sandra bernardes puff - Universidade Federal de Santa Catarina
sandra bernardes puff - Universidade Federal de Santa Catarina
sandra bernardes puff - Universidade Federal de Santa Catarina
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Mas quando cheguei no alto, pensei outra coisa. [...]<br />
Uma vozinha me dizia para não ser idiota – era melhor largar aquilo, tirar<br />
o esqui e <strong>de</strong>scer, escondida atrás dos mirrados pinheiros que margeavam a<br />
pista – e fugir como um mosquito <strong>de</strong>sconsolado. A idéia que eu podia me<br />
matar brotou na minha cabeça, calmamente — como nascesse uma árvore<br />
ou uma flor.<br />
Calculei com os olhos a distância até Buddy.<br />
Ele agora estava com os braços cruzados e parecia parte da amurada que<br />
estava por trás — insensível, escura e insignificante.<br />
Fui até a beira da montanha, enfiei a ponta dos bastões na neve e <strong>de</strong>i<br />
impulso para o vôo que eu sabia não ser capaz <strong>de</strong> parar, se por acaso me<br />
arrepen<strong>de</strong>sse.<br />
Queria <strong>de</strong>scer direto.<br />
Um vento cortante surgiu <strong>de</strong> repente, bateu na minha boca e puxou meu<br />
cabelo para trás. Estava <strong>de</strong>scendo, mas o sol branco não ficou mais alto.<br />
Ele estava sobre as linhas onduladas das montanhas, como eixo inanimado<br />
sem o qual o mundo não existiria.<br />
Um pequeno ponto <strong>de</strong> interrogação formado por meu próprio corpo voava<br />
na direção <strong>de</strong>le. Senti meus pulmões inflando com a força daquele cenário<br />
– ar, montanhas, árvores, pessoas. Pensei: “Isso é que é ser feliz”.<br />
Passei como uma flecha pelos obstáculos em ziguezague, os esquiadores<br />
aprendizes, os experientes, passei por ano atrás <strong>de</strong> ano <strong>de</strong> dúvidas,<br />
sorrisos e obrigações, pelo meu próprio passado. [...]<br />
Meus <strong>de</strong>ntes bateram num monte <strong>de</strong> cascalho. Entrou água gelada na<br />
minha garganta e eu engoli. [...] Pouco a pouco, como ao toque da varinha<br />
<strong>de</strong> condão <strong>de</strong> uma fada má, o velho mundo voltou à posição normal. [...]<br />
Eu queria me esfolar naquele sol para me afiar, até ficar dura e cortante<br />
como a lâmina <strong>de</strong> uma faca.<br />
— Vou subir – disse eu. – Vou subir e esquiar <strong>de</strong> novo.<br />
— Não, não vai.<br />
Uma expressão estranha e satisfeita apareceu no rosto <strong>de</strong> Buddy.<br />
— Não, não vai – repetiu ele com um sorriso. — Você quebrou a perna em<br />
dois lugares. Vai ficar parada uns meses. 101 [sem grifos no original]<br />
Esther ficou impressionada com os Rosenberg que seriam eletrocutados, ela<br />
viu essa notícia no jornal e pensou que morrer queimado seria o tipo <strong>de</strong> morte mais<br />
horrível que pu<strong>de</strong>sse existir. Pensar naquilo chegava a dar náuseas. Ela até chegou a<br />
perguntar para um conhecido qual seria a melhor forma <strong>de</strong> se matar. Mas o que ele<br />
disse não lhe convinha, pensou em ir para o mar:<br />
Fui andando pelo mar. [...] Achei que se afogar <strong>de</strong>via ser a melhor forma<br />
<strong>de</strong> morrer; a pior <strong>de</strong>via ser morrer queimado. Buddy Willard me disse que<br />
alguns bebês que estavam nas garrafas tinham guelras. Estavam num<br />
estágio em que pareciam com peixes. [...] Pensei em nadar até ficar<br />
cansada <strong>de</strong>mais para voltar. Quando pus a cabeça <strong>de</strong>ntro d‘água e <strong>de</strong>i umas<br />
braçadas, a batida do meu coração retumbou como um tambor na minha<br />
cabeça.<br />
Eu sou eu sou eu sou. 102 [sem grifos no original]<br />
101 PLATH, Sylvia. A redoma <strong>de</strong> vidro. Ibid., 1999, p. 105-109.<br />
102 PLATH, Sylvia. A redoma <strong>de</strong> vidro. Ibid., 1999, p. 172-173.