tópicos sobre a história do negro na sociedade brasileira
tópicos sobre a história do negro na sociedade brasileira
tópicos sobre a história do negro na sociedade brasileira
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CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO<br />
TÓPICOS SOBRE A HISTÓRIA DO<br />
NEGRO NA SOCIEDADE BRASILEIRA<br />
Lucia<strong>na</strong> da Cruz Brito<br />
Apoio:<br />
RELAÇÕES RACIAIS E EDUCAÇÃO<br />
NA SOCIEDADE BRASILEIRA<br />
4
© NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE RELAÇÕES RACIAIS E EDUCAÇÃO (NEPRE)<br />
Ministério da Educação<br />
Universidade Federal de Mato Grosso<br />
Reitora<br />
Maria Lúcia Cavalli Neder<br />
Vice-Reitor<br />
Francisco José Dutra Souto<br />
Pró-Reitora Administrativa<br />
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Cuiabá/MT – cep 78060-900 – Fone: (65) 3615-8447<br />
C957t<br />
Brito, Lucia<strong>na</strong> da Cruz.<br />
Tópicos <strong>sobre</strong> a <strong>história</strong> <strong>do</strong> <strong>negro</strong> <strong>na</strong><br />
<strong>sociedade</strong> <strong>brasileira</strong>./ Lucia<strong>na</strong> da Cruz<br />
Brito. Cuiabá: EdUFMT, 2011.<br />
Módulo 4. (Relações Raciais e Educação<br />
<strong>na</strong> Sociedade Brasileira)<br />
ISBN: 978-85-8018-073-2<br />
1. Identidade Afro-Brasileira. 2. Negro –<br />
História <strong>do</strong> Brasil. 3. Escravidão.<br />
4. Movimentos Abolicionistas. I. Título.<br />
CDU 94(6)(81)
Sumário<br />
Apresentação ..........................................................................................5<br />
1. O lugar <strong>do</strong> povo <strong>negro</strong> <strong>na</strong> História <strong>do</strong> Brasil e os projetos<br />
de formação da identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l ...................................................6<br />
2. Perspectivas <strong>sobre</strong> a <strong>história</strong> da escravidão:<br />
o debate historiográfico ......................................................................9<br />
3. O tráfico de africanos .........................................................................12<br />
4. O mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho escravo ............................................................15<br />
5. Sociabilidade: família, vida social e religiosa <strong>do</strong><br />
povo <strong>negro</strong> no Brasil escravista .........................................................18<br />
6. O resistir coletivo: quilombos e revoltas ............................................21<br />
7. Os movimentos abolicionistas e o fim da escravidão no Brasil ..........27<br />
Referências bibliográficas .....................................................................31
Apresentação<br />
Este módulo vai discutir a <strong>história</strong><br />
<strong>do</strong> povo <strong>negro</strong> no Brasil, mas antes<br />
de ir direto ao assunto, considero importante<br />
discutir inicialmente <strong>sobre</strong><br />
os caminhos que trilharemos para<br />
contar esta <strong>história</strong>. Entendemos<br />
que a <strong>história</strong> <strong>do</strong> povo <strong>negro</strong> brasileiro<br />
vai além das suas contribuições<br />
<strong>na</strong> dança, <strong>na</strong> culinária e <strong>na</strong> música.<br />
Os africanos e seus descendentes<br />
<strong>na</strong>sci<strong>do</strong>s no Brasil nos legaram diversos<br />
aspectos <strong>do</strong> seu mo<strong>do</strong> de vida<br />
e organização político-social. Além<br />
disso, deixaram-nos sua tecnologia,<br />
sua religião, sua filosofia e mais uma<br />
vastidão de manifestações culturais<br />
que podemos ver em cada Esta<strong>do</strong><br />
brasileiro onde viveram grupos de<br />
africanos de diversas etnias.<br />
Portanto, a <strong>história</strong> que vamos<br />
contar leva em consideração a violência<br />
da escravidão, a privação da<br />
vontade de decidir <strong>sobre</strong> suas vidas e<br />
a exploração <strong>do</strong> trabalho de homens<br />
e mulheres negras durante cerca de<br />
quatro séculos de cativeiro. Porém,<br />
também vamos discutir <strong>sobre</strong> como<br />
este povo reagiu à escravidão, tanto<br />
de forma coletiva quanto individual<br />
numa tentativa de entender o que<br />
queriam para suas vidas.<br />
A<strong>na</strong>lisaremos episódios em que<br />
questio<strong>na</strong>ram a escravidão até<br />
tor<strong>na</strong>r este sistema inviável, provocan<strong>do</strong><br />
sua queda definitiva em<br />
1888. Sen<strong>do</strong> assim, este módulo<br />
faz parte de uma tendência da nova<br />
historiografia da escravidão que<br />
acredita que os homens e mulheres<br />
negras que viveram no Brasil como<br />
escravos, embora vivessem numa<br />
<strong>sociedade</strong> que os subjugava, vigiava<br />
e oprimia, também eram <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s<br />
de vontade, sonhos, sentimentos<br />
e <strong>do</strong> desejo de serem livres. Eles e<br />
elas sabiam o que queriam e qual o<br />
valor da sua liberdade: eram agentes<br />
da sua <strong>história</strong>.<br />
5
6<br />
1. O lugar <strong>do</strong> povo <strong>negro</strong><br />
<strong>na</strong> História <strong>do</strong> Brasil e os<br />
projetos de formação da<br />
identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />
Os livros de História <strong>do</strong> Brasil<br />
em geral reconhecem a participação<br />
e contribuições <strong>do</strong> povo africano,<br />
assim como <strong>do</strong> indíge<strong>na</strong>, <strong>na</strong> formação<br />
da <strong>na</strong>ção <strong>brasileira</strong>. Contu<strong>do</strong>,<br />
estes livros, <strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong> os mais antigos,<br />
colocam o português como<br />
elemento condutor e funda<strong>do</strong>r da<br />
<strong>na</strong>ção <strong>brasileira</strong>. A justificativa era<br />
que os portugueses coloniza<strong>do</strong>res<br />
subjugaram e escravizaram <strong>negro</strong>s<br />
e indíge<strong>na</strong>s porque como europeus<br />
eles eram superiores e civiliza<strong>do</strong>s. A<br />
<strong>na</strong>ção <strong>brasileira</strong> <strong>na</strong>scia <strong>do</strong> encontro<br />
(supostamente sem conflitos) desses<br />
três povos (o português civiliza<strong>do</strong>r,<br />
o africano bárbaro e o índio dócil).<br />
As elites <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is construíram,<br />
através <strong>do</strong>s livros de <strong>história</strong>, o mito<br />
<strong>do</strong> povo brasileiro pacífico, amante<br />
da ordem e da paz, optan<strong>do</strong> por<br />
omitir os conflitos e a violência que<br />
marcaram esses encontros (ou confrontos).<br />
Assim, formou-se um ideal<br />
de <strong>na</strong>ção <strong>brasileira</strong> com o objetivo<br />
de que o povo brasileiro se sentisse<br />
um grupo homogêneo, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />
mesmos ideais <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, crenças e<br />
valores.<br />
Além de omitir os conflitos que<br />
marcaram o enre<strong>do</strong> da <strong>história</strong><br />
<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, as elites <strong>brasileira</strong>s, que<br />
tinham o poder de escrever a <strong>história</strong><br />
<strong>do</strong> Brasil, também atribuíram<br />
importância e papéis distintos a índios,<br />
<strong>negro</strong>s e brancos. A identidade<br />
comum <strong>do</strong> povo brasileiro se deu<br />
à custa da exclusão, invisibilidade<br />
e omissão <strong>do</strong>s povos indíge<strong>na</strong>s e<br />
africanos.<br />
Enquanto os primeiros ficavam<br />
no passa<strong>do</strong> da colonização como<br />
trabalha<strong>do</strong>r indócil e não-adapta<strong>do</strong>,<br />
os africanos eram caracteriza<strong>do</strong>s pela<br />
posição deprimente de escravos. Ser<br />
escravo, africano e <strong>negro</strong> significaria<br />
a mesma coisa <strong>na</strong> versão da <strong>história</strong><br />
<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l oficial. Esses homens e<br />
mulheres <strong>negro</strong>s desapareciam <strong>do</strong>s<br />
livros de <strong>história</strong> com a abolição em<br />
1888 dan<strong>do</strong> lugar aos imigrantes europeus<br />
que eram supostamente mais<br />
adequa<strong>do</strong>s para um país que buscava<br />
o progresso, já que os escravos significavam<br />
o atraso. Uma vez que os<br />
<strong>negro</strong>s eram escravos e não tinham<br />
vontade própria, de acor<strong>do</strong> com<br />
esse discurso, eles também não eram<br />
prepara<strong>do</strong>s para a vida em liberdade,<br />
nem para serem cidadãos.<br />
Para saber mais<br />
Sugerimos a leitura <strong>do</strong> artigo de Elsa<br />
Nadai, publica<strong>do</strong> <strong>na</strong> Revista Brasileira de<br />
História, “O ensino de <strong>história</strong> no Brasil:<br />
trajetória e perspectiva”. São Paulo:<br />
Fapesp, Anpuh, Cnpq. v.13, nº25/26,<br />
set.92/ago.93. p. 43-162.
