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tópicos sobre a história do negro na sociedade brasileira

tópicos sobre a história do negro na sociedade brasileira

tópicos sobre a história do negro na sociedade brasileira

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CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO<br />

TÓPICOS SOBRE A HISTÓRIA DO<br />

NEGRO NA SOCIEDADE BRASILEIRA<br />

Lucia<strong>na</strong> da Cruz Brito<br />

Apoio:<br />

RELAÇÕES RACIAIS E EDUCAÇÃO<br />

NA SOCIEDADE BRASILEIRA<br />

4


© NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE RELAÇÕES RACIAIS E EDUCAÇÃO (NEPRE)<br />

Ministério da Educação<br />

Universidade Federal de Mato Grosso<br />

Reitora<br />

Maria Lúcia Cavalli Neder<br />

Vice-Reitor<br />

Francisco José Dutra Souto<br />

Pró-Reitora Administrativa<br />

Valéria Calmon Cerisara<br />

Pró-Reitora de Planejamento<br />

Elisabeth Aparecida Furta<strong>do</strong> de Men<strong>do</strong>nça<br />

Pró-Reitora de Ensino de Graduação<br />

Myrian Thereza de Moura Serra<br />

Pró-Reitora de Ensino de Pós-Graduação<br />

Leny Caselli Anzai<br />

Pró-Reitor de Pesquisa<br />

Ad<strong>na</strong>uer Tarquínio Daltro<br />

Pró-Reitor de Vivência Acadêmica e Social<br />

Luís Fabrício Cirillo de Carvalho<br />

Secretaria de Tecnologias da Informação e da<br />

Comunicação aplicadas à Educação<br />

Alexandre Martins <strong>do</strong>s Anjos<br />

Coorde<strong>na</strong>ção da Universidade Aberta <strong>do</strong> Brasil (UAB) <strong>na</strong> UFMT<br />

Carlos Ri<strong>na</strong>ldi<br />

Editora da Universidade<br />

Mari<strong>na</strong>l<strong>do</strong> Divino Ribeiro (Presidente)<br />

Conselho Editorial:<br />

Maria Lúcia R. Müller - UFMT<br />

Darci Secchi - UFMT<br />

Candida Soares da Costa - UFMT<br />

Pio Pen<strong>na</strong> Filho - UNB<br />

Moema de Poli Teixeira - ENCE/IBGE<br />

Revisão<br />

Maristela Abadia Guimarães<br />

Capa, Projeto Gráfico e editoração:<br />

Candida Bitencourt Haesbaert<br />

Apoio:<br />

Instituto de Educação, sala 62, Av. Fer<strong>na</strong>n<strong>do</strong> Corrêa da Costa s/n, Coxipó<br />

Cuiabá/MT – cep 78060-900 – Fone: (65) 3615-8447<br />

C957t<br />

Brito, Lucia<strong>na</strong> da Cruz.<br />

Tópicos <strong>sobre</strong> a <strong>história</strong> <strong>do</strong> <strong>negro</strong> <strong>na</strong><br />

<strong>sociedade</strong> <strong>brasileira</strong>./ Lucia<strong>na</strong> da Cruz<br />

Brito. Cuiabá: EdUFMT, 2011.<br />

Módulo 4. (Relações Raciais e Educação<br />

<strong>na</strong> Sociedade Brasileira)<br />

ISBN: 978-85-8018-073-2<br />

1. Identidade Afro-Brasileira. 2. Negro –<br />

História <strong>do</strong> Brasil. 3. Escravidão.<br />

4. Movimentos Abolicionistas. I. Título.<br />

CDU 94(6)(81)


Sumário<br />

Apresentação ..........................................................................................5<br />

1. O lugar <strong>do</strong> povo <strong>negro</strong> <strong>na</strong> História <strong>do</strong> Brasil e os projetos<br />

de formação da identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l ...................................................6<br />

2. Perspectivas <strong>sobre</strong> a <strong>história</strong> da escravidão:<br />

o debate historiográfico ......................................................................9<br />

3. O tráfico de africanos .........................................................................12<br />

4. O mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho escravo ............................................................15<br />

5. Sociabilidade: família, vida social e religiosa <strong>do</strong><br />

povo <strong>negro</strong> no Brasil escravista .........................................................18<br />

6. O resistir coletivo: quilombos e revoltas ............................................21<br />

7. Os movimentos abolicionistas e o fim da escravidão no Brasil ..........27<br />

Referências bibliográficas .....................................................................31


Apresentação<br />

Este módulo vai discutir a <strong>história</strong><br />

<strong>do</strong> povo <strong>negro</strong> no Brasil, mas antes<br />

de ir direto ao assunto, considero importante<br />

discutir inicialmente <strong>sobre</strong><br />

os caminhos que trilharemos para<br />

contar esta <strong>história</strong>. Entendemos<br />

que a <strong>história</strong> <strong>do</strong> povo <strong>negro</strong> brasileiro<br />

vai além das suas contribuições<br />

<strong>na</strong> dança, <strong>na</strong> culinária e <strong>na</strong> música.<br />

Os africanos e seus descendentes<br />

<strong>na</strong>sci<strong>do</strong>s no Brasil nos legaram diversos<br />

aspectos <strong>do</strong> seu mo<strong>do</strong> de vida<br />

e organização político-social. Além<br />

disso, deixaram-nos sua tecnologia,<br />

sua religião, sua filosofia e mais uma<br />

vastidão de manifestações culturais<br />

que podemos ver em cada Esta<strong>do</strong><br />

brasileiro onde viveram grupos de<br />

africanos de diversas etnias.<br />

Portanto, a <strong>história</strong> que vamos<br />

contar leva em consideração a violência<br />

da escravidão, a privação da<br />

vontade de decidir <strong>sobre</strong> suas vidas e<br />

a exploração <strong>do</strong> trabalho de homens<br />

e mulheres negras durante cerca de<br />

quatro séculos de cativeiro. Porém,<br />

também vamos discutir <strong>sobre</strong> como<br />

este povo reagiu à escravidão, tanto<br />

de forma coletiva quanto individual<br />

numa tentativa de entender o que<br />

queriam para suas vidas.<br />

A<strong>na</strong>lisaremos episódios em que<br />

questio<strong>na</strong>ram a escravidão até<br />

tor<strong>na</strong>r este sistema inviável, provocan<strong>do</strong><br />

sua queda definitiva em<br />

1888. Sen<strong>do</strong> assim, este módulo<br />

faz parte de uma tendência da nova<br />

historiografia da escravidão que<br />

acredita que os homens e mulheres<br />

negras que viveram no Brasil como<br />

escravos, embora vivessem numa<br />

<strong>sociedade</strong> que os subjugava, vigiava<br />

e oprimia, também eram <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s<br />

de vontade, sonhos, sentimentos<br />

e <strong>do</strong> desejo de serem livres. Eles e<br />

elas sabiam o que queriam e qual o<br />

valor da sua liberdade: eram agentes<br />

da sua <strong>história</strong>.<br />

5


6<br />

1. O lugar <strong>do</strong> povo <strong>negro</strong><br />

<strong>na</strong> História <strong>do</strong> Brasil e os<br />

projetos de formação da<br />

identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

Os livros de História <strong>do</strong> Brasil<br />

em geral reconhecem a participação<br />

e contribuições <strong>do</strong> povo africano,<br />

assim como <strong>do</strong> indíge<strong>na</strong>, <strong>na</strong> formação<br />

da <strong>na</strong>ção <strong>brasileira</strong>. Contu<strong>do</strong>,<br />

estes livros, <strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong> os mais antigos,<br />

colocam o português como<br />

elemento condutor e funda<strong>do</strong>r da<br />

<strong>na</strong>ção <strong>brasileira</strong>. A justificativa era<br />

que os portugueses coloniza<strong>do</strong>res<br />

subjugaram e escravizaram <strong>negro</strong>s<br />

e indíge<strong>na</strong>s porque como europeus<br />

eles eram superiores e civiliza<strong>do</strong>s. A<br />

<strong>na</strong>ção <strong>brasileira</strong> <strong>na</strong>scia <strong>do</strong> encontro<br />

(supostamente sem conflitos) desses<br />

três povos (o português civiliza<strong>do</strong>r,<br />

o africano bárbaro e o índio dócil).<br />

As elites <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is construíram,<br />

através <strong>do</strong>s livros de <strong>história</strong>, o mito<br />

<strong>do</strong> povo brasileiro pacífico, amante<br />

da ordem e da paz, optan<strong>do</strong> por<br />

omitir os conflitos e a violência que<br />

marcaram esses encontros (ou confrontos).<br />

Assim, formou-se um ideal<br />

de <strong>na</strong>ção <strong>brasileira</strong> com o objetivo<br />

de que o povo brasileiro se sentisse<br />

um grupo homogêneo, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />

mesmos ideais <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, crenças e<br />

valores.<br />

Além de omitir os conflitos que<br />

marcaram o enre<strong>do</strong> da <strong>história</strong><br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, as elites <strong>brasileira</strong>s, que<br />

tinham o poder de escrever a <strong>história</strong><br />

<strong>do</strong> Brasil, também atribuíram<br />

importância e papéis distintos a índios,<br />

<strong>negro</strong>s e brancos. A identidade<br />

comum <strong>do</strong> povo brasileiro se deu<br />

à custa da exclusão, invisibilidade<br />

e omissão <strong>do</strong>s povos indíge<strong>na</strong>s e<br />

africanos.<br />

Enquanto os primeiros ficavam<br />

no passa<strong>do</strong> da colonização como<br />

trabalha<strong>do</strong>r indócil e não-adapta<strong>do</strong>,<br />

os africanos eram caracteriza<strong>do</strong>s pela<br />

posição deprimente de escravos. Ser<br />

escravo, africano e <strong>negro</strong> significaria<br />

a mesma coisa <strong>na</strong> versão da <strong>história</strong><br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l oficial. Esses homens e<br />

mulheres <strong>negro</strong>s desapareciam <strong>do</strong>s<br />

livros de <strong>história</strong> com a abolição em<br />

1888 dan<strong>do</strong> lugar aos imigrantes europeus<br />

que eram supostamente mais<br />

adequa<strong>do</strong>s para um país que buscava<br />

o progresso, já que os escravos significavam<br />

o atraso. Uma vez que os<br />

<strong>negro</strong>s eram escravos e não tinham<br />

vontade própria, de acor<strong>do</strong> com<br />

esse discurso, eles também não eram<br />

prepara<strong>do</strong>s para a vida em liberdade,<br />

nem para serem cidadãos.<br />

Para saber mais<br />

Sugerimos a leitura <strong>do</strong> artigo de Elsa<br />

Nadai, publica<strong>do</strong> <strong>na</strong> Revista Brasileira de<br />

História, “O ensino de <strong>história</strong> no Brasil:<br />

trajetória e perspectiva”. São Paulo:<br />

Fapesp, Anpuh, Cnpq. v.13, nº25/26,<br />

set.92/ago.93. p. 43-162.


