sandra bernardes puff - Universidade Federal de Santa Catarina
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nomes das personagens, o duplo usurpador da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Esther, o duplo que cria<br />
outra duplicata <strong>de</strong> Esther ao escrever o romance, o duplo- sósia. Veremos a seguir o<br />
duplo sob a forma <strong>de</strong> sombra, espelho, gêmeos e entida<strong>de</strong>s metamorfoseadas. No<br />
momento em que Esther, ainda em Nova Iorque conversa com uma <strong>de</strong> suas amigas,<br />
Hilda:<br />
Nunca entendi Hilda direito. Tinha 1m80, gran<strong>de</strong>s olhos ver<strong>de</strong>s puxados,<br />
lábios carnudos e uma expressão ausente, eslávica. Fazia chapéus. Era<br />
assistente da editora <strong>de</strong> moda, que a separou das garotas mais cultas, como<br />
Doreen, Betsy e eu, que éramos colunistas, embora escrevêssemos só sobre<br />
saú<strong>de</strong> e beleza. Não sei se Hilda lia alguma coisa, mas fazia chapéus<br />
lindos. Freqüentou uma escola especial para chapeleiras em Nova York e<br />
cada dia vinha trabalhar com um chapéu diferente, feito por ela mesma<br />
com restos <strong>de</strong> palha, fita ou tule, sempre variando <strong>de</strong> um jeito <strong>de</strong>licado e<br />
bonito. [...]<br />
Na noite anterior eu tinha assistido a uma peça em que a heroína era<br />
possuída por um dibuk que, quando falava através <strong>de</strong>la, tinha uma voz<br />
cavernosa e profunda, não dando para saber se era homem ou mulher. A<br />
voz <strong>de</strong> Hilda parecia a <strong>de</strong> um dibuk.<br />
Ela parava e se olhava refletida nas vitrines das lojas, como para se<br />
certificar a cada minuto <strong>de</strong> que continuava a existir. O silêncio entre nós<br />
era tão pesado que achei que <strong>de</strong>via ser em parte por culpa minha.<br />
— Não é horrível essa história com os Rosenber? — perguntei.<br />
Naquela noite, o casal Rosenberg ia morrer na ca<strong>de</strong>ira elétrica.<br />
— É! — disse Hilda, e finalmente parecia que eu tinha tocado numa corda<br />
humana no caos que era seu coração. Foi só quando estávamos esperando<br />
pelas outras garotas na sala <strong>de</strong> reunião naquela manhã <strong>de</strong> luz sepulcral que<br />
Hilda falou bem alto, ‗É!‘.<br />
— É horrível que exista gente assim.<br />
Depois bocejou, e sua boca laranja se abriu numa enorme escuridão.<br />
Fascinada, fiquei olhando aquele buraco escuro no meio do rosto <strong>de</strong>la até<br />
que os dois lábios se fecharam e moveram e o dibuk falou on<strong>de</strong> estava<br />
escondido: — Que bom que eles vão morrer. 67 [sem grifos no original]<br />
Para Esther o dibuk era conhecido como um espírito maligno que, segundo o<br />
folclore ju<strong>de</strong>u, incorpora-se e domina a pessoa. Po<strong>de</strong>ria ser um olhar doentio <strong>de</strong><br />
Esther para Hilda, <strong>de</strong>vido ao seu estado mental alterado, ou porque estava <strong>de</strong>primida.<br />
Mas Esther percebia que Hilda se olhava muito nas vitrines sinalizando que realmente<br />
estava por se examinar e conferir que era uma mulher que estava ali, porém, na<br />
concepção do duplo e seus <strong>de</strong>sdobramentos ele po<strong>de</strong> se transformar em um animal ou<br />
sombra, ou ainda ser representado por uma espécie <strong>de</strong> variadas metamorfoses. Dessa<br />
67 PLATH, Sylvia. A redoma <strong>de</strong> vidro. Ibid., 1999, p. 35 e 112.