Os Operários, 1933. Obra de Tarsila <strong>do</strong> Amaral.<br />
Assim, a <strong>história</strong> oficial tratou perior, bonito, civiliza<strong>do</strong> e ser <strong>do</strong>ta<strong>do</strong><br />
esses grupos de forma desigual, de um poder <strong>na</strong>tural <strong>sobre</strong> a maioria<br />
omitin<strong>do</strong> exclusões, violências e as da população, que era inferior. Em<br />
contribuições de cada um deles para contrapartida, ser <strong>negro</strong>, por exem-<br />
a formação <strong>do</strong> povo brasileiro e <strong>do</strong> plo, significava ser escravo, feio, afri-<br />
país. Na tentativa de representar o cano e atrasa<strong>do</strong>. Esses significa<strong>do</strong>s<br />
povo brasileiro como homogêneo, fazem parte da identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />
a diversidade da <strong>na</strong>ção foi desres- e mantêm diferenças que persistem<br />
peitada, pois optaram por eleger um até hoje, uma vez que os conflitos,<br />
grupo que agregasse em um só in- enfrentamentos e o conceito de<br />
divíduo as características que seriam cidadania e diversidade não foram<br />
referenciais e normativas: homem, discuti<strong>do</strong>s (nem aceitos) por aqueles<br />
europeu, branco.<br />
que escreveram a <strong>história</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.<br />
Portanto, foi atribuí<strong>do</strong> ao euro- Assim, podemos agora nos perpeu<br />
o papel de colonizar e formar guntar por que, ainda hoje, crianças<br />
um país, além de implementar uma negras se sintam constrangidas <strong>na</strong>s<br />
língua <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e organizar a <strong>na</strong>ção salas de aula quan<strong>do</strong> tocamos no<br />
social e politicamente. Nesta versão tema da escravidão no Brasil. A<br />
da <strong>história</strong>, ser branco no Brasil maioria delas não aceitará ser negra...<br />
carregava significa<strong>do</strong>s como ser su- E nem mesmo alguns adultos.<br />
7
8<br />
O Movimento Brasil, outros 500<br />
Em abril de 2000, o Esta<strong>do</strong> brasileiro,<br />
através da presidência da<br />
República e <strong>do</strong> Governo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />
da Bahia, organizaram um grande<br />
evento para comemorar os 500 anos<br />
de “descobrimento” <strong>do</strong> Brasil. A<br />
ideia era reproduzir a chegada <strong>do</strong>s<br />
portugueses e foi construída inclusive<br />
a réplica de uma <strong>na</strong>u que chegaria<br />
a Porto Seguro <strong>na</strong>quele 22 de abril.<br />
Evidentemente, que esta ence<strong>na</strong>ção<br />
era baseada no mito funda<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />
povo brasileiro, filhos <strong>do</strong> herói coloniza<strong>do</strong>r<br />
português. Em terra firme,<br />
representantes <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> brasileiro<br />
e português e das elites empresariais<br />
esperavam que os índios recebessem<br />
os portugueses <strong>do</strong> século XX, assim<br />
como ocorreu em 1.500, de acor<strong>do</strong><br />
com seu imaginário: de braços abertos<br />
para a civilização, sem conflitos,<br />
sem violência. Sabemos que a <strong>história</strong><br />
não foi <strong>na</strong>da assim. Conhecemos<br />
as conseqüências da colonização<br />
para os povos indíge<strong>na</strong>s, já que o<br />
empreendimento português custou<br />
o massacre de muitos desses povos.<br />
Além disso, a colonização também<br />
custou a vida de cerca de 4 milhões<br />
de africanos trazi<strong>do</strong>s forçosamente<br />
para o Brasil através <strong>do</strong> tráfico.<br />
Contu<strong>do</strong>, houve uma forte reação<br />
popular contra essa noção elitista<br />
e eurocêntrica de “descobrimento”<br />
que se manifestou através de<br />
uma articulação negra e indíge<strong>na</strong>,<br />
culmi<strong>na</strong>n<strong>do</strong> <strong>na</strong> organização <strong>do</strong><br />
movimento Brasil, outros 500.<br />
Índio deita<strong>do</strong> no chão em protesto <strong>do</strong>s 500 anos <strong>do</strong><br />
descobrimento <strong>do</strong> Brasil, em Porto Seguro, <strong>na</strong> Bahia.<br />
Esse movimento foi uma iniciativa<br />
da união <strong>do</strong> povo indíge<strong>na</strong>s, <strong>do</strong><br />
povo <strong>negro</strong> e trabalha<strong>do</strong>res e trabalha<strong>do</strong>ras<br />
<strong>brasileira</strong>s que recusaram<br />
uma versão da <strong>história</strong> que os invisibilizava<br />
e os colocava <strong>na</strong> posição<br />
de observa<strong>do</strong>res da <strong>história</strong> contada<br />
por aqueles que eram supostamente<br />
os vence<strong>do</strong>res. O que estava em<br />
questão era a luta político/ideológica<br />
pela representação e significa<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> que era ser “povo brasileiro”.<br />
Embora o Esta<strong>do</strong> brasileiro tivesse<br />
emprega<strong>do</strong> um forte aparato policial,<br />
que usou de diversos atos de<br />
violência para conter os manifestantes,<br />
índios e <strong>negro</strong>s foram vitoriosos,<br />
pois conseguiram mostrar para o<br />
mun<strong>do</strong> (e para o Brasil também) que<br />
o povo brasileiro tem várias faces<br />
e que essa <strong>história</strong> pode (e hoje é)<br />
contada de uma outra maneira.<br />
FONSECA, CELENE e SANTOS, Suely. Cartilha<br />
Zumbi apareceu <strong>na</strong> Coroa Vermelha. Porto Seguro/Santa<br />
Cruz de Cabrália, Abril de 2000. Salva<strong>do</strong>r: Movimento<br />
Negro Unifica<strong>do</strong>, CESE, Centro de Estu<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s Povos<br />
Afro-Índio Americanos da Universidade <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> da<br />
Bahia, APNB e Colibris, 2010.<br />
Lula Marques/O Globo - 17/06/2008
2. Perspectivas <strong>sobre</strong> a<br />
<strong>história</strong> da escravidão: o<br />
debate historiográfico<br />
Várias foram as interpretações<br />
<strong>sobre</strong> a escravidão no Brasil. Esse<br />
debate mobilizou debates de vários<br />
intelectuais dispostos a pesquisar, escrever<br />
e avaliar o peso das relações escravistas<br />
<strong>na</strong>s relações raciais vigentes<br />
<strong>na</strong> <strong>sociedade</strong> <strong>brasileira</strong>. A importância<br />
desse debate consiste no fato de, a<br />
depender da interpretação, isso poderia<br />
dar respostas para o dilema das<br />
relações raciais no Brasil contemporâneo.<br />
Por exemplo, as interpretações<br />
<strong>sobre</strong> a escravidão no Brasil poderiam<br />
variar a depender de quem escrevia,<br />
<strong>do</strong> perío<strong>do</strong> que se escrevia, <strong>do</strong> grupo<br />
ou da escola teórica de que fazia parte<br />
a pessoa, ela produzia determi<strong>na</strong>da<br />
leitura <strong>do</strong> assunto.<br />
Tais leituras, de alguma forma,<br />
poderiam ser a metáfora que explicava<br />
uma <strong>sociedade</strong> racista ou<br />
uma <strong>sociedade</strong> onde vigorava uma<br />
democracia racial. Nisso reside a<br />
importância política <strong>do</strong>s debates<br />
historiográficos <strong>sobre</strong> a escravidão<br />
no Brasil. Em 1933, o antropólogo<br />
Gilberto Freyre lança a obra que seria<br />
por muito tempo referência para<br />
os estu<strong>do</strong>s da escravidão no Brasil:<br />
Casa grande e senzala.<br />
A tese central de Freyre era aquela<br />
que defendia um convívio harmonioso<br />
entre senhores e escravos brasileiros,<br />
já os primeiros eram benevolentes<br />
e pouco cruéis, enquanto seus<br />
escravos eram em geral obedientes,<br />
passivos e ... felizes. Em resumo, a es-<br />
cravidão <strong>brasileira</strong>, defendia o autor,<br />
não era tão cruel e violenta como nos<br />
Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, uma vez que aqui<br />
os senhores e as escravas, por muitas<br />
vezes, mantinham até mesmo relações<br />
sexoafetivas. A isso chamamos<br />
de pater<strong>na</strong>lismo, uma relação em que<br />
o senhor de escravos desempenha<br />
um papel de pai coletivo, bon<strong>do</strong>so,<br />
benevolente, cuida<strong>do</strong>r, mas também<br />
punitivo a depender da necessidade.<br />
Com isso, Freyre buscava as origens<br />
das relações raciais no Brasil, a<br />
qual ele acreditava serem harmoniosas,<br />
sem racismo, num cenário de perfeita<br />
democracia racial entre brancos<br />
e <strong>negro</strong>s. O mito da democracia racial<br />
ganhou tanta força <strong>na</strong> <strong>sociedade</strong> <strong>brasileira</strong><br />
que até hoje ele é resgata<strong>do</strong> por<br />
grupos que desejam afirmar que não<br />
existe racismo no Brasil.<br />
Nos anos seguintes, grupos de<br />
intelectuais contestaram as afirmações<br />
da escravidão branda de<br />
Freyre, apontan<strong>do</strong> um sistema<br />
escravista marca<strong>do</strong> pela violência e<br />
pela <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ção. Sob influência <strong>do</strong><br />
movimento <strong>negro</strong> brasileiro e das<br />
lutas por direitos civis nos Esta<strong>do</strong>s<br />
Uni<strong>do</strong>s, também se desejava chamar<br />
atenção para uma <strong>sociedade</strong> de marcante<br />
desigualdade entre brancos e<br />
<strong>negro</strong>s durante o perío<strong>do</strong> em que<br />
essas obras foram escritas. Nos<br />
anos de 1950, as pesquisas de Clóvis<br />
Moura, Alípio Goulard e Décio<br />
Freitas traziam os exemplos de atos<br />
de resistência <strong>do</strong>s <strong>negro</strong>s e negras<br />
escravizadas, <strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong> através da<br />
organização <strong>do</strong>s quilombos.<br />
Nos anos 1960 até 1970, a chamada<br />
Escola Paulista buscou contestar<br />
9
10<br />
Freyre afirman<strong>do</strong> enfaticamente a<br />
violência da escravidão que deixaria<br />
como consequência um completo<br />
esta<strong>do</strong> de incapacidade de elaboração,<br />
reação e construção de um projeto<br />
político de liberdade por parte <strong>do</strong><br />
escravo. De acor<strong>do</strong> com essa escola, a<br />
escravidão deixaria a população negra<br />
incapaz de participar da <strong>sociedade</strong><br />
moder<strong>na</strong>, da<strong>do</strong> o completo esta<strong>do</strong> de<br />
exclusão vivi<strong>do</strong> durante a escravidão.<br />
Nessa perspectiva, a <strong>sociedade</strong><br />
escravista era dividida entre senhores<br />
e escravos e pouca investigação<br />
era feita no senti<strong>do</strong> de compreender<br />
melhor a vida desses últimos.<br />
Florestan Fer<strong>na</strong>ndes, um <strong>do</strong>s mais<br />
representativos sociólogos dessa<br />
corrente interpretativa, influenciou<br />
vários estu<strong>do</strong>s <strong>sobre</strong> o tema.<br />
Em A integração <strong>do</strong> <strong>negro</strong> <strong>na</strong> <strong>sociedade</strong><br />
de classes, obra publicada em 1965,<br />
Florestan evidencia a condição de<br />
Navio Negreiro - Museu Afro Brasil.<br />
margi<strong>na</strong>lidade <strong>do</strong>s <strong>negro</strong>s brasileiros.<br />
Segun<strong>do</strong> sua perspectiva, a violência<br />
<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> escravista teria reduzi<strong>do</strong><br />
os escraviza<strong>do</strong>s à condição de indivíduos<br />
anômicos e, por isso, impossibilita<strong>do</strong>s<br />
de se adequar à nova <strong>sociedade</strong><br />
burguesa, de formar instituições<br />
sociais, como família etc.<br />
Também faz parte dessa tendência<br />
o sociólogo Fer<strong>na</strong>n<strong>do</strong> Henrique Car<strong>do</strong>so,<br />
autor de Capitalismo e escravidão<br />
no Brasil Meridio<strong>na</strong>l (1962). Na obra,<br />
Car<strong>do</strong>so enfatizava a violência das<br />
relações escravistas, afirman<strong>do</strong> que<br />
tal realidade havia deixa<strong>do</strong> africanos<br />
e seus descendentes escraviza<strong>do</strong>s <strong>na</strong><br />
condição de seres sem autonomia,<br />
sem vontade própria, capacidade de<br />
reação ou de elaborar uma interpretação<br />
<strong>sobre</strong> a sua realidade. Assim,<br />
a escravidão havia tira<strong>do</strong> <strong>do</strong> escravo<br />
seu status de humano, tranforman<strong>do</strong>-o<br />
em “coisa”.