Os Operários, 1933. Obra de Tarsila <strong>do</strong> Amaral.<br />

Assim, a <strong>história</strong> oficial tratou perior, bonito, civiliza<strong>do</strong> e ser <strong>do</strong>ta<strong>do</strong><br />

esses grupos de forma desigual, de um poder <strong>na</strong>tural <strong>sobre</strong> a maioria<br />

omitin<strong>do</strong> exclusões, violências e as da população, que era inferior. Em<br />

contribuições de cada um deles para contrapartida, ser <strong>negro</strong>, por exem-<br />

a formação <strong>do</strong> povo brasileiro e <strong>do</strong> plo, significava ser escravo, feio, afri-<br />

país. Na tentativa de representar o cano e atrasa<strong>do</strong>. Esses significa<strong>do</strong>s<br />

povo brasileiro como homogêneo, fazem parte da identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

a diversidade da <strong>na</strong>ção foi desres- e mantêm diferenças que persistem<br />

peitada, pois optaram por eleger um até hoje, uma vez que os conflitos,<br />

grupo que agregasse em um só in- enfrentamentos e o conceito de<br />

divíduo as características que seriam cidadania e diversidade não foram<br />

referenciais e normativas: homem, discuti<strong>do</strong>s (nem aceitos) por aqueles<br />

europeu, branco.<br />

que escreveram a <strong>história</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.<br />

Portanto, foi atribuí<strong>do</strong> ao euro- Assim, podemos agora nos perpeu<br />

o papel de colonizar e formar guntar por que, ainda hoje, crianças<br />

um país, além de implementar uma negras se sintam constrangidas <strong>na</strong>s<br />

língua <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e organizar a <strong>na</strong>ção salas de aula quan<strong>do</strong> tocamos no<br />

social e politicamente. Nesta versão tema da escravidão no Brasil. A<br />

da <strong>história</strong>, ser branco no Brasil maioria delas não aceitará ser negra...<br />

carregava significa<strong>do</strong>s como ser su- E nem mesmo alguns adultos.<br />

7


8<br />

O Movimento Brasil, outros 500<br />

Em abril de 2000, o Esta<strong>do</strong> brasileiro,<br />

através da presidência da<br />

República e <strong>do</strong> Governo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

da Bahia, organizaram um grande<br />

evento para comemorar os 500 anos<br />

de “descobrimento” <strong>do</strong> Brasil. A<br />

ideia era reproduzir a chegada <strong>do</strong>s<br />

portugueses e foi construída inclusive<br />

a réplica de uma <strong>na</strong>u que chegaria<br />

a Porto Seguro <strong>na</strong>quele 22 de abril.<br />

Evidentemente, que esta ence<strong>na</strong>ção<br />

era baseada no mito funda<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />

povo brasileiro, filhos <strong>do</strong> herói coloniza<strong>do</strong>r<br />

português. Em terra firme,<br />

representantes <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> brasileiro<br />

e português e das elites empresariais<br />

esperavam que os índios recebessem<br />

os portugueses <strong>do</strong> século XX, assim<br />

como ocorreu em 1.500, de acor<strong>do</strong><br />

com seu imaginário: de braços abertos<br />

para a civilização, sem conflitos,<br />

sem violência. Sabemos que a <strong>história</strong><br />

não foi <strong>na</strong>da assim. Conhecemos<br />

as conseqüências da colonização<br />

para os povos indíge<strong>na</strong>s, já que o<br />

empreendimento português custou<br />

o massacre de muitos desses povos.<br />

Além disso, a colonização também<br />

custou a vida de cerca de 4 milhões<br />

de africanos trazi<strong>do</strong>s forçosamente<br />

para o Brasil através <strong>do</strong> tráfico.<br />

Contu<strong>do</strong>, houve uma forte reação<br />

popular contra essa noção elitista<br />

e eurocêntrica de “descobrimento”<br />

que se manifestou através de<br />

uma articulação negra e indíge<strong>na</strong>,<br />

culmi<strong>na</strong>n<strong>do</strong> <strong>na</strong> organização <strong>do</strong><br />

movimento Brasil, outros 500.<br />

Índio deita<strong>do</strong> no chão em protesto <strong>do</strong>s 500 anos <strong>do</strong><br />

descobrimento <strong>do</strong> Brasil, em Porto Seguro, <strong>na</strong> Bahia.<br />

Esse movimento foi uma iniciativa<br />

da união <strong>do</strong> povo indíge<strong>na</strong>s, <strong>do</strong><br />

povo <strong>negro</strong> e trabalha<strong>do</strong>res e trabalha<strong>do</strong>ras<br />

<strong>brasileira</strong>s que recusaram<br />

uma versão da <strong>história</strong> que os invisibilizava<br />

e os colocava <strong>na</strong> posição<br />

de observa<strong>do</strong>res da <strong>história</strong> contada<br />

por aqueles que eram supostamente<br />

os vence<strong>do</strong>res. O que estava em<br />

questão era a luta político/ideológica<br />

pela representação e significa<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> que era ser “povo brasileiro”.<br />

Embora o Esta<strong>do</strong> brasileiro tivesse<br />

emprega<strong>do</strong> um forte aparato policial,<br />

que usou de diversos atos de<br />

violência para conter os manifestantes,<br />

índios e <strong>negro</strong>s foram vitoriosos,<br />

pois conseguiram mostrar para o<br />

mun<strong>do</strong> (e para o Brasil também) que<br />

o povo brasileiro tem várias faces<br />

e que essa <strong>história</strong> pode (e hoje é)<br />

contada de uma outra maneira.<br />

FONSECA, CELENE e SANTOS, Suely. Cartilha<br />

Zumbi apareceu <strong>na</strong> Coroa Vermelha. Porto Seguro/Santa<br />

Cruz de Cabrália, Abril de 2000. Salva<strong>do</strong>r: Movimento<br />

Negro Unifica<strong>do</strong>, CESE, Centro de Estu<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s Povos<br />

Afro-Índio Americanos da Universidade <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> da<br />

Bahia, APNB e Colibris, 2010.<br />

Lula Marques/O Globo - 17/06/2008


2. Perspectivas <strong>sobre</strong> a<br />

<strong>história</strong> da escravidão: o<br />

debate historiográfico<br />

Várias foram as interpretações<br />

<strong>sobre</strong> a escravidão no Brasil. Esse<br />

debate mobilizou debates de vários<br />

intelectuais dispostos a pesquisar, escrever<br />

e avaliar o peso das relações escravistas<br />

<strong>na</strong>s relações raciais vigentes<br />

<strong>na</strong> <strong>sociedade</strong> <strong>brasileira</strong>. A importância<br />

desse debate consiste no fato de, a<br />

depender da interpretação, isso poderia<br />

dar respostas para o dilema das<br />

relações raciais no Brasil contemporâneo.<br />

Por exemplo, as interpretações<br />

<strong>sobre</strong> a escravidão no Brasil poderiam<br />

variar a depender de quem escrevia,<br />

<strong>do</strong> perío<strong>do</strong> que se escrevia, <strong>do</strong> grupo<br />

ou da escola teórica de que fazia parte<br />

a pessoa, ela produzia determi<strong>na</strong>da<br />

leitura <strong>do</strong> assunto.<br />

Tais leituras, de alguma forma,<br />

poderiam ser a metáfora que explicava<br />

uma <strong>sociedade</strong> racista ou<br />

uma <strong>sociedade</strong> onde vigorava uma<br />

democracia racial. Nisso reside a<br />

importância política <strong>do</strong>s debates<br />

historiográficos <strong>sobre</strong> a escravidão<br />

no Brasil. Em 1933, o antropólogo<br />

Gilberto Freyre lança a obra que seria<br />

por muito tempo referência para<br />

os estu<strong>do</strong>s da escravidão no Brasil:<br />

Casa grande e senzala.<br />

A tese central de Freyre era aquela<br />

que defendia um convívio harmonioso<br />

entre senhores e escravos brasileiros,<br />

já os primeiros eram benevolentes<br />

e pouco cruéis, enquanto seus<br />

escravos eram em geral obedientes,<br />

passivos e ... felizes. Em resumo, a es-<br />

cravidão <strong>brasileira</strong>, defendia o autor,<br />

não era tão cruel e violenta como nos<br />

Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, uma vez que aqui<br />

os senhores e as escravas, por muitas<br />

vezes, mantinham até mesmo relações<br />

sexoafetivas. A isso chamamos<br />

de pater<strong>na</strong>lismo, uma relação em que<br />

o senhor de escravos desempenha<br />

um papel de pai coletivo, bon<strong>do</strong>so,<br />

benevolente, cuida<strong>do</strong>r, mas também<br />

punitivo a depender da necessidade.<br />

Com isso, Freyre buscava as origens<br />

das relações raciais no Brasil, a<br />

qual ele acreditava serem harmoniosas,<br />

sem racismo, num cenário de perfeita<br />

democracia racial entre brancos<br />

e <strong>negro</strong>s. O mito da democracia racial<br />

ganhou tanta força <strong>na</strong> <strong>sociedade</strong> <strong>brasileira</strong><br />

que até hoje ele é resgata<strong>do</strong> por<br />

grupos que desejam afirmar que não<br />

existe racismo no Brasil.<br />

Nos anos seguintes, grupos de<br />

intelectuais contestaram as afirmações<br />

da escravidão branda de<br />

Freyre, apontan<strong>do</strong> um sistema<br />

escravista marca<strong>do</strong> pela violência e<br />

pela <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ção. Sob influência <strong>do</strong><br />

movimento <strong>negro</strong> brasileiro e das<br />

lutas por direitos civis nos Esta<strong>do</strong>s<br />

Uni<strong>do</strong>s, também se desejava chamar<br />

atenção para uma <strong>sociedade</strong> de marcante<br />

desigualdade entre brancos e<br />

<strong>negro</strong>s durante o perío<strong>do</strong> em que<br />

essas obras foram escritas. Nos<br />

anos de 1950, as pesquisas de Clóvis<br />

Moura, Alípio Goulard e Décio<br />

Freitas traziam os exemplos de atos<br />

de resistência <strong>do</strong>s <strong>negro</strong>s e negras<br />

escravizadas, <strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong> através da<br />

organização <strong>do</strong>s quilombos.<br />

Nos anos 1960 até 1970, a chamada<br />

Escola Paulista buscou contestar<br />

9


10<br />

Freyre afirman<strong>do</strong> enfaticamente a<br />

violência da escravidão que deixaria<br />

como consequência um completo<br />

esta<strong>do</strong> de incapacidade de elaboração,<br />

reação e construção de um projeto<br />

político de liberdade por parte <strong>do</strong><br />

escravo. De acor<strong>do</strong> com essa escola, a<br />

escravidão deixaria a população negra<br />

incapaz de participar da <strong>sociedade</strong><br />

moder<strong>na</strong>, da<strong>do</strong> o completo esta<strong>do</strong> de<br />

exclusão vivi<strong>do</strong> durante a escravidão.<br />

Nessa perspectiva, a <strong>sociedade</strong><br />

escravista era dividida entre senhores<br />

e escravos e pouca investigação<br />

era feita no senti<strong>do</strong> de compreender<br />

melhor a vida desses últimos.<br />

Florestan Fer<strong>na</strong>ndes, um <strong>do</strong>s mais<br />

representativos sociólogos dessa<br />

corrente interpretativa, influenciou<br />

vários estu<strong>do</strong>s <strong>sobre</strong> o tema.<br />

Em A integração <strong>do</strong> <strong>negro</strong> <strong>na</strong> <strong>sociedade</strong><br />

de classes, obra publicada em 1965,<br />

Florestan evidencia a condição de<br />

Navio Negreiro - Museu Afro Brasil.<br />

margi<strong>na</strong>lidade <strong>do</strong>s <strong>negro</strong>s brasileiros.<br />

Segun<strong>do</strong> sua perspectiva, a violência<br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> escravista teria reduzi<strong>do</strong><br />

os escraviza<strong>do</strong>s à condição de indivíduos<br />

anômicos e, por isso, impossibilita<strong>do</strong>s<br />

de se adequar à nova <strong>sociedade</strong><br />

burguesa, de formar instituições<br />

sociais, como família etc.<br />

Também faz parte dessa tendência<br />

o sociólogo Fer<strong>na</strong>n<strong>do</strong> Henrique Car<strong>do</strong>so,<br />

autor de Capitalismo e escravidão<br />

no Brasil Meridio<strong>na</strong>l (1962). Na obra,<br />

Car<strong>do</strong>so enfatizava a violência das<br />

relações escravistas, afirman<strong>do</strong> que<br />

tal realidade havia deixa<strong>do</strong> africanos<br />

e seus descendentes escraviza<strong>do</strong>s <strong>na</strong><br />

condição de seres sem autonomia,<br />

sem vontade própria, capacidade de<br />

reação ou de elaborar uma interpretação<br />

<strong>sobre</strong> a sua realidade. Assim,<br />

a escravidão havia tira<strong>do</strong> <strong>do</strong> escravo<br />

seu status de humano, tranforman<strong>do</strong>-o<br />

em “coisa”.


