais estável para os seres humanos, especialmente quando são crianças. É no espaço <strong>de</strong> cada<br />
dia, no ritmo (...) e ao longo <strong>de</strong> cada jor<strong>na</strong>da que se realiza seu <strong>de</strong>senvolvimento”(2004, p.85).<br />
No contexto do campo <strong>de</strong> pesquisa, como em outras instituições socializadoras e<br />
educacio<strong>na</strong>is, as relações <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> exaustivamente repetidas ao longo da história, passam a<br />
ser vistas pela maioria das pessoas como <strong>na</strong>turais e ahistóricas. Meni<strong>na</strong>s calmas e meninos<br />
agitados, por exemplo, são estereótipos 1 que ao longo dos tempos “ditam como todos os<br />
homens mulheres <strong>de</strong>vem ser” (CARVALHO, 2000, p.17), não <strong>de</strong>spertam a atenção e<br />
curiosida<strong>de</strong> para muitos, e, po<strong>de</strong>m ser reforçados pelas intervenções adultas, carentes <strong>de</strong> uma<br />
reflexão crítica.<br />
Neste texto, apresentamos abordagens iniciais <strong>de</strong> uma pesquisa em curso 2 . Buscamos<br />
no interior da Creche 3 perceber como se configuram as <strong>dinâmicas</strong> <strong>de</strong> <strong>gênero</strong>, no intuito <strong>de</strong><br />
problematizar situações rotineiras e eventuais 4 , caso ocorram durante a pesquisa, adotando<br />
<strong>gênero</strong> enquanto categoria <strong>de</strong> análise do cotidiano escolar da Educação Infantil, focalizando a<br />
organização do ambiente, ativida<strong>de</strong>s e interações entre as crianças e com educadoras, no<br />
intuito <strong>de</strong> encontrar situações que revelem segregação ou inclusão <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> no cotidiano<br />
escolar.<br />
O grupo escolhido para ser acompanhado foi o das crianças entre dois e três anos, por<br />
terem uma permanência durante todo o dia <strong>na</strong> creche 5 , especificamente a turma do mater<strong>na</strong>l I,<br />
e por contar com uma das professoras como colaboradora voluntária da pesquisa. A<br />
metodologia utilizada constou <strong>de</strong> uma abordagem qualitativa, organizada <strong>na</strong> forma <strong>de</strong><br />
observações não participantes, entre maio e julho 2007, com a utilização do diário <strong>de</strong> campo,<br />
análise documental, entrevistas com a diretora, professora-colaboradora e outras que atuam<br />
com as crianças do universo <strong>de</strong>limitado, e o uso da fotografia 6 , numa atuação <strong>de</strong> “bricoleur 7<br />
<strong>na</strong> pesquisa em <strong>educação</strong>”. (KINCHELOE; BERRY, 2007)<br />
1 Os estereótipos <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> se referem à concretização das representações sociais e culturais sobre os<br />
comportamentos masculino e feminino, em pólos opostos e dicotomizados.<br />
2 Trata-se <strong>de</strong> um recorte da pesquisa <strong>de</strong> Mestrado em Educação intitulada “O cotidiano da escola: <strong>de</strong>svelando<br />
sutilezas e implicações <strong>na</strong>s relações <strong>de</strong> <strong>gênero</strong>”, incluída no Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Educação da UFPB,<br />
e representa uma resposta ao primeiro objetivo do Projeto <strong>de</strong> Pesquisa do CNPq, em andamento, “Estudos <strong>de</strong><br />
caso da prática docente enfocando as construções e <strong>de</strong>sconstruções <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> no cotidiano da <strong>educação</strong> <strong>infantil</strong>”,<br />
coor<strong>de</strong><strong>na</strong>do por Maria Euli<strong>na</strong> Pessoa <strong>de</strong> Carvalho (UFPB/CE/PPGE).<br />
3 A Creche e Pré-Escola Zeferi<strong>na</strong> Gaudêncio, mantida pela Prefeitura Municipal fica localizada à Rua João<br />
Pequeno s/n, no bairro do catolé, Campi<strong>na</strong> Gran<strong>de</strong> - PB.<br />
4 Um acontecimento observado que será <strong>de</strong>scrito e a<strong>na</strong>lisado foi a home<strong>na</strong>gem às mães, por ocasião do mês <strong>de</strong><br />
maio.<br />
5 A partir <strong>de</strong> quatro anos, as crianças passam um expediente (manhã ou tar<strong>de</strong>) <strong>na</strong> creche, e, não participam dos<br />
banhos, nem da hora do sono: usufruem da creche como escola.<br />
6 As imagens do contexto pesquisado não são meras ilustrações, mas configuram uma coleta <strong>de</strong> dados e também<br />
são objetos <strong>de</strong> análise.<br />
7 “A palavra francesa bricoleur <strong>de</strong>screve um faz-tudo que lança mão das ferramentas disponíveis para realizar<br />
uma tarefa” (KINCHELOE, 2007, p.15)
Para análise dos dados utilizamos o referencial sociológico <strong>de</strong> Bourdieu (2005),<br />
especificamente os postulados sobre a violência simbólica, habitus e or<strong>de</strong>m androcêntrica 8 ,<br />
acompanhados das contribuições <strong>de</strong> Louro (2004), especialmente as que se referem às<br />
manifestações <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> <strong>na</strong> escola, <strong>de</strong>ntre outras autorias significativas sobre a temática<br />
<strong>gênero</strong> e <strong>educação</strong>, além <strong>de</strong> estudos voltados para o universo da Educação Infantil.<br />