Uma tendência historiográfica<br />
seguinte, surgida nos anos 1980, é<br />
composta por um grupo de historia<strong>do</strong>res<br />
e historia<strong>do</strong>ras que discordam<br />
da ideia de que a escravidão tirou da<br />
população negra escravizada qualquer<br />
possibilidade de ação política.<br />
A partir de pesquisas <strong>do</strong>cumentais,<br />
essa nova <strong>história</strong> da escravidão<br />
buscou evidenciar manifestações<br />
desses indivíduos que demonstrassem<br />
a existência de relações afetivas,<br />
tentativas coletivas e individuais de<br />
contestar, recusar ou fugir <strong>do</strong> cativeiro.<br />
Tais estu<strong>do</strong>s nos levaram ao<br />
conhecimento da existência de vínculos<br />
familiares e de amizade, fugas<br />
organizadas, revoltas, quilombos,<br />
tentativas de negociar a liberdade<br />
e tantas outras estratégias políticas<br />
utilizadas por homens e mulheres<br />
para <strong>sobre</strong>viver numa <strong>sociedade</strong><br />
escravista impon<strong>do</strong> suas vontades,<br />
ainda que minimamente.<br />
Através de pistas deixadas por<br />
<strong>do</strong>cumentos históricos, as pesquisas<br />
revelaram não só a dinâmica da vida<br />
<strong>do</strong>s escraviza<strong>do</strong>s, mas também de<br />
um grande número de homens e<br />
mulheres libertas que se deparavam<br />
com os desafios de se manterem<br />
autônomos numa <strong>sociedade</strong> ainda<br />
escravista. Assim, a nova <strong>história</strong> da<br />
escravidão mostrava um cotidiano<br />
marca<strong>do</strong> pela violência (que se dava<br />
de maneiras variadas), mas também<br />
de indivíduos que tinham projetos<br />
políticos e produziam suas próprias<br />
interpretações <strong>sobre</strong> a <strong>sociedade</strong> em<br />
que viviam.<br />
Podemos aqui citar como nomes<br />
desta chamada nova escola da escravidão,<br />
que traz à luz a agência de<br />
homens e mulheres escravizadas ou<br />
libertas, intelectuais que produziram<br />
obras que são referências, tais como<br />
João José Reis, Flávio <strong>do</strong>s Santos<br />
Gomes, Maria Hele<strong>na</strong> Macha<strong>do</strong>,<br />
Robert Slenes, Sidney Chalhoub,<br />
Silvia Hunold Lara.<br />
A seguir, apresentaremos aspectos<br />
da vida da população negra escravizada<br />
no Brasil que hoje conhecemos<br />
devi<strong>do</strong> aos estu<strong>do</strong>s e pesquisas feitas<br />
por essa tendência da nova <strong>história</strong><br />
da escravidão.<br />
Além <strong>do</strong>s trabalhos produzi<strong>do</strong>s<br />
nos anos de 1980, outros novos<br />
pesquisa<strong>do</strong>res e pesquisa<strong>do</strong>ras produzem<br />
trabalhos que nos permitem<br />
saber mais detalhes <strong>sobre</strong> a realidade<br />
<strong>do</strong> sistema escravista e da vida de<br />
homens e mulheres escravas e libertas<br />
no Brasil.<br />
Para saber mais<br />
Sobre este debate historiográfico ver: MACHADO,<br />
Maria Hele<strong>na</strong> P. T. Em torno da autonomia escrava:<br />
uma nova direção para a <strong>história</strong> social da escravidão.<br />
In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v.18,<br />
nº16, mar.88/ago.88. p.143-160. Disponível em:<br />
http://www.anpuh.org/revista<strong>brasileira</strong>/view?ID _ REVISTA_BRASILEIRA=23/03/11<br />
11
12<br />
3. O tráfico de africanos<br />
O tráfico de africanos alimentou<br />
a demanda por trabalha<strong>do</strong>res escraviza<strong>do</strong>s<br />
<strong>na</strong>s Américas. Consistia no<br />
sequestro de homens, mulheres e<br />
crianças africa<strong>na</strong>s <strong>do</strong>s seus lugares<br />
de origem, das suas comunidades<br />
e <strong>do</strong> convívio com seus familiares<br />
para serem vendi<strong>do</strong>s nos merca<strong>do</strong>s<br />
de escravos de países como Esta<strong>do</strong>s<br />
Uni<strong>do</strong>s, Cuba e para o Brasil. Alguns<br />
grupos, que resistem a reconhecer o<br />
tráfico como crime contra a humanidade<br />
e descredenciam reivindicações<br />
<strong>do</strong>s movimentos sociais baseadas<br />
nos prejuízos que o tráfico causou<br />
para africanos e seus descendentes<br />
em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, responsabilizam<br />
dirigentes africanos no envolvimento<br />
desse comércio.<br />
Dessa maneira, procuram tirar a<br />
responsabilidade, o protagonismo<br />
e enriquecimento <strong>do</strong>s países europeus<br />
e elites america<strong>na</strong>s no tráfico.<br />
O fato é que o jogo de culpas ou a<br />
transferência delas não resolve nem<br />
explica o funcio<strong>na</strong>mento <strong>do</strong> comércio<br />
de mulheres e homens africanos,<br />
tampouco resolve nem repara os<br />
danos causa<strong>do</strong>s aos povos que eram<br />
vendi<strong>do</strong>s como merca<strong>do</strong>rias.<br />
O trabalho <strong>do</strong> africano foi utiliza<strong>do</strong><br />
desde os primeiros anos da colonização<br />
e o tráfico foi responsável por<br />
alimentar a empresa coloniza<strong>do</strong>ra<br />
com trabalha<strong>do</strong>res. Em to<strong>do</strong> o Brasil<br />
se utilizou mão de obra oriunda <strong>do</strong><br />
tráfico: nos engenhos de açúcar <strong>do</strong><br />
Nordeste, <strong>na</strong> extração de ouro da região<br />
das Mi<strong>na</strong>s Gerais, <strong>na</strong>s plantações<br />
de café <strong>do</strong> Sudeste, <strong>na</strong> extração da<br />
Navio negreiro, Rugendas – 1830.<br />
borracha da Região Norte e <strong>na</strong>s áreas<br />
pecuaristas da Região Sul. Contu<strong>do</strong>,<br />
em todas essas regiões, o trabalho <strong>do</strong><br />
povo africano também foi utiliza<strong>do</strong><br />
em atividades locais específicas, assim<br />
como <strong>na</strong>s <strong>do</strong>mésticas, uma vez<br />
que ter um escravo ou escrava era<br />
símbolo de status social.<br />
Há controvérsias quanto à quantidade<br />
de africanos e africa<strong>na</strong>s que<br />
atravessaram o Atlântico durante<br />
cerca de 400 anos de tráfico. Estimase<br />
que em torno de 20 milhões de<br />
pessoas tenham deixa<strong>do</strong> o continente<br />
africano e o Brasil, maior compra<strong>do</strong>r<br />
de homens e mulheres africa<strong>na</strong>s,<br />
recebeu 1/3 deles. As condições da<br />
travessia eram bastante precárias. A<br />
diarreia e demais <strong>do</strong>enças provocadas<br />
por más condições de higiene<br />
e alimentação i<strong>na</strong>dequada provocavam<br />
a morte de muitos daqueles<br />
que vinham amontoa<strong>do</strong>s nos <strong>na</strong>vios.<br />
Ainda assim, com grandes perdas<br />
durante a travessia <strong>do</strong> Atlântico, o<br />
tráfico continuava a ser um “investimento”<br />
bastante lucrativo.<br />
O tráfico de africanos, além de ser<br />
altamente lucrativo, era um negócio
que envolvia muitas <strong>na</strong>ções: Brasil,<br />
Cuba, Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, França,<br />
Inglaterra e outros países europeus<br />
estavam envolvi<strong>do</strong>s no negócio.<br />
Contu<strong>do</strong>, nos fi<strong>na</strong>is <strong>do</strong> século XVIII<br />
e Início <strong>do</strong> XIX começaram a surgir<br />
as primeiras manifestações no senti<strong>do</strong><br />
de reprimir o tráfico no Brasil.<br />
A primeira investida <strong>sobre</strong> o império<br />
brasileiro partiu da Inglaterra<br />
que, além de interesses filantrópicos,<br />
também já começava a adentrar o<br />
continente africano e instalar suas<br />
colônias. Para os ingleses, a partir de<br />
então, o escoamento de trabalha<strong>do</strong>res<br />
africanos para o continente americano<br />
passou a ser algo desinteressante<br />
já que a coroa britânica começava a<br />
explorar mão de obra de trabalha<strong>do</strong>res<br />
<strong>na</strong> África. Sen<strong>do</strong> assim, <strong>na</strong> Inglaterra,<br />
o tráfico passou a ser proibi<strong>do</strong><br />
em 1807 e, em seguida, em 1808 nos<br />
Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s. Afirmar que essas<br />
<strong>na</strong>ções proibiram o tráfico oficialmente<br />
a partir dessas datas não significa<br />
dizer que não houvessem pessoas<br />
desses países envolvidas ilegalmente<br />
no comércio de africanos.<br />
Em 1826, a Coroa Britânica firmou<br />
um trata<strong>do</strong> com o Brasil que<br />
condicio<strong>na</strong>va o reconhecimento da<br />
independência deste país a uma lei estabelecen<strong>do</strong><br />
que, dentro de três anos,<br />
o tráfico se tor<strong>na</strong>sse um comércio<br />
ilegal em terras <strong>brasileira</strong>s. A partir<br />
de então, o Brasil começou a sentir o<br />
peso da pressão inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Esse<br />
momento também é marca<strong>do</strong> pelo<br />
descumprimento dessas leis por parte<br />
de traficantes, senhores de escravos<br />
e autoridades corruptas envolvidas<br />
nesse negócio ilegal.<br />
Somente em 1831 (mais <strong>do</strong> que três<br />
anos depois <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> de 1826), o<br />
Império brasileiro proibiu oficialmente<br />
o tráfico, consideran<strong>do</strong> livres to<strong>do</strong>s<br />
os africanos chega<strong>do</strong>s ao país após<br />
aquela data. A lei também afirmava<br />
enviar para o continente africano os<br />
homens e mulheres apreendi<strong>do</strong>s nos<br />
<strong>na</strong>vios pela lei de 1831, cuja determi<strong>na</strong>ção<br />
foi ignorada pelos traficantes<br />
e senhores e escravos. Os africanos e<br />
africa<strong>na</strong>s apreendi<strong>do</strong>s e que pela lei se<br />
tor<strong>na</strong>riam livres haviam de trabalhar<br />
em obras públicas e particulares por<br />
14 anos antes de voltarem para a África.<br />
Muitos e muitas acabaram fican<strong>do</strong><br />
por aqui e viven<strong>do</strong> como escravos.<br />
Novamente uma lei para reprimir o<br />
tráfico foi implementada em 1850, a lei<br />
Eusébio de Queiroz. De acor<strong>do</strong> com<br />
ela - <strong>na</strong>da mais era que a reafirmação<br />
da lei de 1831- era proibi<strong>do</strong> o tráfico<br />
de africanos em costas <strong>brasileira</strong>s. A lei<br />
dava direito aos <strong>na</strong>vios ingleses de fazerem<br />
apreensões em mares <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is,<br />
como já ocorria desde 1831.<br />
Alguns anos depois da lei de 1850,<br />
o número de africanos que entravam<br />
no Brasil reduziu. No entanto, o<br />
tráfico continuou por décadas. Além<br />
disso, a proibição <strong>do</strong> tráfico inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />
fortaleceu o tráfico interno, ou<br />
seja, escravos das regiões norte e nordeste<br />
passaram a ser vendi<strong>do</strong>s para as<br />
regiões cafeeiras <strong>do</strong> sudeste que ainda<br />
se recusavam a utilizar a mão de obra<br />
de trabalha<strong>do</strong>res livres.<br />
Ainda <strong>sobre</strong> o tráfico de africanos<br />