Uma tendência historiográfica<br />

seguinte, surgida nos anos 1980, é<br />

composta por um grupo de historia<strong>do</strong>res<br />

e historia<strong>do</strong>ras que discordam<br />

da ideia de que a escravidão tirou da<br />

população negra escravizada qualquer<br />

possibilidade de ação política.<br />

A partir de pesquisas <strong>do</strong>cumentais,<br />

essa nova <strong>história</strong> da escravidão<br />

buscou evidenciar manifestações<br />

desses indivíduos que demonstrassem<br />

a existência de relações afetivas,<br />

tentativas coletivas e individuais de<br />

contestar, recusar ou fugir <strong>do</strong> cativeiro.<br />

Tais estu<strong>do</strong>s nos levaram ao<br />

conhecimento da existência de vínculos<br />

familiares e de amizade, fugas<br />

organizadas, revoltas, quilombos,<br />

tentativas de negociar a liberdade<br />

e tantas outras estratégias políticas<br />

utilizadas por homens e mulheres<br />

para <strong>sobre</strong>viver numa <strong>sociedade</strong><br />

escravista impon<strong>do</strong> suas vontades,<br />

ainda que minimamente.<br />

Através de pistas deixadas por<br />

<strong>do</strong>cumentos históricos, as pesquisas<br />

revelaram não só a dinâmica da vida<br />

<strong>do</strong>s escraviza<strong>do</strong>s, mas também de<br />

um grande número de homens e<br />

mulheres libertas que se deparavam<br />

com os desafios de se manterem<br />

autônomos numa <strong>sociedade</strong> ainda<br />

escravista. Assim, a nova <strong>história</strong> da<br />

escravidão mostrava um cotidiano<br />

marca<strong>do</strong> pela violência (que se dava<br />

de maneiras variadas), mas também<br />

de indivíduos que tinham projetos<br />

políticos e produziam suas próprias<br />

interpretações <strong>sobre</strong> a <strong>sociedade</strong> em<br />

que viviam.<br />

Podemos aqui citar como nomes<br />

desta chamada nova escola da escravidão,<br />

que traz à luz a agência de<br />

homens e mulheres escravizadas ou<br />

libertas, intelectuais que produziram<br />

obras que são referências, tais como<br />

João José Reis, Flávio <strong>do</strong>s Santos<br />

Gomes, Maria Hele<strong>na</strong> Macha<strong>do</strong>,<br />

Robert Slenes, Sidney Chalhoub,<br />

Silvia Hunold Lara.<br />

A seguir, apresentaremos aspectos<br />

da vida da população negra escravizada<br />

no Brasil que hoje conhecemos<br />

devi<strong>do</strong> aos estu<strong>do</strong>s e pesquisas feitas<br />

por essa tendência da nova <strong>história</strong><br />

da escravidão.<br />

Além <strong>do</strong>s trabalhos produzi<strong>do</strong>s<br />

nos anos de 1980, outros novos<br />

pesquisa<strong>do</strong>res e pesquisa<strong>do</strong>ras produzem<br />

trabalhos que nos permitem<br />

saber mais detalhes <strong>sobre</strong> a realidade<br />

<strong>do</strong> sistema escravista e da vida de<br />

homens e mulheres escravas e libertas<br />

no Brasil.<br />

Para saber mais<br />

Sobre este debate historiográfico ver: MACHADO,<br />

Maria Hele<strong>na</strong> P. T. Em torno da autonomia escrava:<br />

uma nova direção para a <strong>história</strong> social da escravidão.<br />

In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v.18,<br />

nº16, mar.88/ago.88. p.143-160. Disponível em:<br />

http://www.anpuh.org/revista<strong>brasileira</strong>/view?ID _ REVISTA_BRASILEIRA=23/03/11<br />

11


12<br />

3. O tráfico de africanos<br />

O tráfico de africanos alimentou<br />

a demanda por trabalha<strong>do</strong>res escraviza<strong>do</strong>s<br />

<strong>na</strong>s Américas. Consistia no<br />

sequestro de homens, mulheres e<br />

crianças africa<strong>na</strong>s <strong>do</strong>s seus lugares<br />

de origem, das suas comunidades<br />

e <strong>do</strong> convívio com seus familiares<br />

para serem vendi<strong>do</strong>s nos merca<strong>do</strong>s<br />

de escravos de países como Esta<strong>do</strong>s<br />

Uni<strong>do</strong>s, Cuba e para o Brasil. Alguns<br />

grupos, que resistem a reconhecer o<br />

tráfico como crime contra a humanidade<br />

e descredenciam reivindicações<br />

<strong>do</strong>s movimentos sociais baseadas<br />

nos prejuízos que o tráfico causou<br />

para africanos e seus descendentes<br />

em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, responsabilizam<br />

dirigentes africanos no envolvimento<br />

desse comércio.<br />

Dessa maneira, procuram tirar a<br />

responsabilidade, o protagonismo<br />

e enriquecimento <strong>do</strong>s países europeus<br />

e elites america<strong>na</strong>s no tráfico.<br />

O fato é que o jogo de culpas ou a<br />

transferência delas não resolve nem<br />

explica o funcio<strong>na</strong>mento <strong>do</strong> comércio<br />

de mulheres e homens africanos,<br />

tampouco resolve nem repara os<br />

danos causa<strong>do</strong>s aos povos que eram<br />

vendi<strong>do</strong>s como merca<strong>do</strong>rias.<br />

O trabalho <strong>do</strong> africano foi utiliza<strong>do</strong><br />

desde os primeiros anos da colonização<br />

e o tráfico foi responsável por<br />

alimentar a empresa coloniza<strong>do</strong>ra<br />

com trabalha<strong>do</strong>res. Em to<strong>do</strong> o Brasil<br />

se utilizou mão de obra oriunda <strong>do</strong><br />

tráfico: nos engenhos de açúcar <strong>do</strong><br />

Nordeste, <strong>na</strong> extração de ouro da região<br />

das Mi<strong>na</strong>s Gerais, <strong>na</strong>s plantações<br />

de café <strong>do</strong> Sudeste, <strong>na</strong> extração da<br />

Navio negreiro, Rugendas – 1830.<br />

borracha da Região Norte e <strong>na</strong>s áreas<br />

pecuaristas da Região Sul. Contu<strong>do</strong>,<br />

em todas essas regiões, o trabalho <strong>do</strong><br />

povo africano também foi utiliza<strong>do</strong><br />

em atividades locais específicas, assim<br />

como <strong>na</strong>s <strong>do</strong>mésticas, uma vez<br />

que ter um escravo ou escrava era<br />

símbolo de status social.<br />

Há controvérsias quanto à quantidade<br />

de africanos e africa<strong>na</strong>s que<br />

atravessaram o Atlântico durante<br />

cerca de 400 anos de tráfico. Estimase<br />

que em torno de 20 milhões de<br />

pessoas tenham deixa<strong>do</strong> o continente<br />

africano e o Brasil, maior compra<strong>do</strong>r<br />

de homens e mulheres africa<strong>na</strong>s,<br />

recebeu 1/3 deles. As condições da<br />

travessia eram bastante precárias. A<br />

diarreia e demais <strong>do</strong>enças provocadas<br />

por más condições de higiene<br />

e alimentação i<strong>na</strong>dequada provocavam<br />

a morte de muitos daqueles<br />

que vinham amontoa<strong>do</strong>s nos <strong>na</strong>vios.<br />

Ainda assim, com grandes perdas<br />

durante a travessia <strong>do</strong> Atlântico, o<br />

tráfico continuava a ser um “investimento”<br />

bastante lucrativo.<br />

O tráfico de africanos, além de ser<br />

altamente lucrativo, era um negócio


que envolvia muitas <strong>na</strong>ções: Brasil,<br />

Cuba, Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, França,<br />

Inglaterra e outros países europeus<br />

estavam envolvi<strong>do</strong>s no negócio.<br />

Contu<strong>do</strong>, nos fi<strong>na</strong>is <strong>do</strong> século XVIII<br />

e Início <strong>do</strong> XIX começaram a surgir<br />

as primeiras manifestações no senti<strong>do</strong><br />

de reprimir o tráfico no Brasil.<br />

A primeira investida <strong>sobre</strong> o império<br />

brasileiro partiu da Inglaterra<br />

que, além de interesses filantrópicos,<br />

também já começava a adentrar o<br />

continente africano e instalar suas<br />

colônias. Para os ingleses, a partir de<br />

então, o escoamento de trabalha<strong>do</strong>res<br />

africanos para o continente americano<br />

passou a ser algo desinteressante<br />

já que a coroa britânica começava a<br />

explorar mão de obra de trabalha<strong>do</strong>res<br />

<strong>na</strong> África. Sen<strong>do</strong> assim, <strong>na</strong> Inglaterra,<br />

o tráfico passou a ser proibi<strong>do</strong><br />

em 1807 e, em seguida, em 1808 nos<br />

Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s. Afirmar que essas<br />

<strong>na</strong>ções proibiram o tráfico oficialmente<br />

a partir dessas datas não significa<br />

dizer que não houvessem pessoas<br />

desses países envolvidas ilegalmente<br />

no comércio de africanos.<br />

Em 1826, a Coroa Britânica firmou<br />

um trata<strong>do</strong> com o Brasil que<br />

condicio<strong>na</strong>va o reconhecimento da<br />

independência deste país a uma lei estabelecen<strong>do</strong><br />

que, dentro de três anos,<br />

o tráfico se tor<strong>na</strong>sse um comércio<br />

ilegal em terras <strong>brasileira</strong>s. A partir<br />

de então, o Brasil começou a sentir o<br />

peso da pressão inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Esse<br />

momento também é marca<strong>do</strong> pelo<br />

descumprimento dessas leis por parte<br />

de traficantes, senhores de escravos<br />

e autoridades corruptas envolvidas<br />

nesse negócio ilegal.<br />

Somente em 1831 (mais <strong>do</strong> que três<br />

anos depois <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> de 1826), o<br />

Império brasileiro proibiu oficialmente<br />

o tráfico, consideran<strong>do</strong> livres to<strong>do</strong>s<br />

os africanos chega<strong>do</strong>s ao país após<br />

aquela data. A lei também afirmava<br />

enviar para o continente africano os<br />

homens e mulheres apreendi<strong>do</strong>s nos<br />

<strong>na</strong>vios pela lei de 1831, cuja determi<strong>na</strong>ção<br />

foi ignorada pelos traficantes<br />

e senhores e escravos. Os africanos e<br />

africa<strong>na</strong>s apreendi<strong>do</strong>s e que pela lei se<br />

tor<strong>na</strong>riam livres haviam de trabalhar<br />

em obras públicas e particulares por<br />

14 anos antes de voltarem para a África.<br />

Muitos e muitas acabaram fican<strong>do</strong><br />

por aqui e viven<strong>do</strong> como escravos.<br />

Novamente uma lei para reprimir o<br />

tráfico foi implementada em 1850, a lei<br />

Eusébio de Queiroz. De acor<strong>do</strong> com<br />

ela - <strong>na</strong>da mais era que a reafirmação<br />

da lei de 1831- era proibi<strong>do</strong> o tráfico<br />

de africanos em costas <strong>brasileira</strong>s. A lei<br />

dava direito aos <strong>na</strong>vios ingleses de fazerem<br />

apreensões em mares <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is,<br />

como já ocorria desde 1831.<br />

Alguns anos depois da lei de 1850,<br />

o número de africanos que entravam<br />

no Brasil reduziu. No entanto, o<br />

tráfico continuou por décadas. Além<br />

disso, a proibição <strong>do</strong> tráfico inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

fortaleceu o tráfico interno, ou<br />

seja, escravos das regiões norte e nordeste<br />

passaram a ser vendi<strong>do</strong>s para as<br />

regiões cafeeiras <strong>do</strong> sudeste que ainda<br />

se recusavam a utilizar a mão de obra<br />

de trabalha<strong>do</strong>res livres.<br />

Ainda <strong>sobre</strong> o tráfico de africanos<br />

é importante refletir <strong>sobre</strong> quais as<br />

motivações para o surgimento de<br />

leis que proibissem este comércio.<br />

Tradicio<strong>na</strong>lmente, aprendemos que<br />

13


14<br />

a perseguição ao tráfico foi gerada<br />

pelas pressões exter<strong>na</strong>s da Inglaterra,<br />

interessada em expandir seu<br />

merca<strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, uma vez que<br />

aquele país vivia a revolução industrial.<br />

Os ativistas <strong>do</strong> movimento<br />

abolicionista inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l defendiam<br />

o fim <strong>do</strong> tráfico motiva<strong>do</strong>s por<br />

razões humanitárias, mas havia também<br />

questões inter<strong>na</strong>s importantes<br />

que devemos considerar.<br />

No Brasil, alguns setores também<br />

já repensavam as vantagens<br />

e desvantagens de uma população<br />

africa<strong>na</strong> tão intensa e crescente em<br />

território brasileiro. Já <strong>na</strong> primeira<br />

metade <strong>do</strong> século XIX havia quem<br />

se preocupasse com o perfil da<br />

população <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, que, ao ver de<br />

alguns setores das elites, estava se<br />

tor<strong>na</strong>n<strong>do</strong> “africa<strong>na</strong> demais”. A população<br />

africa<strong>na</strong> já constituía uma<br />

maioria em boa parte das províncias,<br />

fato que comprometia os projetos<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is de que o Brasil fosse uma<br />