Descrevendo o campo e suas roti<strong>na</strong>s...<br />
A Creche pesquisada conta com uma área distribuída em jardim; quatro salas <strong>de</strong> aula;<br />
uma sala <strong>de</strong> direção que funcio<strong>na</strong> em conjunto com secretaria; um dormitório; uma cozinha;<br />
um pátio coberto que funcio<strong>na</strong> também como refeitório; dois sanitários (masculino e<br />
feminino) com três privadas cada; dois banheiros, (masculino e feminino) com quatro<br />
chuveiros e uma privada em cada um, além <strong>de</strong> um espaço diferenciado, <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>do ao banho <strong>de</strong><br />
criança com <strong>de</strong>ficiência física; um banheiro ao ar livre, com três chuveiros; uma área <strong>de</strong><br />
serviço, com lavan<strong>de</strong>ria e espaço para a secagem <strong>de</strong> roupas ao ar livre; áreas <strong>de</strong> circulação<br />
inter<strong>na</strong>; e área <strong>de</strong>scoberta, <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>da ao recreio das crianças.<br />
Conforme análise documental, a equipe funcio<strong>na</strong>l é constituída por: corpo docente,<br />
com doze professoras com nível <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> superior, sendo nove no curso <strong>de</strong> Pedagogia,<br />
das quais sete, com habilitação em Educação Infantil; duas formadas em Administração <strong>de</strong><br />
Empresas, e uma no curso <strong>de</strong> Serviço Social, possuindo formação <strong>de</strong> Magistério em Nível<br />
Médio; dois vigias, com nível <strong>de</strong> ensino fundamental; uma meren<strong>de</strong>ira, com nível médio e<br />
duas auxiliares <strong>de</strong> cozinha, com nível fundamental; cinco auxiliares <strong>de</strong> serviços gerais, sendo<br />
quatro do sexo feminino, com nível fundamental, e um do sexo masculino, com nível médio;<br />
uma lava<strong>de</strong>ira com nível fundamental, que faz dobra <strong>de</strong> carga horária; uma diretora eleita,<br />
com curso superior <strong>de</strong> Pedagogia e habilitação em Educação Infantil; uma secretária, com<br />
nível superior em Psicologia (professora com cargo <strong>de</strong>sviado); uma psicóloga, no momento<br />
em licença prêmio; e uma especialista em Educação Infantil.<br />
A matrícula inicial em 2007 totalizou cento e trinta e duas crianças, entre dois e cinco<br />
anos. As turmas são organizadas por faixa etária, e nomeadas da seguinte forma: mater<strong>na</strong>l I -<br />
dois a dois e meio anos; mater<strong>na</strong>l II - três a três e meio anos; pré I - quatro a quatro e meio<br />
anos; pré II - cinco anos. De acordo com as normas da re<strong>de</strong>, caso a matrícula por sala alcance<br />
o número <strong>de</strong> vinte e cinco crianças, serão disponibilizadas duas professoras para a turma, fato<br />
ocorrido para mater<strong>na</strong>l I e II, em 2007, tanto pela manhã como à tar<strong>de</strong>, sendo com professoras<br />
diferentes por turno.<br />
O horário <strong>de</strong> chegada das crianças, entre 07h00min e 07h30min, como também o<br />
horário <strong>de</strong> saída, entre 16h30min e 17h00min, é marcado pela presença femini<strong>na</strong>, seja das<br />
mães (maioria), das tias, avós. Raros são os pais que vêm trazer e buscar suas crianças à<br />
escola.<br />
Ao chegar, as crianças se dirigem às suas salas <strong>de</strong> aula e, são acolhidas pelas<br />
professoras, que em seguida começam a fazer as trocas diárias <strong>de</strong> roupa: tira-se a roupa que<br />
veio <strong>de</strong> casa e veste-se a farda da Creche, ritual que é repetido <strong>de</strong> forma inversa <strong>na</strong> saída e,<br />
segundo as educadoras, tem o objetivo <strong>de</strong> manter o asseio das fardas utilizadas, cuja lavagem<br />
8 No dizer <strong>de</strong> Bourdieu (b,2005), a violência simbólica é a forma <strong>de</strong> manutenção do po<strong>de</strong>r simbólico, uma<br />
violência encantada, suave, silenciosa, que submete e até convence a vítima; o habitus é um conceito<br />
<strong>de</strong>senvolvido ( BOURDIEUa, 2005) para explicar o controle duradouro <strong>de</strong> comportamentos, inscrições sociais<br />
sobre os corpos, que garantem a manutenção <strong>de</strong> condutas, gestos e, no caso do habitus <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> configuram<br />
papéis diferenciados para meninos e meni<strong>na</strong>s, homens e mulheres; a or<strong>de</strong>m androcêntrica refere-se ao masculino<br />
como norma para todas as pessoas, acrescida do <strong>de</strong>sprestígio e preconceito <strong>de</strong>sfavorável ao feminino.<br />
(BOURDIEU, 2005a).<br />
2
ocorre diariamente, <strong>na</strong> lavan<strong>de</strong>ria da Creche. Tal providência, apesar <strong>de</strong> não ser entendida<br />
como tal pelas pessoas que trabalham <strong>na</strong> creche, libera as mães da tarefa <strong>de</strong> lavar as fardas das<br />
suas crianças, beneficiando especialmente, aquelas que trabalham fora. As fardas não são<br />
diferenciadas para meninos e meni<strong>na</strong>s.<br />
Depois da troca <strong>de</strong> roupa, sob a orientação das professoras, são realizadas também<br />
orações e cantos que prece<strong>de</strong>m o café da manhã, servido entre 07h55min e 08h00min. Após a<br />
