29.04.2013 Views

Transcrição, classificação e ficha técnica - Memoriamedia

Transcrição, classificação e ficha técnica - Memoriamedia

Transcrição, classificação e ficha técnica - Memoriamedia

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

<strong>Transcrição</strong>, <strong>classificação</strong> e <strong>ficha</strong> <strong>técnica</strong><br />

de alguns web-vídeos recolhidos pelo projecto


Pagina Nome da história<br />

4 Animais do Guadiana<br />

11 O Mama na Burra<br />

24 Perdizes para o almoço<br />

29 O Jogador<br />

37 Soldados e Estudantes<br />

44 O lobo guloso e a raposa mentirosa<br />

52 O burro despertador<br />

55 A mãe ou a burra?<br />

56 Jantar de família<br />

57 Questões de namoro<br />

60 Três mocinhas<br />

65 A perigrinita<br />

74 A prova de amor<br />

79 Enganar a morte<br />

81 A raposa e o lobo<br />

86 A taberna<br />

89 A mulher mais a terra<br />

91 As três adivinhas<br />

97 Ás avessas<br />

99 Bicharada<br />

102 O cão, a vaca e o burro<br />

104 Ida ao Balancé<br />

106 A carta da algarvia<br />

109 Casei com uma velha<br />

111 A boa sopeira<br />

113 Corre corre cabacinha<br />

116 Core corre cabacinha (2)<br />

119 Eu nunca soube mentir<br />

121 É falta de educação<br />

123 O genro bêbado<br />

126 Jantar de feijão<br />

128 O julgamento da açorda<br />

132 O lobo esfomeado<br />

136 O lobo e a raposa na rouparia<br />

139 Pedido de casamento<br />

145 Maria da Silva<br />

149 Na noite de S. João<br />

151 O cabeçudo<br />

153 Um oficio para o filho


152 Os dois irmãos<br />

156 Os dois velhos e a morte<br />

159 O príncipe Lagarto (2)<br />

165 O príncipe Lagarto (3)<br />

173 Pedro e o Conde<br />

176 Pedro das Malasartes<br />

187 Perdizes<br />

189 Pe'xinho, p'ixinha<br />

191 Rosicler<br />

193 Versos da avó


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Animais do Guadiana]<br />

«Esse era assim:<br />

[Animais do Guadiana]<br />

Era um homem que tinha um gato. Um casal tinha um gato, em casa, e tinha uma<br />

prateleira, uma telheira(1) como havia (assim alta) …E fritaram umas presas(2) pra comer e<br />

não as acabaram. E guardaram as presas. Pu[seram]-nas lá em cima (…) lá da prateleira (…)<br />

(era uma coisa que fazia assim com tábuas) (…).<br />

E o gato pulou pra cima da mesa e da mesa pulou pra cima da prateleira e comeu as<br />

presas fritas. Presas de cachola frita(3) – cachola frita. E apois começou a pensar e disse [para<br />

consigo]:<br />

[Gato:] _ Ele [o dono] levanta-se de manhã e mata-me! Já se sabe que fui eu que comi as<br />

presas! – E foi-se embora.<br />

E logo à saída do povo ‘tava um burro. Havia um homem que tinha um quintal grande<br />

(com uma quintazinha) e a parede ‘tava já ruim – fazia um portelo(4) –, e o burro pulava bem ali<br />

p’lo portelo. E diz o burro prò gato (foi no tempo que os animais falavam):<br />

[Burro:] _ Atão, pra onde vais?<br />

Disse [o gato:] _ Olha, vou-me embora. Vou prà ribeira! – (Uma ribeira que havia lá longe).<br />

Comi umas presas fritas que do meu dono sobraram e de manhã, em se levantando, enforca-<br />

-me!<br />

Diz ele [o burro:] _ Ahhh! Olha, eu vou contigo.<br />

[Gato:] _ Atão?<br />

[Burro:] _ Eu esta noite soltei-me (ele ‘tava lá na cabana, na manjedoura, mas soltou-se),<br />

soltei--me e comi umas couves que ele tinha além. De manhã, se levantando, tira o cabo da<br />

enxada e dá-me cabo do lombo!<br />

[Gato:] _Vamos embora.<br />

Logo mais à saída, no frajado, andava um carneiro também à solta [que lhes pergunta:]<br />

[Carneiro:] _ Atão pra onde vão?<br />

[Respondem eles:] _Olha, vamos prà ribeira.<br />

Page 4<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Animais do Guadiana]<br />

Diz ele: _ Ai, eu também vou. Estamos perto do Entrudo e eu tenho ouvido falar, p’lo que eu<br />

tenho ouvido, é capaz de me matarem agora prò Entrudo!<br />

[Gato e burro:] _ Vamos embora.<br />

Iam os três, lá mais abaixo [encontraram] um peru. Havia um monte(5) e andava um<br />

peru lá mais afastado [que lhes diz:]<br />

[Peru:] _ Atão? Pra onde é que vão?<br />

[Gato, burro e carneiro:] _ Vamos a passar o Entrudo prà ribeira.<br />

[Peru:] _ Óh! E eu vou com vocês! Porque eles gostam muito de arroz com peru!!! Óh!!! E<br />

agora p’lo Entrudo na’ me escapo! – Lá abalou o peru também.<br />

Lá noutro montinho que havia lá mais perto [estava] um galo.<br />

[Galo:] _ Atão, pra onde vão?<br />

[Gato, burro, carneiro e peru:] _ Vamos prà ribeira. (E iam contando sempre, pra não levar mais<br />

tempo, contando sempre o que tinham feito).<br />

E ele: _ E eu vou também! Que eu já ouvi dizer… Às vezes canto, ‘tou cantando de manhã, e<br />

ouço dizer: _ Ahh! Já só cantas até ao Entrudo! Vou-me embora!<br />

O último [que se juntou] foi um pato. Lá já há saída [estava] um pato.<br />

Lá foram, pronto, lá foram também… (Mas) foram todos juntos, abalaram a caminho da<br />

ribeira [e] lá levaram o pato.<br />

[Já na ribeira, o pato] foi pra dentro de água logo de manhã; e o galo e o peru<br />

[puseram-se] esgravatando ali na areia; olhe e o burro comendo ali (naquela) seara (de uma…)<br />

e o carneiro…<br />

Mas lá já ali à tarde, além já quase o sol-posto, diz o burro:<br />

[Burro:] _ Ai, camaradas! Estou cá muito escoçoado(6)…<br />

[Outros animais] _ Atão?<br />

[Burro:] _ Atão… Faz-se de noite e vêm os lobos: o compadre pato vai além prò meio da água<br />

e safa-se (além no meio); e o compadre galo e o compadre peru voam aí pra cima de uma<br />

azinheira e os lobos não os comem; agora (...) eu e o compadre carneiro ‘tamos perdidos! Vêm<br />

os lobos e comem na gente!<br />

Page 5<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Animais do Guadiana]<br />

Diz o gato aqui assim (o gato também subia pra cima de uma árvore) [e] diz o gato:<br />

[Gato:] _ Vá lá que eu vou além acima daquele choupo(7) – (uns choupos que haviam muito<br />

grandes lá nas margens da ribeira) –, subo lá acima dos choupos a ver se eu descubro prài<br />

alguma coisa.<br />

E o gato subiu lá acima [dos choupos]. Descobriu uma casinha. Lá longe viu uma<br />

casinha [e disse para os outros:]<br />

[Gato:] _Olha! Em tal parte avistei lá uma casinha. Está lá uma casinha [e] nós vamos pra lá!<br />

Fechamos a porta e lá não vem ninguém com certeza.<br />

Bom, abalaram. Chegaram lá, abriram a porta [e] entraram.<br />

Ali a um canto havia um foganito(8) de canto [onde] faziam lume. Ainda havia ali cinza<br />

no lume [e] diz o gato:<br />

[Gato:] _ Eu fico aqui na cinza. E o compadre burro fica além de um lado da porta e o carneiro<br />

fica do outro lado – pra se vier alguém o burro dá-lhe parelha de coices e o carneiro dá-lhe<br />

uma cabeçada. E o compadre pato, o pato vai além para a manjedoura(9) – manda-se lá de<br />

dentro da manjedoura e o galo vai além para uma estaca; e o peru fica também aí em cima d[a]<br />

pá da manjedoura. – Bom, ficaram ali todos postos assim.<br />

Lá por essa noite adiante começam a ouvir cantar. Um canto…<br />

Diz um [deles:] _ Eh! Soa aí canto! ‘Tamos perdidos! Ai mãe… Matam aqui a gente todos!<br />

E o burro dizia: _ A vocês matam e comem-nos. O compadre gato, esse pode fugir. Agora eu!<br />

… Passam eles a cavalo em mim aí ribeira abaixo, ribeira acima! E o carneiro comem-no e o<br />

peru a mesma coisa!<br />

(Mas que era) a casa era de um grupo de gatunos. E eram eles que vinham (de)/[a]<br />

recolher. Vem que chegam cá à rua [e diz um deles:]<br />

[Gatuno1:] _ Eh! A porta está mexida! A gente temos alguém aí dentro de casa. A porta está<br />

mexida! E agora, como é que [se] entra?!<br />

[Gatuno 2:] _ Eu não entro!<br />

[Gatuno 3:] _ Eu também não entro! – Começaram todos a dizer que nenhum queria entrar.<br />

Tinham medo.<br />

Page 6<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Animais do Guadiana]<br />

Até que um diz: _ Eh! Vamos a tirar palhinhas! O que tirar a palhinha maior é o que tem que<br />

entrar!<br />

Tiveram fazendo as palhinhas [e] tiraram [à sorte]. O que tirou a palhinha maior vai a<br />

entrar [na casa e], assim que vai a entrar, o burro prega-lhe uma parelha de coices. [O gatuno]<br />

vai direito ao carneiro, o carneiro manda-lhe uma cabeçada. Vai [de novo] direito ao burro: o<br />

burro sacou de outra parelha de coices – e ele sem ser capaz de se endireitar. [Nisto] começa,<br />

começa o peru:<br />

[Peru:] _ Esburga-lhe(10)! Esburga-lhe, esburga-lhe!<br />

E começa o galo: _ Por quem é! Quem me desse! Por quem é! Quem me desse! –<br />

escarapantados.<br />

E o pato fazia assim: _ Pás! Pás! Pás! Pás! Pás!<br />

E o peru [continuava:] _ Esburga-lhe! Esburga-lhe.<br />

E o burro aos coices com ele – dava-lhe a parelha de coices e ia direito ao carneiro: uma<br />

cabeçada.<br />

E ele (já na’ ‘tava já bom da cabeça) sem se desenvencilhar, sem se poder<br />

desenvencilhar… Saiu para a rua. Chega lá ao pé dos outros, diz[-lhes:] _Olha…<br />

(Então e o gato? – Mas ele, quando ele entrou, foi (a) esgravatar na cinza. O gato ‘tava lá, fez-<br />

-lhe: _ ppfffuuu – fez assim [lançou-lhe as garras], arranhou-o todo).<br />

[Gatuno:] _ Olha! Aquilo é pescaria concerteza, que veio prà ribeira.<br />

Fui a esgravatar lá na cinza, a ver se havia alguma brasa pra acender lume, tava lá um – com<br />

certeza era sapateiro! Com a escovela lascou-me a cara toda!<br />

_ E detrás da porta ‘tava um – deviam ser o ferreiro e o malhador(11) – porque o que eles me<br />

fizeram com o malho(12)! Deram-me com um malho em cima! Iam-me matando!<br />

_E estava lá um, que ainda achava que eu que levava poucas, não fazia senão dizer:<br />

“esburga--lhe, esburga-lhe!”<br />

E estava lá um que só o que dizia era: _” Por quem é! Quem me desse!” Aquele se desse,<br />

aquele se desse atão tinha-me matado!<br />

_Só tava lá um que era bom, com certeza que aquele era bom, dizia: _ “paz, paz!” Agora os<br />

outros… mas a minha sorte foi o outro na’ se…fazer. Se ele… se desse, matava!<br />

E assim se safaram!»<br />

Page 7<br />

Francisco Galamba, 84 anos, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro 2006.<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 4


Glossário:<br />

Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Animais do Guadiana]<br />

(1) Telheira: alpendre com cobertura de telha sem argamassa que assenta directamente sobre ripas ficando<br />

descoberto pela parte interior.<br />

(2) Presas: pequena porção de carne cozida ou assada, especialmente de porco, cortada aos bocados.<br />

(3) Cachola frita: fígado de porco.<br />

(4) Portelo: pequena abertura que se faz num muro ou numa porta.<br />

(5) Monte: Sede de herdade, na província do Alentejo, formada por vários edifícios em torno de um pátio; designação<br />

por vezes atribuída à própria herdade.<br />

(6) Escoçoado: no caso angustiado, desgostoso.<br />

(7) Choupo: árvore de grande porte pertencente à família das salicáceas que têm por tipo o salgueiro.<br />

(8) Foganito: fogão pequeno.<br />

(9) Manjedoura: Tabuleiro em que se deita comida aos animais nas estrebarias.<br />

(10) Esburgar: separar a carne dos ossos; descarnar; descascar.<br />

(11) Malhador: indivíduo que malha ou debulha cereais com mangual.<br />

(12) Malho: martelo muito grande ou mangual.<br />

Page 8<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 5


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Animais do Guadiana]<br />

Classificação do Conto:<br />

Conto de animais.<br />

[Animais do Guadiana]<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 130 Os<br />

Animais na Pousada.<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.<br />

Assunto: Um burro, um carneiro, um galo, um gato, um pato e um peru fogem à crueldade dos<br />

seus donos e conseguem um refúgio levando a melhor a um grupo de ladrões.<br />

Palavras-chave: animal, alentejo, azinheira, burro, cabeçada, carneiro, casa, choupo, coice,<br />

enganar, entrudo, ferreiro, ficalho, galo, gato, gatuno, homem, lobo, malhador, pato, peru,<br />

pescaria, ribeira, sapateiro, serpa<br />

Região: Baixo Alentejo<br />

Distrito: Beja<br />

Concelho: Serpa<br />

Localidade: Ficalho<br />

Contador: Francisco Galamba<br />

Idade: 84 anos (31/10/1922)<br />

Residência: Ficalho<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: Cristina Taquelim<br />

Data de Recolha: Fevereiro 2006<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Maio 2007<br />

Duração vídeo: 0:10:33.9 minutos<br />

Caracteres (incl. espaços): 7860<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Page 9<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 6


Page 10<br />

Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Animais do Guadiana]<br />

Web design: José Barbieri<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 7


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra]<br />

[O mama na burra]<br />

«Que é…Era pequenino, nasceu e atão a mãe morreu. A mãe dele morreu e (atão o<br />

bicho) a avó tinha lá uma burra. E o que é que… o que é que havia de ser – naquele tempo na’<br />

leites, na’ havia nada – o que é que havia de fazer? Criou o neto ao leite da burra! Chegava à<br />

burra e ele mamava na burra.<br />

Bom, mamava na burra o gajo – o leite da burra era valente – e o gajo fez-se um<br />

maltezão(1) que aquilo era um disparate! Na’ havia um homem mais valente q’aquilo. Ficou(-<br />

lhe) o “Mama-na-Burra”: era o “Mama-na-Burra”.<br />

O Mama-na-Burra fez-se valente. Era tão valente, tão valente até que um belo dia…<br />

E pensou assim: _ É pá! Vou correr mundo. Sou um homem tão valente, vou correr mundo!<br />

Abalou. Foi correr mundo. Foi correr mundo [vai] por aí afora… Chega lá a um certo<br />

sítio andava um gajo com uma enxada (uma enxada p’aí do tamanho desta casa!). O gajo<br />

deitava a enxada além a um cabeço, puxava-a – arrasava a cova – ficava tudo direito.<br />

E o Mama-na-Burra ‘teve a olhar e diz: _ É pá! Aquele gajo também é mui’ valente! Atão uma<br />

enxada daquele tamanho! Manda além ao cabeço(2), puxa, endireita logo aquilo tudo! Eiiia<br />

páaa!<br />

Chegou ao pé dele e diz-lhe assim: _ Ó Arrasa-Montanhas! Queres ir correr mundo mais eu?!<br />

[Arrasa-Montanhas:] _ Vamos!<br />

Abalaram os dois. O Arrasa-Montanhas c’a enxada às costas; o Mama-<br />

-na-burra tinha um cajado de ferro (pesava vinte arrobas(3)!), o cajado de ferro às costas e<br />

abalaram! Correr mundo! Por aí afora, correr mundo…<br />

Chegaram lá adiante andava um gajo lá num pinhal. Chegava além ao pé dos<br />

pinheiros, deitava-lhe[s] aqui a mão, arrancava-os, punha-os às costas – abalava com eles.<br />

Tiveram a olhar pò gajo, dizem assim: _ É pá! Olha que aquele também é valente! É um<br />

Arranca-Pinheiros! Chega ao pé dos pinheiros, arranca-os e abala com eles às costas!<br />

Page 11<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra]<br />

Chegaram lá ao pé dele: _ Ó Arranca-Pinheiros! Queres ir correr mundo mais a gente?!<br />

[Arranca-Pinheiros:] _ Vamos! – Abalaram todos três. Correr mundo!<br />

Chegaram lá a um certo sítio fez-se noite. E diz o Mama-na-Burra (o Mama-na-Burra é<br />

que era o chefe), diz o Mama-na-Burra assim:<br />

[Mama-na-Burra:] _ É páaa! Agora é de noite, onde é que a gente vai ficar? – E diz p’ó Arranca-<br />

Pinheiros: _ Ó Arranca-Pinheiros! Vai lá cima desse pinheiro a ver se avistas alguma luz<br />

nalguma banda, pa’ gente se dirigir pa’ passarmos a noite!<br />

Bom, o Arranca-Pinheiros foi lá acima, ‘teve a olhar.<br />

[Arranca-Pinheiros:] _Na’! Na’ vejo nada! – Então desceu(-se) pa’ baixo: _ Na’ vi nada!<br />

Foi o Arrasa-Montanhas lá acima. ‘Teve a olhar também.<br />

[Mama-na-Burra:] _ Nada?!<br />

[Arrasa-Montanhas:] _ Nada! – Veio pa’ baixo diz: _ Ó pá, afigurou-se-me que vi uma luz lá<br />

muita longe… Na’ sei se é luz, se não!<br />

Bom, diz o Mama-na-Burra: _ Agora vou lá eu!<br />

Foi o Mama-na-Burra lá acima do pinheiro, lá teve a olhar.<br />

[Mama-na-Burra:] _ Olha! É uma luz, é!<br />

Lá se meteram p’aquela coisa: foram lá ter a um monte(4). Chegaram lá ao monte:<br />

‘tava um monte assim com uma casa grande, com um poço além ao canto da casa e tudo.<br />

Diz o gajo assim: _ Óh! É aqui me’mo é que a gente habita! Atão temos além um poço, temos<br />

aqui uma chaminé… Arranjamos lenha… E aqui temos uma casa pa’ gente habitar!<br />

[Os outros:] _Bom, ‘tá bem.<br />

Lá habitaram: lá passaram uma noite, lá tiveram.<br />

Page 12<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra]<br />

No outro dia diz o Mama-na-Burra assim: _ Olha! Hoje fica cá o Arranca-Pinheiros a tratar da<br />

caldeirada e a gente vamos à caça. Arranjar caça pà gente comer! – (O Arrasa-Montanhas<br />

mais o Mama-na-Burra).<br />

Bom, lá abalaram. Ficou o Arranca-Pinheiros a tratar da caldeirada e tal, daquilo, aquilo<br />

tal… Quando foi às tantas (da noite), ali à tardinha, começa o Arranca-Pinheiros a ouvir lá pra<br />

dentro do poço: _Bbrrrrrgrrrrruuuuuummmmmm!!!<br />

[Arranca-Pinheiros:] _ É pá! É pá! O que é que se passa além pò poço?!<br />

Bom, daqui a nada – tuz! – o diabo! Um pulo além pra cima do gargalo do poço!<br />

O Arranca-Pinheiros ‘teve a olhar pra ele e diz-lhe o diabo assim:<br />

[Diabo:] _ Atão?! O que é que ‘tás aqui a fazer?!<br />

[Arranca-Pinheiros:] _ Ah! ‘Tou aqui a tratar da caldeirada que é pòs meus companheiros logo<br />

à noite.<br />

[Diabo:] _ Ai é?!<br />

Lá esteve. O diabo assim que lhe parece [a altura certa] prega um pulo pa’ trave da, da<br />

casa. O Arranca-Pinheiros puxa do, do…do troço de um pinheiro – que era o cajado dele –<br />

*aventa uma chaporrada*(5) lá ao diabo. O troço do pinheiro era muito comprido: bate no<br />

telhado lá da casa, ficou lá encalhado! Não era capaz de tirar o…o cajado! O diabo prega-lhe<br />

um pulo pra cima: deu-lhe uma sova. Ia-o matando! Bom, à noite agarrou naquilo tudo que ele<br />

lá tinha de comer: [mandou] tudo pra dentro do poço!<br />

Á noite, quando chegou o Mama-na-Burra mais o Arrasa-Montanhas… E diz o Mama-<br />

-na-Burra assim:<br />

[Mama-na-Burra:] _ É pá, isto ‘tá tudo às escuras! Se calhar ele fugiu! – Bom, chegou à porta<br />

[chamou]: _ Ehhhhh! Ó Arranca-Pinheiros!<br />

Diz o Arranca-Pinheiros lá de dentro assim: _ Aaiiiiii! É páaaa!<br />

[Mama-na-Burra:] _Atão, que é isso?!<br />

Page 13<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra]<br />

[Arranca-Pinheiros:] _ É pá! Eu ‘tou quase morto! Apareceu aqui o filha da puta… Deu-me uma<br />

sova, agarrou no comer todo e levou tudo pò poço!<br />

Bom, eles traziam caça: vá de tratarem da caldeirada, vá de coisa…O Mama-na-Burra<br />

tinha uma pomada, untou (o Arranca, o Arrasa) o Arranca-Pinheiros todo com aquela pomada –<br />

que ele ficou todo cheio de feridas – untou-o com aquela pomada toda: aquilo sarou logo! Quer<br />

dizer que lá passaram a noite, lá comeram, passaram a noite.<br />

No outro dia diz (o Arranca-Pinheiros) o Mama-na-Burra assim: _ Hoje fica cá o<br />

Arrasa--Montanhas. Vai o Arranca-Pinheiros mais eu à caça.<br />

Bom, abalaram. Foram-se embora no outro dia com o Arrasa-Montanhas a tratar da<br />

caldeirada. Lá tratou da caldeirada. Quando foi ali à tarde começa outra vez lá pò poço:<br />

_Bbrrrrrgrrrrruuuuuummmmmm…<br />

[Arrasa-Montanhas:] _ Óh! Lá vem o gajo outra vez!<br />

Bom, o Arrasa-Montanhas pegou logo na enxada. Pegou na enxada, o gajo prega um<br />

pulo pra cima do gargalo do poço e diz-lhe assim:<br />

[Diabo:] _ Atão?! Hoje ‘tás cá tu?<br />

[Arrasa-Montanhas:] _ Hoje ‘tou cá eu!<br />

O diabo prega um salto pà trave de lá de, da casa. O Arrasa-Montanhas manda-lhe<br />

uma enxadada. A enxada fica presa lá na, na trave – ele era puxar a enxada, aquilo na’ vinha!<br />

– o diabo prega-lhe um pulo pra cima: deu-lhe uma sova, ia-o matando! Agarrou no comer todo:<br />

tudo pò poço!<br />

Bom… À noite vieram os outros: (o Arrasa-Montanhas) o Arranca-Pinheiros mais o<br />