<strong>na</strong>ção com referenciais europeus.<br />

Isso quer dizer que o perfil da<br />

população, os costumes, cultura e<br />

mo<strong>do</strong> de vida de africanos e seus<br />

descendentes <strong>na</strong>sci<strong>do</strong>s no Brasil<br />

tor<strong>na</strong>va cada vez mais distante o<br />

sonho das elites <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is de que o<br />

país fosse majoritariamente branco e<br />

europeu em termos culturais e, principalmente,<br />

<strong>na</strong>s características físicas<br />

<strong>do</strong>s brasileiros e <strong>brasileira</strong>s.<br />

Além de comprometer o projeto<br />

de consolidação <strong>do</strong> Brasil como uma<br />

<strong>na</strong>ção europeia <strong>na</strong> America Lati<strong>na</strong>, a<br />

presença africa<strong>na</strong> renovada e aumentada<br />

pelo tráfico também trazia um<br />

problema para a segurança <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.<br />

Algumas autoridades políticas<br />

e policiais começaram a culpar a<br />

quantidade de africanos pelo número<br />

de revoltas e atos de rebeldia que<br />

ocorriam em algumas províncias.<br />

Segun<strong>do</strong> eles, quanto maior o número<br />

de africanos, maior o número<br />

de crimes e insurreições, uma vez<br />

que ficou constatada a capacidade<br />

de organização desses indivíduos e<br />

a ameaça que eles traziam.<br />

A revolta <strong>do</strong>s africanos Malês,<br />

ocorrida em 1835, foi utilizada<br />

como exemplo <strong>do</strong>s males trazi<strong>do</strong>s<br />

pelo grande quantidade de africanos<br />

<strong>na</strong> província da Bahia. Assim,<br />

concluímos que questões inter<strong>na</strong>s<br />

importantes foram levadas em consideração<br />

quan<strong>do</strong> alguns grupos que<br />

faziam parte da esfera política no<br />

Brasil império começaram a pensar<br />

que era hora de controlar, isto é<br />

diminuir, a quantidade de africanos<br />

que entravam no país. Contu<strong>do</strong>, isso<br />

não significou que esses grupos estivessem<br />

interessa<strong>do</strong>s em acabar com<br />

a escravidão, que ainda se<br />

estenderia por décadas a<br />

despeito de pressões inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is<br />

e <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is.<br />

Para saber mais<br />

A II Conferência Mundial Contra o Racismo, que aconteceu<br />

no ano de 2001 em Durban - África <strong>do</strong> Sul, condenou o tráfico transatlântico como<br />

crime contra a humanidade. Para saber mais veja o site: http://pt.abolitions.org/<br />

index.php?IdPage=1181738751. Um bom filme que fala <strong>sobre</strong> o tráfico de mulheres<br />

e homens africanos para as Américas é Amistad, de Steven Spielberg.


4. O mun<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

trabalho escravo<br />

Aqui no Brasil, como em outros<br />

países da América, homens e mulheres<br />

africa<strong>na</strong>s depois de serem<br />

vendi<strong>do</strong>s, desenvolveriam tarefas<br />

variadas. A historiografia tradicio<strong>na</strong>l<br />

se concentrou <strong>na</strong> análise <strong>do</strong> trabalho<br />

escravo <strong>na</strong>s grandes lavouras de café,<br />

de ca<strong>na</strong>-de-açúcar. Essa corrente da<br />

historiografia conseguiu tor<strong>na</strong>r clássica<br />

a ideia de trabalho escraviza<strong>do</strong><br />

restrito às grandes propriedades ou<br />

<strong>na</strong>s casas grandes como trabalha<strong>do</strong>res<br />

<strong>do</strong>mésticos. Porém, o trabalho<br />

desses homens e mulheres também<br />

foi utiliza<strong>do</strong> de variadas formas nos<br />

grandes centros urbanos e a sua interferência<br />

<strong>na</strong> dinâmica das relações<br />

escravistas deixou o cotidiano da<br />

escravidão no Brasil marca<strong>do</strong> por<br />

relações sociais e de trabalho muito<br />

complexas.<br />

Nas cidades, homens e mulheres<br />

escravizadas faziam to<strong>do</strong> tipo<br />

de trabalho: serviços <strong>do</strong>mésticos,<br />

transportavam coisas e pessoas,<br />

construíam, carregavam, limpavam,<br />

negociavam, pescavam. Pesquisas<br />

mais recentes têm demonstra<strong>do</strong> que<br />

alguns deles eram especialistas em<br />

determi<strong>na</strong>das atividades e, portanto,<br />

poderiam ter mais elementos para<br />

negociar e comprar sua liberdade<br />

<strong>do</strong>s seus senhores. Eram eles músicos,<br />

pesca<strong>do</strong>res, sapateiros, ferreiros,<br />

negociantes.<br />

No caso das mulheres, principalmente<br />

as africa<strong>na</strong>s, monopolizavam<br />

o comércio da venda de alimentos<br />

Negra e <strong>negro</strong> <strong>na</strong> Bahia - Rugendas, século XIX.<br />

em merca<strong>do</strong>s ou transitan<strong>do</strong> pelas<br />

ruas, mas também eram amas de<br />

leite, prostitutas, lavadeiras, cozinheiras.<br />

Alguns desses homens e<br />

mulheres conseguiam o direito de<br />

viverem <strong>sobre</strong> si, isso significa que<br />

poderiam viver por sua própria<br />

conta, sozinhos ou com quem quisessem,<br />

longe <strong>do</strong>s olhos vigilantes<br />

<strong>do</strong>s seus senhores.<br />

Dessa forma, aqueles e aquelas<br />

que conseguiam esse tipo de negociação<br />

de trabalho eram um pouco<br />

mais autônomos <strong>do</strong> que aqueles que<br />

viviam <strong>na</strong>s áreas rurais, poden<strong>do</strong> assim<br />

juntar dinheiro para comprar sua<br />

liberdade ou <strong>do</strong>s seus entes queri<strong>do</strong>s.<br />

15


16<br />

Viven<strong>do</strong> <strong>sobre</strong> si, poderiam, ainda<br />

que às escondidas, marcar encontros<br />

com membros da sua comunidade e<br />

discutir os obstáculos das suas vida de<br />

escravos, exercer suas práticas religiosas<br />

e culturais e arquitetar estratégias<br />

que os conduzissem à liberdade,<br />

inclusive planos de revoltas.<br />

Essa possibilidade de encontros<br />

assustava as autoridades policiais e<br />

a população branca, que compunha,<br />

<strong>na</strong> maioria das vezes, minoria <strong>na</strong>s cidades.<br />

Além <strong>do</strong>s homens e mulheres<br />

escravizadas, <strong>negro</strong>s e negras libertas<br />

também faziam parte desse cotidiano.<br />

Libertos, eram aqueles e aquelas<br />

que, em geral, depois de muito<br />

tempo, haviam consegui<strong>do</strong> comprar<br />

sua liberdade <strong>do</strong>s seus senhores.<br />

Alguns conseguiam essa liberdade<br />

por graça <strong>do</strong>s seus senhores, que<br />

lhes concediam a liberdade quan<strong>do</strong><br />

estavam em seus leitos de morte,<br />

mas normalmente obrigavam esse<br />

“liberto” a continuar trabalhan<strong>do</strong><br />

para sua família por um perío<strong>do</strong> de<br />

tempo determi<strong>na</strong><strong>do</strong>.<br />

Assim, atitudes entendidas como<br />

“ingratas” poderiam trazer o liberto<br />

de volta ao cativeiro. Com essa condição,<br />

senhores e senhoras de escravos<br />

mantinham os libertos ainda sujeitos<br />

(e vulneráveis) à sua autoridade ou de<br />

membros da sua família.<br />

Portanto, imaginemos quão frágil<br />

era a liberdade de homens e<br />

mulheres negras que viviam numa<br />

<strong>sociedade</strong> escravista, já que estavam<br />

condicio<strong>na</strong><strong>do</strong>s às imposições, regras<br />

de hierarquia racial, restrições impostas<br />

por seus ex-senhores, além<br />

de total vigilância.<br />

Quituteira.<br />

A vida <strong>do</strong>s libertos africanos, porém,<br />

era ainda mais difícil. Primeiro,<br />

dificilmente recebiam a liberdade por<br />

concessão <strong>do</strong>s seus senhores, logo,<br />

tinham que pagar para serem livres,<br />

o que em geral levava muitos anos.<br />

Além disso, mesmo depois de libertos,<br />

não desfrutavam de direitos de<br />

cidadãos, pois eram “estrangeiros”.<br />

Os libertos <strong>na</strong>sci<strong>do</strong>s no Brasil<br />

eram considera<strong>do</strong>s cidadãos, mas,<br />

ainda assim, seus direitos não eram<br />

plenos. Apesar disso, alguns libertos<br />

e libertas conseguiam alcançar auto-


nomia econômica e algum prestigio<br />

entre os membros da sua comunidade.<br />

Era comum que fossem comerciantes<br />

autônomos e acumulassem<br />

bens, porém possuir imóveis, por<br />

exemplo, era proibi<strong>do</strong> em boa parte<br />

das províncias.<br />

Além disso, os libertos deveriam<br />

ter um comportamento considera<strong>do</strong><br />

“adequa<strong>do</strong>” pelas autoridades e pela<br />

<strong>sociedade</strong>, uma vez que a re-escravização<br />

ou até mesmo a prisão e confisco<br />

<strong>do</strong>s seus bens era uma ameaça<br />

constante. Diante deste quadro de<br />

instabilidade, compreendemos que<br />

os libertos se armavam de todas as<br />

formas para se manterem livres e autônomos<br />

economicamente. A posse<br />

de escravos era uma dessas formas<br />

e isso desperta controvérsias. Sobre<br />

este aspecto, insistimos que, diante<br />

de razões políticas que já debatemos<br />

<strong>na</strong>s primeiras pági<strong>na</strong>s deste módulo,<br />

é preciso muito cuida<strong>do</strong> ao a<strong>na</strong>lisar o<br />

cotidiano e a dinâmica das <strong>sociedade</strong>s<br />

escravistas. Devemos evitar julgamentos<br />

e expectativas fundamentadas<br />

no que hoje consideraríamos uma<br />

contradição, uma incoerência.<br />

Muitas leis eram dirigidas especificamente<br />

aos libertos africanos, pois<br />

as autoridades imperiais e provinciais<br />

acreditavam que eles eram mais<br />

perigosos que os libertos brasileiros.<br />

Acreditava-se que os africanos eram<br />

incita<strong>do</strong>res de revoltas e mantinham<br />

os “maus-costumes africanos”.<br />

O fato é que escravos, libertos,<br />

africanos e seus descendentes<br />

<strong>na</strong>sci<strong>do</strong>s no Brasil viviam juntos,<br />

compartilhavam o mesmo espaço<br />

de trabalho, conflituavam entre si<br />

e to<strong>do</strong>s eles, homens e mulheres,<br />

despertavam o olhar vigilante das<br />

autoridades <strong>na</strong>s províncias <strong>brasileira</strong>s.<br />

A relação com os senhores estava<br />

longe de ser um tipo de relação<br />

pater<strong>na</strong>lista e harmoniosa, como foi<br />

descrita foi Gilberto Freyre.<br />

Para os homens e mulheres negras<br />

que viveram no Brasil escravista, o<br />

convívio com os senhores era marca<strong>do</strong><br />

por vários sentimentos e interesses,<br />

nos quais estavam presentes<br />

a dissimulação, a violência, a <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ção,<br />

