abrigos em movimento: - Instituto Fazendo História
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A hIstóRIA DE CíCERA E sEU IRMãO JAIR São Paulo, 15 de Novembro de 2004. Meu nome é Cícera, tenho 31anos, sou casada, tenho três filhos. Antes de existir esse projeto eu me sentia muito confusa em meus sentimentos em relação ao Jair, que é meu meio irmão, que se encontrava abrigado, eu gostaria de acolhê-lo, mas, por outro lado, existia algo dentro de mim que eu não conseguia entender por que me negava a fazer isso. Tinha tudo para dar certo, com o tempo, descobri que não havia mais motivo para eu ficar colocando desculpas, “o empecilho era eu mesma”, mas por quê? Foi quando, em uma visita da psicóloga Iraci e da assistente social Ana Paula, eu me senti muito à vontade para me abrir com elas, e contei a elas da minha infância de humilhações e maus tratos da parte de meu pai, que também era pai do Jair, hoje falecido. Raciocinei junto com elas que, em minha mente, meu pai ainda estava vivo, talvez por eu não ter ido ao seu funeral. E o Jair, em minha mente, fazia com que eu revivesse todo aquele trauma, inclusive sua presença dava a sensação que meu pai voltaria a qualquer momento. Elas me fizeram acreditar que eu teria que enterrar meu pai e que ele não voltaria. Confesso que não foi fácil, pois foram muitos anos de tortura, e não é de um dia para o outro, mas, com o tempo, e depois de muita reflexão e esforço de minha parte, tive um progresso significativo e pude compreender que meu irmão não é uma ameaça para mim, tampouco uma sombra de minha infância, e que o amo, como amo os outros irmãos, e que ele faz parte de minha família, e que é tão vítima quanto eu, ele precisava de mim e eu devia ser solidária. Hoje estamos juntos e felizes, temos algumas marcas, mas acredito que, com o tempo, tudo vai ser superado. Muito obrigado, de coração, pela grande ajuda, e que Deus os abençoe e que consigam ajudar outros que estão necessitados como nós estávamos. Que Deus os abençoe!!! Cícera (Muito obrigado, de Jair Rodrigues) A carta de Cícera testemunha as mudanças construídas pelo projeto. Com as visitas, conversas e reuniões, as famílias começaram a se mobilizar, a sair de sua apatia inicial e nunca mais foram as mesmas. A realidade muitas vezes gerava uma atitude de impotência e incapacidade para resolver seus problemas, colocando as famílias numa posição de vítimas que esperavam do juiz, do promotor, do abrigo e, por fim, do governo a solução para suas dificuldades. “Conseguimos mexer em famílias que tinham seus filhos abrigados há seis anos. Estavam cristalizadas.” 81
Os motivos que levam ao abrigamento são diversos e estão ligados à situações-limite, como alcoolismo, drogadição, falecimento de um dos pais. São vivências que exigem muito esforço para a construção de alternativas de enfrentamento. Todos os casos revelam a ausência de serviços das políticas sociais para as famílias mais vulneráveis dos bairros populares. Os profissionais enfrentaram essa realidade cotidianamente buscando ações que favoreçam a mudança esperada. “Todos nós ganhamos: as crianças, as famílias e os profissionais.” desencontros e dificuldades O processo de saída da criança e do adolescente do abrigo não envolve só conquistas, mas também dificuldades. Critérios diferenciados para o abrigamento. Certos abrigamentos são realizados tendo como base um único aspecto da realidade (idade do responsável ou problema de saúde do familiar), sem que haja uma análise de todo o contexto da família. Esta visão parcial ocasiona abrigamentos desnecessários e, nesses casos, torna-se mais difícil encontrar uma linha de trabalho para o retorno à família. O profissional do abrigo e do projeto tem entrado em contato com os responsáveis por esses abrigamentos, para discutir essas visões diferentes e encontrar uma solução conjunta. Idealização da família. A extrema idealização da situação familiar dificulta o trabalho. “Idealizamos tanto a família, as condições ideais da moradia dos pais, que acabamos impedindo o retorno da criança à