primeira refeição oferecida é feita a lavagem das mãos e são iniciadas as ativida<strong>de</strong>s didáticas<br />
realizadas em sala <strong>de</strong> aula, até as 09h30min. Em seguida, as crianças são liberadas para o<br />
recreio que acontece em uma área livre, <strong>de</strong>scoberta, com areia, plantas, e ape<strong>na</strong>s os restos <strong>de</strong><br />
dois escorregadores, retirados por estarem imprestáveis, segundo informações das educadoras<br />
da Creche. Recentemente, um gran<strong>de</strong> tronco <strong>de</strong> uma árvore cortada, <strong>de</strong>ixado no espaço do<br />
recreio, tem servido <strong>de</strong> brinquedo para as crianças.<br />
O horário do recreio é interrompido às 10h00min para a realização dos banhos, e, o<br />
almoço é servido entre 10h30min e 10h40min. Após o almoço, as crianças são dirigidas à sala<br />
<strong>de</strong> repouso, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>scansam e dormem geralmente duas crianças por cama, sem segregação<br />
<strong>de</strong> sexo: vê-se menino e meni<strong>na</strong>, meni<strong>na</strong> e meni<strong>na</strong>, menino e menino, numa mesma cama.<br />
Uma professora, em regime <strong>de</strong> hora-extra, acompanha o sono das crianças, <strong>de</strong>ntro do<br />
dormitório, até as 13h00min.<br />
A partir <strong>de</strong> 13h00min, com a chegada das professoras do turno da tar<strong>de</strong>, as crianças<br />
são conduzidas do dormitório aos banheiros, on<strong>de</strong> “fazem o xixi” (expressão usada pelas<br />
professoras), em banheiros separados para meninos e meni<strong>na</strong>s, e, às 14h00min recebem o<br />
lanche da tar<strong>de</strong>. O retorno às ativida<strong>de</strong>s didáticas acontece, a partir <strong>de</strong> 14h30min e segue-se<br />
do recreio iniciado às 15h30min e encerrado às 16h00min. Na seqüência, se faz a troca <strong>de</strong><br />
roupa; <strong>de</strong>sta vez, <strong>de</strong>ixando a farda e vestindo a roupa com a qual veio <strong>de</strong> casa.<br />
Por volta <strong>de</strong> 16h40min é servido o jantar e, a partir das 17h00min acontece à liberação<br />
das crianças. As professoras permanecem até 17h20min e, alguma criança retardatária <strong>na</strong><br />
saída, fica em companhia da secretária ou da diretora, até as 18h00min. A companhia do vigia<br />
é evitada, segundo as educadoras.<br />
Os planejamentos didáticos são feitos sema<strong>na</strong>lmente pelas professoras, por turma,<br />
tomando como referência o plano semestral organizado <strong>de</strong> acordo com as sugestões da equipe<br />
da Secretaria <strong>de</strong> Educação Municipal. Enquanto as professoras planejam, uma auxiliar <strong>de</strong><br />
serviços gerais acompanha as crianças, ou, como esta tarefa nem sempre é bem aceita pela<br />
auxiliar, o planejamento é feito numa sema<strong>na</strong> por uma professora, enquanto a outra fica com<br />
as crianças, invertendo as posições <strong>na</strong> sema<strong>na</strong> seguinte; especialmente no mater<strong>na</strong>l I, em que<br />
as crianças são menores, acontece o revezamento das professoras para o planejamento, o que<br />
não ocorre <strong>na</strong>s turmas <strong>de</strong> crianças maiores, segundo a diretora da Creche. Não há uma roti<strong>na</strong><br />
fixa <strong>de</strong> acompanhamento aos planejamentos por parte da Especialista em Educação Infantil,<br />
que atua <strong>na</strong> Creche, encarregada <strong>de</strong> apoio pedagógico às docentes, conforme afirmações das<br />
professoras.<br />
A sala do mater<strong>na</strong>l I, escolhida para a observação, por questões <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> (dois a três<br />
anos), doravante chamada sala <strong>de</strong> referência, teve em 2007, uma matrícula inicial <strong>de</strong> trinta e<br />
duas crianças, sendo catorze meninos e <strong>de</strong>zoito meni<strong>na</strong>s. Em julho do corrente ano, são<br />
consi<strong>de</strong>radas evadidas sete crianças – quatro do sexo masculino e três do sexo feminino. Hoje,<br />
portanto, figuram em sala <strong>de</strong> aula <strong>de</strong>z meninos e quinze meni<strong>na</strong>s, acompanhadas por duas<br />
professoras, uma das quais se dispôs a colaborar com a pesquisa.<br />
Percebendo, escutando, refletindo...<br />
Durante as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula, <strong>na</strong> sala <strong>de</strong> referência não foram evi<strong>de</strong>nciadas<br />
situações <strong>de</strong> segregação <strong>de</strong> sexo e <strong>gênero</strong>. As professoras trabalham com as crianças em<br />
3
círculo e <strong>na</strong>s mesinhas, incentivando a participação <strong>de</strong> todos/as. Junto às crianças contam<br />
histórias, cantam músicas, realizam tarefas em grupo e individualmente. As interações entre<br />
as crianças fluem <strong>de</strong> maneira diversificada: as meni<strong>na</strong>s se dirigem ao cestinho <strong>de</strong> revistas, as<br />
pegam, andam <strong>de</strong> mãos dadas, sentam e folheiam, numa atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> parceria. Meninos assistem<br />
TV, brincam entre si, e com as meni<strong>na</strong>s, a quem se dirigem, algumas vezes, <strong>na</strong> disputa <strong>de</strong><br />