é importante refletir <strong>sobre</strong> quais as<br />
motivações para o surgimento de<br />
leis que proibissem este comércio.<br />
Tradicio<strong>na</strong>lmente, aprendemos que<br />
13
14<br />
a perseguição ao tráfico foi gerada<br />
pelas pressões exter<strong>na</strong>s da Inglaterra,<br />
interessada em expandir seu<br />
merca<strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, uma vez que<br />
aquele país vivia a revolução industrial.<br />
Os ativistas <strong>do</strong> movimento<br />
abolicionista inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l defendiam<br />
o fim <strong>do</strong> tráfico motiva<strong>do</strong>s por<br />
razões humanitárias, mas havia também<br />
questões inter<strong>na</strong>s importantes<br />
que devemos considerar.<br />
No Brasil, alguns setores também<br />
já repensavam as vantagens<br />
e desvantagens de uma população<br />
africa<strong>na</strong> tão intensa e crescente em<br />
território brasileiro. Já <strong>na</strong> primeira<br />
metade <strong>do</strong> século XIX havia quem<br />
se preocupasse com o perfil da<br />
população <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, que, ao ver de<br />
alguns setores das elites, estava se<br />
tor<strong>na</strong>n<strong>do</strong> “africa<strong>na</strong> demais”. A população<br />
africa<strong>na</strong> já constituía uma<br />
maioria em boa parte das províncias,<br />
fato que comprometia os projetos<br />
<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is de que o Brasil fosse uma<br />
<strong>na</strong>ção com referenciais europeus.<br />
Isso quer dizer que o perfil da<br />
população, os costumes, cultura e<br />
mo<strong>do</strong> de vida de africanos e seus<br />
descendentes <strong>na</strong>sci<strong>do</strong>s no Brasil<br />
tor<strong>na</strong>va cada vez mais distante o<br />
sonho das elites <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is de que o<br />
país fosse majoritariamente branco e<br />
europeu em termos culturais e, principalmente,<br />
<strong>na</strong>s características físicas<br />
<strong>do</strong>s brasileiros e <strong>brasileira</strong>s.<br />
Além de comprometer o projeto<br />
de consolidação <strong>do</strong> Brasil como uma<br />
<strong>na</strong>ção europeia <strong>na</strong> America Lati<strong>na</strong>, a<br />
presença africa<strong>na</strong> renovada e aumentada<br />
pelo tráfico também trazia um<br />
problema para a segurança <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.<br />
Algumas autoridades políticas<br />
e policiais começaram a culpar a<br />
quantidade de africanos pelo número<br />
de revoltas e atos de rebeldia que<br />
ocorriam em algumas províncias.<br />
Segun<strong>do</strong> eles, quanto maior o número<br />
de africanos, maior o número<br />
de crimes e insurreições, uma vez<br />
que ficou constatada a capacidade<br />
de organização desses indivíduos e<br />
a ameaça que eles traziam.<br />
A revolta <strong>do</strong>s africanos Malês,<br />
ocorrida em 1835, foi utilizada<br />
como exemplo <strong>do</strong>s males trazi<strong>do</strong>s<br />
pelo grande quantidade de africanos<br />
<strong>na</strong> província da Bahia. Assim,<br />
concluímos que questões inter<strong>na</strong>s<br />
importantes foram levadas em consideração<br />
quan<strong>do</strong> alguns grupos que<br />
faziam parte da esfera política no<br />
Brasil império começaram a pensar<br />
que era hora de controlar, isto é<br />
diminuir, a quantidade de africanos<br />
que entravam no país. Contu<strong>do</strong>, isso<br />
não significou que esses grupos estivessem<br />
interessa<strong>do</strong>s em acabar com<br />
a escravidão, que ainda se<br />
estenderia por décadas a<br />
despeito de pressões inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is<br />
e <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is.<br />
Para saber mais<br />
A II Conferência Mundial Contra o Racismo, que aconteceu<br />
no ano de 2001 em Durban - África <strong>do</strong> Sul, condenou o tráfico transatlântico como<br />
crime contra a humanidade. Para saber mais veja o site: http://pt.abolitions.org/<br />
index.php?IdPage=1181738751. Um bom filme que fala <strong>sobre</strong> o tráfico de mulheres<br />
e homens africanos para as Américas é Amistad, de Steven Spielberg.
4. O mun<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
trabalho escravo<br />
Aqui no Brasil, como em outros<br />
países da América, homens e mulheres<br />
africa<strong>na</strong>s depois de serem<br />
vendi<strong>do</strong>s, desenvolveriam tarefas<br />
variadas. A historiografia tradicio<strong>na</strong>l<br />
se concentrou <strong>na</strong> análise <strong>do</strong> trabalho<br />
escravo <strong>na</strong>s grandes lavouras de café,<br />
de ca<strong>na</strong>-de-açúcar. Essa corrente da<br />
historiografia conseguiu tor<strong>na</strong>r clássica<br />
a ideia de trabalho escraviza<strong>do</strong><br />
restrito às grandes propriedades ou<br />
<strong>na</strong>s casas grandes como trabalha<strong>do</strong>res<br />
<strong>do</strong>mésticos. Porém, o trabalho<br />
desses homens e mulheres também<br />
foi utiliza<strong>do</strong> de variadas formas nos<br />
grandes centros urbanos e a sua interferência<br />
<strong>na</strong> dinâmica das relações<br />
escravistas deixou o cotidiano da<br />
escravidão no Brasil marca<strong>do</strong> por<br />
relações sociais e de trabalho muito<br />
complexas.<br />
Nas cidades, homens e mulheres<br />
escravizadas faziam to<strong>do</strong> tipo<br />
de trabalho: serviços <strong>do</strong>mésticos,<br />
transportavam coisas e pessoas,<br />
construíam, carregavam, limpavam,<br />
negociavam, pescavam. Pesquisas<br />
mais recentes têm demonstra<strong>do</strong> que<br />
alguns deles eram especialistas em<br />
determi<strong>na</strong>das atividades e, portanto,<br />
poderiam ter mais elementos para<br />
negociar e comprar sua liberdade<br />
<strong>do</strong>s seus senhores. Eram eles músicos,<br />
pesca<strong>do</strong>res, sapateiros, ferreiros,<br />
negociantes.<br />
No caso das mulheres, principalmente<br />
as africa<strong>na</strong>s, monopolizavam<br />
o comércio da venda de alimentos<br />
Negra e <strong>negro</strong> <strong>na</strong> Bahia - Rugendas, século XIX.<br />
em merca<strong>do</strong>s ou transitan<strong>do</strong> pelas<br />
ruas, mas também eram amas de<br />
leite, prostitutas, lavadeiras, cozinheiras.<br />
Alguns desses homens e<br />
mulheres conseguiam o direito de<br />
viverem <strong>sobre</strong> si, isso significa que<br />
poderiam viver por sua própria<br />
conta, sozinhos ou com quem quisessem,<br />
longe <strong>do</strong>s olhos vigilantes<br />
<strong>do</strong>s seus senhores.<br />
Dessa forma, aqueles e aquelas<br />
que conseguiam esse tipo de negociação<br />
de trabalho eram um pouco<br />
mais autônomos <strong>do</strong> que aqueles que<br />
viviam <strong>na</strong>s áreas rurais, poden<strong>do</strong> assim<br />
juntar dinheiro para comprar sua<br />
liberdade ou <strong>do</strong>s seus entes queri<strong>do</strong>s.<br />
15
16<br />
Viven<strong>do</strong> <strong>sobre</strong> si, poderiam, ainda<br />
que às escondidas, marcar encontros<br />
com membros da sua comunidade e<br />
discutir os obstáculos das suas vida de<br />
escravos, exercer suas práticas religiosas<br />
e culturais e arquitetar estratégias<br />
que os conduzissem à liberdade,<br />
inclusive planos de revoltas.<br />
Essa possibilidade de encontros<br />
assustava as autoridades policiais e<br />
a população branca, que compunha,<br />
<strong>na</strong> maioria das vezes, minoria <strong>na</strong>s cidades.<br />
Além <strong>do</strong>s homens e mulheres<br />
escravizadas, <strong>negro</strong>s e negras libertas<br />
também faziam parte desse cotidiano.<br />
Libertos, eram aqueles e aquelas<br />
que, em geral, depois de muito<br />
tempo, haviam consegui<strong>do</strong> comprar<br />
sua liberdade <strong>do</strong>s seus senhores.<br />
Alguns conseguiam essa liberdade<br />
por graça <strong>do</strong>s seus senhores, que<br />
lhes concediam a liberdade quan<strong>do</strong><br />
estavam em seus leitos de morte,<br />
mas normalmente obrigavam esse<br />
“liberto” a continuar trabalhan<strong>do</strong><br />
para sua família por um perío<strong>do</strong> de<br />
tempo determi<strong>na</strong><strong>do</strong>.<br />
Assim, atitudes entendidas como<br />
“ingratas” poderiam trazer o liberto<br />
de volta ao cativeiro. Com essa condição,<br />
senhores e senhoras de escravos<br />
mantinham os libertos ainda sujeitos<br />
(e vulneráveis) à sua autoridade ou de<br />
membros da sua família.<br />
Portanto, imaginemos quão frágil<br />
era a liberdade de homens e<br />
mulheres negras que viviam numa<br />
<strong>sociedade</strong> escravista, já que estavam<br />
condicio<strong>na</strong><strong>do</strong>s às imposições, regras<br />
de hierarquia racial, restrições impostas<br />
por seus ex-senhores, além<br />
de total vigilância.<br />
Quituteira.<br />
A vida <strong>do</strong>s libertos africanos, porém,<br />
era ainda mais difícil. Primeiro,<br />
dificilmente recebiam a liberdade por<br />
concessão <strong>do</strong>s seus senhores, logo,<br />
tinham que pagar para serem livres,<br />
o que em geral levava muitos anos.<br />
Além disso, mesmo depois de libertos,<br />
não desfrutavam de direitos de<br />
cidadãos, pois eram “estrangeiros”.<br />
Os libertos <strong>na</strong>sci<strong>do</strong>s no Brasil<br />
eram considera<strong>do</strong>s cidadãos, mas,<br />
ainda assim, seus direitos não eram<br />
plenos. Apesar disso, alguns libertos<br />
e libertas conseguiam alcançar auto-
nomia econômica e algum prestigio<br />
entre os membros da sua comunidade.<br />
Era comum que fossem comerciantes<br />
autônomos e acumulassem<br />
bens, porém possuir imóveis, por<br />
exemplo, era proibi<strong>do</strong> em boa parte<br />
das províncias.<br />
Além disso, os libertos deveriam<br />
ter um comportamento considera<strong>do</strong><br />
“adequa<strong>do</strong>” pelas autoridades e pela<br />
<strong>sociedade</strong>, uma vez que a re-escravização<br />
ou até mesmo a prisão e confisco<br />
<strong>do</strong>s seus bens era uma ameaça<br />
constante. Diante deste quadro de<br />
instabilidade, compreendemos que<br />
os libertos se armavam de todas as<br />
formas para se manterem livres e autônomos<br />
economicamente. A posse<br />
de escravos era uma dessas formas<br />
e isso desperta controvérsias. Sobre<br />
este aspecto, insistimos que, diante<br />
de razões políticas que já debatemos<br />
<strong>na</strong>s primeiras pági<strong>na</strong>s deste módulo,<br />
é preciso muito cuida<strong>do</strong> ao a<strong>na</strong>lisar o<br />
cotidiano e a dinâmica das <strong>sociedade</strong>s<br />
escravistas. Devemos evitar julgamentos<br />
e expectativas fundamentadas<br />
no que hoje consideraríamos uma<br />
contradição, uma incoerência.<br />
Muitas leis eram dirigidas especificamente<br />
aos libertos africanos, pois<br />
as autoridades imperiais e provinciais<br />
acreditavam que eles eram mais<br />