Mama-na-Burra.<br />

Diz o Mama-na-Burra assim: _ Olha! Já levou a conta também! ‘Tá tudo às escuras!<br />

Chegaram lá à porta: _ Eh, Arrasa-Montanhas!<br />

[Arrasa-Montanhas:] _ Ehhhh pá!!! Isto ‘tá p’aqui mau!<br />

Page 14<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 4


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra]<br />

Lá abriram a porta. Entraram pra dentro, acenderam a luz: lá estava (outra vez) o<br />

Arrasa-Montanhas todo ferido, todo… todo levado do diabo. O Mama-na-Burra vai c’ a pomada:<br />

untou-o todo outra vez. Ficou logo cavalheiro!<br />

No outro dia diz o Mama-na-Burra assim: _ Hoje fico cá eu!<br />

pa’ comer.<br />

Bom, abalou o Arrasa-Montanhas mais o Arranca-Pinheiros à caça; pa’ arranjar caça<br />

Ficou o Mama-na-Burra. O Mama-na-Burra tinha um cajado de ferro (pesava vinte<br />

arrobas) e atão, quando foi à tarde tinha tudo amanhadinho, prà, pà ceia… Começa a ouvir lá<br />

pò poço: _Bbrrrrrgrrrrruuuuuummmmmm…<br />

Disse: _ Óh! Lá vem o bicho outra vez!<br />

Ãh! Assim que ele veio, prantou-se(5) lá ao canto da chaminé c’o cajado. Ele, o diabo,<br />

prega um pulo pra cima do poço e diz assim:<br />

[Diabo:] _Atão?! Hoje ‘tás cá tu?!<br />

E ele nem nada! Nem lhe dizia nada! Com o cajado no chão – taruz! taruz! – Cada vez<br />

que o cajado batia no chão até tremia a casa!<br />

[Diabo:] _Eh pá!<br />

O diabo (ele na’ lhe dava sorte), o diabo daqui a nada prega um pulo lá pra, prò<br />

grifar(6), prega de lá um pulo pra grifar no Mama-na-Burra. O Mama-na-Burra dá aqui meia<br />

volta ao cajado de ferro de vinte arrobas, caça-o po espinhaço – perrrre! – derrubou-o logo!<br />

Derrubou-o logo, o diabo entorta outra vez direito ao poço. Ele, quando ele ia a entrar<br />

ao poço pra baixo – bumba! – uma fueirada(7)! Metade do gargalo do poço foi logo atrás dele lá<br />

para baixo!<br />

Bom, à noite quando chegou o Arrasa-Montanhas e mais o Arranca-Pinheiros ‘tava<br />

aquilo tudo aceso, tudo preparado.<br />

Eles chegaram à porta: _Ehhh! Ehh, Mama-na-Burra!<br />

Page 15<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 5


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra]<br />

[Mama-na-Burra:] _Ei! Vem cá pra dentro homem! Hoje ‘tá tudo preparado, não ‘tá…<br />

Tinha o gajo uma grande caldeirada de lebre e coelho, tudo prà ceia. Cearam todos.<br />

No outro dia diz-lhe o Mama-na-Burra assim: _Bom, vocês agora vão lá à aldeia das Brotas:<br />

compram cem metros de corda e um esquilão(9) e um cabanejo(10) – (desses cabanejos de<br />

duas asas) – vai lá buscar isso, que a gente tem que ir descobrir o que é que ‘tá lá dentro do<br />

poço!<br />

Bom, lá vieram com aquilo. E o Arrasa-Montanhas mais o Arranca-Pinheiros,<br />

coitadinhos, muito tristes…<br />

[Arrasa-Montanhas:] _Eh, pá! Ele agora deve de acabar c’ a gente! Ele agora deve de acabar<br />

c’a gente. Deve pregar c’a gente lá no fundo do poço e a gente nunca mais de lá sai!<br />

Bom, eles lá vieram com o cabanejo, c’os cem metros de corda e o esquilão.<br />

[Mama-na-Burra:] _Vá! Agora vai o Arranca-Pinheiros pra dentro do cabanejo. Leva o cajado<br />

(que é o troço do pinheiro) dentro do cabanejo e quando te vires muito aflito tocas o esquilão,<br />

que é prà gente te puxar pra cima.<br />

Bom, lá foi. Deitavam corda, deita a corda pra baixo, o Arranca-Pinheiros, o Arranca-<br />

-Pinheiros, coitado, assim que chegou a um certo sítio – aquilo era já um escuro, que na’ se via<br />

nada – e tocou o esquilão: tlinca, tlinca, tlinca! Eles puxaram-no pra cima.<br />

Diz-lhe o Mama-na-Burra: _Atão? O que é que viste(s)?<br />

[Arranca-Pinheiros:] _ Ah! Na’ vi nada! Só escuro!<br />

[Mama-na-Burra:] _Atão vá! Agora vai o Arrasa-Montanhas.<br />

Lá o Arrasa-Montanhas pra dentro do cabanejo e a enxada (que era a ferramenta, era<br />

a defesa dele) e vai pra baixo. Deitaram-no um bocadito mais pra baixo…ele (…) à corda,<br />

assim que chegou lá a um certo sítio (o Mama na, o Arranca) o Arrasa Montanhas – talinca,<br />

talinca, talinca! – vem pra cima.<br />

Diz-lhe o Mama-na-Burra: _Atão? O que é que viste(s)?<br />

Page 16<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 6


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra]<br />

[Arrasa-Montanhas:] _ Eh pá! Escuro e mosquitos! Mai’ nada! Na’ se vê nada! É só escuro e<br />

mosquitos!<br />

[Mama-na-Burra:] _Bom, atão agora vou eu!<br />

Foi o Mama-na-Burra meter-se dentro do, do cabanejo e o cachaporro(11) de vinte<br />

arrobas pra dentro do cabanejo. E eles era deita a corda pra baixo, deita a corda pra baixo,<br />

deita a corda pra baixo… Até que chegou a um certo sítio assentou o cabanejo no chão.<br />

Assentou o cabanejo no chão, ‘tava assim uma casa e tinha três portas. E atão o<br />

Mama-na-Burra foi e encostou-se a uma porta. A porta abriu-se: ‘tava lá uma gaja encantada<br />

presa lá, que era, era coisas que o diabo lá tinha! Era um encanto que o diabo lá tinha dentro<br />

da casa. (Lá cada, cada casinha tinha uma!)<br />

E atão ela assim que ele abriu-lhe a porta, diz-lhe ela assim:<br />

[Encantada 1:] _Ai! Vai-te daqui embora! Vai-te daqui embora senão, se vem o meu divino<br />

mestre… Se vem o meu divino mestre – ele mata-te! Dá cabo de ti!<br />

[Mama-na-Burra:] _Não faz mal! Eu na’ tenho medo dele! Eu na’ tenho medo dele! Deixa-o!<br />

Queres sair daqui pra fora tu?<br />

[Encantada 1:] _Ah! Se tu me tirasses!<br />

Olha, meteu-a dentro do cabanejo, tocou o esquilão. Os outros cá em cima puxaram…<br />

Saiu de lá uma gaja toda fadista(12)!<br />

Bom, e dizem-lhe eles: _Atão ainda lá ficou mais alguma?<br />

[Mama-na-Burra:] _Ainda lá ‘tá mais outra. – (Elas ‘tavam lá três, mas não sabiam umas das<br />

outras!) – Ainda lá ficou mais outra!<br />

Vai o cabanejo pra baixo, pra baixo, pra baixo… Chegou lá (meteu) ele abriu outra<br />

porta: lá estava outra encantada também. E diz pò:<br />

[Encantada 2:] _Ai! Foge daqui que o meu divino mestre, se ele aí vem: ele mata-te!<br />

[Mama-na-Burra:] _ Na’ mata que eu não tenho medo dele! Na’ tenho medo dele! Deixa-o! Tu<br />

queres sair daqui pra fora?<br />

Page 17<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 7


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra]<br />

[Encantada 2:] _Ah! Se tu me tirasses!<br />

Vá! Pra dentro do cabanejo, tocou o esquilão – vá pra cima.<br />

Os outros: _Eh! Outra ainda mais bonita que aquela! – Bom – ainda lá ficou mais alguma?<br />

[Encantada 2:] _Ainda lá está outra.<br />

[Outros:] _Atão vá! O cabanejo pra baixo!<br />

Vai pra baixo, vai pra baixo e atão vá ele abriu a última porta. E diz-lhe ela assim:<br />

[Encantada 3:] _Ai! Tu some-te daqui! Olha que se o meu divino aí aparece! Na’ tens…Na’ tens<br />

restauração, que ele dá cabo de ti!<br />

[Mama-na-Burra:] _Eu na’ tenho medo dele! Na’ tenhas medo que ele na’ me… na’ entra<br />

comigo! Bom, então e queres sair daqui pra fora?<br />

[Encantada 3:] _ Quero! – E atão… Ela quando abalou e disse-lhe: _Olha, ‘tá aqui (‘tavam duas<br />

espadas:’tava uma espada ferrugenta, que era de aço, e ‘tava uma muito clarinha que era de<br />

vidro) e ela quando abalou disse-lhe: _Se ele vier e que tu tenhas que lutar com ele agarra-te a<br />

esta espada ferrugenta que é de aço, não se parte! Olha que a clarinha é de vidro – parte-se<br />

logo!<br />

alguma?<br />

Bom, tirou-a pra fora e diz-lhe o Arrasa-Montanhas assim: _Atão?! Ainda lá ficou mais<br />

[Encantada 3:] _Não. Já lá não está mais nenhuma. Agora temos é de o tirar pra fora a ele (ao<br />

Mama-na-Burra).<br />

Os gajos [deitaram a] corda pra baixo, corda pra baixo, mas o Mama-na-Burra – muita<br />

esperto – e chegou lá, no lugar de se meter a ele dentro do cabanejo, (‘tava lá uma pedra<br />

grande que ele tinha derrubado do gargalo do poço lá pra baixo) meteu a pedra dentro do<br />

cabanejo e tocou o esquilão! Tocou o esquilão e desviou-se ali pa’ um canto!<br />

Os gajos, quando já vinham p’aí ao meio com aquilo, pensaram: _ a gente agora larga a corda<br />

e ele cai lá em baixo e morre! E a gente safa-se com elas as três.<br />

Page 18<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 8


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra]<br />

Bom, assim foi: o gajo meteu a pedra dentro do cabanejo e tocou o esquilão. Assim<br />

que eles chegaram cá a um certo sítio –vrummm… truz! – lá em baixo! Mas era a pedra que ele<br />

lá tinha metido! Quer dizer que meteu a pedra e atão ficou lá em baixo. E eles safaram-se c’as<br />

três!<br />

Ora pá! Quando foi daqui a nada começa ele a ver um novelo de pó! Assim no feitio de<br />

um pujinho… Aquele novelo de pó!<br />

Diz o Mama-na-Burra assim: _ Óh! Lá vem o bicho! – E atão agarrou-se logo à espada<br />

ferrugenta. Agarrou-se à espada ferrugenta: chegou o diabo!<br />

[Diabo:] _Eh pá! O que é que tu ‘tás aqui a fazer?!<br />

[Mama-na-Burra:] _’Tou aqui… Temos que lutar aqui um com o outro!<br />

Diz-lhe o diabo assim: _ Ó pá! Pega lá esta espada que é clarinha, corta bem e essa é<br />

ferrugenta na’ corta nada!<br />

[Mama-na-Burra:] _Não! Fica lá tu com essa clarinha que eu fico com esta!<br />

Bom…Ah! Quando foi daqui a nada… Vai de espaldeirada(13) um com o outro –<br />

pumba pr’aqui; tumba pr’ali; tumba pra um lado; tumba prò outro…<br />

Ora o Mama-na-Burra apanha a espada do diabo – trelimtintintim!– partiu-se logo tudo!<br />

O diabo ficou logo sem…ficou desarmado! O Mama-na-Burra aventa-lhe uma espaldeirada,<br />

apanha-lhe uma orelha: levou-lhe logo a orelha rente! Levou-lhe a orelha rente pò chão. O<br />

Mama-na-Burra apanhou a orelha, meteu-a no bolso.<br />

O diabo começou a estar de roda dele: _É pá! Dá-me a ‘nha orelha! Dá-me a ‘nha orelha!<br />

[Mama-na-Burra:] _Dou-te a tua orelha! Hás-de me tirar daqui pra fora!<br />

[Diabo:] _’Tá bem! Eu tiro-te daqui pra fora! Mas é com uma condição! Indo eu muito cansado<br />

tu dizes: _ Jesus, credo! – (O diabo não queria nada com Jesus!) – E eu indo muito cansado<br />

dizes: _Jesus! Credo! – O Diabo pregava um estouro e aventava com ele fora e…ãh!<br />

Page 19<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 9


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra]<br />

E atão vá po poço acima. O diabo com ele, com o Mama-na-Burra às costas (ele era<br />

mui’ valente!), po poço acima… O diabo começou a ir cansaço.<br />

Dizia-lhe: _ Vá! Vá Mama-na-Burra! Vá, diz aquilo que eu te disse!<br />

E o Mama-na-Burra dizia-lhe: _ Arre diaaaboooo!<br />

E o diabo: _Ai! Já na’ posso mais! Já na’ posso mais!<br />

[Mama-na-Burra:] _Arre diaaaaboooo!<br />

Até que chegou lá acima. Assim que chegou lá acima, tirou-o pra fora do poço. E diz-<br />

-lhe o diabo assim:<br />

[Diabo:] _ Eh pá! Dá-me a ‘inha orelha!<br />

[Mama-na-Burra:] _Dou-te a tua orelha, mas hás-de me ir prantar ao pé de onde elas estão<br />

mais eles!<br />

Bom, o diabo diz-lhe assim: _ Tá bem! Pronto! ’Tá bem.<br />

Ó pá! Ele amonta-se no diabo – o diabo prega um estouro – ficou logo ao pé deles!<br />

Fico logo ao pé das três, das três gajas e dos… do Arranca-Pinheiros e do Arrasa-Montanhas.<br />

E diz o diabo assim: _ Vá! Dá-me a ‘nha orelha!<br />

O Mama-na-Burra meteu a mão ao bolso puxou da orelha. Deu-a ao diabo.<br />

O diabo pregou um estouro. Desapareceu que nunca mais ninguém o viu!<br />

E ele foi-se aos outros dois: matou os dois e ficou ele com as três!<br />

Ainda a semana passada me escreveram uma carta que se eu quisesse lá ir ter um<br />

jantar mais o Mama-na-Burra, pra lá ir ter o jantar mais ele! Eu é que lhe disse: _Não, não! Na’<br />

quero! Que já estou muito velho pra andar com viagens!<br />

Pronto, ‘tá o conto acabado!»<br />

Page 20<br />

José Manuel, 87 anos, Brotas, (conc. Mora), Junho 2007.<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Glossário:<br />

Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra]<br />

(1) Maltezão: no caso um homem muito forte e que não pára em casa.<br />

(2) Cabeço: o ponto arredondado e mais alto de um monte.<br />

(3) Arrobas: antiga medida de peso, de 32 arráteis ou um quarto de quintal, arredondada actualmente para 15<br />

quilogramas.<br />

(4) Monte: Sede de herdade, na província do Alentejo, formada por vários edifícios em torno de um pátio; designação<br />

por vezes atribuída à própria herdade.<br />

(5) Aventa uma chaporrada: atira uma pancada com o cajado.<br />

(6) Prantou: pôs-se.<br />

(7) Grifar: apanhar.<br />

(8 Fueirada: pancada (dada normalmente com o fueiro – cada um dos paus que se erguem dos lados do carro de bois<br />

e que servem para amparar a carga que vai dentro).<br />

(9) Esquilão: chocalho.<br />

(10) Cabanejo: cesto alto e largo feito de vimes, com duas asas, no caso.<br />

(11) Cachaporro: cacete, moca, porrete.<br />

(12) Fadista: bonita.<br />

(13) Espaldeirada: dar golpes com espada.<br />

Page 21<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


→ Classificação do Conto:<br />

Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra]<br />

[O mama na burra]<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: AT 301 B O<br />

Homem Forte e os seus Companheiros.<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.<br />

→ Assunto: Uma criança alimentada a leite de burra torna-se num homem forte e destemido<br />

que vai correr mundo. No caminho encontra homens de força invulgar, princesas encantadas e<br />

até o próprio diabo. A sua esperteza e coragem valer-lhe-ão uma recompensa final pelas lutas<br />

e traições sofridas.<br />

→ Palavras-chave: alentejo, aço, arranca, arrasa, arroba, bicho, bolso, brotas, burra, caça,<br />

cabanejo, cajado, caldeirada, carta, casa, ceia, comer, corda, credo, encantada, esquilão,<br />

espada, diabo, enxada, escuro, estouro, evora, ferido, ferro, ferrugenta, gargalo, jantar, jesus,<br />

leite, luz, mamar, matar, medo, mestre, mora, montanhas, monte, mosquito, mundo, noite,<br />

orelha, pedra, pomada, pinheiro, pó, poço, porta, pulo, sova, tarde, trave, tronco/troço, untar,<br />

valente, vidro<br />

Região: Alto Alentejo<br />

Distrito: Évora<br />

Concelho: Mora<br />

Localidade: Brotas<br />

Contador: José Manuel<br />

Idade: 87 anos<br />

Residência: Brotas<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: José Barbieri<br />

Data de Recolha: Junho 2007<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Outubro 2007<br />

Duração vídeo: 19:55 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 17.167<br />

Page 22<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra]<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 23<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [Perdizes para o almoço]<br />

[Perdizes para o almoço]<br />

«Agora vou contar a da… a das perdizes.<br />

Era no tempo que se caçava todos os dias e que havia muita caça. Agora não há nada,<br />

só caçadores! E atão v[ão] dois compadres e um era caçador e o outro não era. (E depois<br />

matou) o compadre que era caçador matou duas perdizes. (As minhas são todas assim: destas<br />

é que eu gosto!).<br />

E atão vai e diz assim: _ Olha compadre, ontem matei duas perdizes.<br />

Diz ele: _ Ehh compadre! Eu gosto tanto de perdiz! Hei-de ter uma…<br />

[Caçador:] _Gostas?<br />

[Compadre:] _Gosto. Gosto muito de perdiz. Até tenho pena de não ser caçador.<br />

Diz o compadre: _ Bem, matei duas.<br />

Chega lá a casa e diz pa’ mulher: _ O nosso compadre… ‘Tive-lhe a dizer que matei duas<br />

perdizes. E ele disse-me: “_ Ai! Gosto tanto de perdiz!”. Ó mulher se calhar vou convidar o<br />

nosso compadre a vir comer uma perdiz mais a gente! Atão fazes aí… Resquintas(1) aí as<br />

duas perdizinhas à moda da casa como tu sabes e eu vou convidar o nosso compadre pra ele<br />

cá vir comer mais a gente – almoçar mais a gente.<br />

[Mulher:] _Atão vá!<br />

[Caçador:] _E vou dar outra volta.<br />

[Mulher:] _Atão não lhe disseste logo pra vir?<br />

[Caçador:] _Não. Eu na’ sabia se tu querias fazer isso. Atão vá: eu vou dar outra voltita<br />

amanhã (e passo) à caça e vou e passo por lá – vou ver se mato mais uma peçazita – e passo<br />

por lá e convido o nosso compadre. Fazes cá as perdizes, que ó’pois vimos almoçar.<br />

E atão assim foi. Ela ficou cá a fazer as perdizes.<br />

Page 24<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [Perdizes para o almoço]<br />

Mas atão ela tinha lá uma vizinha muito gulosa… Deu-lhe o cheiro (porta com porta)<br />

veio-lhe o cheiro, disse assim:<br />

[Vizinha:] _ É vizinha, o que é que está a fazer? Ah, cheira-me tão bem! Ehhh! Que cheiro tão<br />

bom! Ai, que bem que me cheira!<br />

[Mulher:] _Olhe melhor há-de saber a quem as há-de comer! ‘Tou a fazer aqui duas perdizes<br />

(já tinha a mesa posta e tudo), ‘tou a resquentar aqui duas perdizinhas que o meu marido<br />

convidou o compadre para vir cá almoçar mais a gente, que ele gosta muito de perdiz.<br />

[Vizinha:] _Ai, vizinha! Desculpe! Mas deixe-me provar um bocadinho! Ah! Cheira tão bem! Ó<br />

vizinha deixa-me provar um bocadinho!<br />

[Mulher:] _Na’ senhora! Isto é pa’ gente almoçar mais o meu compadre. Se fosse sozinhos até<br />

deixava.<br />

[Vizinha:] _Ai, vizinha! Mas eu tenho que provar!<br />

[Mulher:] _Ora! Eu na’ quero as perdizes defeituosas vizinha! Que é para vir o meu compadre<br />

almoçar…<br />

O que é que ela faz? Arranca logo uma perna à perdiz: toca a comer!<br />

[Mulher:] _Ai, Jesus me valha! Atão agora já tenho a perdiz defeituosa! Atão o que é que eu<br />

ponho na mesa?!<br />

[Vizinha:] _Ah, vizinha! Coma também! Se não vê-a ir! Coma… se não vê-a ir! – Vá de comer<br />

bocados! – Ah! Sabe tão bem!<br />

Disse a mulherzinha assim: _ Se calhar sempre tenho que comer… Senão vejo-a ir! – como ela<br />

dizia!<br />

[Vizinha:] _Ah, vizinha sabe tão bem! Coma, vizinha! Na’ faça cerimónia! – Toca a comer.<br />

[Mulher:] _ Atão e agora o que é que eu hei-de…<br />

[Vizinha:] _ Ora vizinha o que é que tem… a gente agora vai comer a outra! – Toca, começa a<br />

comer a outra! Eram duas, era uma coisa a cada uma! Vai, começam a comer a outra!<br />

Page 25<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [Perdizes para o almoço]<br />

Diz: _Ai, Nossa Senhora! Atão agora tenho a mesa posta, na’ tenho nada pò almoço! O que é<br />

que digo ao meu marido? Que o meu compadre vem cá almoçar…<br />

[Vizinha:] _Ora vizinha! Na’ se rale que eu venho cá pregar uma mentirinha! Quando eles<br />

chegarem venho cá pregar uma mentirinha!<br />

[Mulher:] _Mentirinha?!<br />

A mulher assim que viu… Viu o compadre e o marido: _ Ai, vizinha! – (Deitaram-se à perdiz as<br />

duas, comeram-na logo num instante! Aquilo sabia tão bem!). E atão acontece que assim que<br />

os viu vir, chamou a vizinha: _ Ah! Vizinha! Venha cá pregar a mentirinha, que já lá vem o me’<br />

compadre e o me’ marido pa’ não almoçar! Ai, Jesus me valha!<br />

Diz ela assim: _ Eu, vizinha?! Ir pregar uma mentira à casa de uma vizinha! Quando eu prego<br />

mentiras que seja na minha! – Nunca lá quis ir! Nunca lá quis ir.<br />

A mulher agarrou-se à cabeça disse: _Ai, Nossa Senhora! Agora o que é que eu faço?! Ai,<br />