a rebeldia, a subordi<strong>na</strong>ção e<br />

a negociação. Assim, controlar esta<br />

grande parcela da população e manter<br />

as hierarquias sociais era tarefa<br />

árdua <strong>na</strong>s <strong>sociedade</strong>s escravistas. Por<br />

outro la<strong>do</strong>, sair <strong>do</strong> cativeiro, resistir<br />

à escravidão e manter algum nível<br />

de suas vontades era também algo<br />

desafia<strong>do</strong>r para homens e mulheres<br />

africa<strong>na</strong>s e descendentes de africa<strong>na</strong>s<br />

libertos e escraviza<strong>do</strong>s que viviam<br />

nessas <strong>sociedade</strong>s. Assim, podemos<br />

concluir que o mun<strong>do</strong> das relações<br />

escravistas era tenso e complexo.<br />

Você sabia que<br />

Muitas leis eram dirigidas<br />

especificamente aos libertos<br />

africanos, pois as autoridades<br />

imperiais e provinciais acreditavam<br />

que eles eram mais perigosos<br />

que os libertos brasileiros.<br />

Acreditava-se que os africanos<br />

eram incita<strong>do</strong>res de revoltas<br />

e mantinham os<br />

“maus-costumes africanos”.<br />

17


18<br />

5. Sociabilidade:<br />

família, vida social e<br />

religiosa <strong>do</strong> povo <strong>negro</strong><br />

no Brasil escravista<br />

Já nos <strong>na</strong>vios negreiros, durante a<br />

travessia <strong>do</strong> continente africano para<br />

o atlântico, começaram as primeiras<br />

tentativas de contatos entre mulheres<br />

e homens africanos de diversas etnias,<br />

grupos e falantes de línguas distintas.<br />

Foram ainda nesses <strong>na</strong>vios, e depois<br />

no desembarque, que pessoas pertencentes<br />

aos mesmos grupos étnicos<br />

tentaram manter laços identitários<br />

<strong>na</strong>s cidades onde viviam.<br />

Esses homens e mulheres que<br />

haviam vivi<strong>do</strong>s esta experiência<br />

juntos se consideravam malungos,<br />

ou seja, os companheiros de barco,<br />

de travessia para a América. Assim,<br />

<strong>na</strong>gôs, bantus, jejes e demais grupos<br />

se organizaram em torno de comunidades<br />

num esforço de manterem<br />

viva sua cultura, seu mo<strong>do</strong> de vida,<br />

crian<strong>do</strong> uma rede de solidariedade.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, a vida nos países<br />

americanos, inclusive no Brasil, nem<br />

sempre tor<strong>na</strong>va possível a manutenção<br />

desses vínculos existentes <strong>na</strong><br />

África. Portanto, era preciso muitas<br />

das vezes construir outras formas<br />

de associação baseadas <strong>na</strong> origem<br />

africa<strong>na</strong>, fato que era comum a eles<br />

e viver outras experiências compartilhadas<br />

no Brasil como a travessia <strong>do</strong><br />

atlântico, a vida em cativeiro e a divisão<br />

<strong>do</strong> mesmo espaço de trabalho.<br />

Assim, a experiência da escravidão<br />

fez que com homens e mulheres que<br />

faziam parte <strong>do</strong>s mesmos grupos<br />

“Creoula”, negra baia<strong>na</strong>.<br />

étnicos, mas que também vinham de<br />

grupos diferentes, organizassem-se e<br />

construíssem vínculos sociais e afetivos<br />

em torno da condição comum<br />

de estrangeiros e de escraviza<strong>do</strong>s.<br />

Não eram somente esses laços<br />

simbólicos que permeavam suas<br />

vidas. Manter uma família era muito<br />

difícil para pessoas escravizadas. A<br />

separação <strong>do</strong>s seus membros era<br />

uma possibilidade real, pois bastava<br />

que seus senhores desejassem vender<br />

filhos, mães, esposas e mari<strong>do</strong>s,<br />

envolvi<strong>do</strong>s em transações comerciais<br />

que os levassem para lugares distintos.<br />

Muitas mulheres escravizadas<br />

abortavam ou tiravam sua própria<br />

vida e de suas crianças num ato<br />

desespera<strong>do</strong> de recusar e resistir ao<br />

cativeiro. Ainda assim, pesquisas recentes<br />

têm mostra<strong>do</strong> resulta<strong>do</strong>s que


contestam interpretações baseadas<br />

<strong>na</strong> suposta promiscuidade e ausência<br />

de sentimentos afetivos como causa<br />

da inexistência da família negra durante<br />

o perío<strong>do</strong> escravista.<br />

Essas pesquisas têm revela<strong>do</strong> a<br />

existência de mulheres negras que<br />

compravam a alforria de mari<strong>do</strong>s<br />

e filhos e mari<strong>do</strong>s a alforria das<br />

esposas antes de terem filhos para<br />

garantir a liberdade da prole. Eram<br />

constantes os casos que envolviam<br />

mulheres grávidas ou mulheres que<br />

haviam acaba<strong>do</strong> de dar a luz e que<br />

fugiam se embrenhan<strong>do</strong> em trilhas<br />

que as conduzissem à liberdade junto<br />

com suas crianças.<br />

A compra da alforria poderia levar<br />

anos, gerações. Diante disso, algumas<br />

famílias que tinham alguns <strong>do</strong>s<br />

seus membros libertos e outros ainda<br />

escraviza<strong>do</strong>s, faziam da compra<br />

da liberdade de to<strong>do</strong>s os membros<br />

da família uma meta coletiva. Os testamentos<br />

<strong>do</strong>s africanos e africa<strong>na</strong>s<br />

libertas revelam casos interessantes<br />

em que eles e elas deixavam transparecer<br />

suas preocupações com o<br />

parceiro ou parceira e filhos, quan<strong>do</strong><br />

estavam no seu leito de morte.<br />

Era comum que alguns casais que<br />

viviam juntos por muitos anos se<br />

casassem legalmente às vésperas da<br />

morte de um <strong>do</strong>s cônjuges. Dessa<br />

forma, tentava-se garantir que os<br />

bens que acumularam de fato ficassem<br />

para o viúvo ou viúva. Além<br />

das relações familiares, era também<br />

comum a relação de compadrio<br />

entre membros da comunidade<br />

negra escravizada e liberta. Aquelas<br />

e aquelas que não tinham família,<br />

frequentemente tinham afilha<strong>do</strong>s e<br />

afilhadas, que podiam ser escraviza<strong>do</strong>s<br />

e livres também. Os padrinhos e<br />

madrinhas podiam ajudar <strong>na</strong> compra<br />

da alforria, exercen<strong>do</strong> o papel de<br />

protetores e protetoras que zelavam<br />

pelo bem-estar <strong>do</strong>s seus agrega<strong>do</strong>s.<br />

Havia libertos que no leito de morte,<br />

<strong>na</strong> falta de familiares, alforriavam<br />

seus escravos e deixavam seus bens<br />

para um e demais cativos. Outros<br />

deixavam seus bens para as irmandades,<br />

associações ou demais tipos de<br />

organização de que faziam parte.<br />

Eram várias as formas de associação<br />

que a população negra, africa<strong>na</strong><br />

e <strong>brasileira</strong> utilizava como espaço de<br />

assistência mútua, exercício de sociabilidade<br />

e também de resistência.<br />

As irmandades eram organizações<br />

Negro e negra n’uma fazenda – Obra de Rugendas<br />

19


20<br />

dentro da estrutura da igreja católica<br />

e que agluti<strong>na</strong>va todas estas funções.<br />

A principio, os “irmãos” e “irmãs” se<br />

organizavam por filiação étnica: jejes,<br />

angolas, africanos de diversas etnias<br />

e <strong>negro</strong>s <strong>na</strong>sci<strong>do</strong>s no Brasil (chama<strong>do</strong>s<br />

crioulos) se distribuíam entre as<br />

irmandades da Boa Morte, de São<br />

Benedito, <strong>do</strong> Rosário, <strong>do</strong>s Martírios,<br />

dentre outras. Essas irmandades tinham<br />

estatuto próprio e eram, de certa<br />

forma, autônomas. Nelas, homens<br />

e mulheres mantinham uma vida social,<br />

organizavam funerais e também<br />

compunham uma rede de assistência<br />

para a compra da liberdade de seus<br />

membros. As irmandades também<br />

podiam se organizar em torno de<br />

atividades profissio<strong>na</strong>is, pois era comum<br />

que categorias como sapateiros,<br />

estiva<strong>do</strong>res, barbeiros também criassem<br />

suas redes de apoio.<br />

Os can<strong>do</strong>mblés também eram<br />

espaços que uniam libertos e escraviza<strong>do</strong>s,<br />

africanos e afro-brasileiros,<br />

os quais buscavam não só consolo<br />

religioso, mas também o fortalecimento<br />

da sua cultura e identidade.<br />

Nos can<strong>do</strong>mblés também era forjada<br />

uma família simbólica de mães, pais,<br />

filhos, filhas, padrinhos, madrinhas,<br />

tios e tias, o que extrapolava os limites<br />

Mãe Aninha, Eugênia A<strong>na</strong> <strong>do</strong>s Santos funda<strong>do</strong>ra<br />

<strong>do</strong> terreiro de can<strong>do</strong>mblé Ilê Axé Opô Afonjá.<br />

da construção familiar consanguínea.<br />

Lembremos que essas organizações<br />

negras, principalmente os can<strong>do</strong>mblés,<br />

eram espaços que agluti<strong>na</strong>vam<br />

muitos <strong>negro</strong>s e negras e, portanto,<br />

eram vistos com desconfiança pelas<br />

autoridades e pela <strong>sociedade</strong>. De fato,<br />

muitas revoltas e atos de resistência<br />

foram pensa<strong>do</strong>s e organiza<strong>do</strong>s dentro<br />

dessas associações religiosas e/ou<br />

profissio<strong>na</strong>is. Exploraremos a seguir<br />

estes atos de resistência coletivos: as<br />

revoltas, e os quilombos.<br />

Para saber mais<br />

Sobre can<strong>do</strong>mblés ver:<br />

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142004000300014&scriptsci_artt ext.<br />

Sobre família escrava, sugiro o texto de Isabel Ferreira <strong>do</strong>s Reis em<br />

http://www.afroasia.Ufba.br/pdf/afroasi a_n23_p29.pdf<br />

Sobre os malungos, Robert Slenes em http://www.usp.br/revistausp/12/06-robert.pdf.<br />

Sobre a vida <strong>do</strong>s libertos, Maria Inês C. Oliveira:<br />

http://www.usp.br/revistausp/28/13-mariaines.pdf<br />

Sobre as restrições sociais e legais encontradas pelos libertos que viviam <strong>na</strong> Bahia <strong>do</strong> século<br />

XIX, sugiro o texto de Lucia<strong>na</strong> Brito em: http://www.unisinos.br/publicacoes_cientificas/<br />

images/stories/pdfs_historia/vol14n3/np0 9_brito.pdf.<br />

Um bom filme <strong>sobre</strong> família escrava é Bem Amada (Beloved), basea<strong>do</strong> no livro da<br />

escritora afro-america<strong>na</strong> Toni Morrison.