brinquedos, revistinhas, livrinhos. É importante registrar que, muitas vezes, as meni<strong>na</strong>s<br />
reagem com autonomia diante das investidas dos meninos, dispensando a intervenção das<br />
professoras para resolver tais questões. Segundo as professoras, a preocupação <strong>na</strong> construção<br />
da autonomia das crianças faz parte <strong>de</strong> suas práticas diárias.<br />
Chama à nossa atenção o caso <strong>de</strong> um menino que, todos os dias, vem <strong>de</strong> casa com<br />
fralda <strong>de</strong>scartável, adotada pela mãe que não permite a sua retirada antes do banho. O menino<br />
apresenta si<strong>na</strong>is <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconforto em relação à fralda, principalmente no horário do recreio,<br />
provavelmente pelo calor; usa pouco a fala e tenta chamar a atenção das professoras e das<br />
outras crianças através do choro; Outro caso interessante é <strong>de</strong> uma meni<strong>na</strong> que vem <strong>de</strong> casa<br />
com chupeta, e, que a solicita frequentemente quando recolhida pelas professoras. A meni<strong>na</strong>,<br />
tal como o menino citado anteriormente, não usa a fala com fluência e pouco se associa as<br />
outras crianças, passando momentos <strong>de</strong>itada no chão, ou com bonecas no colo, sozinha. Este<br />
fato <strong>de</strong>monstra que os investimentos educativos promovidos pela família da criança são<br />
<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ntes <strong>na</strong> constituição do seu perfil social, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do sexo masculino ou<br />
feminino. Assim, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>sconfiar as teses da distinção biológica <strong>de</strong> papéis, <strong>de</strong> que os<br />
meninos já <strong>na</strong>scem <strong>de</strong>sinibidos e corajosos e, que as meni<strong>na</strong>s são frágeis e tímidas por<br />
<strong>na</strong>tureza, e realçar a compreensão do <strong>gênero</strong> como construção cultural e relacio<strong>na</strong>l, que “se<br />
produz, “<strong>na</strong>s e pelas relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r” (LOURO, 2004, p.41) tor<strong>na</strong>ndo-se elemento<br />
“constituinte da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> dos sujeitos” (op. cit. p.24). [grifo da autora]<br />
Ao comentarem os casos citados, as professoras acusam a família, citando as mães,<br />
como responsáveis pela falta <strong>de</strong> autonomia das crianças. Sem perceber, em seus discursos elas<br />
empreen<strong>de</strong>m, através da escola, a “perversa culpabilização mater<strong>na</strong>” (SANTOS e<br />
CARVALHO, 2007), <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rando a necessária e justa participação pater<strong>na</strong> <strong>na</strong> tarefa <strong>de</strong><br />
cuidar e educar filhos e filhas. Quando da realização da home<strong>na</strong>gem às mães, estavam<br />
presentes muitas mães que carregavam crianças <strong>de</strong> colo e pela mão, numa <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong><br />
acúmulo <strong>de</strong> tarefas, falta <strong>de</strong> parceria para cuidar dos filhos e filhas, até para um momento em<br />
que <strong>de</strong>veriam estar disponíveis para a escola do filho/a maior (Creche), enquanto não faltaram<br />
falas que reforçaram a “necessária <strong>de</strong>dicação aos filhos”, num misto <strong>de</strong> valorização e<br />
cobrança.<br />
Nos horários <strong>de</strong> recreio, todas as turmas juntas, as crianças brincam livremente,<br />
correndo, mexendo com areia. Po<strong>de</strong>m inclusive tirar as camisas, para ficarem mais a vonta<strong>de</strong>,<br />
meninos e meni<strong>na</strong>s. Os brinquedos são escassos: alguns baldinhos, algumas bonecas. As<br />
interações ficam prejudicadas pela disputa para a posse dos brinquedos;<br />
e, conforme solicitações das crianças, as professoras interferem. Nos alerta Ferreira (p. 45)<br />
que “o papel do adulto enquanto parceiro mais experiente é fundamental (...). Ele <strong>de</strong>ve<br />
procurar perceber a dinâmica das relações que estão sendo construídas. E contribuir para que<br />
elas se dêem da melhor forma possível, sugerindo trocas ou empréstimos”. Assim, po<strong>de</strong>mos<br />
confirmar que “o estilo educativo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> não ape<strong>na</strong>s das características <strong>de</strong> meninos e<br />
meni<strong>na</strong>s aos quais se aplica, mas também das características do adulto que o aplica”<br />
(PANIAGUA; PALACIOS, 2007, p.85) e que uma exigência para ser atendida carece <strong>de</strong> afeto<br />
e proximida<strong>de</strong>.<br />
Observa-se, que os meninos geralmente tomam os bal<strong>de</strong>s <strong>de</strong> areia das meni<strong>na</strong>s, que às<br />
vezes choram e se queixam às professoras, e outras, brigam com eles, quando são do mesmo<br />
tamanho <strong>de</strong>las; as brinca<strong>de</strong>iras cooperativas não são comuns. Tem-se a visão <strong>de</strong> crianças<br />
brincando em separado ou mesmo antagônicas, especialmente no caso dos meninos, que se<br />
4
empurram, jogam terra um no outro, e, <strong>na</strong>s meni<strong>na</strong>s, com freqüência, provocando muitas<br />