Jesus! Vou pôr ali o alguidar no quintal… – entrou pa’ porta do quintal (a porta saía), tinha uma<br />

porta pò quintal – vou ali pôr um alguidar e as facas e hei-de estudar a mentira pra quando o<br />

meu marido chegar… O compadre já além vem…<br />

Vá, assim que eles chegaram… ah, daqui e d’ além! Mesa posta ãh! E o cheirinho das<br />

perdizes ainda lá estava, mas as perdizes… viste-las! Já tinham…Já se haviam sumido! E atão<br />

acontece que a mulher é que teve de estudar a mentira.<br />

Disse assim: _Olhe compadre assente-se! Faça favor, a casa é toda sua! Assente-se! Anda cá<br />

marido, vamos lá ali ao quintal. – Chamou o marido.<br />

[Caçador:] _Atão, o que é que queres?!<br />

[Mulher:] _ Ó homem! Vem lá ali amolar as facas. É uma vergonha… não temos uma faca que<br />

corte! Não há uma faca que seja capaz de cortar bem! – (E diz assim) ele foi lá pò quintal.<br />

O compadre, coitadinho, ficou ali a olhar para as paredes e pa’ mesa, mas as perdizes não as<br />

via e diz assim: _Atão, o compadre ‘tá a fazer o quê?<br />

Page 26<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Transcrições / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [Perdizes para o almoço]<br />

[Mulher:] _ Ai, compadre! Nossa Senhora! Vossemecê fuja! O compadre ‘tá a amolar as facas e<br />

diz que é para lhe cortar uma orelha! É para lhe cortar as orelhas!<br />

[Compadre:] _Ai! Nossa Senhora! Mas atão o que é que deu no compadre?!<br />

[Mulher:] _Olhe! ‘Tá a amolar as facas que é para lhe cortar as orelhas!<br />

[Compadre:] _O compadre?!<br />

[Mulher:] _ Fuja enquanto é tempo, antes que aconteça o desastre!<br />

Vai a fugir…Olhe foi dizer ó… ao marido: _ Olha marido, o nosso compadre já fugiu com as<br />

perdizes! – Ela é que ‘teve de estudar a mentira! – Fugiu c’as perdizes!<br />

Vai o homem, larga as facas e vai a correr. [Chama:] _ Ó compadre! Dá cá nem que seja só<br />

uma!<br />

[Compadre:] _Qual uma, nem duas! Quem quiser orelhas corte as suas! – E o homem fugiu,<br />

fugiu…<br />

[Caçador:] _Ó compadre, por amor de Deus, dê me cá homem! Dá-me nem que seja só uma!<br />

[Compadre:] _Qual uma, nem duas! Quem quiser orelhas corte as suas!<br />

(…) Nunca ninguém mais o apanhou e coitadinho… O compadre ficou sem, sem perdizes… E<br />

elas comeram-nas!<br />

agrado!»<br />

Glossário:<br />

E bendito louvado, o meu continho está acabado e desculpem se na’ é do vosso<br />

(1) Resquintas: cozinhas.<br />

Page 27<br />

Luísa de Jesus, 76 anos, Amieiras (conc. Mora), Junho 2007.<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 4


Transcrições / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [Perdizes para o almoço]<br />

[Almoço de perdizes]<br />

→ Classificação do Conto:<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 1741 Os<br />

Convidados do Padre e as Galinhas (*Perdizes) Comidas<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.<br />

→ Assunto: Um caçador convida um compadre para um almoço de perdizes, mas a sua<br />

esposa e uma vizinha adiantam-se e comem-nas…Uma desculpa tem que ser inventada para o<br />

sucedido…<br />

→ Palavras-chave: alentejo, alguidar, almoçar, amieiras, amolar, caçador, compadre, cortar,<br />

évora, facas, gulosa, matar, mentira, mora, orelhas, perdiz, perna, provar, quintal, vizinha.<br />

Região: Alto Alentejo<br />

Distrito: Évora<br />

Concelho: Mora<br />

Localidade: Amieiras<br />

Contador: Luísa de Jesus<br />

Idade: 76 anos<br />

Residência: Amieiras<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: José Barbieri<br />

Data de Recolha: Junho 2007<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Novembro 2007<br />

Duração vídeo: 5:36 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 6:041<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 28<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 5


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O Jogador]<br />

[O Jogador]<br />

«Era um senhor (antigamente, agora ainda se joga às cartas, mas antigamente era<br />

mais) e atão ‘tavam a jogar às cartas. E o senhor jogava e tornava a jogar e ganhava e tornava<br />

a jogar e ganhava. E atão um certo dia, como ele ganhava sempre aos camaradas de lá<br />

[disse:]<br />

[Jogador:] _ Eh! Eu jogava aqui nem que fosse com o diabo!<br />

Ele deu aquela palavra e ele realmente apareceu. Ele batia a carta e o outro<br />

apanhava, ele batia a carta… Quer dizer ganhou [o diabo]. E atão ele disse:<br />

[Diabo:] _ Eu agora…Quem… Vamos jogar. Quem ganhar é que fica a mandar!<br />

E assim foi. O outro jogador, coitadito, cansou-se, mas já não conseguiu fazer nada.<br />

Como não conseguiu fazer nada o diabo ganhou.<br />

[Diabo:] _Tal dia (terminou-lhe dia), tal dia vais ter comigo à terra da Branca Flor.<br />

Ora mas o outro (prof…,) o outro jogador que na’ sabia onde é que era a terra da<br />

Branca Flor. E atão o pobre do outro jogador a partir daí andava sempre muito triste. A mãe<br />

via-o muito triste, ele muito triste, muito triste, muito triste mas, quando chegou aquele dia, ele<br />

teve que partir e abalou!<br />

Abalou, foi andando, andou uma data de léguas. Quando lá chega adiante (na’ sabia<br />

pa’ onde é que havia de ir nem nada!) e andava um senhor a guardar lobos. E ele chegou os<br />

lobos acorreram logo…<br />

[Guardador de lobos:] _ Eh! Eh! Na’ façam mal ao senhor!<br />

Procurou [a terra:] _ Atão o senhor não me sabe dizer aqui onde é a terra da Branca Flor?<br />

[Guardador de lobos:] _ Não. Eu não sei! Olhe, mas vá pra diante, aí mais adiante anda aí um<br />

compadre meu a guardar águias.<br />

E ele abalou, por aí fora. Lá muito adiante, muito mais uns quilómetrozitos, andava o<br />

senhor das águias. O senhor chegou lá, procurou o outro:<br />

O jogador: _ Ai, o senhor na’ me indica aqui onde é que é a terra da Branca Flor?<br />

Page 29<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O Jogador]<br />

[Guardador de águias:] _ Ai, eu na’ sei onde é! Mas pode ser que as minhas águias saibam.<br />

[Águias:] _ Ai, eu também não! Eu também não.<br />

[Guardador de águias:] _Ai, mas espere aí! Falta-me uma águia velhinha, muito velhinha, ela<br />

na’ está aqui.<br />

E atão ele assobiou [assobio] e a águia veio.<br />

[Guardador de águias:] _ Olha, tu sabes onde é que é a terra da Branca Flor?<br />

[Águia velha:] _ Olha, vim de lá mesmo agora! Mas eu para ir lá tem de arranjar sete carneiros<br />

(porque cada vez que el[a] olhasse para trás ele tinha que lhe dar um quarto de carne para<br />

levar aquilo tudo – mas queria levar aquilo tudo).<br />

Bom e assim foram. Seguiram.<br />

Quando ele lá ia a chegar, já pertinho, a carne acabou. Ela olhou para trás e ele ia pa’<br />

cortar o braço e ela disse:<br />

[Águia velha:] _ Não. Eu vou-te lá pôr. Deixa-te estar, não faças mal ao braço. Mas agora<br />

chegas ali e andam três pombinhas(1) a banhar-se, ali no tanque, e tu vais tirar a roupa àquela<br />

que é a Branca Flor.<br />

E assim foi: ele chegou lá, elas ‘tavam-se a banhar, ele tirou-lhe a roupa. Tirou-lhe a<br />

roupa e escondeu-a.<br />

[A águia tinha-lhe dito:] _ E quando ela disser: _ Dê-me a minha roupa. Tem que me dar a<br />

minha roupa! Quem me der a minha roupa eu digo-lhe todas as desgraças! Tu corres e dás-lhe<br />

a roupa.<br />

[Branca Flor:] _ Olha, vai-te embora depressa! Que o meu pai ‘tá a acabar de almoçar pra ir à<br />

tua procura! (Pò matar!). E atão mas chegas lá, bates com toda a força…<br />

[O Jogador foi:] _ Truz, truz!<br />

[Diabo:] _ Quem é?<br />

[Jogador:] _ É o teu jogador!<br />

[Diabo:] _ Ãh? Já ia à tua procura pa’, pra’, pa’ te matar! (Já na’ foi preciso e então ele chegou<br />

[e disse-lhe:] _ Bom, hoje vais descansar. Já vieste de longe. Hoje descansas.<br />

Page 30<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O Jogador]<br />

Aquela tarde o outro jogador na’ fez nada. Descansou. No outro dia [o diabo] deu-lhe<br />

uma tarefa pra ele ir fazer. E atão a tarefa que ele lhe deu: tinha de ir fazer, plantar um vinha e<br />

à noite, ao jantar, queria ter vinho daquela vinha. E assim foi…<br />

E ele, o jogador, começou a chorar. Aparece logo a Branca Flor.<br />

[Branca Flor:] _ Atão o que é?<br />

[Jogador:] _ É o teu pai que quer isto assim, assim…<br />

[Branca Flor:] _ Na’ te preocupes. Deita a cabeça no meu colo. (Ele vinha de lá, deitava a<br />

cabeça aqui no colo.)<br />

o diabo:]<br />

Quando chegou à hora mais ou menos que ela via que era [altura do jogador ir ter com<br />

[Branca Flor:] _ Vá. Vai lá levar-lhe, mas disfarça bem. A assobiar!<br />

E ele lá abalou a assobiar. Foi levar o vinho.<br />

Ele disse: _Anda aí Branca…Anda aí Branca Flor!<br />

[Jogador:] _ Não anda mas, se andar Deus me leve!<br />

(Mas ele como anda mal com Deus não queria aquela palavra em casa.) E atão foi [e disse ao<br />

jogador:] _ ‘Tá bem!<br />

No outro dia deu-lhe outra tarefa a fazer: _ (Agora amanhã) agora hoje vais fazer o forno e eu à<br />

noite quero pãozinho mole no forno.<br />

(E ele vai de chorar outra vez): _ Agora como é que eu faço isto?!<br />

Apareceu-lhe a Branca Flor: _ Atão o que é?<br />

[Jogador:] _ O teu pai quer forno feito e pãozinho mole!<br />

[Branca Flor:] _ ‘Tá bem. Deita a cabeça no meu colo e dorme.<br />

E assim foi. Deitou a cabeça no colo deixou-se dormir. Quando el[a viu] mais ou menos<br />

que eram [horas disse-lhe:]<br />

[Branca Flor:] _ Vá. Vai lá levar o pão ao meu pai, mas disfarça: assobia.<br />

Page 31<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


E assim era.<br />

[Diabo:] _ Anda aí Branca Flor!<br />

Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O Jogador]<br />

[Jogador:] _ Não anda, mas se andar Deus me leve!<br />

[Diabo:] _ Olha que eu na’ quero essa palavra! (Disse sempre isso). Quando foi no outro dia<br />

disse-lhe: _ Olha, hoje vais fazer outra tarefa. (Dava-lhe sempre assim tarefas muito coisas a<br />

fazer). _ Vais buscar a água do sol. (É impossível a gente chegar ao pé do sol n’é?).<br />

E ele vá de chorar.<br />

[Branca Flor:] _Olha trazes-me um… Vais buscar um frasco, atas-me ao pescoço e vais buscar<br />

– vais à cocheira – trazes o “Pensamento”. (Que era um cavalo que se chamava<br />

“Pensamento”). E assim foi. _ E eu às tantas horas, se não aqui ‘tiver é porque eu já não vim!<br />

E ele coitado, triste, chegava àquela hora e perguntava:<br />

[Jogador:] _ Já aí vem? Não. Ele abanava… o cavalo abanava a cabeça que não. _ Já aí vem?<br />

– Não. Abanava a cabeça que não.<br />

Quer dizer ele lá esperou aquelas horas. Ao fim daquelas horas ela apareceu:<br />

[Jogador:] _ Já aí vem? Pronto ele começou a abanar [que sim].<br />

jogador:<br />

Ela vinha aquela… Bom, ela vinha muito preta, muito preta. E diz-lhe pra ele, para o<br />

[Branca Flor:] _ Lava-me lá com essa águinha. – Lavou(-lhe) com um bocadinho de água, ficou<br />

branquinha na mesma. _ Vá, vai lá levar isto ao meu pai.<br />

Foi.<br />

[Diabo:] _ Anda aí Branca Flor!<br />

[Jogador:] _ Não anda! Mas se andar, que Deus me leve! – (Era sempre a resposta dele prò<br />

[diabo], do jogador). Ele fez aquela.<br />

No outro dia outra tarefa, difícil também: _ Bom, hoje vais a… vais ao fundo do mar à barriga<br />

do rei dos peixes buscar uma molhada de chaves que lá está.<br />

Vá de chorar novamente ele. Aparece-lhe a Branca Flor.<br />

[Branca Flor:] _Atão o que é?<br />

Page 32<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 4


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O Jogador]<br />

[Jogador:] _ Tenho de ir ao fundo do mar buscar uma molhada de chaves que ‘tá na barriga do<br />

rei dos peixes.<br />

[Branca Flor:] _ Vai lá buscar o “Pensamento” e trazes um alguidar e trazes uma faca. E<br />

matas--me! E depois cortas-me e mandas pra dentro do mar.<br />

E ele assim fez. Mas que ele que deixou cair uma pinguinha pò chão (e o homem ainda<br />

agora chorava por causa daquilo). Perguntava ao “Pensamento”:<br />

[Jogador:] _ Já aí vem? Não. _ Já aí vem? Não. _ Já aí vem? Não. – Até que chegou à hora de<br />

el[a] chegar: já. Ele abanou a cabeça: sim.<br />

E atão ele disse pra ele [o diabo] no fim daquilo tudo: _ Fizeste as quatro tarefas – qual delas a<br />

mais díficil – agora dou-te uma filha das minhas pa’ casar[es] com ela. (Eram três). A que<br />

escolheres vais casar com ela – mas tens de escolhê-la pela fechadura da porta! (As outras<br />

duas eram diabinhas e aquela é que era santa.)<br />

fechadura].<br />

E ela [a Branca Flor] meteu o dedo que faltava a pintinha do sangue [no buraco da<br />

[Jogador:] _ Quero esta. (Escolheu aquela a que faltava a pintinha do sangue no dedo.) _<br />

Quero esta!<br />

Pronto, ele ficou logo a saber que a filha que o ajudou em todas as tarefas difíceis.<br />

E atão foi, casou com ela. Mas antes disso…Tiveram de abalar porque ele [diabo]<br />

preparou tudo, tudo pra, ainda pòs matar! E atão ela sabia aquelas todas (todas que o homem<br />

era santo…) sabia aquilo tudo e disse:<br />

[Branca Flor:] _ Olha, vais lá à cocheira trazes o “Pensamento” que é para a gente fugir. Mas<br />

arranjas um canudo d’água, um canudo de agulhas e um canudo de cinza. Arranjas esses três<br />

canudos.<br />

“Vento”.<br />

Page 33<br />

E assim foi. Mas ele foi à cocheira achou o “Pensamento” muito magrinho, trouxe o<br />

[Branca Flor:] _ Não, não! Tem de ser o “Pensamento”! Não, não! Tem de ser o “Pensamento”!<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 5


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O Jogador]<br />

Voltou. Foi buscar “o Pensamento”. (Porque o senhor pensa: atão e …. e o vento já é<br />

assim, pode ser rápido mas já não é tanto). E eles abalaram, foram-se embora. Mas ele foi<br />

atrás deles. Eles lá a certa altura viram-se atacados.<br />

[Branca Flor:] _Vá! Manda lá o canudo de água.<br />

Fez um grande ribeiro e aquele ribeiro ficou que eles [os perseguidores] já não<br />

puderam passar.<br />

Depois abalaram outros quilómetros, foram-se embora. Foram-se embora, chegaram já<br />

lá mais adiante, o que é que havia de ser? Vinham eles outra vez.<br />

[Branca Flor:] _ Manda lá o canudo das agulhas!<br />

Mandou o canudo das agulhas – fez-se ali um pinhal, muito fechadinho. [Os<br />

perseguidores] tiveram que parar. Voltaram para trás mas pensaram:<br />

[Perseguidores:] _ Bom a gente temos de ir ter com eles. – O que é que eles fazem? Vão outra<br />

vez atrás deles: _ Vamos atrás deles! A gente tem(os) de ir apanhá-los!<br />

E atão diz ela assim pra ele: _ Manda lá o canudo da cinza!<br />

E atão fez-se um nevoeiro muito fechado, muito fechado, muito fechado. Ali atão é que<br />

eles desistiram. Desistiram, já não foram mais atrás deles. Pronto, desistiram. E eles ficaram<br />

felizes e contentes para sempre.<br />

Deus seja louvado, o meu conto ‘tá acabado!»<br />

Glossário:<br />

(1) Pombinhas: mocinhas.<br />

Page 34<br />

Maria Bernardina, 68 anos, Mora (conc. Mora), Junho 2007.<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 6


→ Classificação do Conto:<br />

Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O Jogador]<br />

[O Jogador]<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: AT 313 A A<br />

Rapariga como Ajudante na Fuga do Herói.<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.<br />

→ Assunto: Um homem é vencido num jogo de cartas pelo diabo e para não ser morto tem<br />

que fazer quatro tarefas. Branca Flor, filha do diabo, ajuda-o na demanda e torna-se sua<br />

esposa.<br />

→ Palavras-chave: água, águia, agulha, alentejo, carne, carneiro, cartas, casamento, cavalo,<br />

chave, cinza, colo, diabo, evora, fechadura, forno, jogado, lobo, mar, mora, nevoeiro, pão,<br />

pinhal, roupa, ribeiro, sangue, sol, vinha, vinho<br />

Região: Alto Alentejo<br />

Distrito: Évora<br />

Concelho: Mora<br />

Localidade: Mora<br />

Contador: Maria Bernardina<br />

Idade: 68 anos<br />

Residência: Mora<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: José Barbieri<br />

Data de Recolha: Junho 2007<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Junho 2007<br />

Duração vídeo: 0:08:43 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 9.515<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 35<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 7


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [Soldados e estudantes]<br />

[Soldados e estudantes]<br />

«Que é o seguinte, por exemplo, o meu pai queria demonstrar que a vida prática é<br />

mais… é mais… é melhor do que a teoria, n’é? E depois juntando as duas coisas é o ideal,<br />

n’é? Mas então ele contava o seguinte:<br />

O rei foi fazer uma visita às tropas (isto mais ou menos em Lisboa) e a rainha foi fazer<br />

uma visita à universidade. E ao regressarem ao palácio, depois do jantar, puseram-se a<br />

conversar [sobre] o que é que tinham visto, o que é que não tinham visto. E a rainha vinha<br />

maravilhada! Diz a rainha:<br />

[Rainha:] _Ah! Venho encantada com os estudantes! Tu não queres saber os conhecimentos, o<br />

que eles sabem, o que eles…<br />

E diz o rei: _ Óh! Isso comparado com os meus soldados na’ é nada! Os meus soldados<br />

resolvem todos os problemas! São muito mais espertos que os teus estudantes.<br />

[Rainha:] _ Na’ digas! Atão eles… Parte deles nem ler sabem!<br />

[Rei:] _ Queres, queres tirar a prova? Vamos fazer uma aposta!<br />

[Rainha:] _ Vamos.<br />

[Rei:] _ Tu mandas vir o estudante mais inteligente que houver além na universidade e eu<br />

mando vir um soldado qualquer de cavalaria(1) 7. E tu vais ver!<br />

E assim foi. A rainha mandou o seu oficial às ordens ir lá à universidade dizer para o<br />

estudante [o reitor] mandar-lhe o estudante mais inteligente que ele lá tivesse. E assim foi.<br />

Mandou-lhe um que já ‘tava até a pensar em ser ministro – ministro nem que fosse da Defesa,<br />

n’é? De maneira que, de maneira que mandou-lhe um muito inteligente.<br />

E o rei disse assim lá ao oficial (deu [as] determinadas ordens):<br />

[Rei:] _ Tu vais daqui à cavalaria 7 e dizes ao, ao comandante que mande um soldado<br />

qualquer. Mande cá um soldado!<br />

Assim foi.<br />

Page 36<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [Soldados e estudantes]<br />

Bom, veio o estudante que o reitor pensou que era o mais inteligente. Mandou cá o<br />

estudante. E veio o soldado, que por sinal era condutoripo. (Vocês na’ sabem o que é<br />

condutoripo – antigamente, na tropa, não havia os carros de combate. Os carros eram puxados<br />

por cavalos e por moarja e os homens que guiavam esses animais eram chamados<br />

condutoripos. E quem ia para condutoripo eram sempre aquelas pessoas mais, mais, mais,<br />

mais rudes de compreender a, de aprender a instrução eram sempre... Condutoripos e<br />

cozinheiros. (Eu fui pa’ cozinheiro! Mas é que fui me’mo pa’ cozinheiro!). Os mais rudes iam<br />

sempre ou pa’ condutoripos ou pa’ cozinheiro[s]). De maneira que, assim, mandou-lhe um<br />

condutoripo (que por sinal era aqui do Alentejo).<br />

E então a rainha diz assim pò estudante:<br />

[Rainha:] _ Olha, toma lá estes vinte mil réis (nesse tempo era[m] réis(2), n’é?). Toma lá estes<br />

vinte mil réis e vais me comprar: dez mil réis de “nada” e dez m’é’réis(3) de “não nada”!<br />

O estudante ficou muito encavacado – não podia dizer que não à rainha. Lá recebeu<br />

vinte mil réis. Abalou pela cidade fora [e] perguntava em todo o lado:<br />

[Estudante1:] _ Vocês têm aqui “nada”?! “Nada”, têm?<br />

[Comerciante:] _ Isso é…‘Tás maluco ou quê?!<br />

[Estudante1:] _ Atão é uma encomenda que a rainha fez: quer que eu lhe compre dez m’é’ réis<br />

de “nada” e dez m’é’ réis de “não nada”…<br />

Corria tudo, não conseguia encontrar. Voltou para trás muito esmorecido disse:<br />

[Estudante1:] _ Sua alteza, sua real majestade desculpe, mas eu não consegui a encomenda<br />

que… na’ consegui! Não!<br />

[Rainha:] _ Bom, ficas aí nessa sala.<br />

Depois levou [a mesma quantia] ao soldado. A rainha disse:<br />

[Rainha:] _ Toma lá! Olha tu usa soldado… Toma lá estes vinte mil réis e vai-me tu comprar:<br />

dez m´’é’ réis “de nada” e dez m’é’ réis de “não nada”!<br />

Ele olhou assim [admirado] pa’ rainha e disse assim:<br />

[Soldado1:] _ Ai, queres gozo, heim?! Já te dou!<br />

Page 37<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [Soldados e estudantes]<br />

De maneira que arrancou de lá, veio-se embora. A primeira taberna que viu, logo ali na<br />

calçada da Ajuda, entrou. Mandou vir um copo, um macinho de tabaco, uma sandes…<br />

Estourou… Foi logo os vinte mil réis. E agora, comeu e bebeu, fumou uma cigarrada…<br />