perigosos que os libertos brasileiros.<br />
Acreditava-se que os africanos eram<br />
incita<strong>do</strong>res de revoltas e mantinham<br />
os “maus-costumes africanos”.<br />
O fato é que escravos, libertos,<br />
africanos e seus descendentes<br />
<strong>na</strong>sci<strong>do</strong>s no Brasil viviam juntos,<br />
compartilhavam o mesmo espaço<br />
de trabalho, conflituavam entre si<br />
e to<strong>do</strong>s eles, homens e mulheres,<br />
despertavam o olhar vigilante das<br />
autoridades <strong>na</strong>s províncias <strong>brasileira</strong>s.<br />
A relação com os senhores estava<br />
longe de ser um tipo de relação<br />
pater<strong>na</strong>lista e harmoniosa, como foi<br />
descrita foi Gilberto Freyre.<br />
Para os homens e mulheres negras<br />
que viveram no Brasil escravista, o<br />
convívio com os senhores era marca<strong>do</strong><br />
por vários sentimentos e interesses,<br />
nos quais estavam presentes<br />
a dissimulação, a violência, a <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ção,<br />
a rebeldia, a subordi<strong>na</strong>ção e<br />
a negociação. Assim, controlar esta<br />
grande parcela da população e manter<br />
as hierarquias sociais era tarefa<br />
árdua <strong>na</strong>s <strong>sociedade</strong>s escravistas. Por<br />
outro la<strong>do</strong>, sair <strong>do</strong> cativeiro, resistir<br />
à escravidão e manter algum nível<br />
de suas vontades era também algo<br />
desafia<strong>do</strong>r para homens e mulheres<br />
africa<strong>na</strong>s e descendentes de africa<strong>na</strong>s<br />
libertos e escraviza<strong>do</strong>s que viviam<br />
nessas <strong>sociedade</strong>s. Assim, podemos<br />
concluir que o mun<strong>do</strong> das relações<br />
escravistas era tenso e complexo.<br />
Você sabia que<br />
Muitas leis eram dirigidas<br />
especificamente aos libertos<br />
africanos, pois as autoridades<br />
imperiais e provinciais acreditavam<br />
que eles eram mais perigosos<br />
que os libertos brasileiros.<br />
Acreditava-se que os africanos<br />
eram incita<strong>do</strong>res de revoltas<br />
e mantinham os<br />
“maus-costumes africanos”.<br />
17
18<br />
5. Sociabilidade:<br />
família, vida social e<br />
religiosa <strong>do</strong> povo <strong>negro</strong><br />
no Brasil escravista<br />
Já nos <strong>na</strong>vios negreiros, durante a<br />
travessia <strong>do</strong> continente africano para<br />
o atlântico, começaram as primeiras<br />
tentativas de contatos entre mulheres<br />
e homens africanos de diversas etnias,<br />
grupos e falantes de línguas distintas.<br />
Foram ainda nesses <strong>na</strong>vios, e depois<br />
no desembarque, que pessoas pertencentes<br />
aos mesmos grupos étnicos<br />
tentaram manter laços identitários<br />
<strong>na</strong>s cidades onde viviam.<br />
Esses homens e mulheres que<br />
haviam vivi<strong>do</strong>s esta experiência<br />
juntos se consideravam malungos,<br />
ou seja, os companheiros de barco,<br />
de travessia para a América. Assim,<br />
<strong>na</strong>gôs, bantus, jejes e demais grupos<br />
se organizaram em torno de comunidades<br />
num esforço de manterem<br />
viva sua cultura, seu mo<strong>do</strong> de vida,<br />
crian<strong>do</strong> uma rede de solidariedade.<br />
Por outro la<strong>do</strong>, a vida nos países<br />
americanos, inclusive no Brasil, nem<br />
sempre tor<strong>na</strong>va possível a manutenção<br />
desses vínculos existentes <strong>na</strong><br />
África. Portanto, era preciso muitas<br />
das vezes construir outras formas<br />
de associação baseadas <strong>na</strong> origem<br />
africa<strong>na</strong>, fato que era comum a eles<br />
e viver outras experiências compartilhadas<br />
no Brasil como a travessia <strong>do</strong><br />
atlântico, a vida em cativeiro e a divisão<br />
<strong>do</strong> mesmo espaço de trabalho.<br />
Assim, a experiência da escravidão<br />
fez que com homens e mulheres que<br />
faziam parte <strong>do</strong>s mesmos grupos<br />
“Creoula”, negra baia<strong>na</strong>.<br />
étnicos, mas que também vinham de<br />
grupos diferentes, organizassem-se e<br />
construíssem vínculos sociais e afetivos<br />
em torno da condição comum<br />
de estrangeiros e de escraviza<strong>do</strong>s.<br />
Não eram somente esses laços<br />
simbólicos que permeavam suas<br />
vidas. Manter uma família era muito<br />
difícil para pessoas escravizadas. A<br />
separação <strong>do</strong>s seus membros era<br />
uma possibilidade real, pois bastava<br />
que seus senhores desejassem vender<br />
filhos, mães, esposas e mari<strong>do</strong>s,<br />
envolvi<strong>do</strong>s em transações comerciais<br />
que os levassem para lugares distintos.<br />
Muitas mulheres escravizadas<br />
abortavam ou tiravam sua própria<br />
vida e de suas crianças num ato<br />
desespera<strong>do</strong> de recusar e resistir ao<br />
cativeiro. Ainda assim, pesquisas recentes<br />
têm mostra<strong>do</strong> resulta<strong>do</strong>s que
contestam interpretações baseadas<br />
<strong>na</strong> suposta promiscuidade e ausência<br />
de sentimentos afetivos como causa<br />
da inexistência da família negra durante<br />
o perío<strong>do</strong> escravista.<br />
Essas pesquisas têm revela<strong>do</strong> a<br />
existência de mulheres negras que<br />
compravam a alforria de mari<strong>do</strong>s<br />
e filhos e mari<strong>do</strong>s a alforria das<br />
esposas antes de terem filhos para<br />
garantir a liberdade da prole. Eram<br />
constantes os casos que envolviam<br />
mulheres grávidas ou mulheres que<br />
haviam acaba<strong>do</strong> de dar a luz e que<br />
fugiam se embrenhan<strong>do</strong> em trilhas<br />
que as conduzissem à liberdade junto<br />
com suas crianças.<br />
A compra da alforria poderia levar<br />
anos, gerações. Diante disso, algumas<br />
famílias que tinham alguns <strong>do</strong>s<br />
seus membros libertos e outros ainda<br />
escraviza<strong>do</strong>s, faziam da compra<br />
da liberdade de to<strong>do</strong>s os membros<br />
da família uma meta coletiva. Os testamentos<br />
<strong>do</strong>s africanos e africa<strong>na</strong>s<br />
libertas revelam casos interessantes<br />
em que eles e elas deixavam transparecer<br />
suas preocupações com o<br />
parceiro ou parceira e filhos, quan<strong>do</strong><br />
estavam no seu leito de morte.<br />
Era comum que alguns casais que<br />
viviam juntos por muitos anos se<br />
casassem legalmente às vésperas da<br />
morte de um <strong>do</strong>s cônjuges. Dessa<br />
forma, tentava-se garantir que os<br />
bens que acumularam de fato ficassem<br />
para o viúvo ou viúva. Além<br />
das relações familiares, era também<br />
comum a relação de compadrio<br />
entre membros da comunidade<br />
negra escravizada e liberta. Aquelas<br />
e aquelas que não tinham família,<br />
frequentemente tinham afilha<strong>do</strong>s e<br />
afilhadas, que podiam ser escraviza<strong>do</strong>s<br />
e livres também. Os padrinhos e<br />
madrinhas podiam ajudar <strong>na</strong> compra<br />
da alforria, exercen<strong>do</strong> o papel de<br />
protetores e protetoras que zelavam<br />
pelo bem-estar <strong>do</strong>s seus agrega<strong>do</strong>s.<br />
Havia libertos que no leito de morte,<br />
<strong>na</strong> falta de familiares, alforriavam<br />
seus escravos e deixavam seus bens<br />
para um e demais cativos. Outros<br />
deixavam seus bens para as irmandades,<br />
associações ou demais tipos de<br />
organização de que faziam parte.<br />
Eram várias as formas de associação<br />
que a população negra, africa<strong>na</strong><br />
e <strong>brasileira</strong> utilizava como espaço de<br />
assistência mútua, exercício de sociabilidade<br />
e também de resistência.<br />
As irmandades eram organizações<br />
Negro e negra n’uma fazenda – Obra de Rugendas<br />
19
20<br />
dentro da estrutura da igreja católica<br />
e que agluti<strong>na</strong>va todas estas funções.<br />
A principio, os “irmãos” e “irmãs” se<br />
organizavam por filiação étnica: jejes,<br />
angolas, africanos de diversas etnias<br />
e <strong>negro</strong>s <strong>na</strong>sci<strong>do</strong>s no Brasil (chama<strong>do</strong>s<br />
crioulos) se distribuíam entre as<br />
irmandades da Boa Morte, de São<br />
Benedito, <strong>do</strong> Rosário, <strong>do</strong>s Martírios,<br />
dentre outras. Essas irmandades tinham<br />
estatuto próprio e eram, de certa<br />
forma, autônomas. Nelas, homens<br />
e mulheres mantinham uma vida social,<br />
organizavam funerais e também<br />
compunham uma rede de assistência<br />
para a compra da liberdade de seus<br />
membros. As irmandades também<br />
podiam se organizar em torno de<br />
atividades profissio<strong>na</strong>is, pois era comum<br />
que categorias como sapateiros,<br />
estiva<strong>do</strong>res, barbeiros também criassem<br />
suas redes de apoio.<br />
Os can<strong>do</strong>mblés também eram<br />
espaços que uniam libertos e escraviza<strong>do</strong>s,<br />
africanos e afro-brasileiros,<br />
os quais buscavam não só consolo<br />
religioso, mas também o fortalecimento<br />
da sua cultura e identidade.<br />
Nos can<strong>do</strong>mblés também era forjada<br />
uma família simbólica de mães, pais,<br />
filhos, filhas, padrinhos, madrinhas,<br />
tios e tias, o que extrapolava os limites<br />
Mãe Aninha, Eugênia A<strong>na</strong> <strong>do</strong>s Santos funda<strong>do</strong>ra<br />
<strong>do</strong> terreiro de can<strong>do</strong>mblé Ilê Axé Opô Afonjá.<br />
da construção familiar consanguínea.<br />
Lembremos que essas organizações<br />
negras, principalmente os can<strong>do</strong>mblés,<br />
eram espaços que agluti<strong>na</strong>vam<br />
muitos <strong>negro</strong>s e negras e, portanto,<br />
eram vistos com desconfiança pelas<br />
autoridades e pela <strong>sociedade</strong>. De fato,<br />
muitas revoltas e atos de resistência<br />
foram pensa<strong>do</strong>s e organiza<strong>do</strong>s dentro<br />
dessas associações religiosas e/ou<br />
profissio<strong>na</strong>is. Exploraremos a seguir<br />
estes atos de resistência coletivos: as<br />
revoltas, e os quilombos.<br />
Para saber mais<br />
Sobre can<strong>do</strong>mblés ver:<br />
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142004000300014&scriptsci_artt ext.<br />
Sobre família escrava, sugiro o texto de Isabel Ferreira <strong>do</strong>s Reis em<br />
http://www.afroasia.Ufba.br/pdf/afroasi a_n23_p29.pdf<br />
Sobre os malungos, Robert Slenes em http://www.usp.br/revistausp/12/06-robert.pdf.<br />
Sobre a vida <strong>do</strong>s libertos, Maria Inês C. Oliveira:<br />
http://www.usp.br/revistausp/28/13-mariaines.pdf<br />
Sobre as restrições sociais e legais encontradas pelos libertos que viviam <strong>na</strong> Bahia <strong>do</strong> século<br />
XIX, sugiro o texto de Lucia<strong>na</strong> Brito em: http://www.unisinos.br/publicacoes_cientificas/<br />
images/stories/pdfs_historia/vol14n3/np0 9_brito.pdf.<br />
Um bom filme <strong>sobre</strong> família escrava é Bem Amada (Beloved), basea<strong>do</strong> no livro da<br />
escritora afro-america<strong>na</strong> Toni Morrison.