reclamações. Desta forma, confirma-se que não basta unir num mesmo espaço meninos e<br />
meni<strong>na</strong>s, para que aconteça a co-<strong>educação</strong>, como um projeto <strong>de</strong> “transformação profunda das<br />
expectativas, comportamentos e práticas escolares” (AUAD, 2006 p.87) e, faz-se necessário<br />
enten<strong>de</strong>r que “ não intervir equivale a apoiar o mo<strong>de</strong>lo existente” (MORENO, 1999, p.74).<br />
Por vezes, algumas crianças passam o recreio isoladas das <strong>de</strong>mais, silenciosas ou<br />
tristes. Seria importante lembrar que “somos corpo e movimento (...), somos inteligência e<br />
linguagem (...), mas somos principalmente, afetos e relações, emoções e contatos” e a<br />
participação adulta po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve contribuir para “o estabelecimento <strong>de</strong> um autoconceito<br />
positivo” que para a criança é fundamental “nesta etapa inicial <strong>de</strong> sua <strong>educação</strong><br />
institucio<strong>na</strong>lizada” ( MIR, 2004, p.33)<br />
A novida<strong>de</strong> do tronco da árvore que foi cortada, <strong>de</strong>itado no espaço do recreio, levou<br />
às crianças inventaram uma forma <strong>de</strong> brincar sobre ele, em forma <strong>de</strong> trenzinho, fato que as<br />
ocupou <strong>de</strong> forma mais amistosa e solidária. No trenzinho do tronco, sentam seguidos meninos<br />
e meni<strong>na</strong>s, ou intercalando-se, po<strong>de</strong>ndo ficar ambos <strong>na</strong> dianteira, sem restrições. A <strong>de</strong>speito<br />
<strong>de</strong> que a “evidência da segregação <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> no jogo <strong>infantil</strong> é notória” (RODRIGUES, 2003,<br />
p.55), novas situações po<strong>de</strong>m certamente estimular o mo<strong>de</strong>lo cooperativo e a inclusão <strong>de</strong><br />
<strong>gênero</strong>, especialmente se forem coor<strong>de</strong><strong>na</strong>das.<br />
Numa dos recreios, uma meni<strong>na</strong> passou todo o tempo sentada ao lado da professora,<br />
com uma boneca, <strong>de</strong> pano e negra, no colo. Ao ser indagada, a professora me explicou que<br />
aquela boneca é muito querida das crianças, por ser a “Zeferi<strong>na</strong>” 9 e que ela (a meni<strong>na</strong>) não<br />
saía <strong>de</strong> perto <strong>de</strong>la (a professora), para que as outras não lhe tomassem a boneca. Acrescentou<br />
ainda, que a referida boneca faz parte do projeto “Zeferi<strong>na</strong> em minha casa”, da turma do pré<br />
II, em que as crianças levam a boneca para “cuidar em casa” e a trazem <strong>de</strong> volta no dia<br />
seguinte. Questionei se levavam a boneca para casa meninos e meni<strong>na</strong>s. A professora afirmou<br />
que sim e, que neste ano, somente um pai compareceu à Creche, para “avisar que não admitia<br />
que seu filho a levasse para casa outra vez, pois isso era coisa <strong>de</strong> meni<strong>na</strong>” e acrescentou que o<br />
pai, conforme informações da mãe e da própria criança, apresenta atitu<strong>de</strong>s agressivas para<br />
com a mãe e os filhos, em casa; e que o menino (filho), é uma criança <strong>de</strong> pouco diálogo,<br />
violenta com as outras, mas ficou triste ao ser impedido <strong>de</strong> participar da ativida<strong>de</strong> relacio<strong>na</strong>da<br />
ao cuidar da boneca.<br />
Certo dia, um menino brincava entre as meni<strong>na</strong>s, trocando a roupa <strong>de</strong> uma boneca <strong>de</strong><br />
pano, pertencente a uma <strong>de</strong>las. Por não ser um episódio freqüente ver meninos com bonecas,<br />
aproximei-me e pu<strong>de</strong> escutar que enquanto vestia-lhe a calça, o menino fazia afirmações a<br />
respeito da genitália da boneca (que nem existia), usando palavras i<strong>na</strong><strong>de</strong>quadas,<br />
possivelmente comuns ao seu universo <strong>de</strong> convivência. Ao chegar junto ao grupo, formado<br />
por ele e mais três meni<strong>na</strong>s, ele (o menino) silenciou sobre os comentários que fazia. Fingi<br />
não ter escutado, e os cumprimentei elogiando por estarem brincando juntos/as. Ele se<br />
justificou, dizendo estar com a boneca porque as meni<strong>na</strong>s não estavam sabendo vesti-la. Duas<br />
meni<strong>na</strong>s protestaram, dizendo que ele havia tirado a roupa da boneca e que estava dizendo<br />
“coisas feias”. Ele negou, e rapidamente se afastou do grupo. Fiquei mais um pouco junto a<br />
elas que fazem parte das turminhas maiores, assim como o menino, mas fui atraída por outro<br />
grupo misto, que brincava com carrinhos, provavelmente trazido por alguma criança.<br />
Por ocasião dos banhos, foi percebida a segregação <strong>de</strong> sexo, <strong>de</strong> forma clara e dirigida:<br />
meninos e meni<strong>na</strong>s tomam banho em separado, não pelos banheiros, mas pela seqüência,<br />
9 Zeferi<strong>na</strong> Gaudêncio foi uma professora paraiba<strong>na</strong>, caririense, cujo nome foi utilizado para <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>r a Creche<br />
pesquisada, e, a idéia da boneca foi para home<strong>na</strong>geá-la e combater o preconceito contra a cor da pele, num<br />