Começou assim a pensar:<br />

[Soldado1:] _ Atão e agora? Como é que é qu’eu me vou desenrascar?<br />

E o que é que ele viu? Viu em cima da, da, duma das talhas do vinho, um bocado de<br />

cortiça. E diz assim para o taberneiro:<br />

[Soldado1:] _ Ó amigo! Você é capaz de me dar ali um bocado de cortiça? Aquele bocado de<br />

cortiça que ‘tá ali em cima da talha?<br />

Diz o [taberneiro:]<br />

[Taberneiro:] _ Atão pra quê que você quer isso?<br />

[Soldado1:] _ Ah! Preciso disso. Se você me desse, eu agradecia!<br />

[Taberneiro:] _ At’ão na’… Tome lá! Atão, não dou! Dou, à vontade, eu tenho aí mais. Tome lá.<br />

Deu-lhe um bocado de cortiça. Pronto, ia-se embora: meteu o bocado de cortiça no<br />

bolso e veio-se embora. Vinha andando, pensando… O que é que pensou (quando ele vinha já<br />

a chegar ao pé do palácio, vinha, vinha tão, tão pensativo que nem olhava para o chão –<br />

catrapuz – tropeçou numa pedra):<br />

[Soldado1:] _ Óh! És mesmo tu que vais! – Apanhou e meteu-a no bolso. Foi-se embora.<br />

[e] diz:<br />

Chegou ao palácio a rainha veio logo muito coisa (convencida que ele também falhado)<br />

[Rainha:] _ Atão? Conseguiste?<br />

[Soldado1:] _ Consegui. Mas preciso que me traga uma bacia grande, cheia de água.<br />

Lá se chegou para a cozinha, para as aias. Lá veio a aia com uma bacia grande cheia<br />

de água. Pegou na cortiça, pôs em cima da água e disse [olhando para a rainha:]<br />

[Soldado1:] _ Olhe… Nada! Nada!<br />

Pegou na pedra e a pedra foi ao fundo:<br />

[Soldado1:] _ Não nada! Não nada!<br />

Page 38<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [Soldados e estudantes]<br />

[Soldado1:] _ ‘Tá aviada(4)!<br />

A rainha ficou muita furiosa! Disse:<br />

[Rainha:] _ Ah! Este estudante era parvo, homem! Esse é que é o mais esperto? Vem um<br />

borra-botas destes consegue resolver, aquele não consegue!<br />

[Rei:] _ Atão mande vir outro!<br />

Mandaram vir outro estudante que fosse mais inteligente que aquele. E atão veio outro.<br />

E outro soldado, veio outro soldado (por acaso era de Trás-os-<br />

-Montes), veio.<br />

Diz a rainha: _ Toma lá estes vinte m’é’réis: vais-me comprar dez m’é’réis de “ais” e dez<br />

m’é’réis de “uis”! Dez mil réis de “uis”!<br />

O estudante ficou muito encavacado, sem saber [pensando:]<br />

[Estudante 2:] _ Onde é que eu vou comprar “ais” e “uis”?<br />

Bom, lá andou pa’ cidade fora perguntando em drogarias, em todo o lado – não<br />

encontrava os ais nem os uis em lado nenhum! Pronto, teve de voltar lá pa’ trás pò palácio, pò<br />

palácio. Vai aborrecido, lá diz:<br />

[Estudante 2:] _ Sua real majestade saberá, sua alteza, não, não consegui encontrar…<br />

Ninguém… Dizem que, dizem que sua alteza ‘tá, ‘tá a brincar comigo.<br />

[Rainha:] _ Não ‘tou a brincar…<br />

Chamou:<br />

[Rainha:] _ Anda cá tu, soldado!<br />

Lá veio o [soldado] 31. Ela lá lhe deu os vinte m’é’réis e disse:<br />

[Rainha:] _ Vais me arranjar dez m’é’réis de “ais” e dez mil réis de “uis”!<br />

Assim foi. O transmontano [disse:]<br />

[Soldado2:] _ “Shim shenhora”.<br />

Page 39<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 4


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [Soldados e estudantes]<br />

[Vai] por aí fora. O transmontano como na’ fumava, o que é que fez? Bebeu um copo<br />

na taberna, comeu uma sandes e comprou um postal pa’ mandar à namorada. E foi-se embora<br />

pa’ vida dele.<br />

Entretanto, foi-se embora, foi dar uma voltinha ao jardim a ver se via as sopeiras. (Sabe<br />

o que é uma sopeira? Na’ sabe. Atão eu explico o que é uma sopeira. No tempo, os namoros<br />

dos soldados era[m] com as criadas de servir. As criadas de servir chamavam-se sopeiras –<br />

usavam um avental branco e iam atrás das senhoras (uma senhora muito importante à frente e<br />

a desgraçada com a sesta atrás, com o avental branco) – era[m] chamada[s] a[s] sopeira[s].<br />

Normalmente os soldados namoravam – eu por acaso namorei uma…lá, em Évora, a senhora<br />

[a esposa] sabe, não vale a pena estar a esconder que ela sabe). De maneira que… Assim foi:<br />

‘tava a ver passar as sopeiras no jardim e a pensar:<br />

[Soldado2:] _ Como é que eu agora vou-me desenrascar? Desenrascar com esta brincadeira?!<br />

E atão olhou assim e viu assim um canteiro de rosas: _ Óh! [pensou]. Tinha uma<br />

navalhinha foi lá: colheu um bocado de rosas meteu no bolso; colheu outro bocado de rosas<br />

meteu no outro bolso. E lá veio embora a caminho do palácio. Chega lá, diz-lhe a rainha:<br />

[Rainha:] _ Atão? Conseguiste?!<br />

[Soldado2:] _ Consegui! Mas vossa real majestade, sua alteza, é que tem que tirar aqui do<br />

bolso.<br />

[Rainha:] _ Ai!<br />

[Rainha:] _ Ui!<br />

A rainha foi afeita a saber, a ver o que é. Meteu a mão, picou-se:<br />

Foi aqui do outro lado [meteu a mão no bolso do soldado e exclamou:]<br />

Dizia o outro: _ ‘Tá aviada!<br />

E assim acabou! Assim provou o rei, conseguiu provar à rainha (que os estudantes que<br />

eram mais espertos) que os soldados,que apesar de não saberem ler, que eram mais práticos,<br />

mais espertos que os estudantes que sabiam ler. Esta história contava o meu pai também.»<br />

Page 40<br />

António Caeiro, 73 anos, Vila Ruiva (conc. Cuba), Fevereiro 2006.<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 5


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [Soldados e estudantes]<br />

Glossário:<br />

(1) Cavalaria: corpo militar que antigamente se movia a cavalo mas hoje utiliza veículos blindados e<br />

motorizados.<br />

(2) Réis: plural de real (unidade nominal do antigo sistema monetário em Portugal e no Brasil, de valor<br />

variável, segundo as épocas).<br />

(3) M’é’réis: expressão oral de abreviatura de mil réis.<br />

(4) Aviada: servida.<br />

Page 41<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 6


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [Soldados e estudantes]<br />

→ Classificação do Conto:<br />

Conto realista (novelesco).<br />

[Soldados e estudantes]<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 860 Nozes de<br />

"Ai, Ai, Ai!<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.<br />

→ Assunto: O rei e a rainha fazem uma aposta: o rei diz que os seus soldados são mais<br />

inteligentes que os estudantes que a rainha visitou numa universidade… Qual deles vencerá a<br />

aposta?<br />

→ Palavras-chave: água, alentejo, cortiça, cuba, estudante, palácio, pedra, rainha, rei, rosa,<br />

soldado, taberna, vila ruiva<br />

Região: Baixo Alentejo<br />

Distrito: Beja<br />

Concelho: Cuba<br />

Localidade: Vila Ruiva<br />

Contador: António Caeiro<br />

Idade: 73 anos (30/12/1933)<br />

Residência: Vila Ruiva<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: Marta do Ó<br />

Data de Recolha: Fevereiro 2006<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Maio 2007<br />

Duração vídeo: 0: 08:13 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 8.669<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 42<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 7


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / O lobo guloso e a raposa mentirosa<br />

mentirosa.<br />

O lobo guloso e a raposa mentirosa<br />

«Era o lobo guloso e a raposa mentirosa – o lobo era muito guloso e a raposa muito<br />

Era na altura em que os animais falavam e cada um tinha o seu território. Havia um<br />

lobo muito guloso. E a raposa não era dali daqueles sítios, mas, dos lados onde ela vivia,<br />

extraviou-se e já não sabia por onde ‘tava e atão ficou ali naquele território.<br />

O lobo encontrou-a. Encontrou-a e disse-lhe:<br />

[Lobo:] _ Ah! O que é que fazes aqui, como a da Joana(1)?<br />

[Raposa:] _ Ai, agora vim da minha terra – esqueceu-me da estrada – agora na’ sei pra onde é<br />

que vá!<br />

[Lobo:] _ Olha, podes cá ficar. Eu agora tenho ‘tado doente de uma perna e, se tu quiseres, até<br />

me podes ir acareando(2) alguma coisa pra eu comer (o lobo era muita guloso, mas muito<br />

amigo de pouco trabalhar).<br />

[Raposa:] _ Ah, sim. Olha eu na’ tenho pra onde ir, fico cá. Eu posso ficar ali ao pé de ti,<br />

vivendo ali ao pé de ti.<br />

[Lobo:] _’Tá bem.<br />

No outro dia de manhã, a raposa levantou-se. (Ficou a dormir numa toca de uma<br />

oliveira – que as oliveiras eram muito velhas e tinham um tronco muito grande que ‘tava furado<br />

– e a raposa ficou por ali). No outro dia de manhã, levantou-se e olhou, olhou, sem conhecer<br />

estrada nenhuma.<br />

Quem havia de passar? O homem que vendia peixe pelos montes. Vendia o peixe num<br />

carro, um caixote de peixe. E ela disse:<br />

[Raposa:] _ Ah! Vem ali um homem com um carro! Vou-me fazer de morta! Ele pensa que eu<br />

que ‘tou morta – a minha pele é muito bonita! – e leva-me pa’ me tirar a pele.<br />

Assim que subiu pelo carro, na’ sabia o que o homem vendia…Um caixote de<br />

sardinhas, muito brancas… [viu] um caixote de sardinhas muito brancas. E disse ela:<br />

Page 43<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / O lobo guloso e a raposa mentirosa<br />

[Raposa] _Ahhh! Tenho já aqui…Tenho já aqui comida pra muito tempo… pra mim e pò lobo.<br />

O homem ia andando e cantando… O burro preso no carro… Lá ia ele prà aldeia (…)<br />

vender as sardinhas. E ela foi deitando as sardinhas, foi deitando, foi deitando, foi deitando<br />

[para o caminho]. Assim que acabou de deitar a última sardinha, muito solitária, saiu do carro<br />

do homem. (O homenzinho na’ deu notícia!(3)).<br />

no, no rio.<br />

Voltou pra trás, foi apanhando as sardinhas. Foi-se pôr no rio a lavar as sardinhas.<br />

Como ela se demorou muito, o lobo foi à procura dela. Foi à procura dela, encontrou-a<br />

[Lobo:] _ Atão? Que ‘tás aqui fazendo, como a de Joana?<br />

[Raposa:] _Olha, levantei-me cedo, fui pescar. Apanhei estes peixinhos.<br />

[Lobo:] _ Atão? Tens que me dar alguma coisinha.<br />

[Raposa:] _ Pois dou! Mas tu também tens que ir pescar! Na’ te podes agora deitar à, à<br />

preguiça sem fazeres nada. Tens também que fazer alguma coisa! Olha, e aquilo que eu<br />

souber fazer vou-te ensinado a fazer, pa’ tu, um dia quando eu vá pa’ minha terra, ficares<br />

sabendo o que é que hás-de poder fazer.<br />

[Lobo:] _Atão olha, como é que… Atão e como é que tu… olha e como é que tu achavas... e<br />

pá! [Olha para os peixes]. Este peixe ‘tão grande! (Era[m] sardinhas grandes, sardinhas mais<br />

pequeninas…).<br />

[Raposa:] _ Cada mergulhinho, cada peixinho; e cada mergulhão, cada peixão! (era[m] as<br />

sardinhas maiores).<br />

[Lobo:] _ ‘Tá bom…Atão e como é que a gente…<br />

[Raposa:] _Olha! Ato uma pedra ao pescoço e deito-me pò fundo do rio. E depois, lá no fundo<br />

‘tão os [peixes] grandes e cá mais acima estão os mais miudinhos.<br />

[Lobo:] _Põe-me aí uma pedra grande ao pescoço que eu… quero dessas, só quero dessas<br />

grandes!<br />

Ela atou uma pedra ao pescoço do lobo. O [lobo] pobrezinho, teve lá horas infinitas,<br />

quase morto, no fundo do pego(4). E não viu peixe nenhum, porque na’ havia lá nenhuns<br />

peixes! Enquanto isso aconteceu, ela fugiu! Fugiu.<br />

Page 44<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / O lobo guloso e a raposa mentirosa<br />

Ele lá se desempalhou da…Com as patas tirou a pedra. Lá saiu (com a coleira ao pescoço) [e<br />

pensou:]<br />

[Lobo:] _Atão, mas ela já não ‘tá por aqui! O que é que eu faço à minha vida?! Levou as<br />

sardinhas todas e fugiu!<br />

O lobo lá ficou um dia inteiro sem comer nada! Abesundado de um todo, de andar lá<br />

dentro da água, sem saber o que fazer à vida, ali ficou espojado.<br />

Passou uma porca. Uma porca com três porquinhos pequeninos atrás. Disse ele:<br />

[Lobo:] _ Olha porca na’ tenho outro remédio, tenho que comer os teus filhos.<br />

[Porca:] _ Ai! Compadre lobo era disso que eu vinha à procura! Que alguém os comesse… Pra<br />

mim ainda vou arranjando alguma coisa, agora eles na’ sabem fazer nada… O melhor é tu<br />

comê-los! Ai! Compadre lobo ‘pere aí! ‘Pera aí que eles ainda na’ ‘tão baptizados! Se tu vais<br />

comer os meus filhos sem ‘tarem baptizados é a tua desgraça! Morres instantaneamente e<br />

pronto… na’ vais… na’ tens salvação!<br />

[Lobo:] _ Atão, como é que a gente faz isso?<br />

[Porca:] _ Olha, espera aí. Eu agora passo para o outro lado do rio. (Vem aqui para este lado,<br />

olha que este lado é um bocadinho (de) fundo, podes cair aí pa’ dentro) tu é que tens que ser o<br />

padrinho (e podes cair aí pa’ dentro, na’ tens salvação nenhuma!) e atão olha, deixa lá que eu<br />

passo para aquele lado e tu vais… vou-te dando os meus filhos e tu vais dizendo: _ “Passa. Tu<br />

passarei que este baptizei eu” – e acabando de passar os três, come-los e pronto, acabou-se!<br />

Eu vou-me embora, volto as costas pra na’ ver, e tu come-los.<br />

[Lobo:] _ ‘Tá bem!<br />

O lobo pegava no porquinho [e dizia:] _ “Passa! Tu passarei que este baptizei eu.”<br />

Dava-o à porca para o outro lado. Passaram os três. Assim que [a porca] apanha os porcos do<br />

outro lado, deu-lhe uma trombada [e] ele [o lobo] – truz – pa’ dentro do pego outra vez.<br />

[Lobo:] _ Ai! Mas que faria eu de mal a deus! Quem me manda a mim ser padre, sem aprender<br />

o ofício! Agora aqui ‘tou dentro…<br />

Tirou-se ainda mais triste que o que foi, mais, mais avalhado(5). Mas passou-se para o<br />

outro lado. Passou-se para o outro lado, ‘tavam dois carneiros pastando. Dois carneiros. Disse<br />

[o mais novo:]<br />

Page 45<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / O lobo guloso e a raposa mentirosa<br />

[Carneiro 1:] _ Ai, que desgraça! Olha lá o lobo guloso! Aonde ele ‘tá! Agora é que a gente na’<br />

tem salvação!<br />

Diz o mais velho assim: _ Deixa-te lá de comer isso! Agora a gente faz que ‘tamos os dois<br />

zangados um com o outro… E só assim a gente pode resolver a situação.<br />

[1º. Carneiro:] _ Atão, mas como é que a gente faz isso?<br />

[2º. Carneiro:] _Olha, tu agora recuas três passos para trás e eu recuo outros três passos e<br />

depois vamos c’ a força toda e batemos c’ a cabeça, com a cabeça uma na outra. Faz um<br />

barulho muito grande, ele levanta-se e diz “o que é isto?”, vê a gente… E a gente assim safa-<br />

-se! Eu já… já te digo o resto.<br />

Os carneiros, cada um recuou para trás três passos, [e] foram – truz – os cornos uns<br />

nos outros e a cabeça fizeram um barulho tremendo. Levantou ele a cabeça [e disse:]<br />

[Lobo:] _ Atão e isso…?! É! Esperem lá aí! Esperam lá aí, que eu tenho que saber o que é que<br />

se passa! Atão que… Agora na’ tem solução... Eu hoje na’ comi nada, tenho mesmo que comer<br />

alguma coisa!<br />

E a zorra(6) no outro lado do rio vendo o que se passava, escondida detrás de uma<br />

piorreira – a zorra!<br />

[Lobo:] _Atão, mas o que é que vocês ‘tão, ‘tão zangados um com o outro?! … Vocês na’<br />

podem ‘tar zangados, que eu tenho que comer agora um e matar o outro para levar para a<br />

minha toca, porque, pronto, eu na’ tenho nada que comer e atão tenho que fazer isso.<br />

Disse [o 2º. Carneiro:] _ Olhe compadre logo você come a gente com certeza! Porque eu na’<br />

tenho gosto nenhum de viver nesta vida! Na’ tenho! Hei-de morrer: se você na’ me matar,<br />

mato-me eu! Acabou! Jogo-me ali pa’ dentro do rio e acabou-se! E então olhe, até me facilita a<br />

minha vida e eu fico satisfeito consigo!<br />

[Lobo:] _Atão diga lá!<br />

[2º. Carneiro:] _ Olhe, o meu pai comprou estas terras. Na’ ‘tá vendo estas terras aqui?<br />

[Lobo:] _ Sim senhor.<br />

[2º. Carneiro:] _ E o pai dele comprou aquelas ali. Agora ele diz que as terras que são dele!<br />

Quer as terras do meu pai e quer as terras dele! Mas como é que ele quer fazer isso?! E eu<br />

fico sem nada!<br />

Page 46<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 4


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / O lobo guloso e a raposa mentirosa<br />

[Lobo:] _ Ah! Isso é que na’ pode ser! Atão? Mas isto é tudo seu?<br />

[1º. Carneiro:] _É! Isto é tudo meu. Você pode vender, depois da nossa morte, pode vender!<br />

(Os animais falavam!)<br />

[Lobo:] _ Atão, como é que a gente faz isso?!<br />

[2º. Carneiro:] _ Venha cá. Venha cá que a gente resolve isso tudo num instante! Você…<br />

Olhe,estas são as minhas estremas(7), ponha-se lá aí. Prali é meu, pr’aqui é dele!<br />

[Lobo:] _Sim senhor.<br />

[2º. Carneiro:] _ Você fica aí no meio. Mas você agora vai optar por uma coisa: eu sou o<br />

primeiro a querer morrer (era o mais… grande, o mais gordo!) e ele depois, se quiser matar,<br />

mate! Comigo pode contar! Ele agora recue quatro passos pra trás e eu recuo outros quatro –<br />

o que chegar primeiro é que ganha a demanda!<br />

Os carneiros puseram-se os dois com a força toda: apanharam-no no meio, ele na’<br />

tinha comido nada, partiram-lhe as costelas todas! Caiu pra lá todo triste…<br />

A zorra [disse:] _ Bem feito! Bem feito! Quem te manda a ti ser marco de estradas sem<br />

aprenderes o ofício!<br />

[Lobo:] _ Ahhhhh! Que eram sintomas(8) tuas, já eu sabia!<br />

(Que eram sintoma da zorra, já ele sabia! Da raposa – nesse tempo chamava-se uma zorra).<br />

Bom, os carneiros abalaram. E ele ficou, ficou deitado. Ao fim de dois ou três dias<br />

levantou-se, levantou-se (e a zorra sempre vendo onde é que ele ia pra avisar as pessoas)<br />

levantou-se…<br />

Ali no monte de seguida, havia uma vaca com uma cria pequenina e ela disse assim:<br />

[Raposa:] _ Olhe, o lobo guloso anda aí! E você repare bem onde vai pôr a vaca. Na’ a ponha<br />

muito longe do monte(9) que ele anda morto com fome, que há uns poucos dias que na’ come.<br />

Desde que eu cá cheguei que ele nunca mais comeu! E ele come a cria da vaca!<br />

[Vaca:] _ Ah! A vaca na’ tem medo dele!<br />

Ele andava muito avarado, muito doentinho, sem comer nada. No outro dia, ao fim de<br />

três dias, três dias, levantou-se às ondas – com as costelas tudo partido.<br />

Page 47<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 5


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / O lobo guloso e a raposa mentirosa<br />

Assim que chegou lá [ao monte seguinte] ‘tava uma vaca (muito gorda) com a sua cria,<br />

também muito gorda. Disse:<br />

[Lobo:] _ Ó comadre vaca! Na’ tenho outro remédio, mas tenho que comer a tua cria!<br />

Disse [a vaca:] _ Ah, compadre lobo! Se tu me pudesses comer a mim primeiro! Porque eu<br />

ando sem gosto nenhum na vida. Aqui me põem de manhã até à noite, sem ninguém se chegar<br />

ao pé de mim. Sedes… passo sedes… ‘Tou do mais triste que há!<br />

[Lobo:] _ Ah na’ te entristeças, deixa lá! Eu agora como a tua cria e nos outros dias vou-te<br />

comendo a ti.<br />

[Vaca:] _Ahhhhh! Seja tudo por amor de deus!!! Ahhh, sim senhor! (…) Ah, compadre lobo,<br />

nunca houve uma alma de deus que me dissesse o que tu me ‘tás dizendo! (Ficou muito<br />

satisfeita a vaca com o lobo).<br />

[Vaca:] _ Olha, compadre lobo, escuta uma coisa que eu te vou dizer: na’ ‘tás vendo? Eu tenho<br />

aqui uma coisa, uma… uma corda. E ‘tá presa por uma estaca… A morte custa muito… Tu se<br />

começares a comer a minha filha e eu vendo…! Custa muito! E sabes o que tu fazes? Tu<br />

levantas ali a estaca, que ‘tá prendendo a minha corda, e põe-la no teu pescoço porque tu já<br />

me comes à vontade e eu… pra onde é que eu vou?! Pra lado nenhum! Na’ posso abalar<br />

daqui! E se ‘tou presa posso fazer coisas: dar-te uma patada, dar cabo de ti… Tu ‘tás assim<br />

adoentado e eu na’ quero fazer isso na hora da minha morte, na’ quero fazer nada mal feito!<br />

[Lobo:] _’Tá bem.<br />

Levantou a estaca – uma estaca de ferro, cabo da enxada no chão, com a corda<br />

enrolada – e atou [-a] [a]o pescoço dele.<br />

[Vaca:] _ Aperta isso bem! Aperta-a bem porque a morte custa muito…<br />

[Lobo:] _ ‘Tás a ver que ainda na’ morreste, na’ sabes…<br />

[Vaca:] _ Ah! Mas tenho passado por muita coisa!<br />

[Lobo:] _ ‘Tá bom.<br />

[Vaca:] _ E acabando diz: um, dois, três! ‘Tá bem?<br />

[Lobo:] _ ‘Tá bem.<br />

Page 48<br />

(E a zorra do outro lado vendo! Ela é que ia fazer os anúncios para os outros animais).<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 6