6. O resistir coletivo:<br />

quilombos e revoltas<br />

Quan<strong>do</strong> pensamos <strong>na</strong>s formas<br />

de resistência à escravidão, lembramos<br />

imediatamente <strong>na</strong>s fugas e no<br />

quilombo de Palmares. Então, nesta<br />

parte <strong>do</strong> módulo, vamos a<strong>na</strong>lisar as<br />

ações coletivas que se configuraram<br />

como manifestações de resistência<br />

e vamos perceber que essas ações<br />

são tão complexas quanto todas as<br />

outras atitudes tomadas por pessoas<br />

que viviam em <strong>sociedade</strong> escravistas,<br />

fossem elas escravizadas ou que<br />

possuíam escravos.<br />

Vejamos o “boato” que se alastrou<br />

pela cidade de Salva<strong>do</strong>r, por volta de<br />

1830. Naquele perío<strong>do</strong>, primeira metade<br />

<strong>do</strong> século XIX, as revoltas eram<br />

muitas <strong>na</strong> província da Bahia, assim<br />

como em to<strong>do</strong> o país. Diante das<br />

ameaças e da apreensão causada pela<br />

quantidade de africanos, os boatos<br />

que envolviam revoltas eram leva<strong>do</strong>s<br />

a sério e eram investiga<strong>do</strong>s. O juiz<br />

de paz (uma espécie de delega<strong>do</strong>) da<br />

freguesia (bairro) <strong>do</strong> Santo Antonio<br />

recebeu a notícia de que <strong>na</strong>quele mês<br />

de maio os <strong>negro</strong>s se reuniriam numa<br />

determi<strong>na</strong>da região da cidade chamada<br />

Cabula, onde já havia existi<strong>do</strong><br />

um quilombo. Autoridades policiais<br />

de outras partes da cidade também<br />

suspeitavam das atitudes <strong>do</strong>s <strong>negro</strong>s<br />

<strong>na</strong>queles dias, pois também havia<br />

lhes chama<strong>do</strong> atenção a grande movimentação<br />

de homens e mulheres escravizadas<br />

e libertas in<strong>do</strong> em direção<br />

ao local onde se esperava ocorrer o<br />

suposto levante. A suspeita foi confir-<br />

mada em pouco tempo. Uma africa<strong>na</strong><br />

de <strong>na</strong>ção <strong>na</strong>gô tentou preservar seu<br />

amigo João Paulino aconselhan<strong>do</strong>-o<br />

a ficar em casa <strong>na</strong>quela noite, pois os<br />

<strong>negro</strong>s planejavam se levantar. Infelizmente,<br />

ao que parece, o levante<br />

foi descoberto a tempo de a policia<br />

tomar medidas repressivas para evitálo,<br />

pois não há noticias de ocorrência<br />

da revolta em questão.<br />

Embora os eventos acima tenham<br />

ocorri<strong>do</strong> <strong>na</strong> cidade de Salva<strong>do</strong>r e estejam<br />

entre os <strong>do</strong>cumentos que fazem<br />

parte <strong>do</strong> acervo <strong>do</strong> Arquivo Público<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> da Bahia (APEBa), podemos<br />

afirmar que manifestações de<br />

rebeldia escrava ocorreram em to<strong>do</strong> o<br />

Brasil. Além disso, também podemos<br />

dizer que, muitas vezes, um plano de<br />

rebeldia envolvia mais de um tipo de<br />

ação. A primeira, no caso <strong>do</strong>s escraviza<strong>do</strong>s,<br />

é a fuga.<br />

Fugir não era uma ação impensada<br />

em que homens e mulheres se<br />

embrenhavam nos matos desorde<strong>na</strong>damente<br />

em busca da liberdade.<br />

Era, em geral,uma ação planejada e<br />

poderia não ser definitiva. Mulheres<br />

e homens fugiam, ou por acharem<br />

que seus senhores, em alguma<br />

imposição, estavam extrapolan<strong>do</strong><br />

os limites da sua <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ção, ou<br />

também para que fosse cancelada a<br />

venda de um filho ou companheira,<br />

ou sua própria venda para um lugar<br />

onde esses homens e mulheres estivessem<br />

aparta<strong>do</strong>s da sua rede de<br />

relações. Portanto, as fugas deveriam<br />

ser temporárias, mas é obvio que<br />

as definitivas também existiram e<br />

ambas revelam que aqueles e aquelas<br />

que fugiam, faziam-<strong>na</strong> de mo<strong>do</strong><br />

21


22<br />

Anúncio de escravo fugitivo - 1854.<br />

consciente. Assim, fugir parecia ser<br />

a solução para resolver as tentativas<br />

mal-sucedidas de negociação com<br />

senhores. Esse distanciamento <strong>do</strong><br />

espaço de trabalho e da autoridade<br />

<strong>do</strong>s seus proprietários significava<br />

uma forma de rompimento temporário<br />

ou definitivo.<br />

O quilombo foi outra forma de resistência<br />

tão antiga quan<strong>do</strong> as fugas,<br />

ou seja, existiram desde a própria<br />

existência da escravidão no Brasil.<br />

O primeiro de que se tem notícia foi<br />

o quilombo de Palmares, localizava<br />

no esta<strong>do</strong> de Per<strong>na</strong>mbuco (hoje Alagoas)<br />

e durou por cerca de mais de<br />

um século. Palmares foi o mais em-<br />

blemático símbolo de resistência à<br />

escravidão legan<strong>do</strong> um valor simbólico<br />

importante para o movimento<br />

<strong>negro</strong> brasileiro. Algumas pesquisas<br />

acusam a existência de Palmares por<br />

volta <strong>do</strong>s anos de 1580. A última investida<br />

militar, em 20 de novembro<br />

de 1695 teve como resulta<strong>do</strong> a morte<br />

de Zumbi e a desarticulação gradual<br />

<strong>do</strong> Quilombo. Zumbi, principal liderança<br />

quilombola da época, teve sua<br />

cabeça cortada e exposta em praça<br />

pública, em Recife, para que servisse<br />

de exemplo <strong>do</strong> castigo emprega<strong>do</strong> a<br />

<strong>negro</strong>s fujões e rebeldes.<br />

As pesquisas recentes <strong>sobre</strong> comunidades<br />

quilombolas <strong>na</strong>s Américas<br />

têm revela<strong>do</strong> estruturas interessantes<br />

<strong>sobre</strong> a dinâmica <strong>do</strong>s quilombos,<br />

bem diferentes daquelas que possam<br />

estar no nosso imaginário. Estu<strong>do</strong>s<br />

arqueológicos <strong>na</strong> região onde ficava<br />

Palmares mostraram a existência de<br />

artefatos indíge<strong>na</strong>s, como cerâmicas.<br />

Portanto, Palmares e os outros<br />

quilombos que existiram no Brasil<br />

não eram comunidades isoladas<br />

por inteiro e suas populações eram<br />

diversas. Havia mulheres e homens<br />

<strong>negro</strong>s africanos e brasileiros, além<br />

índios e até mesmo brancos pobres<br />

em alguns deles.<br />

Contu<strong>do</strong>, a forma de vida das<br />

comunidades quilombolas era centrada<br />

<strong>na</strong> cultura afro-<strong>brasileira</strong>, ou<br />

seja, de matriz africa<strong>na</strong>, porém já<br />

sofren<strong>do</strong> influência da vida no Brasil<br />

e <strong>do</strong> convívio com pessoas de outras<br />

origens e culturas. O quilombo<br />

geograficamente também não era<br />

totalmente isola<strong>do</strong>. Situavam em<br />

áreas de difícil acesso, porém nos


arre<strong>do</strong>res das cidades e havia uma<br />

relação de interdependência entre<br />

seus residentes e os mora<strong>do</strong>res das<br />

cidades. Os quilombolas mantinham<br />

relações com comerciantes <strong>do</strong>s<br />

centros urbanos e recebiam informações<br />

de escraviza<strong>do</strong>s e libertos<br />

a respeito de investidas policiais e<br />

buscas por fugitivos que estavam<br />

refugia<strong>do</strong>s nestas comunidades. Ao<br />

mesmo tempo, as comunidades quilombolas<br />

significavam uma afronta<br />

às autoridades senhoriais e policias,<br />

pois sua gestão autônoma liderada<br />

por grupos margi<strong>na</strong>liza<strong>do</strong>s contrariava<br />

a lógica <strong>do</strong> regime escravista.<br />

Os quilombos também tiraram<br />

o sossego das autoridades matogrossenses<br />

no fi<strong>na</strong>l <strong>do</strong> século XVIII.<br />

Em 1795, o gover<strong>na</strong><strong>do</strong>r geral da<br />

capitania <strong>do</strong> Mato Grosso ordenou<br />

que se organizasse uma diligência<br />

para combater e resgatar <strong>negro</strong>s e<br />

indíge<strong>na</strong>s aquilomba<strong>do</strong>s, fugi<strong>do</strong>s das<br />

mi<strong>na</strong>s onde deveriam trabalhar. Fi-<br />

Quilombo de São Gonçalo, 1769, Mi<strong>na</strong>s Gerais.<br />

<strong>na</strong>lmente chegaram ao quilombo <strong>do</strong><br />

Piolho (ou quilombo <strong>do</strong> Quariterê),<br />

que já havia si<strong>do</strong> abati<strong>do</strong> em 1770,<br />

mas foi reorganiza<strong>do</strong> e reabita<strong>do</strong><br />

por <strong>negro</strong>s e índios. Quan<strong>do</strong> foi<br />

invadi<strong>do</strong> pela primeira vez pelas autoridades<br />

coloniais, esse Quilombo<br />

era lidera<strong>do</strong> por uma mulher negra<br />

e viúva, a rainha Tereza Benguela,<br />

que gover<strong>na</strong>va assistida por um<br />

conselho. Quan<strong>do</strong> foi invadi<strong>do</strong><br />

violentamente e sua população submetida<br />

a duros ritual de humilhação<br />

que obrigava os quilombolas a reconhecerem<br />

o poder das autoridades<br />

coloniais, a reação da rainha Tereza<br />

foi o suicídio.<br />

Sugestão de leitura<br />

Sobre o Quilombo <strong>do</strong> Piolho ler:<br />

http://www.ifch.unicamp.br/ihb/<br />

Textos /GT48 Fatima.pdf<br />

As revoltas também foram manifestações<br />

de resistência muito<br />

dissemi<strong>na</strong>das por to<strong>do</strong> o Brasil ao<br />

longo <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> escravista. Podiam<br />

ser organizadas nos engenhos ou em<br />

áreas urba<strong>na</strong>s, muitas vezes em uma<br />

ação articulada entre pessoas escravizadas<br />

e libertas que viviam <strong>na</strong>queles<br />

locais. Estas rebeliões empreendidas<br />

por pessoas escravizadas e que contavam<br />

com a participação e libertos,<br />

causavam tumulto e pânico entre a<br />

população branca, pois significavam<br />

a subversão da ordem escravista no<br />

que diz respeito ao controle social<br />

da população escravizada envolvida<br />

nos levantes.<br />

23


24<br />

Zumbi <strong>do</strong>s Palmares.<br />

As insurreições poderiam ser motivadas<br />

por reivindicações por melhores<br />

condições de trabalho, a quebra<br />

de algumas imposições policiais<br />

ou legais entendidas pela população<br />

negra como exageradas ou o completo<br />

rompimento com o sistema escravista.<br />

Geralmente, esses eventos<br />

eram organiza<strong>do</strong>s em dias em que a<br />

população branca estava “distraída”<br />

como festas religiosas ou quan<strong>do</strong><br />

os brancos estavam dividi<strong>do</strong>s por<br />

conflitos políticos, ou seja, quan<strong>do</strong><br />

as elites locais estavam mobilizadas<br />

em outras questões e o sistema de<br />

vigilância <strong>sobre</strong> a população negra<br />

encontrava-se mais frágil.<br />

Por subverter a ordem, as revoltas<br />

não só causavam pânico<br />

<strong>na</strong>s cidades onde ocorriam, mas, a<br />

depender da proporção <strong>do</strong> evento,<br />

podia provocar um sentimento de<br />

insegurança e me<strong>do</strong> nos mora<strong>do</strong>res<br />

de outras províncias. Por esse motivo,<br />

as revoltas escravas, que muitas<br />

vezes contava com a participação<br />

de muitas negras e <strong>negro</strong>s libertos,<br />

eram duramente reprimidas e seus<br />

envolvi<strong>do</strong>s, quan<strong>do</strong> presos, eram<br />

castiga<strong>do</strong>s com muita violência e em<br />

espaço público.<br />

Muitas revoltas de diferentes proporções<br />

e com objetivos varia<strong>do</strong>s<br />

ocorriam quase que cotidia<strong>na</strong>mente<br />

em todas as províncias <strong>brasileira</strong>s.<br />

Contu<strong>do</strong>, a revolta <strong>do</strong>s Malês desperta<br />

especial interesse devi<strong>do</strong> à sua<br />

repercussão e à forte organização<br />

daqueles e daquelas envolvidas <strong>na</strong>quele<br />

levante.<br />

A revolta <strong>do</strong>s Malês ocorreu <strong>na</strong><br />

cidade de Salva<strong>do</strong>r em 1835, quan<strong>do</strong><br />

a maioria da população escravizada<br />

daquela província era composta<br />

por africanos e africa<strong>na</strong>s, que eram<br />

quase a totalidade <strong>do</strong>s envolvi<strong>do</strong>s no<br />

levante. Os envolvi<strong>do</strong>s, majoritariamente<br />

africanos de <strong>na</strong>ção haussá,<br />

eram muçulmanos. Embora a revolta<br />

fosse organizada em torno da<br />

religião islâmica, não podemos dizer<br />

que o levante <strong>do</strong>s Malês tivesse motivações<br />

religiosas. A religião foi o<br />

instrumento unifica<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s revoltosos,<br />