momento em que havia uma criança negra que estava sendo discrimi<strong>na</strong>da pelas <strong>de</strong>mais, conforme explicações da<br />
Diretora.<br />
5
como ativida<strong>de</strong> coor<strong>de</strong><strong>na</strong>da por uma das professoras 10 das turmas do mater<strong>na</strong>l I e II: uma<br />
turma usa o banheiro masculino e a outra usa o feminino, promovendo-se a segregação em<br />
cada grupo. Na primeira observação, um menino quis entrar no banheiro enquanto as meni<strong>na</strong>s<br />
tomavam banho e foi repreendido pela professora: “os meninos não são agora, espere a hora<br />
certa”. Enquanto as meni<strong>na</strong>s tomavam banho, os meninos aguardavam sentados no chão, do<br />
lado <strong>de</strong> fora do banheiro. Portanto, “estabelece-se uma clara diferença <strong>de</strong> caráter sexual que<br />
não se dá em outros aspectos do <strong>de</strong>senvolvimento pessoal” (MIR, 2004, p.48) e, usam-se<br />
como esteio para tal, os corpos.<br />
Em outra ocasião, já <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> nossas conversas, a respeito da pesquisa, uma meni<strong>na</strong><br />
que ficou <strong>de</strong> fora enquanto as outras tomavam banho, foi incluída sem reclamações no banho<br />
dos meninos, pela professora colaboradora. Fatos idênticos não aconteceram com as <strong>de</strong>mais<br />
professoras. Uma <strong>de</strong>las afirmou que a divisão <strong>na</strong> hora do banho seria correta, porque as mães<br />
gostam e para evitar que os meninos “<strong>de</strong>spertassem coisas”, diante da nu<strong>de</strong>z das meni<strong>na</strong>s, ou<br />
quisessem tocá-las, fato já ocorrido, segundo a mesma. Tratar-se-ia da adoção da<br />
“normose 11 ” como elemento constitutivo do universo simbólico das crianças?<br />
(FRIEDMANN, 2005, p.19). De acordo com Moreno (1999, p.34), “a escola não é a única<br />
responsável pela transmissão <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los segregacionistas, mas tem um papel importante<br />
nesta transmissão”, e, isto precisa ser repensado a nosso ver, embora reconheçamos que<br />
conforme Paniagua e Palacios,<br />
Escapar aos próprios preconceitos nesse campo é mais difícil para nós do que<br />
supomos. É necessário manter uma reflexão constante, da perspectiva do <strong>gênero</strong>,<br />
acerca <strong>de</strong> nossas próprias atitu<strong>de</strong>s, da linguagem que utilizamos, dos materiais que<br />
temos <strong>na</strong> sala <strong>de</strong> aula e do tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s que potencializamos, sem esquecer a<br />
inclusão <strong>de</strong>sse tema como um dos mais importantes no trabalho <strong>de</strong> formação e<br />
informação com as famílias (2007, p. 91-92)<br />
Durante a orientação dos banhos, algumas professoras não se referem aos órgãos<br />
sexuais, quando orientam a limpeza, <strong>de</strong>stacando cada parte a ser asseada. Outras indicam<br />
“lave o xixi” para as meni<strong>na</strong>s, e, “lave a pinta” para os meninos e ainda “lave o bumbum”<br />
para ambos. A professora colaboradora comentou que não adiantaria falar as palavras certas<br />
como pênis e vagi<strong>na</strong>, pois as crianças não enten<strong>de</strong>m do que se trata, e fez uma <strong>de</strong>monstração,<br />
confirmando sua fala.<br />
O distanciamento do contato físico-corporal é explícito: as professoras dificilmente<br />
tocam as crianças no <strong>de</strong>correr do banho e as roupas (fardas) limpas, são vestidas por duas<br />
auxiliares <strong>de</strong> serviços gerais, que também arrumam os cabelos dos meninos e das meni<strong>na</strong>s,<br />
sem muita aproximação. Os estudos <strong>de</strong> Ferreira nos lembram que “um banho gostoso ou um<br />
aconchego <strong>na</strong> hora <strong>de</strong> dormir também ajudam a criança a <strong>de</strong>senvolver sua sexualida<strong>de</strong> como<br />
algo bonito, curtido, que envolve intimida<strong>de</strong>, prazer e ternura” (2006, p.69). Uma das<br />
professoras externou não concordar que elas fossem responsáveis pelo banho dos alunos e<br />
alu<strong>na</strong>s, e que a tarefa <strong>de</strong>veria ser assumida por outro/a profissio<strong>na</strong>l, <strong>de</strong>monstrando o<br />
<strong>de</strong>scontentamento e conflito gerado sobre as ativida<strong>de</strong>s específicas da prática pedagógica<br />
diferenciada <strong>de</strong>senvolvida <strong>na</strong> Creche, educar e cuidar, e, a distribuição <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s,<br />
como também <strong>de</strong> afetos, não explicitados tão facilmente pelas <strong>de</strong>mais.<br />
10 Foi visto que as professoras se revezam em ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> roti<strong>na</strong>, como banhos, trocas <strong>de</strong> roupa, atuando uma<br />
<strong>de</strong> cada vez, não se realizando estas ativida<strong>de</strong>s com participação simultânea das duas.<br />
11 “Trata-se do conceito (...) introduzido por Pierre Weil, <strong>de</strong>finido como ‘o conjunto <strong>de</strong> normas, conceitos,<br />
valores, estereótipos, hábitos <strong>de</strong> pensar ou agir, que são aprovados por consenso ou pela maioria em uma<br />
<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da socieda<strong>de</strong> e que provocam sofrimento, doença e morte’. A normose é patogênica e tem um caráter<br />