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / O lobo guloso e a raposa mentirosa<br />

coisas…<br />

Chegou… ele preparou-se todo muito bem [e disse:] _ Um! Dois! Três!<br />

A vaca abalou com ele, fugindo por aquelas pedras, por estevas(10), por aquelas<br />

A zorra dizia assim: _Segura-te bem, compadre lobo! Por essas estevinhas, por essas<br />

pedrinhas, por onde puderes… Olha, se a corda se na’ parte ou se o nó se na’ desata, vão os<br />

teus ossinhos parar, à casa do dono da vaca!<br />

Lá foi o lobo, só (…) que a vaca levou-o à rojo!»<br />

Glossário:<br />

Edvige Rafael, 68 anos, Baleizão (conc. Beja), Fevereiro 2006.<br />

(1) Como a de Joana: expressão similar a «é o da Joana» – é para todos; local sem disciplina e<br />

autoridade – no caso, o lobo ao usar esta expressão informa a raposa que aquele território não é um local<br />

“de todos” (como o de Joana) é dele.<br />

(2) Acareando: ajuntantando, adquirindo.<br />

(3) O homenzinho na’ deu notícia! – O homem não se apercebeu do feito da raposa.<br />

(4) Pego: sítio mais fundo do rio, onde não se tem pé.<br />

(5) Avalhado: vexado.<br />

(6) Zorra: no caso, a raposa manhosa e astuta.<br />

(7) Estremas: marco divisório de propriedades rústicas.<br />

(8) Sintomas: no caso, que eram artimanhas da raposa.<br />

(9) Monte: Sede de herdade, na província do Alentejo, formada por vários edifícios em torno de um pátio;<br />

designação por vezes atribuída à própria herdade.<br />

(10) Estevas: «planta arbustiva, da família das cistáceas (Cistus ladaniferus), muito abundante em<br />

Portugal.<br />

Page 49<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 7


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / O lobo guloso e a raposa mentirosa<br />

→ Classificação do Conto:<br />

Conto de animais.<br />

O lobo guloso e a raposa mentirosa<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 1 O Roubo<br />

dos Peixes + ATU 2 B O Cesto Atado à Cauda do Lobo + ATU 122 A O Lobo<br />

(Raposa) em Busca do Pequeno Almoço + ATU 122 K* O Lobo como Juiz + ATU 47A<br />

A Raposa Agarra-se à Cauda do Cavalo (*Vaca)<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.<br />

→ Assunto: Um lobo esfomeado é consecutivamente enganado por uma raposa manhosa e<br />

pelos animais que tenta comer.<br />

→ Palavras-chave: alentejo, animais, baleizão, baptismo, beja, cabeçada, carneiro, enganar,<br />

estrema, lobo, monte, porco, raposa, rio, sardinha, vaca<br />

Região: Baixo Alentejo<br />

Distrito: Beja<br />

Concelho: Beja<br />

Localidade: Baleizão<br />

Contador: Edvige Rafael<br />

Idade: 68 anos (8/9/1937)<br />

Residência: Baleizão<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: Marta do Ó<br />

Data de Recolha: Fevereiro 2006<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Maio 2007<br />

Duração vídeo: 0:12:34 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 12.742<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 50<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 8


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [O burro despertador].<br />

[O burro despertador]<br />

«Um, um homenzito andava de monte(1) em monte a pedir trabalho. E atão foi.<br />

Num monte aqui ao lado [disseram-lhe:] _ Eh! Não tenho trabalho!<br />

Até que chegou lá a um monte e diz-lhe:<br />

[Trabalhador:] _ Ó senhor! Atão não tem trabalho p’aí trabalho pa’ me dar?<br />

[Patrão:] _Olhe, até por acaso tenho! – Bom – por acaso tenho. Vamos lá a combinar. Olhe<br />

tenho aqui: é de comer e dorme aqui na cocheira aonde tenho o burro. Mas olhe que aí há uma<br />

coisa…É que eu cá na’ tenho relógio: o relógio é o me’ burro. Quando ele zurra é para ir pegar<br />

ao trabalho; ó’póis ele, quando for à hora do comer, ele zurra e vem comer. O relógio é o burro.<br />

[Trabalhador:] _Bom, ‘tá bem.<br />

O gajo ficou… Diz ele: _ Ora esta! O relógio?! O burro é que é o relógio?! Há de ser… Há-de<br />

ser boa!<br />

Bom, no outro dia quando foi às oito horas para irem [p]egar a trabalhar, o burro<br />

[zurrou:] – Ham! Ham! Ham!<br />

[Trabalhador:] _ É pá! ‘Tá me’mo certo! Ah, burro d’um filha da puta! Atão o burro ‘tá me’mo<br />

certo!<br />

comer e tal.<br />

Bom, lá andou trabalhando. Quando eram horas de comer o burro zurrava: vinham a<br />

No outro dia de manhã, quando foi às sete horas o burro [zurrou:] – Ham! Ham! Ham!<br />

[Trabalhador:] _É pá! Burro d’um filha da puta já adiantou uma hora hoje! Bom atão, mas vou<br />

começar a trabalhar. O burro já zurrou…Óh!<br />

muito bem.<br />

Lá andaram trabalhando. Quando eram horas de comer o burro zurrava, vinham – tudo<br />

No outro dia quando foi às seis horas o burro – ham! Ham! Ham!<br />

Page 51<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [O burro despertador].<br />

[Trabalhador:] _É burro daquele cabrão! Atão o burro já adiantou duas horas! ‘Tamos<br />

marimbados(2) c’o burro!<br />

Bom, no outro dia diz: _ Bom, hoje vou trabalhar. Arranjo lá um xipó, um cacete, trago-o aqui<br />

para o pé da cama, quando ele zurrar caio-me com ele – deixei cá de ser o bonito(3).<br />

Bom, no outro dia quando foi às cinco horas o burro – ham! Ham!<br />

[Trabalhador:] _Ai é?! Já adiantaste três horas! Atão espera lá!<br />

Puxa do cacete, começa a medir o burro… P’as orelhas, era pra cabeça, era por onde<br />

quer que o apanhava! E taruz! O burro era já coice, peido que até dava ali já todo maluco ali<br />

dentro!<br />

O patrão ‘tava lá deitado – os patrões nesse tempo dormia tudo nos montes – ‘tava<br />

deitado, ouve aquele banzé lá pò coiso e chega à porta, abriu a porta, andava o gajo – taruz!<br />

Taruz!<br />

[Patrão:] _É pá! O que é que você anda a fazer?!<br />

[Trabalhador:] _Ó patrão! Ando a acertar o relógio que isto ‘tá tudo descontrolado!<br />

Glossário:<br />

José Manuel, 87 anos, Brotas, (conc. Mora), Junho 2007.<br />

(1) Monte: Sede de herdade, na província do Alentejo, formada por vários edifícios em torno de um pátio; designação<br />

por vezes atribuída à própria herdade.<br />

(2) Estamos marimbados com: estamos bem arranjados com; estamos feitos com!<br />

(3) Deixei cá de ser o bonito: deixei de ser o tolerante, o bonzinho.<br />

(4) Começa a medir o burro: começa a bater no burro.<br />

Page 52<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [O burro despertador].<br />

→ Classificação do Conto:<br />

[O burro despertador]<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: Cf. ATU 1003 (var.)<br />

Lavrando a Terra.<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.<br />

→ Assunto: Um burro bem mandado determina o horário do dia de trabalho. Um homem vai<br />

tratar de acertar o “despertador” para um horário mais justo para os trabalhadores.<br />

→ Palavras-chave: acertar, alentejo, brotas, burro, cabeça, cacete, cocheira, coice, comer,<br />

descontrolado, dormir, évora, homem, horas, monte, mora, orelhas, patrão, peido, relógio,<br />

trabalhador, trabalho, zurra<br />

Região: Alto Alentejo<br />

Distrito: Évora<br />

Concelho: Mora<br />

Localidade: Brotas<br />

Contador: José Manuel<br />

Idade: 87 anos<br />

Residência: Brotas<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: José Barbieri<br />

Data de Recolha: Junh 2007<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Outubro 2007<br />

Duração vídeo: 3:09 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 2566<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 53<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Transcrições / Anedotas / Baixo Alentejo / Serpa / Três histórias, uma família.<br />

[A mãe ou burra?]<br />

«Era um pai que tinha sete, sete filhos. Seis filhos e uma filha. Um tinha dois anos;<br />

outro tinha quatro; outro tinha seis; outro tinha oito; outro tinha dez e outro tinha doze. E a filha<br />

tinha treze, treze anos – era a mais velha.<br />

E um dia quando acabaram de comer, diz o pai assim – viviam da… tinham uma<br />

burrinha e tinha uma bestinha pra lavrar e era muito asseadinha, e aquilo era já ali nos<br />

princípios de Maio –, e diz o pai:<br />

[Pai:] _ Bom, eu tenho um problema aí pa’ resolver (porque ele na’ se explicava muito bem, na’<br />

era muito bem entendido). Tenho um problema a resolver [e] quero que vocês saibam. Eu<br />

agora já só tenho mais uma amassadura(1) ou duas, ‘tá-se acabando a amassadura e eu<br />

tenho que vender (ou o burro) ou a burra ou a mãe. Tenho que vender ou a burra ou a mãe!<br />

E responde logo aquele mais velhinho que tinha doze anos:<br />

[Filho mais velho:] _ Venda a mãe!<br />

[Pai:] _ Atão agora vendo a mãe, fico com a burra! Atão?!<br />

[Filho mais velho:] _Sim senhora! Venda a mãe: na mãe é só você que se (a)monta e na burra<br />

montamos todos!»<br />

Glossário:<br />

Francisco Galamba, 84 anos, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro 2006.<br />

(1) Amassadura: Uma fornada, ou seja, a quantidade de pães que um forno coze de uma vez.<br />

Page 54<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições / Anedotas / Baixo Alentejo / Serpa / Três histórias, uma família.<br />

[Jantar de família]<br />

«Bom, aquilo foi passando. E depois, passado mais um ano ou dois – já a rapariga<br />

tinha quinze anos – arranjou pràli a namorar um rapaz qualquer. (E eles falavam todos muito<br />

mal e eu também tenho que dizer aqui uma palavra maldita, mas desculpe…) E atão a rapariga<br />

com o namorado lá combinaram e ele ficou de a ir a pedir(1) a um Domingo (e aquilo viviam<br />

num monte(2)) e atão o rapaz ia (a) pedi-la e jantava lá.<br />

E a mãe, como eles falavam mal, diz [aos filhos]:<br />

[Mãe:] _ Vocês, à noite, quando ‘tejam comendo, acautelem-se com a língua porque vem cá o<br />

namorado da mana. Vem cá pedi-la e atão a ver se s’aquietam. – Bom, lá todos bem<br />

avisadinhos.<br />

Ela, à noite, quando chegou a hora pôs a mesa. Foram(-se a) comer, o namorado da<br />

irmã também. Um daqueles [filhos] mais velhinhos com o outro, o mais novinho ‘tava ali ao<br />

lado, mete-lhe, o outro trava-lhe assim com o braço<br />

(naquele tempo não era cá cada um em seu prato, era tudo no mesmo prato e migavam sopas<br />

e vazavam e dali é que comia tudo) e depois de meter [a colher] travou além no braço do outro,<br />

deixou(-lhe) cair a sopa.<br />

Diz ele assim: _ Merda! Já me deixaste cair a sopa!<br />

Responde o pai além do outro lado: _ É verdade! Agora por falar em merda… Quem é que<br />

limpou o cu ao meu tio?<br />

Diz a mãe assim: _ Eu na’ fui! Que eu nunca caguei ontem à noite!»<br />

Glossário:<br />

Francisco Galamba, 84 anos, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro de 2006.<br />

(1) Ir pedir a rapariga: Ir pedir ao pai da rapariga autorização para a namorar ou com ela casar.<br />

(2) Monte: Sede de herdade, na província do Alentejo, formada por vários edifícios em torno de um pátio;<br />

designação por vezes atribuída à própria herdade.<br />

Page 55<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições / Anedotas / Baixo Alentejo / Serpa / Três histórias, uma família.<br />

[Questões de namoro]<br />

«Aquilo passou. (A)depois, passado um dia ou dois, o rapaz mais velhinho andava com<br />

as cabras (a irmã já namorava) e ele vai guardar as cabras. E andavam pràli lavrando, um<br />

moço novo, mas mais velho que ele e tal.<br />

[Moço:] _ Atão?<br />

[Irmão:] _ Atão?<br />

[Moço:] _ Atão, não…na’ meio de arranjares uma namorada? Tem além o teu vizinho… Tem<br />

além uma rapariga tão jeitosa, então e tu não…<br />

[Irmão:] _ Óh! Mas eu às vezes digo-lhe bom dia!<br />

[Moço:] _ Ó homem atão ma’ não… não… Pede-a homem! A’tão pede-a(1) homem!<br />

[Irmão:] _ Eu cá c’a minha e ela lá c’a dela! Tenho vergonha, na’ lhe digo nada!<br />

[Moço:] _ Atão e escuta lá, atão e houve baile?<br />

[Irmão:] _ Quem é qu’o tocou? – disse o irmão da tal rapariga. – Quem é qu’o tocou?<br />

[Moço:] _ Atão? E a tua irmã? Foi ao baile?<br />

[Irmão:] _ Ela diz qu’ ia. Ela diz qu’ ia.<br />

[Moço:] _ Atão e ela na’ lhe dá vergonha? Atão ouvi dizer que ela namorava com fulano.<br />

[Irmão:] _ Atão é verdade!<br />

[Moço:] _ Atão é o qu’ agarra!<br />

Glossário:<br />

Namorava era o qu’ agarra! E acabou-se aqui. Falavam bem!»<br />

(1) Pedir a rapariga: pedi-la em namoro.<br />

Page 56<br />

Francisco Galamba, 84 anos, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro 2006.<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Transcrições / Anedotas / Baixo Alentejo / Serpa / Três histórias, uma família.<br />

Três histórias, uma família: [A mãe ou burra]; [Jantar de família];<br />

[A mãe ou burra]<br />

[Questões de namoro];<br />

Palavras-chave de [A mãe ou a burra]: alentejo, amassadura, burro, família, ficalho,<br />

filha, filho, mãe, maio, pai, pão, serpa<br />

Caracteres (incluindo espaços): 1394<br />

[Jantar de família]<br />

Palavras-chave: alentejo, beja, cu, domingo, família, ficalho, jantar, merda, monte,<br />

namoro, serpa, sopa<br />

Caracteres (incluindo espaços): 1755<br />

[Questões de namoro]<br />

Palavras-chave: alentejo, baile, beja, cabra, namoro, pastor, serpa<br />

Caracteres (incluindo espaços): 1108<br />

Classificação das três histórias:<br />

Narrativas não classificáveis (apresentação por géneros).<br />

Anedotas.<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.<br />

Região: Baixo Alentejo<br />

Distrito: Beja<br />

Concelho: Serpa<br />

Localidade: Ficalho<br />

Contador: Francisco Galamba<br />

Idade: 84 anos (31/10/1922)<br />

Residência: Ficalho<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Page 57<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 4


Transcrições / Anedotas / Baixo Alentejo / Serpa / Três histórias, uma família.<br />

Entrevista: Cristina Taquelim<br />

Data de Recolha: Fevereiro 2006<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa em Maio de 2007<br />

Duração vídeo das 3 histórias: 0:05:22 minutos<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 58<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 5


Transcrições / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Três mocinhas]<br />

[Três mocinhas]<br />

«Aquilo o conto é assim: eram três moças que iam aí d’ A-do-Pinto(1) (pronto, pomos-<br />

-lhe assim) direito a Serpa. E iam assim já desviadas aí d’ A-do-Pinto, vão a olhar para trás [e]<br />

vêem vir um moço, um homem. Dizem elas [entre si:]<br />

[Moças:] _ Ei! Além vem um. E agora a gente – combinaram logo – na’ lhe podemos dizer…<br />

(Que ele com certeza que vai pra Serpa).<br />

Bom, o homem apanhou-as [e cumprimentou-as:]<br />

[Moço:] _ Bom dia!<br />

[Moças:] _ Bom dia!<br />

[Moço:] _ Atão pra onde vão?<br />

[Moças:] _ Vamos pra Serpa.<br />

[Moço:] _ Pois eu também vou. Faço-lhe companha. Vamos os quatro.<br />

Andaram mais um bocadinho, diz ele: _ Atão – mas já elas tinham combinado – atão como é<br />

que se chamam?<br />

[Moças:] _ Olhe a gente na’ se quer, na’ se quer… na’ sequer a gente quer dizer o nosso<br />

nome. O meu pai levou a mesma pessoa por madrinha(2) e ela… os nomes que pôs na gente<br />

foi uma desgraça! É uma vergonha!<br />

[Moço:] _ Atão? Digam lá! Atão digam lá… Atão como é que você se chama?<br />

(Era a mais velha): _ Eu sou a “Quero Cagar”…<br />

[Moço:] _ Eh! Que nome! Atão e você?<br />

[Moça 2:] _Oh! Eu sou a “Estou Cagando”…<br />

[Moço:] _ Eeee! Jesus! Atão e você?<br />

[Moça 3:] _ Óh! Eu sou a “Já Caguei”…<br />

[Moço:] _ Eh! Mas que nomes!<br />

[Moças:] _ Atão, a gente na’ tem culpa! O meu pai é que nos levou à madrinha pronto…<br />

Page 59<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


disse:<br />

Transcrições / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Três mocinhas]<br />

Mas elas tinham que dormir em Serpa [e] foram para uma estalagem. E ele [o moço]<br />

[Moço:] _ Olhem, eu vou também.<br />

Elas chegaram lá e disseram ao estalajadeiro – (que ele mandou fazer um arroz com<br />

bacalhau pra comerem todos) – dizem elas:<br />

[Moças:] _ Olhe, esse homem não é nada à gente. A gente quer um quarto, mas é com uma<br />

chave! Que a gente quer dormir descansadas.<br />

O estalajadeiro arranjou-lhes um quarto com uma chave. E ele [o moço, disse-lhes:]<br />

[Moço:] _ Eu fico me’mo aqui neste quarto. Aqui perto, aqui da… da cozinha.<br />

Elas deitaram-se. E lá por essa noite adiante, diz uma [moça] (a mais velha):<br />

[Moça 1:] _ Eh! Dói-me a barriga! Tenho vontade de fazer o serviço!<br />

Diz-lhe uma [delas:] _ Olha! Vai lá ao lume. Lá à cinza que ‘tá lá debaixo da chaminé. Há lá<br />

cinza. Caga lá na cinza!<br />

[Assim] foi. Ela foi e fez o serviço lá na cinza.<br />

Vai-se a deitar, acabou-se ela de deitar, diz a outra [moça:]<br />

[Moça 2:] _ Eh! Valha-me deus! … Agora dói-me a barriga a mim! Eh, que dor de barriga!<br />

Diz-lhe a outra: _ Olha, lá na cozinha está um lavatório. Tem lá a bacia e tem água: caga lá<br />

prà bacia.<br />

A outra cagou na bacia. (Vai-se a deitar, diz outra: _ Eh!...).<br />

Ah! Mas agora neste tempo, quando foi a primeira à cinza (…).<br />

[Pensou o moço:] _ Encerraram-se. Eu vou ali à porta. – Truz, truz, truz – (foi lá à porta) [e<br />

chamou:] _ Ó “Quero Cagar”! “Quero Cagar”!<br />

essa! Ó’messa!<br />

O estalajadeiro ouviu [e respondeu:] _ Quer cagar, vá ao quintal! Atão que conversa é<br />

Foi a outra [a segunda moça] teve vontade e foi ao lavatório – cagou prò lavatório.<br />

[Enquanto isso] vem lá ele:<br />

Page 60<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Três mocinhas]<br />

[Moço:] _ Truz, truz, truz. _ Ó “Estou Cagando”! “Estou Cagando”!<br />

O dono da estalagem ouviu [e gritou-lhe:]<br />

[Estalajadeiro:] _ Atão ‘tá cagando e me’mo assim na’ ‘tá calado! Tenho que me (a) levantar!<br />

Ó’messa!<br />

Vai a outra [a terceira moça diz para as outras:]<br />

[Moça 3:] _ Ei! Que dor de barriga! Tenho que me levantar…<br />

Diz-lhe a outra: _ Ali no corredor está o chapéu do estalajadeiro, em cima de uma cadeira. Faz<br />

o serviço ali!<br />

Ela fez o serviço prò chapéu [e] pôs o chapéu em cima da cadeira. [Enquanto isso] ele<br />

foi [bate novamente à porta das moças:]<br />

[Moço:] _ Truz, truz, truz – [e chama:] _Ó “Já Caguei”! “Já Caguei!”<br />

O estalajadeiro ouviu [e grita-lhe:]<br />

[Estalajadeiro:] _Ah, já cagaste?! E mesmo assim na’ ‘tá calado!!! [Es]‘pera lá aí, que eu já te<br />

amanho(3)!<br />

E levanta-se, pula da cama…<br />

E o outro abriu a janela e saiu pela janela. E fugiu.<br />

Diz-lhe a mulher [para o estalajadeiro:]<br />

[Mulher:] _ Ah, marido na’ vás prài às escuras! Podes cair! Vê aí na cinza se achas aí alguma<br />

brasinha e acende a candeia!<br />

Vai o homem mexer na cinza com os dedos…<br />

[Estalajadeiro:] _ Ai! O filho de uma magana(4) cagou na cinza!!! Cagou aqui na cinza! Ah,<br />

ladrão! Mato-te!<br />

[Mulher:] _Ah, marido lava as mãos! ‘Tá aí o lavatório: põe aí a bacia, tem água – lava aí as<br />

mãos!<br />

Foi lavar as mãos na bacia [e exclama:] _Também cagou prà bacia!!! Ah, ladrão! Onde é que<br />

‘tá a espingarda que eu mato-te!<br />

Page 61<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Transcrições / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Três mocinhas]<br />

[Retorquiu-lhe a mulher:] _ Na’ saias prà rua sem chapéu, que te constipas! O chapéu ‘tá no<br />

corredor, em cima de uma cadeira. Põe o chapéu na cabeça senão constipaste!<br />

Glossário<br />

Foi apanhar o chapéu, foi a pô-lo p’la cabeça [e] ficou todo cheio de marmelada!<br />

E ele fugiu.<br />

E elas safaram-se!»<br />

(1) A-do-Pinto: localidade do concelho de Serpa.<br />

(2) Madrinha: mulher que dá nome a algo.<br />

Francisco Galamba, 84 anos, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro 2006.<br />

(3) Já te amanho: ameaça de aplicar um correctivo, de pôr alguém na ordem.<br />

(4) Magana: no caso meretriz; prostituta.<br />

Page 62<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 4


→ Classificação do Conto:<br />

Conto jocoso.<br />

Transcrições / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Três mocinhas]<br />

[Três mocinhas]<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: 1562 G* (AT)<br />

Nomes Estranhos + 1685*C (Cardigos) O Tolo Suja a Casa Durante a Noite.<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.<br />

→ Assunto: Numa estalagem, em Serpa, três moças fazem disparate, mas as cómicas<br />

consequências recaem sobre terceiros…<br />

→ Palavras-chave: a-do-pinto, bacia, barriga, brasa, cagar, candeia, chapéu, chave, cinza,<br />

cozinha, espingarda, estalagem, excremento, ficalho, lavatório, lume, madrinha, moço, nome,<br />

quarto, rapariga, rapaz, serpa<br />

Região: Baixo Alentejo<br />

Distrito: Beja<br />

Concelho: Serpa<br />

Localidade: Ficalho<br />

Contador: Francisco Galamba<br />

Idade: 84 anos (31/10/1922)<br />

Residência: Ficalho<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: Cristina Taquelim<br />