que liam e escreviam em árabe,<br />

rezavam juntos e compartilhavam<br />

as leituras <strong>do</strong> alcorão e seus valores<br />

religiosos. O objetivo <strong>do</strong> Levante


<strong>do</strong>s Malês era o fim da escravidão<br />

negra e escravização <strong>do</strong>s brancos,<br />

ou seja, um projeto de invertia a<br />

ordem das <strong>sociedade</strong>s escravistas e<br />

que, portanto, devia ser duramente<br />

reprimi<strong>do</strong>.<br />

O levante estava marca<strong>do</strong> para<br />

acontecer <strong>na</strong> madrugada <strong>do</strong> dia 24<br />

para 25 de janeiro de 1835, mas foi<br />

denuncia<strong>do</strong> a tempo de as autoridades<br />

armarem um duro aparato repressivo<br />

que acabou desarticulan<strong>do</strong><br />

a revolta no seu <strong>na</strong>sce<strong>do</strong>uro. Naque-<br />

Africano <strong>na</strong>gô.<br />

la madrugada, no horário marca<strong>do</strong>,<br />

<strong>negro</strong>s islamiza<strong>do</strong>s tentaram ocupar<br />

a cidade de Salva<strong>do</strong>r e já haviam articula<strong>do</strong><br />

invadir cidades no entorno<br />

da capital. Isso seria feito com a participação<br />

de rebeldes de outras regiões.<br />

Houve conflito com a policia e<br />

grande correria no centro da capital<br />

da província da Bahia durante as horas<br />

em que o levante estava marca<strong>do</strong><br />

para acontecer, mas devi<strong>do</strong> ao cerco<br />

arma<strong>do</strong> para reprimir os revoltosos,<br />

os malês não conseguiram atingir<br />

seus objetivos.<br />

Além de pessoas escravizadas,<br />

havia uma grande participação de<br />

libertos. Foi <strong>sobre</strong> esses últimos que<br />

os castigos ocorreram de maneira<br />

mais dura e violenta. Os escraviza<strong>do</strong>s<br />

foram açoita<strong>do</strong>s e entregues aos<br />

seus senhores. Já os libertos sofreram<br />

toda sorte de castigos como a<br />

prisão, trabalhos força<strong>do</strong>s, surras e<br />

deportação para qualquer parte <strong>do</strong><br />

continente africano. A deportação<br />

trazia muitos prejuízos para a vida<br />

<strong>do</strong>s libertos, pois, além de causar um<br />

rompimento com seus familiares e<br />

sua comunidade <strong>na</strong> Bahia, também<br />

desfazia atividades comerciais que<br />

lhes havia garanti<strong>do</strong> autonomia<br />

fi<strong>na</strong>nceira. Com isso, sofrer uma<br />

pe<strong>na</strong> de deportação para a Costa da<br />

África após quase uma vida inteira<br />

<strong>na</strong> Bahia, como era o caso de muitas<br />

mulheres e homens africanos, não<br />

significava simplesmente uma volta<br />

para casa.<br />

O Levante <strong>do</strong>s Malês não repercutiu<br />

somente <strong>na</strong> política de segu-<br />

25


26<br />

rança <strong>do</strong>s <strong>negro</strong>s, principalmente<br />

africanos, que viviam <strong>na</strong> Bahia. As<br />

noticias <strong>sobre</strong> a revolta se dissemi<strong>na</strong>ram<br />

por to<strong>do</strong> o Brasil embalan<strong>do</strong><br />

os sonhos de liberdade de escravos<br />

e libertos de outras províncias, mas<br />

também provocan<strong>do</strong> o pânico <strong>na</strong>s<br />

elites senhoriais <strong>sobre</strong> a possibilidade<br />

da organização de uma revolta de<br />

proporções <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is.<br />

De imediato, as outras províncias<br />

proibiram em seus territórios o<br />

desembarque de escravos vin<strong>do</strong>s<br />

da Bahia. Logo após o levante,<br />

foram aplicadas duras políticas de<br />

repressão e vigilância às populações<br />

negras no Brasil e <strong>na</strong> Bahia, especificamente,<br />

a repressão foi tão dura<br />

que, depois de 1835, não houve<br />

mais noticias de levantes <strong>na</strong> mesma<br />

proporção daquele. Mesmo assim,<br />

a resistência escrava continuou de<br />

outras formas como através das greves<br />

de trabalha<strong>do</strong>res escraviza<strong>do</strong>s e<br />

libertos que lutavam por condições<br />

de trabalho que eles consideravam<br />

mais dig<strong>na</strong>s.<br />

Podemos afirmar que mesmo<br />

que os rebeldes malês não tivessem<br />

alcança<strong>do</strong> seu objetivo de<br />

implementar um califa<strong>do</strong> africano<br />

<strong>na</strong> Bahia onde os brancos seriam<br />

escravos, essa revolta resguarda<br />

grande importância no fato de ter<br />

significa<strong>do</strong> um exemplo de organização<br />

política <strong>do</strong>s malês em torno<br />

de um projeto coletivo bem defini<strong>do</strong><br />

de liberdade.<br />

Saiba mais<br />

As comunidades quilombolas contemporâneas<br />

são forma<strong>do</strong>s por pessoas<br />

que vivem em locais que haviam<br />

si<strong>do</strong> quilombos ou para onde homens<br />

e mulheres negras se refugiaram no<br />

pós-abolição e formaram <strong>sociedade</strong>s<br />

onde vivem também de forma autônoma,<br />

porém não isolada. Até hoje,<br />

essas comunidades lutam pelo direito a<br />

terra, uma vez que muitas delas foram<br />

adquiridas de maneira informal ou, de<br />

tão antigas, simplesmente não possuem<br />

<strong>do</strong>cumentação. Algumas comunidades<br />

quilombolas já conseguiram titulação,<br />

que é o título que lhes confere a posse<br />

dessas terras. Porém, a maioria delas<br />

ainda vive enfrentamentos com fazendeiros<br />

que simplesmente ignoram seu<br />

direito a terra. Uma boa sugestão é ver<br />

o site da Fundação Palmares: http://<br />

www.palmares.gov.br/?page_id=88.<br />

Para saber mais <strong>sobre</strong> quilombos:<br />

http://www.historia.uff.br/tempo/artigos_livres/artg1-5.pdf,<br />

http://www.<br />

usp.br/revistausp/28/02-jreis.pdf.<br />

Sobre o quilombo <strong>do</strong> Piolho ver:<br />

http://www.ifch.unicamp.br/ihb/<br />

Textos/GT48Fatima.pdf.<br />

Sobre revoltas escravas ver: http://<br />

www.historia.uff.br/tempo/artigos_livres/artg13-8.pdf<br />

Sobre o Levante <strong>do</strong>s Malês ver:<br />

http://www.smec.salva<strong>do</strong>r.ba.gov.br/<br />

<strong>do</strong>cumentos/a-revolta-<strong>do</strong>s-males .pdf.


7. Os movimentos<br />

abolicionistas e o fim da<br />

escravidão no Brasil<br />

Na segunda metade <strong>do</strong> século<br />

XIX, o Brasil não conseguiria<br />

mais tratar a questão da escravidão<br />

como um assunto <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e interno.<br />

Pressões inglesas, o me<strong>do</strong> das<br />

revoltas e outros atos de rebeldia<br />

cometi<strong>do</strong>s pela população negra,<br />

além de projetos imigracionistas que<br />

buscavam consolidar o projeto de<br />

embranquecimento <strong>do</strong> país – tu<strong>do</strong><br />

isso foi aos poucos, bem aos poucos,<br />

tor<strong>na</strong>n<strong>do</strong> inviável a manutenção da<br />

escravidão. Já em 1850, foi posta em<br />

vigor a Lei Eusébio de Queiros que<br />

proibia (mais uma vez) o tráfico de<br />

africanos.<br />

Em 1871, foi promulgada a lei <strong>do</strong><br />

Ventre Livre, que tor<strong>na</strong>va livres os<br />

filhos das escravas <strong>na</strong>sci<strong>do</strong>s a partir<br />

daquela data. Contu<strong>do</strong>, essa lei não<br />

significava a liberdade definitiva<br />

dessas crianças chamadas de “ingênuos”,<br />

pois eles deveriam passar<br />

toda sua infância e boa parte da vida<br />

adulta <strong>na</strong> casa <strong>do</strong>s senhores das suas<br />

mães até que poderiam ser de fato<br />

livres, ou seja, quan<strong>do</strong> completassem<br />

21 anos. Assim, conviven<strong>do</strong> num<br />

ambiente senhorial, essas crianças<br />

se confundiam num ambiente social<br />

e de trabalho escravo e, <strong>do</strong> mesmo<br />

mo<strong>do</strong> como suas mães, eram trata<strong>do</strong>s<br />

como cativos.<br />

Caso a abolição não acontecesse<br />

antes, de acor<strong>do</strong> com a lei <strong>do</strong> Ventre<br />

Livre, haveriam escravos no Brasil<br />

até 1892... No mínimo. A próxima<br />

Luiz Gama.<br />

lei emancipacionista seria a Lei <strong>do</strong>s<br />

Sexagenários (ou Lei Saraiva-Cotegipe)<br />

de 1885, que tor<strong>na</strong>va livres os<br />

escravos com mais de 60 anos. Podemos<br />

dizer que essa lei não teve efeito<br />

entre a população escravizada, uma<br />

vez que eram poucos os cativos que<br />

atingiam essa faixa etária. Até 1888<br />

estas leis funcio<strong>na</strong>ram como forma<br />

de retardar o processo que culmi<strong>na</strong>ria<br />

<strong>na</strong> liberdade da população que<br />

ainda vivia escravizada.<br />

As elites <strong>brasileira</strong>s, inclusive aqueles<br />

que se consideravam porta-vozes<br />

da luta pela liberdade, defendiam<br />

que a abolição no Brasil deveria se<br />

dar de maneira gradual e segura, sem<br />

que a população negra participasse<br />

ou sequer soubessem destes debates.<br />

De olho no que estava acontecen<strong>do</strong><br />

nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, escravistas e<br />

27


28<br />

Sátira <strong>do</strong> cotidiano após a Abolição. O preconceito continuou cercan<strong>do</strong> os ex-escravos; uma troça da época dizia:<br />

“Nasceu periquito, morreu papagaio, não quero <strong>história</strong>s com treze de maio”.<br />

(Angelo Agostini, Revista Ilustrada, 1888).


abolicionistas das elites pediam cautela<br />

para a questão da abolição.<br />

A abolição <strong>do</strong>s escravos norteamericanos,<br />

resulta<strong>do</strong> de uma guerra<br />

civil que culminou <strong>na</strong> abolição imediata<br />

<strong>do</strong> cativeiro em 1863, causava<br />

pânico no Brasil <strong>sobre</strong> os riscos de<br />

um processo semelhante. Portanto,<br />

escravistas e abolicionistas conserva<strong>do</strong>res,<br />

buscaram soluções em lei<br />

paulati<strong>na</strong>s nos anos que antecediam<br />

a abolição. Assim, era arquiteta<strong>do</strong><br />

um projeto de organização social basea<strong>do</strong><br />

<strong>na</strong> raça, mas com a “proeza”<br />

de não deixar isso explícito.<br />

As elites <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is temiam uma<br />