automático e inconsciente”. (FRIEDMANN, 2005, p.19)<br />
6
Haveria aqui uma subversão da esperada convergência mater<strong>na</strong>gem/ práticas<br />
domésticas com a profissio<strong>na</strong>l da Educação Infantil, pelo fato <strong>de</strong> que “em nossa socieda<strong>de</strong><br />
tanto <strong>na</strong> esfera doméstica (famílias) quanto <strong>na</strong> esfera pública (creches e outras instituições <strong>de</strong><br />
<strong>educação</strong> <strong>infantil</strong>), a responsabilida<strong>de</strong> pela <strong>educação</strong> e cuidado das crianças peque<strong>na</strong>s é das<br />
mulheres”? (CERISARA, 2002, p.22). Revela-se o <strong>de</strong>lineamento <strong>de</strong> uma nova i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
profissio<strong>na</strong>l nesta categoria funcio<strong>na</strong>l, e, paradoxalmente a proposição <strong>de</strong> um retrocesso, pelo<br />
menos legalmente superado pela LDB n. 9394/96, à dicotomização entre o cuidar e o educar?<br />
(op.cit., p.16). Desta forma, estaria sendo reiterada a indicação <strong>de</strong> Cerisara sobre a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> junto às profissio<strong>na</strong>is que atuam <strong>na</strong> Educação Infantil seja implementada “uma<br />
formação específica condizente com as especificida<strong>de</strong>s do trabalho com bebês e crianças<br />
peque<strong>na</strong>s, rompendo com a visão <strong>de</strong> que o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> escola do ensino fundamental é<br />
a<strong>de</strong>quado para formar esses profissio<strong>na</strong>is” (op.cit., p.23), para a compreensão da diferença<br />
entre o seu papel e o das professoras das séries iniciais, enquanto se promove a melhoria das<br />
relações efetivadas e <strong>de</strong> satisfações mútuas entre crianças e professoras da Educação Infantil.<br />
Nas entrevistas realizadas percebeu-se que as problemáticas <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> não compõem o<br />
universo <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>s <strong>na</strong>s preocupações e estratégias educativas das educadoras e que suas<br />
formações profissio<strong>na</strong>is, tanto acadêmico-docentes como continuada 12 , não abordaram ou<br />
abordam <strong>de</strong> forma efetiva as discussões <strong>de</strong> <strong>gênero</strong>. Predomi<strong>na</strong> entre elas, uma visão ingênua<br />
<strong>de</strong> que tais questões não são críticas no contexto da Creche e que as relações <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> lá não<br />
são motivos <strong>de</strong> tensão, sendo vivenciadas pelas crianças <strong>de</strong> forma satisfatória, sem divisões e<br />
sem preconceitos. No <strong>de</strong>correr das entrevistas, conversas e observações, po<strong>de</strong>mos inferir que<br />
existe disponibilida<strong>de</strong> para o diálogo sobre tais problemáticas, uma vez que a <strong>de</strong>sinformação<br />
po<strong>de</strong> justificar as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> análise, e que o fato <strong>de</strong> estarem inseridas no campo <strong>de</strong><br />
trabalho ousando e necessitando conciliar ativida<strong>de</strong>s públicas com privadas em diversos<br />
aspectos, po<strong>de</strong> favorecer um interesse pela discussão, pela articulação do pessoal com o<br />
político, no tocante a <strong>gênero</strong>.<br />
Concluindo provisoriamente...<br />
A pesquisa nos fornece dados significativos tanto para as análises das construções e<br />
relações <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> a partir das situações evi<strong>de</strong>nciadas, no interior da Creche, quanto para a<br />
discussão das concepções das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s profissio<strong>na</strong>is e <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> das professoras, além <strong>de</strong><br />
indicar a importância da intervenção i<strong>de</strong>alizada, 13 ao mesmo tempo em que nos propõe a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma maior aproximação do universo pesquisado, para uma percepção mais<br />
segura das constâncias e eventualida<strong>de</strong>s sobre as questões investigadas.<br />
Os resultados, tanto <strong>na</strong> pesquisa <strong>de</strong> campo como <strong>na</strong>s incursões bibliográficas<br />
específicas da Educação Infantil, nos mostram que a temática <strong>gênero</strong> e <strong>educação</strong>, ainda não é<br />
compreendida com a <strong>de</strong>vida relevância, pelas professoras e <strong>de</strong>mais educadoras que atuam <strong>na</strong><br />
Creche, como também por estudiosos/as da área e, que, a formação docente não contempla<br />
nem mesmo a discussão conceitual, tampouco a procedimental e atitudi<strong>na</strong>l, das relações <strong>de</strong><br />
<strong>gênero</strong>.<br />
Embora as bonecas que compõem o parco acervo <strong>de</strong> brinquedos da Creche sejam bem<br />
mais procuradas pelas meni<strong>na</strong>s, observamos que os rígidos padrões dicotômicos entre os<br />
<strong>gênero</strong>s ainda não são uma constante no comportamento das crianças com ida<strong>de</strong><br />