Data de Recolha: Fevereiro 2006<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa em Maio de 2007<br />

Duração vídeo: 0:05:38.6 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 4808<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 63<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 5


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [A peregrinita]<br />

[A peregrinita]<br />

«Era também um pai que tinha três filhas. Moravam no campo. E as filhas viviam mal<br />

(nesse tempo vivia toda a gente mal, as terras na’ davam e os ordenados eram muito pequenos<br />

e coiso…) e atão um dia, a filha mais velha disse assim ao pai:<br />

[Rapariga:] _ Pai, eu vou correr o mundo.<br />

[Pai:] _ Vais (a) correr o mundo filha?! Atão tu tens ‘tado aqui tão bem na nossa casa! ‘Tá bem<br />

que a gente na’ tem farturas de… coiso, mas agora queres te ir embora aí por esse mundo.<br />

Como?<br />

[Rapariga:] _ Vou. Eu vou à procura da minha vida. Vou-me embora.<br />

Foi. A rapariga, as irmãs na’ queriam que ela fosse, mas ela começou a andar, a andar,<br />

foi andando, andando, andando por ali por aqueles campos. [Até que] encontrou um poço.<br />

Chegou ali ao poço, já ia tão cansada, fez assim no bucal do poço, fez assim [suspirou:] _Ai,<br />

de mim! ‘Tou tão cansada!<br />

E quem havia de estar lá dentro do poço? Um príncipe encantado que se chamava “Ai,<br />

de mim”. Apareceu o príncipe quando ela disse aquilo. Ela ficou muito assustada quando o viu<br />

e ele disse:<br />

[Príncipe:] _ Atão, tu disseste “Ai de mim”. E eu sou o príncipe “Ai de mim”, mas olha que eu (tu<br />

não digas a ninguém que eu estou aqui porque…),eu ‘tou aqui, mas ‘tou encantado. Mas se tu<br />

quiseres ficar aqui comigo, ficas aqui comigo.<br />

Ela, coitadinha, como andava à procura da vida dela e viu que ele que era um<br />

príncipe… [ficou]. Ele levou-a para baixo, para o poço. Chegou lá abaixo, tinha lá um palácio<br />

tão bonito, tão bonito…E ela ficou ali com ele, toda muito satisfeita e andavam por ali de um<br />

lado para o outro.<br />

Um dia (não soava nada, nada, nada [lá em baixo]) soaram uns passarinhos cantando.<br />

Os passarinhos soaram cantando. E ele veio e diz ela assim:<br />

[Rapariga:] _ Olha lá aqueles passarinhos cantando! Não haviam aqui passarinhos nem nada!<br />

E ele disse-lhe assim: _ Olha, sabes, eu não te digo o que é que os passarinhos querem dizer,<br />

porque senão depois tu queres ir embora.<br />

Page 64<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [A peregrinita]<br />

[Rapariga:] _ Não! Diz-me lá, diz-me lá!<br />

[Príncipe:] _ Olha, aqueles passarinhos estão a dizer que a tua irmã do meio se vai (a) casar.<br />

[Rapariga:] _ Ai! Deixa-me ir ao casamento da minha irmã! Deixa-me lá ir!<br />

[Príncipe:] _ Não. Não podes ir que tu ópois vais e já na’ voltas!<br />

[Rapariga:] _ Não, volto sim! Deixa-me lá ir! Deixa-me lá ir!<br />

Foi. Ele convenceu-se. E ela vestiu-se toda – ele comprou-lhe muita roupa bonita e<br />

tudo, para ela ir ao casamento da irmã – e foi. E disse-lhe assim:<br />

[Príncipe:] _ Agora vais montada (deu-lhe um cavalo), agora vais montada neste cavalo. E a, e<br />

que chegando lá, podes ‘tar lá até que… quando o cavalo dê a primeira patada: tens que te<br />

estar despedindo; quando der a segunda: tens que estar (a)montada; e quando der a terceira,<br />

tens que ‘tar aqui ao pé de mim.<br />

E ela foi, coitadinha. Chegou lá, a família ficou toda muito satisfeita – ela com uns<br />

grandes anéis, com tudo tão bonito no casamento da irmã, mas ali no melhor da festa o cavalo<br />

deu a primeira patada.<br />

Ela disse: _ Tenho que me despedir. Tenho que me ir embora!<br />

Deu a segunda [patada] tinha que estar lá ao pé do poço. E [quando] deu a terceira [já<br />

ela] estava lá ao pé dele. Ele [o príncipe] ficou muito satisfeito.<br />

Bom, aquilo passaram-se tempos sem soar mais nada.<br />

No outro dia [disse a rapariga ao príncipe:]<br />

[Rapariga:] _ Ai, olha lá! “Ai, de mim” olha lá outra vez os passarinhos. O que é que os<br />

passarinhos agora querem dizer?<br />

[Príncipe:] _ Olha, querem dizer que a tua irmã mais nova (que) se vai casar.<br />

[Rapariga:] _ Atão, deixa-me ir!<br />

[Príncipe:] _ Não. Não vais. Não podes ir. Não podes, não que tu depois já não voltas!<br />

[Rapariga:] _ Volto sim! Volto sim!<br />

Page 65<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [A peregrinita]<br />

Foi. Foi toda muito bem preparada, levava os anéis. Foi-se (a) lavar tirou os anéis e as<br />

irmãs, viram os anéis lá na bacia, agarraram, agarraram-nos e já não os quiseram dar.<br />

Coitadinha, ela voltou. Teve de se vir embora, chorando, porque ela nem [até] a meio<br />

da boda [tinha ficado].<br />

Chegou cá [ao poço] chamou por ele e ele [o príncipe] na’ lhe apareceu. E ela,<br />

coitadinha, com um grande desgosto, foi andando, andando, andando por ali.<br />

Encontrou uma casa. Bateu à porta e diz assim:<br />

[Rapariga:] _ Olhe, quem é que mora aqui?<br />

Diz ela assim: _ Olhe, aqui é a mãe do Sol. Mas você não se pode… Você na’ me pode estar<br />

aqui, porque o meu filho vindo para casa – o meu filho é o sol – (e) abrasa tudo! E na’ pode ver<br />

ninguém estranho. E atão você na’ pode ‘tar aqui.<br />

[Rapariga:] _ Ai! Deixe-me lá estar aqui, para eu lhe perguntar se ele viu prai ou ouviu falar no<br />

príncipe “Ai, de mim”.<br />

A mulher disse-lhe: _ Olhe, eu agora vou deixá-la ficar aqui, mas vou escondê-la para o meu<br />

filho não a ver!<br />

(Mas teve muita pena dela e deu-lhe umas coisas: uma colcha muito bonita).<br />

Disse-lhe [a mãe do sol:] _Tome lá, isto é – quando o meu filho vier, você tem que se ir embora<br />

– mas tome lá esta prenda que eu lhe dou.<br />

(Ela agarrou na colcha. Veio. Chegou cá fora foi outra vez andando, andando,<br />

andando, andando, andando… Ah não! Chegou o sol!)<br />

Chegou o sol. Diz ele:<br />

[Sol:] _ Mãe! Cheira-me a sangue real!<br />

[Mãe do Sol:] _ Ai, filho! Ai filho, não é nada! Olha era uma peregrinita que anda peregrinando<br />

a ver se lhe dão norte do príncipe “Ai de mim”.<br />

[Sol:] _ Óh! Eu não… Olhe mãe, só se [for] a mãe da Lua… Que a mãe da Lua também anda<br />

por aí (mas eu deito-me muito cedo na’…).<br />

Page 66<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [A peregrinita]<br />

Foi. Perguntou à…Foi outra vez, andando, andando, chegou àquela casa bateu. Era a<br />

mãe da Lua. Diz-lhe a mãe assim, diz-lhe ela assim:<br />

[Mãe da Lua:] _ Atão? O que é que você quer?<br />

[Rapariga:] _ Olhe lá! Eu sou uma peregrinita que ando peregrinando, que ando a ver se me<br />

dão norte do príncipe “Ai, de mim”.<br />

[Mãe da Lua:] _ Olhe, eu não. Só se a mãe das águias [souber], porque a mãe das águias…<br />

elas andam por ali correm tudo…. Pode ser que a mãe das águias…<br />

A mãe da Lua teve muita pena dela e deu-lhe um estojo de costura muito bonito, com<br />

dedal, agulha, tinha tesoura, tudo muito bonito.<br />

[Mãe da Lua:] _ Tome lá isto, que é uma lembrança da mãe da Lua.<br />

Foi. Já ia lá muito adiante, muito adiante, quem lhe havia de aparecer? [Viu outra<br />

casinha], bateu à porta. Vê [abrir:] era a mãe das águias.<br />

[Mãe das Águias:] _ Ai, quem é?<br />

[Rapariga:] _ Olhe! Você na’… Ai, olhe é uma peregrinita que anda peregrinando a ver se dão<br />

norte do príncipe “Ai, de mim”.<br />

[Mãe das Águias:] _ Olhe, não. Eu não [sei]. Só se as minhas filhas – que são as águias – e<br />

vão por aí… Mas você não pode estar aqui, porque as minhas filhas são muito más! E você<br />

não pode estar aqui.<br />

[Rapariga:] _ Atão, mas olhe… Deixe-me lá ficar cá, que é para eu lhe[s] perguntar a ver se<br />

elas… Ou pergunte você e depois diz-me. Eu vou-me esconder aqui num cantinho.<br />

Escondeu-se num cantinho. Vieram as águias todas.<br />

[Águias:] _ Ai! Cheira-me a sangue real!<br />

[Mãe das Águias:] _Ó filhos, calem-se! Olha, é uma peregrinita que anda peregrinando, a ver<br />

se lhe dão norte do príncipe “Ai, de mim”.<br />

[Águias:] _Olhe, a gente não. Só se a nossa águia coxa [souber]… Essa ficou ainda por lá, que<br />

dizia que ainda ia a um casamento de um príncipe. E lá há muito comer e ela ficou por lá.<br />

Foi. Esconderam-na ali até que veio a outra. Quando a outra veio, disse:<br />

Page 67<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 4


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [A peregrinita]<br />

[Águia coxa:] _ Olhe mãe, cheira-me a sangue real, que tens tu aqui em casa?<br />

[Mãe das Águias:] _ Ai, cala-te filha! Olha, era uma peregrinita que anda peregrinando a ver se<br />

lhe dão norte do príncipe “Ai, de mim”.<br />

[Águia coxa:] _ Óh! Tá a ver! Tenho ‘tado lá no casamento dele! Me’mo agora vim de lá do<br />

casamento dele!<br />

[Mãe das Águias:] _ Ai filho, pois olha esta…<br />

[Águia coxa:] _ Não, atão ele casou-se hoje com outra… com outra senhora que na’, na’…É<br />

porque isso deve haver aí alguma coisa… Chame-a lá!<br />

Ela veio, chegou ali e disse:<br />

[Rapariga:] _ Ai! Águia leva-me lá onde tu foste ao casamento do príncipe “Ai, de mim”!<br />

Foi. Montou-a. E disse[-lhe a águia:]<br />

[Águia coxa:] _ Olha eu levo-te, mas é preciso tu arranjares um borrego: matares um<br />

borrego e pôr aqui à tua frente (e eu ponho-te aqui nas minhas asas) e depois que é pa’… eu<br />

vou… pa’ me ires dando daqui até lá, que é muito longe.<br />

Ela matou o borrego, fez aquilo … aquela coisa toda. Pô-la ali [nas asas e] foram os<br />

dois. E el[a] ia a dizer:<br />

[Águia coxa:] _ Eu tenho fome!<br />

[Rapariga:] _ Toma. (Dava-lhe metade).<br />

[Águia coxa:] _ Tenho fome… [Ia-lhe dando] até que chegaram lá.<br />

Chegaram e diz ela assim:<br />

[Águia coxa:] _ Olha, vês? Aqui é que é a casa do príncipe “Ai, de mim”. E foi aí que houve o<br />

casamento!<br />

(Ah! E a mãe das águias deu-lhe também uma coisa. Uma prenda muito bonita, era<br />

umas coisas (…) era[m] umas prendas em ouro, muito bonitas e ela ia carregada com aquilo<br />

tudo que lhe tinham dado.)<br />

Page 68<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 5


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [A peregrinita]<br />

Chegou lá a águia, disse-lhe:<br />

[Águia coxa:] _ Tu agora ficas aqui e depois olha… Resolve o assunto como tu queiras. Eu<br />

vou-me já embora.<br />

(Mas quando iam lá chegando, já ‘tava-se acabando o borrego e ela disse-lhe:<br />

[Águia coxa:] _ Tenho, tenho fome!<br />

[Rapariga:] _ Ai, agora já não tenho carne!<br />

[Águia coxa:] _ Atão olha, deixo-te cair já daqui das minhas asas!<br />

[Rapariga:] _ Ai, não! – Ela pediu-lhe tanto que el[a] pô-la ali [junto à morada do príncipe e] foi-<br />

-se embora.<br />

Ela pôs-se ali, arranjou uma (…) tenda [e] pôs-se ali em frente à casa do príncipe. E<br />

pôs além o estojo da costura, a colcha tão bonita…<br />

As criadas do príncipe “Ai, de mim” vieram e disseram [à esposa do príncipe:]<br />

[Criadas:] _ Ai (à noiva, que tinham-se casado cedo), ai minha senhora que coisa tão bonita<br />

que tem além aquela senhora. Ela diz que é para vender.<br />

[Noiva:] _Atão vai lá perguntar quanto é que ela quer por aquilo.<br />

Foram (a) perguntar.<br />

[Noiva:] _O que é que ela disse?<br />

[Criadas:] _ Olhe, ela diz que não quer nada; quer que você a deixe dormir uma noite com o<br />

príncipe.<br />

[Noiva:] _ Olha! Na’ tem vergonha! Agora queria… Ah! Óh! Não senhor! Na’aaahhh!i – Ficou<br />

toda… [E] elas não disseram nada, as criadas não disseram nada.<br />

Ao outro dia de manhã apareceu ela com o estojo da costura, tão bonito.<br />

[Criadas:] _Ai, minha senhora… Olha hoje está ali…<br />

Page 69<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 6


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [A peregrinita]<br />

[Noiva:] _ Não! Atão vê lá o que ela me disse! Ela disse pra, pra me dar aquilo, que era<br />

preciso… Não, não! Agora diz-te a me’ma coisa!... Mas vai lá perguntar.<br />

Chegou lá. Disse-lhe[s] a mesma coisa [que havia dito no dia anterior:]<br />

[Rapariga:] _ Eu dava(-te) isso, mas era preciso que me deixasse(s) uma noite dormir com o<br />

príncipe.<br />

Elas vieram todas [contar à sua senhora].<br />

[Noiva:] _Ai, não digam nada ao senhor príncipe. Senão… tal será ele? Não lhe digam nada,<br />

senão depois…<br />

No outro dia [a rapariga] apareceu com as prendas em ouro.<br />

[Criadas:] _ Ah, minha senhora! Hoje atão é que (já, já) tem que se ir lá!<br />

[Criadas:] _ Olhe, a gente vamos a fazer uma coisa: a gente vai dar um chá que a gente sabe<br />

(as criadas), um chá que a gente sabe [ao príncipe], que se chama dormideiras(1). O senhor<br />

príncipe dorme a noite inteira (e ele nem sequer sabe que ela ‘tá lá deitada com ele) e a<br />

senhora fica com aquelas prendas tão bonitas!<br />

dizer:]<br />

Ela foi… (Deram-lhe o chá) [e] ela foi dormir com ele, mas levou a noite inteira só [a<br />

[Rapariga:] _ “Ai, de mim”, tu não te lembras disto! “Ai, de mim”, tu não te lembras daquilo! “Ai,<br />

de mim”, tu…”<br />

E ele nem responde, pois [se] ele ‘tava dormindo com as dormideiras, como é que<br />

havia de acordar! No outro dia de manhã dizem elas [as criadas] assim:<br />

[Criadas:] _ Ai, senhor príncipe! Atão o que é que houve praí no seu quarto esta noite, que<br />

levou a noite inteira uma pessoa, soava aí de dentro, “Ai de mim”, tu na’ te lembras!”, “Ai, de<br />

mim”, tu na’ te lembras!”?<br />

E ele lembrou-se que[m] era ela. Foi lá fora [e] conheceu-a. Disse:<br />

[Príncipe:] _ Vamos lá agora a fazer aqui um almoço para esta gente toda! Eu vou chamar<br />

aquela senhora que ‘tá além ([que] tinha as coisas, as prendas), que eu também quero que ela<br />

venha pra aqui para o pé da gente.<br />

Page 70<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 7


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [A peregrinita]<br />

A noiva ficou toda muito coiso, porque já ‘tava com ciúmes e depois ele queria que ela<br />

viesse para ali…<br />

disse assim:<br />

Puseram-se à mesa todos, um jantar muito grande. Puseram-se todos à mesa e ele<br />

[Príncipe:] _ Aqui, põe-se aquela senhora que está além fora; e aqui põe-se a outra senhora e<br />

depois a seguir, põe-se o pai dessa senhora; e depois a seguir põe[m]-se as criadas. E põe[m]-<br />

se todos aqui pra jantarmos.<br />

Quando acabaram de jantar disse:<br />

[Príncipe:] _ Bom, agora cada um vai contar uma anedota (do) [sobre o] que souber. Cada<br />

um…<br />

Chegou à vez dele. Ele olhou para o sogro, viu que aquilo ‘tava ali… E disse-lhe assim:<br />

[Príncipe:] _ Olhe lá, eu agora vou-lhe contar uma: você se tivesse uma, uma mala e perdesse<br />

a chave, e depois de ter, ter passado muito tempo (teve que comprar outra nova) e depois<br />

passado muito tempo aparecesse a velha – qual era a que o senhor utilizava? Era a velha ou<br />

era a nova?<br />

E ele disse [o pai da noiva:] _ Era a velha.<br />

[Príncipe:] _ Atão leve lá a sua filha, que eu já tenho aqui a minha [mulher] …».<br />

Glossário<br />

Mariana Valente, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro 2006.<br />

(1) Dormideira: espécie de papoila com características sedativas e narcóticas.<br />

Page 71<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 8


Classificação do Conto:<br />

Contos maravilhosos.<br />

Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [A peregrinita]<br />

[A Peregrinita]<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 425 A O<br />

Monstro (Animal) como Noivo (Cupido e Psique).<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.<br />

Assunto: A história de uma rapariga que se obrigada a demandar pelo mundo em busca do<br />

seu príncipe encantado.<br />

Palavras-chave: alentejo, águia, borrego, casamento, cavalo, chá, chave, criada, ficalho, filha,<br />

lua, mala, pai, palácio, pássaro, peregrina, poço, príncipe, sangue, serpa, sogro, sol<br />

Região: Baixo Alentejo<br />

Distrito: Beja<br />

Concelho: Serpa<br />

Localidade: Ficalho<br />

Contador: Mariana Valente<br />

Residência: Ficalho<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: Cristina Taquelim<br />

Data de Recolha: Fevereiro 2006<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Maio 2007<br />

Duração vídeo: 0:13:18 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 12.785<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 72<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 9


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Prova de amor]<br />

[A prova de amor]<br />

«Mas era uma senhora que era viúva já há uns poucos de anos e disse[-lhe] assim a<br />

outra vizinha dela (elas eram vizinhas) e disse assim:<br />

[Mulher:] _ Ai, o meu marido! – (Era um homem, era um homem que adorava mais a mulher!) –<br />

O meu marido é o homem que adora mais a mulher! Até me diz assim: _ Ah, mulher! Se tu<br />

morresses eu não me podia governar sem ti!<br />

E ó’depois ela dizia assim: _Ai, homem! Nem queiras falar nisso! Eu também penso: ai se tu<br />

morresses, o que é que havia de ser de mim!<br />

Olhe e estavam sempre com aqueles [comentários]. E a mulher meteu-se aquilo na<br />

cabeça – que o homem que era o senhor que gostava mais da mulher!<br />

Diz assim a viúva, a vizinha: _ Ah, vizinha! Tire as ilusões da cabeça! Mãe há só uma – ouça o<br />

que lhe estou a dizer – nunca trocar a mãe pela mulher, que a mulher só é nossa enquanto<br />

quer e mãe é sempre mãe até morrer! – Dizia-lhe a vizinha viúva.<br />

E dizia ela assim: _ Na’ senhora! O meu marido gosta muito de mim! Ai…<br />

[Viúva:] _ Ó vizinha! Faça-se morta! O seu marido gosta das conveniências dele: a vizinha<br />

arranja-lhe a roupa, a vizinha faz-lhe o comerzinho, a vizinha faz-lhe tudo (e tataratata…)<br />

E ela diz assim: _ Na’ senhor, vizinha!<br />

[Viúva:] _Ó vizinha! Quer tirar as ilusões da cabeça?! Faça-se morta! Faça-se morta e vai a<br />

ver!<br />

[Vizinha:] _ Ai, vizinha! Na’ me diga! Era bom?<br />

[Viúva:] _ Era! Era bom a vizinha fazer-se de morta, pra ver o resultado que dá!<br />

[Vizinha:] _ Atão vá! Eu faço-me de morta! Atão vá! Eu faço-me de morta e a vizinha<br />

amortalha--me(1) já aqui e vai chamar ali o meu marido que anda a roçar ali as balsas(2)…<br />

foi chamar:<br />

Page 73<br />

Assim foi. Fez-se morta! Logo pela manhã, logo de manhã! E a outra vizinha, a viúva,<br />

[Viúva:] _ Ai, vizinho! O que aconteceu! Morreu a vizinha! Deu-lhe uma coisa – caiu pò chão –<br />

morreu! Eu é que me vi ali em aflições! Já fartei-me de gritar, o vizinho na’ ouviu! Já a<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Prova de amor]<br />

amortalhei… – Tinham logo que ser amortalhadas numa esteira(3) no meio da casa! Credo!<br />

Como eram os usos!<br />

E depois foi chamar o marido: _ A, vizinho! O que aconteceu! A vizinha caiu pò chão!<br />

Desmaiou! Morreu! (Morreu – ‘tá morta – já ‘tá fria e tudo!), eu ‘tive a vesti-la e a arranjá-la<br />

porque ela depois até inteiriçava(4)!<br />

E o vizinho: _ Ai! Minha rica mulher! Ai! Nossa Senhora me acuda! Ai, a minha rica mulher!<br />

Como é que eu agora me hei-de governar! Ai! Nossa Senhora! – Começou aos gritos.<br />

Acudiu muita gente logo ali. Veio ali a vizinhança toda acompanhar a mulher.<br />

Enquanto foi dia! Mas assim que chegou a noite: umas tinham de ir tratar do jantar; outras<br />

tinham de ir aviar a alcofa ao marido (que ainda nessa altura era o marido e a alcofa!); e outras<br />

tinham de ir ver já as telenovelas (que já havia!) e foram jantar e meteram-se na cama.<br />

disse assim:<br />

E ele ficou sozinho mais a vizinha. A vizinha já era viúva há uns poucos de anos e ele<br />

[Marido:] _ Ó vizinha! Já viu?! Agora foi-se tudo embora (nesse tempo já ficava lá amortalhada<br />

porque já tinha morrido a outra e depois reviveu e já tinha que ficar amortalhada!). Atão já viu<br />

vizinha!? A gente agora aqui sozinhos os dois! Ai vizinha, vossemecê já é viúva há tantos anos!<br />