“guerra-racial” devi<strong>do</strong> a grande<br />

quantidade de africanos e descendentes<br />

de africanos no país que já<br />

estavam dan<strong>do</strong> si<strong>na</strong>is de que não<br />

queriam esperar muito tempo pela<br />

abolição. Portanto, as leis <strong>brasileira</strong>s,<br />

após a abolição, deveriam ser<br />

discrimi<strong>na</strong>tórias, excludentes sem<br />

mencio<strong>na</strong>rem abertamente critérios<br />

raciais, como nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s.<br />

Naquele perío<strong>do</strong>, alguns políticos<br />

e intelectuais das décadas fi<strong>na</strong>is da<br />

escravidão (a partir da década de<br />

1870) começam a insistir que no<br />

Brasil não haviam distinções baseadas<br />

<strong>na</strong> raça. Mesmo assim, a <strong>na</strong>ção<br />

<strong>brasileira</strong> amargava o vergonhoso<br />

lugar de última <strong>na</strong>ção a abolir a<br />

escravidão, o que despertou duras<br />

críticas inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is. É nesse<br />

cenário de projetos de controle<br />

da população negra, de iniciativas<br />

rebeldes de homens e mulheres<br />

livres e escravizadas e de desgaste<br />

<strong>do</strong> sistema escravista que surgem os<br />

movimentos abolicionistas que, no<br />

Brasil, consolidaram-se no fi<strong>na</strong>l da<br />

década de 1860.<br />

Observem que me referi a “movimentos<br />

abolicionistas”, propositalmente<br />

no plural. A historiografia recente<br />

tem mostra<strong>do</strong> que eram muito<br />

diversas as opiniões <strong>do</strong>s abolicionistas<br />

a respeito <strong>do</strong> destino a ser da<strong>do</strong> para a<br />

população negra liberta e escravizada<br />

no Brasil. Por isso, podemos falar em<br />

movimentos abolicionistas. Contu<strong>do</strong>,<br />

sabemos que devi<strong>do</strong> a nossa formação<br />

escolar, fixamos o abolicionismo<br />

<strong>do</strong>s setores brancos e intelectuais<br />

da <strong>sociedade</strong> <strong>brasileira</strong>, que eram<br />

vistos como pessoas <strong>do</strong>tadas de um<br />

pensamento de vanguarda e humanitário.<br />

Este era o abolicionismo <strong>do</strong>s<br />

intelectuais, <strong>do</strong>s clubes, <strong>do</strong>s meetings<br />

abolicionistas, <strong>do</strong>s textos de jor<strong>na</strong>l e<br />

<strong>do</strong>s poemas acalora<strong>do</strong>s.<br />

Adria<strong>na</strong> Santos Silva, Deusa <strong>do</strong> Ébano <strong>do</strong> Bloco afro<br />

Ilê Ayiê de 2008.<br />

29


30<br />

Joaquim Nabuco, com sua obra<br />

Abolicionismo e sua atuação parlamentar<br />

acabou se tor<strong>na</strong>n<strong>do</strong> o grande<br />

referencial da luta contra a escravidão<br />

no Brasil. Ele defendia o fim<br />

da escravidão, mas não acreditava<br />

que os <strong>negro</strong>s e negras, que viviam<br />

no Brasil, estavam aptos para terem<br />

os mesmos direitos que a cidadania<br />

conferia à população branca. Contu<strong>do</strong>,<br />

além desse abolicionismo que<br />

podemos chamar de abolicionismo<br />

das elites, havia o radical, de pessoas<br />

negras, que não ficaram fora desse<br />

processo que levaria a população<br />

escravizada à liberdade.<br />

Vale destacar o papel <strong>do</strong>s abolicionistas<br />

<strong>negro</strong>s radicais como o engenheiro<br />

André Rebouças, o advoga<strong>do</strong><br />

Luiz Gama e o jor<strong>na</strong>lista José <strong>do</strong><br />

Patrocínio. Também havia os anônimos<br />

e anônimas, chama<strong>do</strong>s de “ora<strong>do</strong>res<br />

<strong>do</strong> povo”. Eram eles <strong>negro</strong>s<br />

libertos e escraviza<strong>do</strong>s que causavam<br />

tumultos <strong>na</strong>s manifestações de rua a<br />

favor da liberdade. Além da atuação<br />

pública, os abolicionistas populares<br />

também escondiam escravos fugitivos<br />

e colaboravam <strong>na</strong> formação de<br />

quilombos para receber os/as que<br />

não esperaram pelo 13 de maio para<br />

se tor<strong>na</strong>rem livres.<br />

Esse abolicionismo popular não<br />

era reconheci<strong>do</strong> pelas elites como<br />

iniciativas legítimas e politizadas de<br />

contestação <strong>do</strong> cativeiro. Isso explica<br />

porque tais iniciativas despertavam a<br />

ação da polícia com objetivo de conter<br />

os “quebra-quebras” <strong>na</strong>s cidades.<br />

Portanto, a luta pela abolição no<br />

Brasil não se resumiu numa dádiva<br />

da princesa Isabel.<br />

A abolição foi o resulta<strong>do</strong> da ação<br />

conjunta que contava com a participação<br />

de vários atores, <strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong><br />

de africanos e seus descendentes<br />

brasileiros, que foram desgastan<strong>do</strong><br />

e inviabilizan<strong>do</strong> a manutenção da<br />

escravidão. Na verdade, tentou-se<br />

excluir da <strong>história</strong> o papel dessas<br />

pessoas numa luta que tanto lhes<br />

interessava. Devemos admitir que o<br />

protagonismo das elites <strong>brasileira</strong>s<br />

<strong>sobre</strong> os rumos da questão da cidadania<br />

no Brasil tornou vitorioso o<br />

projeto de exclusão e desigualdade<br />

da população negra após o 13 de<br />

maio. A cidadania que, em tese, era<br />

garantida <strong>na</strong> Constituição para to<strong>do</strong>s<br />

os cidadãos e cidadãs <strong>brasileira</strong>s continuou<br />

sen<strong>do</strong> restritiva e pautada em<br />

valores raciais.<br />

Assim, a população negra <strong>brasileira</strong><br />

não terminou <strong>na</strong> abolição sua luta<br />

por liberdade e acesso a direitos. Esses<br />

homens e mulheres teriam de se<br />

manter organiza<strong>do</strong>s para combater<br />

as barreiras impostas pelo racismo<br />

numa <strong>sociedade</strong> “democrática”.<br />

Dicas de leitura<br />

Sobre os últimos anos que<br />

antecederam a abolição duas boas<br />

indicações de leitura são as<br />

seguintes: MACHADO, Maria<br />

Hele<strong>na</strong> P. T. O plano e o pânico:<br />

Os movimentos sociais <strong>na</strong> década da<br />

abolição. São Paulo: Edusp, 2010.<br />

E o livro de Albuquerque,<br />

Wlamyra R. de. O jogo da<br />

dissimulação: abolição e<br />

cidadania negra no Brasil. São Paulo:<br />

Companhia das Letras, 2009.


A escravidão deixou consequências<br />

negativas que persistem até os dias<br />

atuais nos altos índices de desigualdade<br />

racial. O méto<strong>do</strong> das elites <strong>brasileira</strong>s<br />

de categorizar racialmente a população<br />

sem que isso seja assumi<strong>do</strong> ainda persiste<br />

no comportamento social <strong>do</strong> povo brasileiro<br />

<strong>na</strong> forma de um racismo vela<strong>do</strong><br />

e excludente. Assim, a despeito de um<br />

racismo latente que estrutura a <strong>sociedade</strong><br />

<strong>brasileira</strong>, acreditava-se (e ainda<br />

há quem acredite) que no Brasil<br />

as pessoas viviam numa ple<strong>na</strong><br />

democracia racial, ou seja, o<br />

povo é mestiço e não há racismo.<br />

Diante de diversos episódios<br />

cotidianos de preconceito<br />

e discrimi<strong>na</strong>ção racial, um grupo<br />

O Movimento Negro Unifica<strong>do</strong><br />

de mulheres e homens <strong>negro</strong>s de diversas<br />

o país se reuniram em 1978 e fundaram<br />

o MNU – Movimento Negro Unifica<strong>do</strong>.<br />

A principal proposta <strong>do</strong> MNU era (e<br />

ainda é) denunciar a falsidade <strong>do</strong> mito da<br />

democracia racial, combater o racismo e<br />

organizar a população negra em torno da<br />

construção de um projeto de afirmação<br />

da identidade negra e da busca por direitos<br />

que efetivassem a igualdade racial<br />

no Brasil. O MNU foi funda<strong>do</strong><br />

em São Pau lo, mas é<br />

uma organização <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

e está presente em vários<br />

esta<strong>do</strong>s brasileiros. Para<br />

saber mais <strong>sobre</strong> o MNU<br />

veja o site http://mnu.blogspot.com.<br />

Ato Público <strong>do</strong> MNU, 07.07.1978, Dia Nacio<strong>na</strong>l de Luta Contra o Racismo, 30 anos de luta contra o racismo.<br />

31


32<br />

Referências bibliográficas<br />

ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. O jogo<br />

da dissimulação: abolição e cidadania<br />

negra no Brasil. São Paulo: Companhia das<br />

Letras, 2009.<br />

BRITO, Lucia<strong>na</strong> da Cruz. Sob o rigor da<br />

lei: africanos e africa<strong>na</strong>s <strong>na</strong>s leis baia<strong>na</strong>s<br />

(1830-1841). Dissertação de mestra<strong>do</strong>.<br />

Campi<strong>na</strong>s. Universidade Estadual de Campi<strong>na</strong>s.<br />

IFCH, 2009.<br />

CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade:<br />

uma <strong>história</strong> das últimas décadas da<br />

escravidão <strong>na</strong> corte. São Paulo: Companhia<br />

das Letras, 1990.<br />

FONSECA, Celene e SANTOS, Suely.<br />

Cartilha Zumbi apareceu <strong>na</strong> Coroa<br />

Vermelha. Porto Seguro/Santa Cruz de<br />

Cabrália, Abril de 2000. Salva<strong>do</strong>r: Movimento<br />

Negro Unifica<strong>do</strong>, CESE, Centro de<br />

Estu<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s Povos Afro-Índio Americanos<br />

da Universidade <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> da Bahia, APNB<br />

e Colibris, 2010.<br />

FREyRE, Gilberto. Casa grande e senzala.<br />

20. ed. Rio de Janeiro: José Olympio<br />

Editora,1980.<br />

GOMES, Flávio <strong>do</strong>s Santos. Histórias de<br />

quilombolas: mocambos e comunidades<br />

de senzalas no Rio de Janeiro – século XIX.<br />

Revised and expanded ed. São Paulo: Cia.<br />

das Letras, 2006.<br />

GOMES, Flávio <strong>do</strong>s Santos, CUNHA,<br />

Olívia Maria Gomes da. Quase-Cidadão.<br />

Histórias e antropologias da pósemancipação<br />

no Brasil. Rio de Janeiro:<br />

Fundação Getulio Vargas, 2007.<br />

MACHADO, Hele<strong>na</strong> Maria P. T. O plano<br />

e o pânico: os movimentos sociais <strong>na</strong><br />

década da abolição. Rio de Janeiro: UFRJ/<br />

EdUSP, 1994.<br />

______. Em torno da autonomia escrava:<br />

uma nova direção para a <strong>história</strong> social<br />

da escravidão. In: Revista Brasileira de<br />

História. São Paulo, v.18, nº16, mar.88/<br />

ago.88. p.143-160. Disponível em: http://<br />

www.anpuh.org/revista<strong>brasileira</strong>. Último<br />

acesso: 11 mar. 2011.<br />

NADAI, Elsa. O ensino de <strong>história</strong> no<br />

Brasil: trajetória e perspectiva. In: Revista<br />

Brasileira de História. São Paulo: Anpuh,<br />

v.13, nº25/26, set.92/ago.93. p. 143-162.<br />

Disponível em: http://www.anpuh.org/<br />

revista<strong>brasileira</strong> . Último acesso: 11 mar.<br />

2011.<br />

SLESNES, Robert Andrew W.. Na senzala,<br />

uma flor: esperanças e recordações<br />

<strong>na</strong> formação da família escrava – Brasil<br />

Sudeste, Século XIX. Rio de Janeiro: Nova<br />

Fronteira, 1999.<br />

REIS, João e GOMES, Flávio (orgs.).<br />

Liberdade por um fio. São Paulo: Companhia<br />

das Letras, 1996.<br />

REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil:<br />

a <strong>história</strong> <strong>do</strong> levante <strong>do</strong>s malês em 1835,<br />

São Paulo, Companhia das Letras, 2003<br />

FERNANDES, Juarez de Assis e BAR-<br />

ROS, Clarissa F. <strong>do</strong> Rego. A Revolta <strong>do</strong>s<br />

Malês <strong>na</strong> História: uma análise <strong>sobre</strong><br />

a resistência <strong>do</strong>s escravos e o saber<br />

histórico frente aimplementação da<br />

Lei 10639/2003. http://www.historiagora.<br />

com/dm<strong>do</strong>cuments/Historia5_A_Revolta_<strong>do</strong>s_Males_<strong>na</strong>_Historia.pdf.<br />

Último<br />

acesso: 10 mar. 2011.

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