12 Questio<strong>na</strong>mos sobre as capacitações periódicas promovidas pela re<strong>de</strong> através <strong>de</strong> palestras, ofici<strong>na</strong>s<br />
pedagógicas e mini-cursos, no tocante a estudos em <strong>gênero</strong> e tivemos a negativa como resposta, aliada a algumas<br />
respostas evasivas que só vieram a confirmar as anteriormente citadas.<br />
13 O Projeto <strong>de</strong> Pesquisa, citado em nota anterior, tem como objetivo seguinte discutir estratégias <strong>de</strong> intervenção<br />
junto à professora colaboradora e acompanhar sua pretensa efetivação, para análise posterior.<br />
7
correspon<strong>de</strong>nte à Educação Infantil, manifestação percebida em crianças maiores, no Ensino<br />
Fundamental, <strong>na</strong> mesma re<strong>de</strong> (SANTOS, 2006). Confirma-se, então, a construção do habitus<br />
<strong>de</strong> <strong>gênero</strong>, como oposição entre o masculino e o feminino, enquanto algo que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do<br />
investimento em um longo período, para ter também um resultado duradouro sobre os corpos,<br />
provocando “a divisão entre os sexos” (BOURDIEU, 2005b, p. 53,17), como percebido entre<br />
a maioria dos adultos e adultas, <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> em geral, comandada sob a or<strong>de</strong>m androcêntrica<br />
(op.cit., p.34).<br />
Foram, pois, apontadas <strong>na</strong> Creche como um todo e <strong>na</strong> sala <strong>de</strong> referência, situações <strong>de</strong><br />
oscilação entre segregação e inclusão <strong>de</strong> <strong>gênero</strong>, nos revelando, contudo, prognósticos<br />
favoráveis à construção <strong>de</strong>sta última no cotidiano escolar, bem como a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
aprofundar as discussões <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> para que as intervenções pedagógicas possam convergir<br />
para a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> e combate à or<strong>de</strong>m androcêntrica, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância.<br />
Referências<br />
AUAD, Daniela. Educar meni<strong>na</strong>s e meninos: relações <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> <strong>na</strong> escola. São Paulo:<br />
Contexto, 2006.<br />
BOURDIEUa, Pierre. O po<strong>de</strong>r simbólico. 8ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.<br />
BOURDIEUb, Pierre. A domi<strong>na</strong>ção masculi<strong>na</strong>. 4ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.<br />
CARVALHO, Maria Euli<strong>na</strong> Pessoa <strong>de</strong>. Consciência <strong>de</strong> Gênero <strong>na</strong> Escola. João Pessoa:<br />
Editora Universitária/UFPB, 2000.<br />
CERISARA, A<strong>na</strong> Beatriz. Professoras <strong>de</strong> Educação Infantil: entre o feminino e o<br />
profissio<strong>na</strong>l. 2ed. São Paulo: Cortez, 2002.<br />
CERTEAU, Michel <strong>de</strong>. A invenção do cotidiano: 1. Artes do fazer. 11ed. Petrópolis, RJ:<br />
Vozes, 2005.<br />
FERREIRA, Maria Clotil<strong>de</strong> Rosseti et al. Os fazeres <strong>na</strong> Educação Infantil. 8ed. São Paulo:<br />
Cortez, 2006.<br />
FRIEDMANN, Adria<strong>na</strong>. O universo simbólico da criança: olhares sensíveis para a<br />
infância. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.<br />
GUTIÉRREZ, Antonia Fer<strong>na</strong>n<strong>de</strong>z. Os hábitos <strong>na</strong> <strong>educação</strong> durante os seis primeiros anos <strong>de</strong><br />
vida. In: ARRIBAS, Teresa Lleixà. Educação Infantil: <strong>de</strong>senvolvimento, currículo e<br />
organização escolar. 5ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.<br />
KINCHOLOE, Joe L; BERRY, Kathleen S. Pesquisa em <strong>educação</strong>: conceituando a<br />
bricolagem. Porto Alegre: Artmed, 2007.<br />
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualida<strong>de</strong> e <strong>educação</strong>: Uma perspectiva pósestruturalista.<br />
7ed. Petrópolis: Vozes, 2004.<br />
MIR, Gloria Medrano. A criança e seu crescimento: aspectos motores, intelectuais, afetivos e<br />
sociais. In: ARRIBAS, Teresa Lleixà. Educação Infantil: <strong>de</strong>senvolvimento, currículo e<br />
organização escolar. 5ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.<br />
MORENO, Montserrat. Como se ensi<strong>na</strong> a ser meni<strong>na</strong>: o sexismo <strong>na</strong> escola. São Paulo:<br />
Mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>, 1999.<br />
8
PANIAGUA, Gema; PALACIOS, Jesus. Educação Infantil: resposta educativa à<br />
diversida<strong>de</strong>. Porto Alegre: Artmed, 2007.<br />
RODRIGUES, Paula. Questões <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> <strong>na</strong> infância: marcas <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Lisboa:<br />
Insiuo Piaget, 2003.<br />
SANTOS, Anita Leocádia Pereira dos. Questões <strong>de</strong> Gênero e ludicida<strong>de</strong> <strong>na</strong> escola. In:<br />
Seminário Fazendo Gênero , 7, 2006, Florianópolis: A<strong>na</strong>is. Florianópolis: Ed UFSC.<br />
______; CARVALHO, Maria Euli<strong>na</strong> Pessoa <strong>de</strong>. A culpabilização mater<strong>na</strong> no contexto<br />
escolar. In: EPENN, 18, 2007, Maceió. A<strong>na</strong>is. Alagoas: Ed. UFAL.<br />
9