E eu agora que estou a passar por este insulto! Atão já viu o que me aconteceu?! Ai, minha<br />

rica mulher! – E vá de chorar.<br />

E a vizinha a pensar: _ Ai, que pirataria que a gente fez!<br />

Bom, tantantantantanta… Era já tantas horas da noite e eles sozinhos os dois…<br />

Também para lá ninguém foi (se fosse eu ia pra lá acompanhar a mulher!). Ficou lá sozinho<br />

mais a vizinha. Quer ouvir a malandrice dele?!<br />

Começa a dizer à mulher:<br />

[Marido:] _ Ó vizinha! Atão (ela…) o seu marido já morreu há tantos anos! A minha mulher,<br />

coitadinha, de além já na’ espero mais nada! E atão se a gente ajuntasse os trapinhos?!<br />

A mulher, a mulher caiu das nuvens! Disse assim: _ Credo, vizinho! Nossa Senhora lhe perdoe!<br />

Credo! Deus lhe perdoe! Atão ainda a vizinha ali está!<br />

[Marido:] _ Ó vizinha! Mas atão ela, coitadinha, já dali, dali já não se recruta nada! Amanhã vai<br />

pra baixo do chão! O que é que espero dali vizinha?! E vossemecê já não faz ofensas ao seu<br />

marido! E juntamos os trapinhos!<br />

Page 74<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Prova de amor]<br />

[Viúva:] _Ai! Credo vizinho! – Ela a saber que a outra que estava [a ouvir.] – Ai! Credo, vizinho!<br />

Por amor de Deus! Na’ me diga uma coisa dessas! Se Deus quisesse (que eu tivesse o meu<br />

marido) que eu tivesse um marido não mo levava! Na’ senhora vizinho! (Lá fez o seu papel).<br />

Ele sempre a teimar: _ Ó vizinha venha! Venha se agasalhar mais eu! Atão ‘tá vossemecê<br />

sozinha, ‘tou em sozinho!<br />

A mulherzinha disse assim: _ Ai, vizinho! Até me envergonho! Só se apagar a luz! E vá lá<br />

fechar a minha porta.<br />

Ora assim que ele apagou a luz ela foi: _ Eu vou fechar a minha porta. Foi fechar a porta.<br />

A mulher que estava amortalhada (a)levantou-se e foi a correr puxar do… do descanso<br />

da natureza – sabe o que é? O lifilho do descanso da natureza é o penico! Foi puxar do penico<br />

e toca a fazer xixi! Um dia inteiro ali deitada, amortalhada, na’ se (a)lembrara disso! E toca a<br />

fazer xixi – trrrrrrccchhhhh – parecia que há um dia…Parecia que há um dia que na’ fazia xixi! E<br />

era verdade!<br />

E vai o homem, malandro – gostava tanto dela! – sabe o que ele disse?<br />

Disse assim: _ Ai, vizinha! Disse assim: _ Ai, minha rica vizinha até a fazer xixi tem gracinha!<br />

Na’ é como aquele coirão que até a fazer xixi fazia talão, talão, talão!<br />

A mulher dana-se de lá e diz assim: _ Ai malandro! Dizes que gostavas tanto de mim! Eu<br />

descalço já aqui o chinelo e mata-te com o chinelo! Mato-te com o sapato! Mato-te! Toma!<br />

Toma! (a bater na cama).<br />

E ele dizia assim: _ Ai, minha rica mulher! Perdoa-me! Olha, bate sim! Bate! Bate-me! Olha se<br />

for em cima da cama, debaixo da roupa, bate-me numa ponta que eu fujo prà outra! E bate<br />

mulher, bate…<br />

E ela dizia: _ Mato-te! Mato-te! Com o sapato dou-te uma sova que até te mato!<br />

[Marido:] _ Atão, bate-me mulher! Bate-me numa ponta da cama que eu estou em cima da<br />

cama debaixo da roupa; bate numa ponta que eu fujo para a outra!<br />

Até que a mulher cansou! Já ‘tava farta! E lá se deitou e disse:<br />

[Mulher:] _ Malandro! Foi por Deus…<br />

Page 75<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Prova de amor]<br />

[Marido:] _ Ó mulher perdoa-me! Atão, eu já não esperava nada de ti!<br />

E a mulher disse: _ Uma coisa destas! Assim é que se vêem os desenganos! Assim que se<br />

apanham os enganos! Vêm-se os desenganos!<br />

Glossário:<br />

E pronto! E ficou, ficou a mulher sabendo o que é que ele gostava dela!<br />

E bendito, louvado, o continho ‘tá acabado! E desculpem se na’ é do seu agrado!»<br />

(1) Amortalhar: vestir o cadáver com o trajo com que vai ser sepultado.<br />

(2) Balsas: sebe de ramos ou silvas.<br />

Luísa de Jesus, 76 anos, Amieiras (conc. Mora), Junho 2007.<br />

(3) Esteira: tecido grosseiro feito de matérias vegetais justapostas, entrançadas ou entrelaçadas.<br />

(4) Inteiriçava: ficava hirto, rígido.<br />

Page 76<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 4


→ Classificação do Conto:<br />

Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Prova de amor]<br />

[A prova de amor]<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 1419 E O Bom<br />

Marido (Passagem Subterrânea para a Casa do Amante).<br />

[Provável origem oriental; documentado na Idade Média].<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.<br />

→ Assunto: Crente que vai ter a derradeira prova de amor do seu marido, uma mulher encena<br />

a sua própria morte…<br />

→ Palavras-chave: alentejo, amieiras, amortalhar, amor, desengano, evora, ilusão, marido,<br />

mora, morta, penico, velar, sova, viúva, vizinha, xixi<br />

Região: Alto Alentejo<br />

Distrito: Évora<br />

Concelho: Mora<br />

Localidade: Amieiras<br />

Contador: Luísa de Jesus<br />

Idade: 76 anos<br />

Residência: Amieiras<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: José Barbieri<br />

Data de Recolha: Junho 2007<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Junho 2007<br />

Duração vídeo: 0:06:02 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 6.408<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 77<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 5


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Enganar a morte]<br />

[Enganar a morte]<br />

«É um homenzito – que não havia reformas antigamente (antigamente: isso não foi muito antigo)<br />

mas aqueles que eram empregados do Estado, que eram guardas ou polícias, arranjavam qualquer<br />

pensãozinha pròs pais. Mas que aquele homem era já assim idoso e o filho era guarda, era guarda-fiscal,<br />

e arranjou-lhe uma pensãozinha.<br />

E foi a morte que veio (a) buscar o velho. Ai, o velho [diz-lhe assim:]<br />

[Velho:] _ É morte! É morte deixa-me viver mais! Pelo menos uns dez anos mais! Atão nunca tive um<br />

tostão e agora o meu filho arranjou-me uma pensãozinha! E eu com essa pensão vou-<br />

-me governando. Dá-me mais dez anos de vida!<br />

[Morte:] _ Bom, atão vá lá...<br />

A morte deu-lhe mais dez anos de vida. Vai que o velho também era esperto, também, quando<br />

chegou os dez anos o que é que ele pensou logo:<br />

[Velho:] _ A morte vem-me buscar. E é hoje já! Há dez anos…<br />

Despiu as calças, ficou só com a camisinha. E naquele tempo havia muita poeira, os rapazes<br />

brincavam ali na terra e urinando ali, fazendo tigelinhas com a poeira. Vai ele, despe as calças, foi só com<br />

a camisinha a brincar lá no meio dos rapazes e a fazer, mijar, a urinar ali prà poeira. Chama-se uma<br />

tigelinha de seca-seca: faziam com barro, com pau (…).<br />

Chama-se uma tigelinha, pois. Lá estava ele brincando no meio dos rapazes, ‘tava brincando<br />

além, assim no meio dos rapazes, de modo que cagaram aqui assim para um buraco (tu!) e ele ia, assim<br />

aos saltinhos, e olhava assim pra cima, olhava pa’ morte, dizia assim:<br />

[Velho:] _ Mãe, papa!<br />

E a morte levava-o e ele olhava para a morte e dizia:<br />

[Velho:] _ Mãe, papa! Mãe, papa!<br />

E assim foi e a morte na’ o levou.<br />

Depois ainda olhava, pensava que ia dormir no meio dos rapazes…<br />

[Diz] a morte: _ Não! Hoje…<br />

Hoje…na’ se engana nada!»<br />

Page 78<br />

Francisco Galamba, 84 anos, Ficalho, (conc. Serpa), Fevereiro 2006.<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


→ Classificação do Conto:<br />

Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Enganar a morte]<br />

Conto maravilhoso.<br />

[Enganar a morte]<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 332 A Morte<br />

Madrinha [fragmento]<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.<br />

→ Assunto: Um velhote tenta adiar a hora da sua morte refugiando-se entre as crianças.<br />

→ Palavras-chave: alentejo, barro, cagar, enganar, ficalho, morte, pensão, rapaz, serpa,<br />

tigela, urina, velho<br />

Região: Baixo Alentejo<br />

Distrito: Beja<br />

Concelho: Serpa<br />

Localidade: Ficalho<br />

Contador: Francisco Galamba<br />

Idade: 84 anos (31/10/1922)<br />

Residência: Ficalho<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: Cristina Taquelim<br />

Data de Recolha: Fevereiro 2006<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Maio 2007<br />

Duração vídeo: 0:02:11 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 1848<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 79<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [A raposa e o lobo]<br />

[A raposa e o lobo]<br />

«A raposa foi sempre um bicho muita velhaco. A raposa é um, é um dos bichos mais<br />

velhacos que há – é a raposa. E atão tentou enganar o lobo. E o lobo foi escondeu uma panela<br />

de manteiga lá no meio do mato, bem escondidinha, pa’ raposa na’ dar com ela. Mas a raposa<br />

muita esperta e foi, descobriu onde estava a panela. Descobriu onde estava a panela e atão<br />

um dia chega ao pé do lobo e diz assim:<br />

[Raposa:] _ Ó compadre lobo! Tu emprestas-me os teus sapatinhos para ir ter um afilhado?<br />

E o lobo diz assim: _ Empresto!<br />

Emprestou-lhe os sapatinhos e a raposa foi lá à panela da manteiga, destapou aquilo<br />

tudo e toca, toca, toca comeu. Encheu a barriga! Veio de lá e diz-lhe:<br />

[Raposa:] _ Olha compadre lobo cá tens os teus sapatinhos e obrigado!<br />

Diz-lhe o lobo assim: _Ó comadre raposa atão e como é que se chama o teu afilhado?<br />

[Raposa:] _ Ora compadre lobo é um nome muito esquisito! Na’ se pode dizer, é muito<br />

esquisito!<br />

[Lobo:] _ Ah! Na’ me digas que na’ se pode dizer o nome que prantaste(1) ao teu afilhado!<br />

[Raposa:] _ Não! Olha se eu te digo: “Comecete”.<br />

Bom, o lobo: _ Ai, que nome tão bonito! “Comecete”?! Um nome muita bonito!<br />

Bom, ao fim de uma temporada, outra vez, diz-lhe a raposa outra vez:<br />

[Raposa:] _Ó compadre lobo emprestas-me os teus sapatinhos, que vieram-me fazer um<br />

convite pra ir ter um afilhado outra vez?<br />

[Lobo:] _ Empresto!<br />

Bom, ele lá lhe emprestou os sapatinhos. A raposa lá foi ter um afilhado outra vez…<br />

Baptizar e coiso… Vem de lá, diz-lhe o compadre lobo outra vez:<br />

Page 80<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [A raposa e o lobo]<br />

[Lobo:] _ Ó comadre raposa, atão como é que se chama o te’ afilhado?!<br />

[Raposa:] _ Ai, tem um nome muito esquisito! Um nome tão feio!<br />

[Lobo:] _ Atão, mas na’ se pode dizer?!<br />

[Raposa:] _ Pode.<br />

[Lobo:] _ Atão como é que se chama?<br />

[Raposa:] _ “Meiete”!<br />

Bom, o lobo: _ Ai que nome tão bonito que tu arranjaste para o teu afilhado!<br />

Ãh, aquilo passou outra vez! Ao fim de uma temporada, a raposa outra vez:<br />

[Raposa:] _Ó compadre lobo! Tens que me emprestar os sapatinhos! Atão vieram fazer-me<br />

outro convite pra ter outro afilhado! Ah, ah compadre lobo, você se calhar na’ tem nenhuns<br />

sapatos!<br />

[Lobo:] _ Não, eu empresto-lhe os sapatos!<br />

Lá foi a raposa. Chegou lá à panela da manteiga, comeu o resto! Bom, comeu o resto.<br />

Veio de lá e diz-lhe:<br />

[Raposa:] _ Vá, toma lá os sapatinhos compadre, que eu já… Agora já não me são precisos.<br />

[Lobo:] _ Atão como é que se chama…? O nome do teu afilhado? Como é que se chama? [Qual<br />

é] o nome do teu afilhado?<br />

[Raposa:] _ Ai, compadre! Tem um nome tão feio!<br />

[Lobo:] _ Atão, mas como é que se chama?<br />

[Raposa:] _ “Acabete”!<br />

Bom, o lobo: _ Ai, que nome tão bonito, que tu arranjaste para o afilhado!<br />

Page 81<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [A raposa e o lobo]<br />

Bom, lá ao fim de uma temporada e diz-lhe o lobo assim pa’ raposa:<br />

[Lobo:] _Ó comadre raposa! Hoje vamos ter um jantar!<br />

[Raposa:] _ Ah, sim?!<br />

[Lobo:] _ Vamos!<br />

Abalaram os dois todos seletras(2), chegaram lá onde a panela estava escondida. O<br />

lobo tinha abalado, vai dar volta àquilo…Já lá na’ tinha nada! E diz-lhe o lobo assim:<br />

[Lobo:] _ Ah! Comadre raposa! Tu é que me vieste comer a manteiga!<br />

[Raposa:] _ Na’! Na’ fui! Na’ fui, não! Óh compadre lobo na’ fui, não!<br />

[Lobo:] _ Foste, foste! Porque olha os afilhados: um era “Comecete”; outro era “Meiete” e outro<br />

era “Acabete”! E foste tu que comeste a manteiga!<br />

[Raposa:] _ Na’ fui! Na’ fui! Olha, vamos fazer um contrato: ‘tá muito calor, vamos além p’<br />

aquela soalheira(3) e deitamos além à soalheira. Esse que lhe suar o rabo é que comeu a<br />

manteiga!<br />

[Lobo:] _ Bom, ‘tá bem!<br />

O lobo anuiu aquilo muito bem! Chegou lá, deitou-se ali uma soalheira e a raposa<br />

também ali ao lado dele. Daqui a nada o lobo deixou-se dormir. Assim que se deixou dormir, a<br />

raposa foi alçou a perna: trás! Mijou pò rabo do lobo! Assim, mijou pò rabo do lobo e diz-lhe<br />

assim:<br />

[Raposa:] _ Ó compadre lobo! Ó compadre lobo! Tu é que comeste a manteiga!<br />

[Lobo:] _ Não!<br />

[Raposa:] _ Foi! Vê lá se na’ ‘tás todo suado!<br />

Ora o lobo foi ver ‘tava todo molhado! (Ela tinha-lhe mijado prò rabo!).<br />

‘Tava todo molhado, diz assim:<br />

Page 82<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [A raposa e o lobo]<br />

[Lobo:] _ É verdade! Atão… mas… Tu é que… Atão! Mas atão… Eu na’ comi a manteiga e ‘tou<br />

todo suado!<br />

[Raposa:] _ Na’ sei! Olha foste tu é que a comeste!<br />

Pronto, esta ‘tá acabada!»<br />

Glossário:<br />

(1) Prantaste: colocaste, puseste.<br />

José Manuel, 87 anos, Brotas (conc. Mora), Junho 2007<br />

(2) Seletras: no caso o mesmo que selectas (adjectivo feminino de selectos): distintos.<br />

(3) Soalheira: hora de maior calor; exposição ao sol; calor.<br />

Page 83<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 4


→ Classificação do Conto:<br />

Conto de animais.<br />

Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [A raposa e o lobo]<br />

[A raposa e o lobo]<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 15 A Raposa<br />

Finge ir a um Baptizado.<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.<br />

→ Assunto: Uma raposa consegue comer a manteiga do seu compadre lobo e escapa às<br />

culpas do seu acto enganando-o uma segunda vez.<br />

→ Palavras-chave: afilhado, animal, alentejo, brotas, compadre, evora, enganar, lobo,<br />

manteiga, mato, mijo, mora, nome, panela, rabo, raposa, sapatos, soalheira, suar, velhaco<br />

Região: Alto Alentejo<br />

Distrito: Évora<br />

Concelho: Mora<br />

Localidade: Brotas<br />

Contador: José Manuel<br />

Idade: 87 anos<br />

Residência: Brotas<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: José Barbieri<br />

Data de Recolha: Junho 2007<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Outubro 2007<br />

Duração vídeo: 5:05 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 4315<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 84<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 5


Transcrições / Casos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [A taberna]<br />

[A Taberna]<br />

«Olhe era um senhor que tinha uma taberna. (Dantes – agora chamam-<br />

-lhe cafés; não é? Um café. Mas dantes era taberna!) E o senhor era já assim de uma idade<br />

muito avançada, coitadinho, e na’ l[h]e aparecia lá pela semana adiante aquase ninguém!<br />

(Bebiam era vinho ao copo – bebiam vinho ao copo).<br />

E atão ele tinha uma bela filha, uma bela donzela! E o que é que acontece? Ela andava<br />

a estudar e chegava ao sábado e ia logo lá à taberna ver o pai.<br />

[Filha:] _ Atão, pai?! Esta semana ganhou pò pãozinho?<br />

[Taberneiro:] _ Ora filha! Uma semana muito… muita ruimzita! Uma semana muito gelada…Já<br />

sou velhote! Isto é preciso é, é a gente ter… ah, calão(1)! Eu já sou velhote! Isto já ninguém faz<br />

caso de mim!<br />

[Filha:] _Deixe que eu agora ao sábado e ao domingo… Vai ganhar pò pão e pà sopinha e pra<br />

tudo!<br />

Assim foi. A gaja era muito boa! E atão ia lá pò café.<br />

Andava um matulão a querê-la! Um gajo todo fadista(2)! (Que ela também era fadista!)<br />

E atão o gajo olhava sempre lá pà taberna a ver se ela lá estava. Andava a querê-la! E vai,<br />

viu--a lá ao sábado. Até se estremeceu!<br />

Disse pò colega: _ Olha! O dono da taberna já tem ali a… a donzela! E ando (…) ando a<br />

querê--la! Vamos lá! Vamos pra lá!<br />

Ora eles viram-nos lá, começaram a ir muitos! _Vá! – vinha o copo. – Ela vinha logo<br />

aviá-los! Vá de comer um tremocinho e vá daí a nada: _ Outro copo! _ Outro copo!<br />

Ora chegou às tantas, o gajo ‘tava bêbado! ‘Tava perdido de bêbado!<br />

O que é que ele faz? Já não podia beber mais, disse assim:<br />

Page 85<br />

[Rapaz:] _ ‘Tou cheio até aqui ao estreitinho! Já na’ posso beber mais um copinho! Mas tenho<br />

caminho a direito pr’ andar, mas na perna levo o defeito – vou sempre a cambalear! Chego a<br />

casa, olho pra luz, fecho os olhos – catrapuz! E já na’ posso mais olhar! Mas ainda na’ perdi as<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições / Casos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [A taberna]<br />

esperanças [de] com a, com a donzelazinha lá do, da taberna ir casar! E havemos de ter<br />

muitos filhinhos e… e pra vidinha boa passar! Com ela passar!<br />

casou depois!»<br />

Glossário:<br />

E bem dito louvado o meu continho ‘tá acabado!<br />

E sempre casou com ela! Pelo jeito… Ópois, ópois telefonaram-me a dizer que ele se<br />

(1) Calão: no caso o mesmo que calo no sentido de manha.<br />

Luísa de Jesus, 76 anos, Amieiras (conc. de Mora), Junho 2007<br />

(2) Fadista: o mesmo que fadistinha ou liró – aperaltado, bonito, catita.<br />

Page 86<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


→ Classificação:<br />

Transcrições / Casos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [A taberna]<br />

[A Taberna]<br />

Narrativa não classificável (apresentação por géneros).<br />

Caso.<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.<br />

→ Assunto: Uma história sobre como um rapaz encontra uma forma criativa de declarar o seu<br />

amor à filha de um taberneiro.<br />

→ Palavras-chave: alentejo, amieiras, bêbado, bela, casar, copo, estudar, évora, filha, mora,<br />

pai, taberna, taberneiro, velhote, vinho<br />

Região: Alto Alentejo<br />

Distrito: Évora<br />

Concelho: Mora<br />

Localidade: Amieiras<br />

Contador: Luísa de Jesus<br />

Idade: 76 anos<br />

Residência: Amieiras<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: José Barbieri<br />

Data de Recolha: Junho 2007<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa em Novembro de 2007<br />

Duração vídeo: 2:18 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 2.184<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 87<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


«É que a terra mais a mulher<br />

podem sempre as comparar:<br />

nenhuma delas dá produto<br />

sem o homem a cultivar.<br />

<strong>Transcrição</strong> / Versos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [A terra mais a mulher]<br />

Qualquer terra com alqueve(1),<br />

e estando mesmo fabricada,<br />

mas em na’ ‘tando estrumada<br />

a invernia tudo embebe.<br />

A terra tudo recebe<br />

e faz tudo o que ela quer.<br />

Pode dar, se deus quiser,<br />

trinta a quarenta sementes.<br />

E são dois partos valentes<br />

[os] [d]a terra mais a mulher.<br />

A mulher estando sozinha<br />

e em mesmo sem ter companha(2)<br />

de tal modo se amanha<br />

lá ganha para farinha.<br />

Mas não é pra agulhas e linhas,<br />

coitada pa’ costurar.<br />

E assim que possa casar<br />

muda logo de alimento.<br />

E segundo o que eu apresento<br />

Podem sempre as comparar.»<br />

Glossário:<br />

(1) Alqueve: terra deserta.<br />

(2) Companha: companhia.<br />

[A mulher mais a terra]<br />

Page 88<br />

Edmundo Manuel, 77 anos, Mora, Junho 2007.<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


→ Classificação dos Versos:<br />

Décimas.<br />

<strong>Transcrição</strong> / Versos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [A terra mais a mulher]<br />

[A terra mais a mulher]<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.<br />

→ Assunto: Comparação entre a terra e a mulher.<br />

→ Palavras-chave: agulhas, alentejo, alqueve, amanha, alimento, costurar, cultivar, évora,<br />

farinha, linhas, mora, mulher, partos, terra, sementes<br />

Região: Alto Alentejo<br />

Distrito: Évora<br />

Concelho: Mora<br />

Localidade: Mora<br />

Contador: Edmundo Manuel<br />

Idade: 77 anos<br />

Residência: Mora<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: José Barbieri<br />

Data de Recolha: Junho 2007<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Outubro 2007<br />

Duração vídeo: 0:45 segundos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 768<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 89<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [As três adivinhas]<br />

[As três adivinhas]<br />

«Ele não tinha pai nem mãe – era sozinho – e andava a guardar umas cabritas lá pra<br />

um…um vizinho. Rapazote andou lá uns poucos anos. E naquele tempo – já se sabia o que<br />

era, isto já há muito ano – andava descalço e a guardar as cabras (e havia muito novo).<br />