6. O resistir coletivo:<br />
quilombos e revoltas<br />
Quan<strong>do</strong> pensamos <strong>na</strong>s formas<br />
de resistência à escravidão, lembramos<br />
imediatamente <strong>na</strong>s fugas e no<br />
quilombo de Palmares. Então, nesta<br />
parte <strong>do</strong> módulo, vamos a<strong>na</strong>lisar as<br />
ações coletivas que se configuraram<br />
como manifestações de resistência<br />
e vamos perceber que essas ações<br />
são tão complexas quanto todas as<br />
outras atitudes tomadas por pessoas<br />
que viviam em <strong>sociedade</strong> escravistas,<br />
fossem elas escravizadas ou que<br />
possuíam escravos.<br />
Vejamos o “boato” que se alastrou<br />
pela cidade de Salva<strong>do</strong>r, por volta de<br />
1830. Naquele perío<strong>do</strong>, primeira metade<br />
<strong>do</strong> século XIX, as revoltas eram<br />
muitas <strong>na</strong> província da Bahia, assim<br />
como em to<strong>do</strong> o país. Diante das<br />
ameaças e da apreensão causada pela<br />
quantidade de africanos, os boatos<br />
que envolviam revoltas eram leva<strong>do</strong>s<br />
a sério e eram investiga<strong>do</strong>s. O juiz<br />
de paz (uma espécie de delega<strong>do</strong>) da<br />
freguesia (bairro) <strong>do</strong> Santo Antonio<br />
recebeu a notícia de que <strong>na</strong>quele mês<br />
de maio os <strong>negro</strong>s se reuniriam numa<br />
determi<strong>na</strong>da região da cidade chamada<br />
Cabula, onde já havia existi<strong>do</strong><br />
um quilombo. Autoridades policiais<br />
de outras partes da cidade também<br />
suspeitavam das atitudes <strong>do</strong>s <strong>negro</strong>s<br />
<strong>na</strong>queles dias, pois também havia<br />
lhes chama<strong>do</strong> atenção a grande movimentação<br />
de homens e mulheres escravizadas<br />
e libertas in<strong>do</strong> em direção<br />
ao local onde se esperava ocorrer o<br />
suposto levante. A suspeita foi confir-<br />
mada em pouco tempo. Uma africa<strong>na</strong><br />
de <strong>na</strong>ção <strong>na</strong>gô tentou preservar seu<br />
amigo João Paulino aconselhan<strong>do</strong>-o<br />
a ficar em casa <strong>na</strong>quela noite, pois os<br />
<strong>negro</strong>s planejavam se levantar. Infelizmente,<br />
ao que parece, o levante<br />
foi descoberto a tempo de a policia<br />
tomar medidas repressivas para evitálo,<br />
pois não há noticias de ocorrência<br />
da revolta em questão.<br />
Embora os eventos acima tenham<br />
ocorri<strong>do</strong> <strong>na</strong> cidade de Salva<strong>do</strong>r e estejam<br />
entre os <strong>do</strong>cumentos que fazem<br />
parte <strong>do</strong> acervo <strong>do</strong> Arquivo Público<br />
<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> da Bahia (APEBa), podemos<br />
afirmar que manifestações de<br />
rebeldia escrava ocorreram em to<strong>do</strong> o<br />
Brasil. Além disso, também podemos<br />
dizer que, muitas vezes, um plano de<br />
rebeldia envolvia mais de um tipo de<br />
ação. A primeira, no caso <strong>do</strong>s escraviza<strong>do</strong>s,<br />
é a fuga.<br />
Fugir não era uma ação impensada<br />
em que homens e mulheres se<br />
embrenhavam nos matos desorde<strong>na</strong>damente<br />
em busca da liberdade.<br />
Era, em geral,uma ação planejada e<br />
poderia não ser definitiva. Mulheres<br />
e homens fugiam, ou por acharem<br />
que seus senhores, em alguma<br />
imposição, estavam extrapolan<strong>do</strong><br />
os limites da sua <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ção, ou<br />
também para que fosse cancelada a<br />
venda de um filho ou companheira,<br />
ou sua própria venda para um lugar<br />
onde esses homens e mulheres estivessem<br />
aparta<strong>do</strong>s da sua rede de<br />
relações. Portanto, as fugas deveriam<br />
ser temporárias, mas é obvio que<br />
as definitivas também existiram e<br />
ambas revelam que aqueles e aquelas<br />
que fugiam, faziam-<strong>na</strong> de mo<strong>do</strong><br />
21
22<br />
Anúncio de escravo fugitivo - 1854.<br />
consciente. Assim, fugir parecia ser<br />
a solução para resolver as tentativas<br />
mal-sucedidas de negociação com<br />
senhores. Esse distanciamento <strong>do</strong><br />
espaço de trabalho e da autoridade<br />
<strong>do</strong>s seus proprietários significava<br />
uma forma de rompimento temporário<br />
ou definitivo.<br />
O quilombo foi outra forma de resistência<br />
tão antiga quan<strong>do</strong> as fugas,<br />
ou seja, existiram desde a própria<br />
existência da escravidão no Brasil.<br />
O primeiro de que se tem notícia foi<br />
o quilombo de Palmares, localizava<br />
no esta<strong>do</strong> de Per<strong>na</strong>mbuco (hoje Alagoas)<br />
e durou por cerca de mais de<br />
um século. Palmares foi o mais em-<br />
blemático símbolo de resistência à<br />
escravidão legan<strong>do</strong> um valor simbólico<br />
importante para o movimento<br />
<strong>negro</strong> brasileiro. Algumas pesquisas<br />
acusam a existência de Palmares por<br />
volta <strong>do</strong>s anos de 1580. A última investida<br />
militar, em 20 de novembro<br />
de 1695 teve como resulta<strong>do</strong> a morte<br />
de Zumbi e a desarticulação gradual<br />
<strong>do</strong> Quilombo. Zumbi, principal liderança<br />
quilombola da época, teve sua<br />
cabeça cortada e exposta em praça<br />
pública, em Recife, para que servisse<br />
de exemplo <strong>do</strong> castigo emprega<strong>do</strong> a<br />
<strong>negro</strong>s fujões e rebeldes.<br />
As pesquisas recentes <strong>sobre</strong> comunidades<br />
quilombolas <strong>na</strong>s Américas<br />
têm revela<strong>do</strong> estruturas interessantes<br />
<strong>sobre</strong> a dinâmica <strong>do</strong>s quilombos,<br />
bem diferentes daquelas que possam<br />
estar no nosso imaginário. Estu<strong>do</strong>s<br />
arqueológicos <strong>na</strong> região onde ficava<br />
Palmares mostraram a existência de<br />
artefatos indíge<strong>na</strong>s, como cerâmicas.<br />
Portanto, Palmares e os outros<br />
quilombos que existiram no Brasil<br />
não eram comunidades isoladas<br />
por inteiro e suas populações eram<br />
diversas. Havia mulheres e homens<br />
<strong>negro</strong>s africanos e brasileiros, além<br />
índios e até mesmo brancos pobres<br />
em alguns deles.<br />
Contu<strong>do</strong>, a forma de vida das<br />
comunidades quilombolas era centrada<br />
<strong>na</strong> cultura afro-<strong>brasileira</strong>, ou<br />
seja, de matriz africa<strong>na</strong>, porém já<br />
sofren<strong>do</strong> influência da vida no Brasil<br />
e <strong>do</strong> convívio com pessoas de outras<br />
origens e culturas. O quilombo<br />
geograficamente também não era<br />
totalmente isola<strong>do</strong>. Situavam em<br />
áreas de difícil acesso, porém nos
arre<strong>do</strong>res das cidades e havia uma<br />
relação de interdependência entre<br />
seus residentes e os mora<strong>do</strong>res das<br />
cidades. Os quilombolas mantinham<br />
relações com comerciantes <strong>do</strong>s<br />
centros urbanos e recebiam informações<br />
de escraviza<strong>do</strong>s e libertos<br />
a respeito de investidas policiais e<br />
buscas por fugitivos que estavam<br />
refugia<strong>do</strong>s nestas comunidades. Ao<br />
mesmo tempo, as comunidades quilombolas<br />
significavam uma afronta<br />
às autoridades senhoriais e policias,<br />
pois sua gestão autônoma liderada<br />
por grupos margi<strong>na</strong>liza<strong>do</strong>s contrariava<br />
a lógica <strong>do</strong> regime escravista.<br />
Os quilombos também tiraram<br />
o sossego das autoridades matogrossenses<br />
no fi<strong>na</strong>l <strong>do</strong> século XVIII.<br />
Em 1795, o gover<strong>na</strong><strong>do</strong>r geral da<br />
capitania <strong>do</strong> Mato Grosso ordenou<br />
que se organizasse uma diligência<br />
para combater e resgatar <strong>negro</strong>s e<br />
indíge<strong>na</strong>s aquilomba<strong>do</strong>s, fugi<strong>do</strong>s das<br />
mi<strong>na</strong>s onde deveriam trabalhar. Fi-<br />
Quilombo de São Gonçalo, 1769, Mi<strong>na</strong>s Gerais.<br />
<strong>na</strong>lmente chegaram ao quilombo <strong>do</strong><br />
Piolho (ou quilombo <strong>do</strong> Quariterê),<br />
que já havia si<strong>do</strong> abati<strong>do</strong> em 1770,<br />
mas foi reorganiza<strong>do</strong> e reabita<strong>do</strong><br />
por <strong>negro</strong>s e índios. Quan<strong>do</strong> foi<br />
invadi<strong>do</strong> pela primeira vez pelas autoridades<br />
coloniais, esse Quilombo<br />
era lidera<strong>do</strong> por uma mulher negra<br />
e viúva, a rainha Tereza Benguela,<br />
que gover<strong>na</strong>va assistida por um<br />
conselho. Quan<strong>do</strong> foi invadi<strong>do</strong><br />
violentamente e sua população submetida<br />
a duros ritual de humilhação<br />
que obrigava os quilombolas a reconhecerem<br />
o poder das autoridades<br />
coloniais, a reação da rainha Tereza<br />
foi o suicídio.<br />
Sugestão de leitura<br />
Sobre o Quilombo <strong>do</strong> Piolho ler:<br />
http://www.ifch.unicamp.br/ihb/<br />
Textos /GT48 Fatima.pdf<br />
As revoltas também foram manifestações<br />
de resistência muito<br />
dissemi<strong>na</strong>das por to<strong>do</strong> o Brasil ao<br />
longo <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> escravista. Podiam<br />
ser organizadas nos engenhos ou em<br />
áreas urba<strong>na</strong>s, muitas vezes em uma<br />
ação articulada entre pessoas escravizadas<br />
e libertas que viviam <strong>na</strong>queles<br />
locais. Estas rebeliões empreendidas<br />
por pessoas escravizadas e que contavam<br />
com a participação e libertos,<br />
causavam tumulto e pânico entre a<br />
população branca, pois significavam<br />
a subversão da ordem escravista no<br />
que diz respeito ao controle social<br />
da população escravizada envolvida<br />
nos levantes.<br />
23
24<br />
Zumbi <strong>do</strong>s Palmares.<br />
As insurreições poderiam ser motivadas<br />
por reivindicações por melhores<br />
condições de trabalho, a quebra<br />
de algumas imposições policiais<br />
ou legais entendidas pela população<br />
negra como exageradas ou o completo<br />
rompimento com o sistema escravista.<br />
Geralmente, esses eventos<br />
eram organiza<strong>do</strong>s em dias em que a<br />
população branca estava “distraída”<br />
como festas religiosas ou quan<strong>do</strong><br />
os brancos estavam dividi<strong>do</strong>s por<br />
conflitos políticos, ou seja, quan<strong>do</strong><br />
as elites locais estavam mobilizadas<br />
em outras questões e o sistema de<br />
vigilância <strong>sobre</strong> a população negra<br />
encontrava-se mais frágil.<br />
Por subverter a ordem, as revoltas<br />
não só causavam pânico<br />
<strong>na</strong>s cidades onde ocorriam, mas, a<br />
depender da proporção <strong>do</strong> evento,<br />
podia provocar um sentimento de<br />
