sandra bernardes puff - Universidade Federal de Santa Catarina
sandra bernardes puff - Universidade Federal de Santa Catarina
sandra bernardes puff - Universidade Federal de Santa Catarina
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
na cama. 125<br />
Falar em JC, as iniciais <strong>de</strong> Jesus Cristo, lembra um fato curioso na narrativa,<br />
Esther era <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> alemães e como tal, gostaria <strong>de</strong> se interar do idioma, porém<br />
isso lhe causava gran<strong>de</strong> incômodo. Esther cinicamente fazia analogias entre o idioma,<br />
entre ser alemão, e como as pessoas a olhavam por ela ter esse lado germânico, como<br />
se fora culpa <strong>de</strong>la tudo que aconteceu na história. Esther respon<strong>de</strong> quando perguntam:<br />
— Você fala que línguas? — Ah, leio francês um pouco e sempre quis<br />
apren<strong>de</strong>r alemão. Minha mãe falava alemão quando criança nos Estados<br />
Unidos e por isso foi apedrejada pelos colegas da escola, durante a<br />
Primeira Guerra. Meu pai falava alemão e morreu quando eu tinha nove<br />
anos, veio <strong>de</strong> alguma al<strong>de</strong>ia maníaco-<strong>de</strong>pressiva no coração negro da<br />
Prússia. Meu irmão, mais jovem que eu, estava no Experimento <strong>de</strong><br />
Vivência Internacional em Berlim e falava alemão como um germânico. O<br />
que não contei foi que cada vez que eu pegava um dicionário ou um livro<br />
em alemão, só <strong>de</strong> olhar aquelas letras negras e pesadas, em forma <strong>de</strong> arame<br />
farpado, minha cabeça fechava como uma ostra. 126<br />
Entre um sarcasmo e cinismo, havia em Esther uma ternura, mesmo que o<br />
assunto fosse sério estava atrelado à ironia. Esther po<strong>de</strong>ria rir <strong>de</strong> si mesma com a<br />
simplicida<strong>de</strong> dos leigos. Vejamos:<br />
Molhei os <strong>de</strong>dos na lavanda <strong>de</strong> água morna que a garçonete da Ladie´s<br />
Day colocou no lugar das minhas duas taças <strong>de</strong> sorvete vazias. Depois<br />
enxuguei cada <strong>de</strong>do cuidadosamente limpo. Dobrei o guardanapo <strong>de</strong> linho<br />
que continuava completamente limpo. Dobrei o guardanapo, passei entre<br />
os lábios e <strong>de</strong>ixei minha boca bem marcada. Quando coloquei-o sobre a<br />
mesa, ficou lá um boca rosa, como se fosse um pequeno coração. Pensei<br />
como era longo o caminho que eu tinha percorrido. A primeira vez que vi<br />
uma lavanda foi na casa <strong>de</strong> minha benfeitora. A mulher sar<strong>de</strong>nta e<br />
pequena do Departamento <strong>de</strong> Bolsas <strong>de</strong> Estudo me disse que era hábito na<br />
minha faculda<strong>de</strong> que a aluna beneficiada com uma bolsa escrevesse<br />
agra<strong>de</strong>cendo para quem a conce<strong>de</strong>u, caso a pessoa fosse viva. Minha bolsa<br />
foi concedida por Philomena Guinea, uma rica romancista. [...] A Sra.<br />
Guinea respon<strong>de</strong>u minha carta e convidou para almoçar na casa <strong>de</strong>la. Foi<br />
lá que vi minha primeira lavanda. A água tinha alguns botões <strong>de</strong><br />
cerejeira flutuando e pensei que aquilo fosse alguma fina sopa japonesa<br />
pós-jantar e bebi tudo, comi inclusive os botõezinhos duros. A Sra. Guinea<br />
não disse nada e só mais tar<strong>de</strong>, quando contei do jantar para uma caloura<br />
que conheci na faculda<strong>de</strong>, foi que <strong>de</strong>i conta do que tinha feito. 127 [sem<br />
grifo no original]<br />
125 PLATH, Sylvia. A redoma <strong>de</strong> vidro. Ibid., 1999, p. 12.<br />
126 PLATH, Sylvia. A redoma <strong>de</strong> vidro. Ibid., 1999, p. 39.<br />
127 PLATH, Sylvia. A redoma <strong>de</strong> vidro. Ibid., 1999, p. 47-48.