vida familiar.” Os coordenadores dos abrigos, tentando proteger crianças e adolescentes, muitas vezes podem dificultar sua reinserção familiar. Visões diferentes sobre o trabalho desenvolvido. Algumas vezes surgem desencontros decorrentes de visões diferentes sobre o trabalho, uns se voltando para a área técnica, outros mais para a área administrativa. Neste caso, estão se programando encontros entre essas áreas para se conciliar as necessidades técnicas do projeto com as questões administrativo-financeiras. Falta de políticas públicas de apoio à família. A falta de políticas públicas voltadas para o atendimento da população em áreas como saúde, educação, trabalho e moradia frequentemente interfere no processo de fortalecimento das famílias e impede a volta das crianças para o convívio familiar. Vivenciar todo esse processo com as famílas, percebendo todas as conquistas e dificuldades, contribuiu para os profissionais desenvolverem um novo olhar. 82
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A hIstóRIA DE CíCERA E sEU IRMãO JAIR<br />
São Paulo, 15 de Nov<strong>em</strong>bro de 2004.<br />
Meu nome é Cícera, tenho 31anos, sou casada, tenho três filhos. Antes de existir esse projeto<br />
eu me sentia muito confusa <strong>em</strong> meus sentimentos <strong>em</strong> relação ao Jair, que é meu meio<br />
irmão, que se encontrava abrigado, eu gostaria de acolhê-lo, mas, por outro lado, existia<br />
algo dentro de mim que eu não conseguia entender por que me negava a fazer isso.<br />
Tinha tudo para dar certo, com o t<strong>em</strong>po, descobri que não havia mais motivo<br />
para eu ficar colocando desculpas, “o <strong>em</strong>pecilho era eu mesma”, mas por quê?<br />
Foi quando, <strong>em</strong> uma visita da psicóloga Iraci e da assistente social Ana Paula, eu<br />
me senti muito à vontade para me abrir com elas, e contei a elas da minha infância<br />
de humilhações e maus tratos da parte de meu pai, que também era pai do Jair, hoje<br />
falecido. Raciocinei junto com elas que, <strong>em</strong> minha mente, meu pai ainda estava vivo,<br />
talvez por eu não ter ido ao seu funeral.<br />
E o Jair, <strong>em</strong> minha mente, fazia com que eu revivesse todo aquele trauma, inclusive<br />
sua presença dava a sensação que meu pai voltaria a qualquer momento. Elas me<br />
fizeram acreditar que eu teria que enterrar meu pai e que ele não voltaria. Confesso<br />
que não foi fácil, pois foram muitos anos de tortura, e não é de um dia para o outro,<br />
mas, com o t<strong>em</strong>po, e depois de muita reflexão e esforço de minha parte, tive um progresso<br />
significativo e pude compreender que meu irmão não é uma ameaça para mim,<br />
tampouco uma sombra de minha infância, e que o amo, como amo os outros irmãos,<br />
e que ele faz parte de minha família, e que é tão vítima quanto eu, ele precisava de<br />
mim e eu devia ser solidária.<br />
Hoje estamos juntos e felizes, t<strong>em</strong>os algumas marcas, mas acredito que, com o<br />
t<strong>em</strong>po, tudo vai ser superado.<br />
Muito obrigado, de coração, pela grande ajuda, e que Deus os abençoe e que<br />
consigam ajudar outros que estão necessitados como nós estávamos.<br />
Que Deus os abençoe!!!<br />
Cícera<br />
(Muito obrigado, de Jair Rodrigues)<br />
A carta de Cícera test<strong>em</strong>unha as mudanças construídas pelo projeto.<br />
Com as visitas, conversas e reuniões, as famílias começaram a se mobilizar,<br />
a sair de sua apatia inicial e nunca mais foram as mesmas.<br />
A realidade muitas vezes gerava uma atitude de impotência e<br />
incapacidade para resolver seus probl<strong>em</strong>as, colocando as famílias<br />
numa posição de vítimas que esperavam do juiz, do promotor, do<br />
abrigo e, por fim, do governo a solução para suas dificuldades.<br />
“Conseguimos mexer<br />
<strong>em</strong> famílias que<br />
tinham seus filhos<br />
abrigados há seis anos.<br />
Estavam cristalizadas.”<br />
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