insegurança e me<strong>do</strong> nos mora<strong>do</strong>res<br />
de outras províncias. Por esse motivo,<br />
as revoltas escravas, que muitas<br />
vezes contava com a participação<br />
de muitas negras e <strong>negro</strong>s libertos,<br />
eram duramente reprimidas e seus<br />
envolvi<strong>do</strong>s, quan<strong>do</strong> presos, eram<br />
castiga<strong>do</strong>s com muita violência e em<br />
espaço público.<br />
Muitas revoltas de diferentes proporções<br />
e com objetivos varia<strong>do</strong>s<br />
ocorriam quase que cotidia<strong>na</strong>mente<br />
em todas as províncias <strong>brasileira</strong>s.<br />
Contu<strong>do</strong>, a revolta <strong>do</strong>s Malês desperta<br />
especial interesse devi<strong>do</strong> à sua<br />
repercussão e à forte organização<br />
daqueles e daquelas envolvidas <strong>na</strong>quele<br />
levante.<br />
A revolta <strong>do</strong>s Malês ocorreu <strong>na</strong><br />
cidade de Salva<strong>do</strong>r em 1835, quan<strong>do</strong><br />
a maioria da população escravizada<br />
daquela província era composta<br />
por africanos e africa<strong>na</strong>s, que eram<br />
quase a totalidade <strong>do</strong>s envolvi<strong>do</strong>s no<br />
levante. Os envolvi<strong>do</strong>s, majoritariamente<br />
africanos de <strong>na</strong>ção haussá,<br />
eram muçulmanos. Embora a revolta<br />
fosse organizada em torno da<br />
religião islâmica, não podemos dizer<br />
que o levante <strong>do</strong>s Malês tivesse motivações<br />
religiosas. A religião foi o<br />
instrumento unifica<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s revoltosos,<br />
que liam e escreviam em árabe,<br />
rezavam juntos e compartilhavam<br />
as leituras <strong>do</strong> alcorão e seus valores<br />
religiosos. O objetivo <strong>do</strong> Levante
<strong>do</strong>s Malês era o fim da escravidão<br />
negra e escravização <strong>do</strong>s brancos,<br />
ou seja, um projeto de invertia a<br />
ordem das <strong>sociedade</strong>s escravistas e<br />
que, portanto, devia ser duramente<br />
reprimi<strong>do</strong>.<br />
O levante estava marca<strong>do</strong> para<br />
acontecer <strong>na</strong> madrugada <strong>do</strong> dia 24<br />
para 25 de janeiro de 1835, mas foi<br />
denuncia<strong>do</strong> a tempo de as autoridades<br />
armarem um duro aparato repressivo<br />
que acabou desarticulan<strong>do</strong><br />
a revolta no seu <strong>na</strong>sce<strong>do</strong>uro. Naque-<br />
Africano <strong>na</strong>gô.<br />
la madrugada, no horário marca<strong>do</strong>,<br />
<strong>negro</strong>s islamiza<strong>do</strong>s tentaram ocupar<br />
a cidade de Salva<strong>do</strong>r e já haviam articula<strong>do</strong><br />
invadir cidades no entorno<br />
da capital. Isso seria feito com a participação<br />
de rebeldes de outras regiões.<br />
Houve conflito com a policia e<br />
grande correria no centro da capital<br />
da província da Bahia durante as horas<br />
em que o levante estava marca<strong>do</strong><br />
para acontecer, mas devi<strong>do</strong> ao cerco<br />
arma<strong>do</strong> para reprimir os revoltosos,<br />
os malês não conseguiram atingir<br />
seus objetivos.<br />
Além de pessoas escravizadas,<br />
havia uma grande participação de<br />
libertos. Foi <strong>sobre</strong> esses últimos que<br />
os castigos ocorreram de maneira<br />
mais dura e violenta. Os escraviza<strong>do</strong>s<br />
foram açoita<strong>do</strong>s e entregues aos<br />
seus senhores. Já os libertos sofreram<br />
toda sorte de castigos como a<br />
prisão, trabalhos força<strong>do</strong>s, surras e<br />
deportação para qualquer parte <strong>do</strong><br />
continente africano. A deportação<br />
trazia muitos prejuízos para a vida<br />
<strong>do</strong>s libertos, pois, além de causar um<br />
rompimento com seus familiares e<br />
sua comunidade <strong>na</strong> Bahia, também<br />
desfazia atividades comerciais que<br />
lhes havia garanti<strong>do</strong> autonomia<br />
fi<strong>na</strong>nceira. Com isso, sofrer uma<br />
pe<strong>na</strong> de deportação para a Costa da<br />
África após quase uma vida inteira<br />
<strong>na</strong> Bahia, como era o caso de muitas<br />
mulheres e homens africanos, não<br />
significava simplesmente uma volta<br />
para casa.<br />
O Levante <strong>do</strong>s Malês não repercutiu<br />
somente <strong>na</strong> política de segu-<br />
25
26<br />
rança <strong>do</strong>s <strong>negro</strong>s, principalmente<br />
africanos, que viviam <strong>na</strong> Bahia. As<br />
noticias <strong>sobre</strong> a revolta se dissemi<strong>na</strong>ram<br />
por to<strong>do</strong> o Brasil embalan<strong>do</strong><br />
os sonhos de liberdade de escravos<br />
e libertos de outras províncias, mas<br />
também provocan<strong>do</strong> o pânico <strong>na</strong>s<br />
elites senhoriais <strong>sobre</strong> a possibilidade<br />
da organização de uma revolta de<br />
proporções <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is.<br />
De imediato, as outras províncias<br />
proibiram em seus territórios o<br />
desembarque de escravos vin<strong>do</strong>s<br />
da Bahia. Logo após o levante,<br />
foram aplicadas duras políticas de<br />
repressão e vigilância às populações<br />
negras no Brasil e <strong>na</strong> Bahia, especificamente,<br />
a repressão foi tão dura<br />
que, depois de 1835, não houve<br />
mais noticias de levantes <strong>na</strong> mesma<br />
proporção daquele. Mesmo assim,<br />
a resistência escrava continuou de<br />
outras formas como através das greves<br />
de trabalha<strong>do</strong>res escraviza<strong>do</strong>s e<br />
libertos que lutavam por condições<br />
de trabalho que eles consideravam<br />
mais dig<strong>na</strong>s.<br />
Podemos afirmar que mesmo<br />
que os rebeldes malês não tivessem<br />
alcança<strong>do</strong> seu objetivo de<br />
implementar um califa<strong>do</strong> africano<br />
<strong>na</strong> Bahia onde os brancos seriam<br />
escravos, essa revolta resguarda<br />
grande importância no fato de ter<br />
significa<strong>do</strong> um exemplo de organização<br />
política <strong>do</strong>s malês em torno<br />
de um projeto coletivo bem defini<strong>do</strong><br />
de liberdade.<br />
Saiba mais<br />
As comunidades quilombolas contemporâneas<br />
são forma<strong>do</strong>s por pessoas<br />
que vivem em locais que haviam<br />
si<strong>do</strong> quilombos ou para onde homens<br />
e mulheres negras se refugiaram no<br />
pós-abolição e formaram <strong>sociedade</strong>s<br />
onde vivem também de forma autônoma,<br />
porém não isolada. Até hoje,<br />
essas comunidades lutam pelo direito a<br />
terra, uma vez que muitas delas foram<br />
adquiridas de maneira informal ou, de<br />
tão antigas, simplesmente não possuem<br />
<strong>do</strong>cumentação. Algumas comunidades<br />
quilombolas já conseguiram titulação,<br />
que é o título que lhes confere a posse<br />
dessas terras. Porém, a maioria delas<br />
ainda vive enfrentamentos com fazendeiros<br />
que simplesmente ignoram seu<br />
direito a terra. Uma boa sugestão é ver<br />
o site da Fundação Palmares: http://<br />
www.palmares.gov.br/?page_id=88.<br />
Para saber mais <strong>sobre</strong> quilombos:<br />
http://www.historia.uff.br/tempo/artigos_livres/artg1-5.pdf,<br />
http://www.<br />
usp.br/revistausp/28/02-jreis.pdf.<br />
Sobre o quilombo <strong>do</strong> Piolho ver:<br />
http://www.ifch.unicamp.br/ihb/<br />
Textos/GT48Fatima.pdf.<br />
Sobre revoltas escravas ver: http://<br />
www.historia.uff.br/tempo/artigos_livres/artg13-8.pdf<br />
Sobre o Levante <strong>do</strong>s Malês ver:<br />
http://www.smec.salva<strong>do</strong>r.ba.gov.br/<br />
<strong>do</strong>cumentos/a-revolta-<strong>do</strong>s-males .pdf.
7. Os movimentos<br />
abolicionistas e o fim da<br />
escravidão no Brasil<br />
Na segunda metade <strong>do</strong> século<br />
XIX, o Brasil não conseguiria<br />
mais tratar a questão da escravidão<br />
como um assunto <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e interno.<br />
Pressões inglesas, o me<strong>do</strong> das<br />
revoltas e outros atos de rebeldia<br />
cometi<strong>do</strong>s pela população negra,<br />
além de projetos imigracionistas que<br />
buscavam consolidar o projeto de<br />
embranquecimento <strong>do</strong> país – tu<strong>do</strong><br />
isso foi aos poucos, bem aos poucos,<br />
tor<strong>na</strong>n<strong>do</strong> inviável a manutenção da<br />
escravidão. Já em 1850, foi posta em<br />
vigor a Lei Eusébio de Queiros que<br />
proibia (mais uma vez) o tráfico de<br />
africanos.<br />
Em 1871, foi promulgada a lei <strong>do</strong><br />
Ventre Livre, que tor<strong>na</strong>va livres os<br />
filhos das escravas <strong>na</strong>sci<strong>do</strong>s a partir<br />
daquela data. Contu<strong>do</strong>, essa lei não<br />
significava a liberdade definitiva<br />
dessas crianças chamadas de “ingênuos”,<br />
pois eles deveriam passar<br />
toda sua infância e boa parte da vida<br />
adulta <strong>na</strong> casa <strong>do</strong>s senhores das suas<br />
mães até que poderiam ser de fato<br />
livres, ou seja, quan<strong>do</strong> completassem<br />
21 anos. Assim, conviven<strong>do</strong> num<br />
ambiente senhorial, essas crianças<br />
se confundiam num ambiente social<br />
e de trabalho escravo e, <strong>do</strong> mesmo<br />
mo<strong>do</strong> como suas mães, eram trata<strong>do</strong>s<br />
como cativos.<br />
Caso a abolição não acontecesse<br />
antes, de acor<strong>do</strong> com a lei <strong>do</strong> Ventre<br />
Livre, haveriam escravos no Brasil<br />
até 1892... No mínimo. A próxima<br />
Luiz Gama.<br />
lei emancipacionista seria a Lei <strong>do</strong>s<br />
Sexagenários (ou Lei Saraiva-Cotegipe)<br />
de 1885, que tor<strong>na</strong>va livres os<br />
escravos com mais de 60 anos. Podemos<br />
dizer que essa lei não teve efeito<br />
entre a população escravizada, uma<br />
vez que eram poucos os cativos que<br />
atingiam essa faixa etária. Até 1888<br />
estas leis funcio<strong>na</strong>ram como forma<br />
de retardar o processo que culmi<strong>na</strong>ria<br />
<strong>na</strong> liberdade da população que<br />
ainda vivia escravizada.<br />
As elites <strong>brasileira</strong>s, inclusive aqueles<br />
que se consideravam porta-vozes<br />
da luta pela liberdade, defendiam<br />
que a abolição no Brasil deveria se<br />
dar de maneira gradual e segura, sem<br />
que a população negra participasse<br />
ou sequer soubessem destes debates.<br />
De olho no que estava acontecen<strong>do</strong><br />
nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, escravistas e<br />
27
28<br />
Sátira <strong>do</strong> cotidiano após a Abolição. O preconceito continuou cercan<strong>do</strong> os ex-escravos; uma troça da época dizia:<br />
“Nasceu periquito, morreu papagaio, não quero <strong>história</strong>s com treze de maio”.<br />
(Angelo Agostini, Revista Ilustrada, 1888).
abolicionistas das elites pediam cautela<br />
para a questão da abolição.<br />
A abolição <strong>do</strong>s escravos norteamericanos,<br />
resulta<strong>do</strong> de uma guerra<br />
civil que culminou <strong>na</strong> abolição imediata<br />
<strong>do</strong> cativeiro em 1863, causava<br />
pânico no Brasil <strong>sobre</strong> os riscos de<br />
um processo semelhante. Portanto,<br />
escravistas e abolicionistas conserva<strong>do</strong>res,<br />
buscaram soluções em lei<br />
paulati<strong>na</strong>s nos anos que antecediam<br />
a abolição. Assim, era arquiteta<strong>do</strong><br />
um projeto de organização social basea<strong>do</strong><br />
<strong>na</strong> raça, mas com a “proeza”<br />
de não deixar isso explícito.<br />
As elites <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is temiam uma<br />
“guerra-racial” devi<strong>do</strong> a grande<br />
quantidade de africanos e descendentes<br />
de africanos no país que já<br />
estavam dan<strong>do</strong> si<strong>na</strong>is de que não<br />
queriam esperar muito tempo pela<br />
abolição. Portanto, as leis <strong>brasileira</strong>s,<br />
após a abolição, deveriam ser<br />
discrimi<strong>na</strong>tórias, excludentes sem<br />
mencio<strong>na</strong>rem abertamente critérios<br />
raciais, como nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s.<br />
Naquele perío<strong>do</strong>, alguns políticos<br />
e intelectuais das décadas fi<strong>na</strong>is da<br />
escravidão (a partir da década de<br />
1870) começam a insistir que no<br />
Brasil não haviam distinções baseadas<br />
<strong>na</strong> raça. Mesmo assim, a <strong>na</strong>ção<br />
<strong>brasileira</strong> amargava o vergonhoso<br />
lugar de última <strong>na</strong>ção a abolir a<br />
escravidão, o que despertou duras<br />
críticas inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is. É nesse<br />
cenário de projetos de controle<br />
da população negra, de iniciativas<br />
rebeldes de homens e mulheres<br />
livres e escravizadas e de desgaste<br />
<strong>do</strong> sistema escravista que surgem os<br />
movimentos abolicionistas que, no<br />
Brasil, consolidaram-se no fi<strong>na</strong>l da<br />
década de 1860.<br />
Observem que me referi a “movimentos<br />
abolicionistas”, propositalmente<br />
no plural. A historiografia recente<br />
tem mostra<strong>do</strong> que eram muito<br />
diversas as opiniões <strong>do</strong>s abolicionistas<br />
a respeito <strong>do</strong> destino a ser da<strong>do</strong> para a<br />
população negra liberta e escravizada<br />
no Brasil. Por isso, podemos falar em<br />
movimentos abolicionistas. Contu<strong>do</strong>,<br />
sabemos que devi<strong>do</strong> a nossa formação<br />
escolar, fixamos o abolicionismo<br />
<strong>do</strong>s setores brancos e intelectuais<br />
da <strong>sociedade</strong> <strong>brasileira</strong>, que eram<br />
vistos como pessoas <strong>do</strong>tadas de um<br />
pensamento de vanguarda e humanitário.<br />
Este era o abolicionismo <strong>do</strong>s<br />
intelectuais, <strong>do</strong>s clubes, <strong>do</strong>s meetings<br />
abolicionistas, <strong>do</strong>s textos de jor<strong>na</strong>l e<br />
<strong>do</strong>s poemas acalora<strong>do</strong>s.<br />
Adria<strong>na</strong> Santos Silva, Deusa <strong>do</strong> Ébano <strong>do</strong> Bloco afro<br />
Ilê Ayiê de 2008.<br />
29
30<br />
Joaquim Nabuco, com sua obra<br />
Abolicionismo e sua atuação parlamentar<br />
acabou se tor<strong>na</strong>n<strong>do</strong> o grande<br />
referencial da luta contra a escravidão<br />
no Brasil. Ele defendia o fim<br />
da escravidão, mas não acreditava<br />
que os <strong>negro</strong>s e negras, que viviam<br />
no Brasil, estavam aptos para terem<br />
os mesmos direitos que a cidadania<br />
conferia à população branca. Contu<strong>do</strong>,<br />
além desse abolicionismo que<br />
podemos chamar de abolicionismo<br />
das elites, havia o radical, de pessoas<br />
negras, que não ficaram fora desse<br />
processo que levaria a população<br />
escravizada à liberdade.<br />
Vale destacar o papel <strong>do</strong>s abolicionistas<br />
<strong>negro</strong>s radicais como o engenheiro<br />
André Rebouças, o advoga<strong>do</strong><br />
Luiz Gama e o jor<strong>na</strong>lista José <strong>do</strong><br />
Patrocínio. Também havia os anônimos<br />
e anônimas, chama<strong>do</strong>s de “ora<strong>do</strong>res<br />
<strong>do</strong> povo”. Eram eles <strong>negro</strong>s<br />
libertos e escraviza<strong>do</strong>s que causavam<br />
tumultos <strong>na</strong>s manifestações de rua a<br />
favor da liberdade. Além da atuação<br />
pública, os abolicionistas populares<br />
também escondiam escravos fugitivos<br />
e colaboravam <strong>na</strong> formação de<br />
quilombos para receber os/as que<br />
não esperaram pelo 13 de maio para<br />
se tor<strong>na</strong>rem livres.<br />
Esse abolicionismo popular não<br />
era reconheci<strong>do</strong> pelas elites como<br />
iniciativas legítimas e politizadas de<br />
contestação <strong>do</strong> cativeiro. Isso explica<br />
porque tais iniciativas despertavam a<br />
ação da polícia com objetivo de conter<br />
os “quebra-quebras” <strong>na</strong>s cidades.<br />
Portanto, a luta pela abolição no<br />
Brasil não se resumiu numa dádiva<br />
da princesa Isabel.<br />
A abolição foi o resulta<strong>do</strong> da ação<br />
conjunta que contava com a participação<br />
de vários atores, <strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong><br />
de africanos e seus descendentes<br />
brasileiros, que foram desgastan<strong>do</strong><br />
e inviabilizan<strong>do</strong> a manutenção da<br />
escravidão. Na verdade, tentou-se<br />
excluir da <strong>história</strong> o papel dessas<br />
pessoas numa luta que tanto lhes<br />
interessava. Devemos admitir que o<br />
protagonismo das elites <strong>brasileira</strong>s<br />
<strong>sobre</strong> os rumos da questão da cidadania<br />
no Brasil tornou vitorioso o<br />
projeto de exclusão e desigualdade<br />
da população negra após o 13 de<br />
maio. A cidadania que, em tese, era<br />
garantida <strong>na</strong> Constituição para to<strong>do</strong>s<br />
os cidadãos e cidadãs <strong>brasileira</strong>s continuou<br />
sen<strong>do</strong> restritiva e pautada em<br />
valores raciais.<br />
Assim, a população negra <strong>brasileira</strong><br />
não terminou <strong>na</strong> abolição sua luta<br />
por liberdade e acesso a direitos. Esses<br />
homens e mulheres teriam de se<br />
manter organiza<strong>do</strong>s para combater<br />
as barreiras impostas pelo racismo<br />
numa <strong>sociedade</strong> “democrática”.<br />
Dicas de leitura<br />
Sobre os últimos anos que<br />
antecederam a abolição duas boas<br />
indicações de leitura são as<br />
seguintes: MACHADO, Maria<br />
Hele<strong>na</strong> P. T. O plano e o pânico:<br />
Os movimentos sociais <strong>na</strong> década da<br />
abolição. São Paulo: Edusp, 2010.<br />
E o livro de Albuquerque,<br />
Wlamyra R. de. O jogo da<br />
dissimulação: abolição e<br />
cidadania negra no Brasil. São Paulo:<br />
Companhia das Letras, 2009.
A escravidão deixou consequências<br />
negativas que persistem até os dias<br />
atuais nos altos índices de desigualdade<br />
racial. O méto<strong>do</strong> das elites <strong>brasileira</strong>s<br />
de categorizar racialmente a população<br />
sem que isso seja assumi<strong>do</strong> ainda persiste<br />
no comportamento social <strong>do</strong> povo brasileiro<br />
<strong>na</strong> forma de um racismo vela<strong>do</strong><br />
e excludente. Assim, a despeito de um<br />
racismo latente que estrutura a <strong>sociedade</strong><br />
<strong>brasileira</strong>, acreditava-se (e ainda<br />
há quem acredite) que no Brasil<br />
as pessoas viviam numa ple<strong>na</strong><br />
democracia racial, ou seja, o<br />
povo é mestiço e não há racismo.<br />
Diante de diversos episódios<br />
cotidianos de preconceito<br />
e discrimi<strong>na</strong>ção racial, um grupo<br />
O Movimento Negro Unifica<strong>do</strong><br />
de mulheres e homens <strong>negro</strong>s de diversas<br />
o país se reuniram em 1978 e fundaram<br />
o MNU – Movimento Negro Unifica<strong>do</strong>.<br />
A principal proposta <strong>do</strong> MNU era (e<br />
ainda é) denunciar a falsidade <strong>do</strong> mito da<br />
democracia racial, combater o racismo e<br />
organizar a população negra em torno da<br />
construção de um projeto de afirmação<br />
da identidade negra e da busca por direitos<br />
que efetivassem a igualdade racial<br />
no Brasil. O MNU foi funda<strong>do</strong><br />
em São Pau lo, mas é<br />
uma organização <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />
e está presente em vários<br />
esta<strong>do</strong>s brasileiros. Para<br />
saber mais <strong>sobre</strong> o MNU<br />
veja o site http://mnu.blogspot.com.<br />
Ato Público <strong>do</strong> MNU, 07.07.1978, Dia Nacio<strong>na</strong>l de Luta Contra o Racismo, 30 anos de luta contra o racismo.<br />
31
32<br />
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acesso: 10 mar. 2011.