E o rapaz começou a ser maiorzito, já tinha aí os seus catorze anos ou coisa, começou<br />

a ouvir dizer que havia uma princesa [e] quem lá fosse com umas, com umas anedotas que ela<br />

não adivinhasse casava com ele! E se ela… (eram três, tinha três anedotas) se adivinhasse as<br />

três, ele era morto ia lá pa’ um alçapão (já lá havia muitos mortos).<br />

O rapazito, mal arranjadito coiso, e começou a pensar:<br />

[Pastor:] _ Atão aquela princesa… Ela adivinha as adivinhas todas, mas eu é que vou fazer as<br />

minhas: as minhas na’ ‘tão escritas e ela na’ as adivinha!<br />

Vá, o que é que o rapaz pensou: _ Vou deixar as cabras, e na’ digo nada, e vou-me embora.<br />

E marchou por aí afora, foi indo. Um dia de manhã, embalou, deixou as cabritas.<br />

Começou a pensar no caminho:<br />

[Pastor:] _ É pá! Mas atão eu deixei as cabras, não as havia de ter deixado! Os lobos agora<br />

comem naquilo tudo! – Começou a pensar: _ Olha… Vou já arranjar aqui uma! “Deixei o que<br />

não deixara”. E marcha pra diante. _Bom estas ela não vai adivinhar…<br />

Chega lá adiante andava ali uns montões de mata a arder e vinha uma cobra a fugir.<br />

Olhou, com o cajadito levava… _ Toma! Deitou a cobra pra cima do lume! Ora o lume enrolou-<br />

-a logo! Disse ele logo:<br />

[Rapaz:] _ Olha… A cobra é ruim, mas o lume ainda é pior que a matou! Atão vou aqui arranjar<br />

outra! “Atirei com o ruim pò pior”…<br />

Mas foi lá pra diante. Chega lá diante, a pensar, a ver se arranjava outra, dá um<br />

pontapé numa pedra: _ É páaa! Fico logo à rasca com dores na unha. Disse logo:<br />

[Rapaz:] _ Olha, daqui vou fazer outra: “topei o que não topara” (porque isto dói muito e eu não<br />

havia de dar esta topada…).<br />

Page 90<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [As três adivinhas]<br />

[Continuou] lá pra diante, sempre andando! Chega lá mais adiante vê um belo bocado<br />

de trigo e um cabrão dum boi mais (…) lá dentro.<br />

[Pastor:] _ É pá! O boi é bom, mas o trigo ainda é melhor! Vou tirá-lo daqui pra fora!<br />

Vai, tira o touro pra fora. E começou a pensar:<br />

[Pastor:] _ “Tirei o bom do melhor.” (Que é a dizer que o boi era bom, mas o trigo ainda era<br />

melhor).<br />

E marcha sempre a andar pra diante. Vai indo pra diante (aquilo já se ia a fazer assim<br />

aquase noite, já se tinha posto o sol) ‘tava um montezito(1) e tal…<br />

[Pastor:] _ Vou pedir aqui quartel(2) a esta, a esta mulher. (Aquilo já era perto lá da aldeola,<br />

que era onde ‘tava a princesa).<br />

A mulherzita: _ Sim senhora! Olha, ficas aí, até me fazes companha(3), que eu tenho o meu<br />

homem amortalhado(4) e vai…Vai ali pra dentro. Ficas ali que eu agora vou tratar ali das<br />

galinhas e da bicheza.<br />

E foi. ‘Tava ali ao pé do homenzinho (o velho ‘tava dentro do caixão) e nisto o homem<br />

(a)levantou-se além [e disse:]<br />

[Homem:] _ Na’ tenhas medo que eu vou-te dizer uma coisa! Olha, tenho uma pereira no meu<br />

quintal – dá peras muita boas! – mas as raízes é o melhor, porque ‘tá lá uma panela de<br />

libras(5) enterrada! E tu vais e tiras aquilo (que ninguém sabe), senão aquilo estraga-se lá.<br />

O rapaz começou logo: _ Ó pá! Já ‘tou de cavalo(6)! Já vou, já me vou preparar e comprar<br />

sapatos e roupa pa’ ir ter com a princesa!<br />

Vai [diz-lhe o morto:] _ Na’ tenhas medo que eu agora caio e fico morto outra vez! (E o gajo<br />

disse pra ele ainda:) _ Olha, as peras são boas, mas o melhor é a raiz! – Disse até pra ele: _<br />

As peras são boas, mas o melhor é a raiz! (Que era a panela das libras).<br />

pa’ mulherzita:<br />

Ora o gajo ficou com aquilo tudo na ideia. No outro dia (aquilo era já noite) disse pa’,<br />

[Pastor:] _ Na’ tem aí uma enxadita?<br />

[Mulher:] _ Atão? Queres ir cavar?!<br />

[Pastor:] _ Quero ir p’ali cavar, ali um bocadito pò quintal. (Já com, com a mira(7) de ir à cata(8)<br />

da panela das libras!)<br />

Page 91<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [As três adivinhas]<br />

O gajo lá foi cavar de roda da coisa... Achou a panela. Levou-a assim pa’ mais longe.<br />

Escondeu-a (que era pa’ quando abalasse a levar). Assim foi. Ao fim de um bocado, lá ‘teve a<br />

almoçar, a comer mais a, mais a velhota e embala! Pra ir à cata da princesa!<br />

Lá vai (aquilo era já perto) lá chegou à princesa. A princesa tinha três criadas.<br />

A princesa: _ Atão tu...? O que é que tu vens fazer rapazinho? Atão tanta gente que aqui vem!<br />

‘Tá além um alçapão já cheio deles mortos! Tu és morto!<br />

[Pastor:] _ Na’ faz mal! Eu sou sozinho, na’ tenho ninguém. Na’ faz mal ser morto.<br />

Ora, ela era de roda dos livros, ele [foi] até ao portão.<br />

[Princesa:] _ Diz lá atão a tua adivinha.<br />

(Foi logo a primeira) [diz o pastor:] _ “Deixei o que na’ deixara…”<br />

[Princesa:] _ Óh, rapaz…<br />

Ela era a dar volta aos livros, aquilo na’ ‘tava lá escrito… Fez-se noite, diz para uma<br />

criada (ela tinha três criadas):<br />

[Princesa:] _Vais dormir com ele. – (A ver se el[a] descobre aquilo, a ver se ela descobre o que<br />

é o…a história dele…).<br />

Lá foi. Lá brincaram de noite e tal os dois… De manhã, ele contou-lhe a ela de manhã.<br />

[Disse-lhe a criada1:] _ Tens que me dizer agora o que é!<br />

[Pastor:] _ Ah, pois digo! Ainda tenho muitas! Ela n’ as adivinha todas! Olha, podes lhe dizer a<br />

ela que foi isto: “deixei o que na’ deixara” porque deixei um rebanho de cabras no meio de um<br />

matagal, (a)donde havia muito lobo, e não as havia de ter deixado que os lobos comiam-nas!<br />

Portanto: “deixei o que na’ deixara”.<br />

Ela sai de lá, foi logo contar à princesa. A princesa chama-o lá. [Ele] apresenta-se.<br />

[Princesa:] _ Sim senhora! Deixaste atão um rebanho de cabras que não havias de ter deixado,<br />

os lobos comiam… ‘Tá bem! Diga! Diga mais! Diga mais!<br />

[Pastor:] _ E atão “atirei c’o ruim pò pior!”<br />

[Princesa:] _ Mau...!<br />

Page 92<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [As três adivinhas]<br />

Ela ficou logo à rasca(9) outra vez! Tinha três pra ela adivinhar, ao fim das três, se<br />

adivinhasse, era muito! Ora ela todo o dia de roda daquilo outra vez…Chegou-se de noite,<br />

nada de ser capaz de adivinhar! Vai outra criada à noite ir dormir com ele! (Já na’ foi a mesma,<br />

outra! Ele conheceu as três criadas…Dormiu c’ as três!). Bom, lá de manhã [diz-lhe a criada:]<br />

[Criada2:] _ Tens de me dizer agora o que é!<br />

[Pastor:] _ Ah, pois digo! Fui eu que vinha andando, e vi uns montões de mato assim a arder<br />

num lume, e vinha uma cobra a fugir e eu ventei com ela lá pra cima e atão “atirei c’o ruim pò<br />

pior!”. (Ele já tinha, já lhe dito à criada: _ “Atirei com o ruim pò pior.”).<br />

A criada vem de lá (pumba!) vai logo contar à princesa.<br />

[Criada2:] _ Sabe o que é que foi? Foi ele que “atirou com o ruim pò pior”: era uma cobra que<br />

vinha a fugir e ele atirou com ela pra cima do lume!<br />

Ela chamou-o logo lá: _ Sim senhor! Mais! Diga! Diga mais!<br />

[Pastor:] _ E a’tão “topei o que na’ topara!” e “deixei o que não deixara” e um morto da tumba<br />

me diz “que as peras, as peras são boas, mas o melhor é a raiz!”<br />

[Princesa:] _ É páaa!<br />

Ela ficou logo à rasca, tanta coisa! Bom, “topei o que na’ topara” – ela lá ficou de roda<br />

daquilo –, as outras já nem pensar nelas (não foi capaz de adivinhar mais nenhuma).<br />

Chega de manhã, lá a outra criada, lá ia contar à patroa o que é que tinha sido.<br />

[Criada3:] _ Ora foi ele que “topou o que na’ topara: porque deu um pontapé numa pedra, ia<br />

arrancando uma unha e não havia de ter dado.<br />

Ela logo outra vez [a princesa:] _ Sim senhor! Foi isto, foi aquilo…<br />

[Pastor:] _ Eh! A’tão… “e o morto da tumba me diz que as peras são boas, melhor é a raiz”…<br />

(Bom, ela na’ foi capaz de adivinhar nada daquilo!).<br />

[Princesa:] _ Que é que…! Até que pensou: _ Bom…E resolveu ir casar com ele.<br />

Ainda agora há duas semanas ou coiso, ouvi-a lá em Évora no outro dia…Isto já aí<br />

há… há cinquenta e tantos anos que isto foi!»<br />

Page 93<br />

Mano Vitorino, 76 anos, Mora, (conc. Mora), Junho 2007.<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 4


Glossário:<br />

Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [As três adivinhas]<br />

(1) Montezito: Designação dada na província do Alentejo a uma herdade ou à sede de uma herdade, formada por<br />

vários edifícios em torno de um pátio.<br />

(2) Pedir quartel: alojamento, guarida.<br />

(3) Companha: companhia.<br />

(4) Amortalhado: vestido com a mortalha, no caso o traje com que o cadáver que vai ser sepultado.<br />

(5) Libra: antiga moeda de prata.<br />

(6) Já estou de cavalo: a subir na vida.<br />

(7) Mira: com o intuito de.<br />

(8) À cata: à procura.<br />

(9) À rasca: em dificuldades.<br />

Page 94<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 5


→ Classificação do Conto:<br />

Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [As três adivinhas]<br />

[As três adivinhas]<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 851 A<br />

Princesa que não soube Resolver o Enigma.<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.<br />

→ Assunto: Uma princesa dispõe-se a casar com quem lhe apresente três adivinhas às quais<br />

não consiga dar resposta. Um jovem e perspicaz pastor aceita o desafio.<br />

→ Palavras-chave: adivinhas, alentejo, boi, cabra, casamento, criada, cobra, evora, libra livro,<br />

lobo, lume, mora, morto, pastor, pedra, pera, pereira, princesa, raiz, trigo<br />

Região: Alto Alentejo<br />

Distrito: Évora<br />

Concelho: Mora<br />

Localidade: Mora<br />

Contador: Mano Vitorino<br />

Idade: 76 anos<br />

Residência: Mora<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: José Barbieri<br />

Data de Recolha: Junho 2007<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Junho 2007<br />

Duração vídeo: 0:08:39 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 7.590<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 95<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 6


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / [Ás avessas]<br />

Ás avessas<br />

«Era uma vez um homem e não era, que andava lavando na serra.<br />

Veio-lhe a notícia que o pai tinha morrido e a mãe tinha nascido.<br />

Pôs os bois às costas, o arado(1) a comer e meteu-se por um vale abaixo.<br />

Sem rumo meteu-se por um vale abaixo.<br />

Achou um ninho de carcaz, que é um passarinho assim deste tamanho, com três olhos da<br />

batarda (2). A batarda tem uns olhos! E nesse ninho tinha três olhos da batarda.<br />

Deu dois a uma burra parda(3): saíram três galguinhos.<br />

Foi com eles à caça. Foi com eles à caça, apanhou uma lebre.<br />

Meteu-se por um barranco(4) abaixo, encontrou um meloal.<br />

Eh! Que tanto melão que este meloal tem! Chegou ao meloal e atão arrancou uma melancia –<br />

tinha lá melões, arrancou uma melancia.<br />

E veio o meloeiro e disse-lhe assim: chegou-lhe com um bogango(5) e sentou com um pepino.<br />

Deu meio no artelho(6), correu sangue até ao joelho!»<br />

Glossário:<br />

(1) Arado: Instrumento para lavrar a terra.<br />

Edvige Rafael, 68 anos, Baleizão (conc. Beja), Fevereiro 2006.<br />

(2) Batarda: Ave pernalta e de arribação das regiões quentes e temperadas, comestível, de grandes<br />

dimensões, pertencente à família Otilidae, conhecida também pelos nomes de betarda e peru<br />

selvagem.<br />

(3) Parda: cinzenta; a cor entre branco e preto.<br />

(4) Barranco: Lugar cavado por enxurradas ou por outra causa; escavação natural.<br />

(5) Bogango: espécie de abóbora (Cucurbita melanosperma).<br />

(6) Artelho: tornozelo.<br />

Page 96<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


→ Classificação do Conto:<br />

Conto formulístico.<br />

Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / [Ás avessas]<br />

Ás avessas<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 2014 Cadeias<br />

que Envolvem Contradições ou Extremos.<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/Universidade do Algarve) em Junho de 2007.<br />

→ Assunto: Conto com cadeias que envolvem contradições ou extremos.<br />

Palavras-chave: alentejo, arado, artelho, baleizão, barranco, batata, beja, bois, burra, caça,<br />

cão, galgos, joelho, lebre, mãe, melancia, melão, meloal, meloeiro, ninho, olhos, pai, pássaro,<br />

pepino, sangue, serra, vale<br />

Região: Baixo Alentejo<br />

Distrito: Beja<br />

Concelho: Beja<br />

Localidade: Baleizão<br />

Contador: Edvige Rafael<br />

Idade: 68 anos (8/9/1937)<br />

Residência: Baleizão<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: Marta do Ó<br />

Data de Recolha: Fevereiro 2006<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Maio 2007<br />

Duração vídeo: 0:00:52 segundos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 902<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 97<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


«Mas eu mingo-os!<br />

Olhe era da Bicharada. Era assim:<br />

Transcrições / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / Bicharada<br />

Bicharada<br />

Ele disse assim, dizia assim: _Eu hoje ‘tou muito apoquentado(1)!<br />

_Atão? Porquê?<br />

_Porque deixei o sardão de cama c’a cabeça escavacada! Dei-lhe um saco de tanta pancada,<br />

que atirou com ele à lama.<br />

E salta a minhoca de fama, visto de uma cama que até dobra! E dizia: _ Se este<br />

barulho n’acaba, ainda aqui trago más obras!<br />

Salta a mérola lá da ramalheira(2) num macaco aos sopapos(3)! – Era dia de São<br />

Martinho, ela já estava com a bebedeira – e toca no macaco aos sopapos. E o que é que<br />

acontece?<br />

O macaco ardia[m]-lhe os sopapos e dizia: _Olha! Atão quando este buliço(4) armou… houve<br />

bastante razão pra isso!<br />

[Mérola:] _ Foi por causa de um ouriço que comeu e na’ pagou!<br />

Vem de lá a cobra! Vem de lá a cobra e enrresta c’ o cuco.<br />

E o cuco disse assim: _ Olha, eu agora vou aqui fazer uma açudeca(5)! Olha, vou espetar o<br />

biquinho da navalha (no bico) no bandulho da cobra! – disse o cuco!<br />

Vem de lá o latibó e disse: _ Olha que eu sou o latibó! Se o barulho n’a acaba, eu faço-te os<br />

ossos em pó!<br />

E ele disse (o cuco): _ Ai, ai! Lá vai o cuco deserdado pò campo da manorra(6), por ter<br />

espetado só o biquinho no bandulho da cobra!<br />

Page 98<br />

(E o cuco) o latibó disse: _ Cá vai! Cá vai! Cá vai! (Nunca ouviu esta de ele dizer “cá vai”, “cá<br />

vai? Era… bom, deixa lá acabar esta…) _ Cá vai, cá vai… Eu tenho de ir provar o bom vinho,<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / Bicharada<br />

que é dia de São Martinho! Se o barulho n’acaba, eu faço aqui um grande barulhinho! E faço<br />

os ossos em pó: sou o latibó!<br />

Bom e vinha um rapazinho, de sobreira em sobreira, a ouvir aquela coisa – e com<br />

medo! – que era a bicharada toda! A’pois o rapazinho espreitava assim: atrás dos sobreiros…<br />

O que é que acontece? Vi um (meteu) viu um passarinho a entrar pra dentro do talouco(7)!<br />

D’um… assim dum buraco no sobreiro…<br />

E vai e diz assim: _ Olha, entrou pr’ aqui um passarinho…<br />

Meteu lá o, a mão (isto já eu estou eu a encurtar; eu estou-lhe a tirar os pontos<br />

maldosos!) e atão o rapazinho meteu a mão no talouco… ‘Tava lá um ninho – ele contente<br />

andava louco! Mexia-lhe: ele não mordia!<br />

E ia dizendo: _ O passarinho é meu! Mexi-lhe, ele não me mordeu! E o passarinho é meu! E o<br />

passarinho é meu…<br />

E vai o passarinho zangou-se, deu um avão e desapareceu!<br />

Bendito louvado, parece que o continho está acabado! Eu já na’ posso dizer nada!»<br />

Glossário:<br />

(1) Apoquentado: preocupado; afligido.<br />

(2) Ramalheira: ramos e folhas de árvores.<br />

(3) Sopapos: murros; bofetões.<br />

(4) Buliço: o mesmo que bulício – agitação, desassossego.<br />

Luísa de Jesus, 76 anos, Amieiras (conc. Mora), Junho 2007.<br />

(5) Fazer uma açudeca – fazer uma instigada, uma investida (de açudar: instigar, impulsionar).<br />

(6) Talouco – no caso similar a taloca: buraco; toca.<br />

(7) Avão: pássaro negro ou muito escuro, afim do andorinhão, mas de menores dimensões, e também<br />

conhecido por pedreiro, aivão, arvião, gaivão, avoão, chião, gaivoto, galriço, guincho, guizo, marinete,<br />

papalvo, perderneira, zirro, etc.<br />

Page 99<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


→ Classificação do Conto:<br />

Conto cumulativo (não classificável).<br />

Transcrições / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / Bicharada<br />

Bicharada<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.<br />

→ Assunto: Da (in)disposição de alguns animais em dia de São Martinho…<br />

→ Palavras-chave: alentejo, amieiras, barulho, bandulho, bebedeira, bicharada, buraco, cama,<br />

cobra, cuco évora, latibó, mora, minhoca, mérola, macaco, navalha, ninho, ouriço, ossos,<br />

pancada, passarinho, pó, rapaz, sãomartinho, sardão, sobreiro, sopapos, vinho<br />

Região: Alto Alentejo<br />

Distrito: Évora<br />

Concelho: Mora<br />

Localidade: Amieiras<br />

Contador: Luísa de Jesus<br />

Idade: 76 anos<br />

Residência: Amieiras<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: José Barbieri<br />

Data de Recolha: Junho 2007<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Novembro 2007<br />

Duração vídeo: 2:33 minutos<br />

Caracteres (incluindo): 2580<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 100<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Transcrições Integrais / Anedotas / Baixo Alentejo / Serpa / [O cão, a vaca e o burro]<br />

[O cão, a vaca e o burro]<br />

«E outro também! Este é já muito velho! É quando os animais falavam.<br />

E apois foi… foi obrigado a tirar uma licença para os cães – antigamente na’ havia! Foi<br />

na época de tirarem depois aquela licença para os cães. E tinham que andar, tinham que ter<br />

licença, e tinham que andar açaimados. E apois mais tarde veio, daí a poucachinho tempo, pra<br />

andarem também com um pau à rojo.<br />

Vê que os animais ainda falavam nesse tempo. E juntou-se o cão e…e uma vaca e um<br />

burro. Juntaram-se os três e começaram a conversar.<br />

Diz o cão assim: _ Tenho que me ir embora! Tenho que me ir embora aqui de Portugal que eu<br />

aqui não me posso governar! Vou-me embora para outro país qualquer, mas tenho que me ir<br />

embora daqui.<br />

Diz-lhe a vaca: _ Então e vais-te embora porquê?<br />

[Cão:] _ Vou-me embora porque para andar em Portugal preciso de uma licença. Tenho que<br />

andar açaimado e com um pau à rojo (atado ao pescoço, com uma corda). Então vou-me<br />

embora de Portugal.<br />

E diz a vaca pra ele: _ Pois eu também vou contigo! Vamos os dois.<br />

Diz-lhe o cão: _ Então e tu vais porquê?<br />

[Vaca:] _ Porque aqui em Portugal ‘tá tudo fino na mão e eu não posso dar mama a tanta<br />

gente! E então vou-me embora também.<br />

E diz o burro assim: _ Pois eu não me vou embora!<br />

E dizem os outros: _ Então e tu não te vens embora porquê?<br />

[Burro:] _ Porque tenho visto outros muito mais burros do que eu serem advogados e eu ainda<br />

espero ser alguma coisa!<br />

E eu ‘tou desconfiado que já falta pouco para porem algum burro lá no governo! (…)<br />

Este também ‘tava bom!»<br />

Page 101<br />

Francisco Galamba; 84 anos, Ficalho, (conc. Serpa), Fevereiro 2006.<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições Integrais / Anedotas / Baixo Alentejo / Serpa / [O cão, a vaca e o burro]<br />

→ Classificação:<br />

[O cão, a vaca e o burro]<br />

Narrativa não classificável (apresentação por géneros).<br />

Anedota.<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.<br />

→ Palavras-chave: alentejo, advogado, animais, burro, cão, emigração, ficalho, licença,<br />

profissão, serpa, vaca<br />

Região: Baixo Alentejo<br />

Distrito: Beja<br />

Concelho: Serpa<br />

Localidade: Ficalho<br />

Contador: Francisco Galamba<br />

Idade: 84 anos (31/10/1922)<br />

Residência: Ficalho<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: Cristina Taquelim<br />

Data de Recolha: Fevereiro 2006<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa em Abril de 2007<br />

Duração vídeo: 0:01:59 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 1610<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 102<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições / Casos / Alto Alentejo /Évora / Mora / [Ida ao Balancé]<br />

[Ida ao Balancé]<br />

«Como agora há o jogo da malha, antigamente havia o jogo do balancé. Mas aquilo só<br />

lá ia gente de bem! Muito bem preparados, não é verdade?<br />

E atão quem era o presidente lá do jogo do balancé? Era o meu avô. E depois o meu<br />

pai era assim rapazote e tinha uns colegas e um colega disse:<br />

[Rapaz:] _Ó pá! Pede lá ao teu pai pa’ me levar a um jogo do balancé!<br />

[Filho:] _Ãh! Aquilo tem que ser gente de bem! Muito bem preparado…<br />

E o rapaz disse: _ Mas eu vou-me preparar bem! – Assim foi. Foi-se preparar bem…<br />

Até que o meu avô disse: _Atão vá! Diz lá ao teu colega que venha. Ele diz que se prepara<br />

bem…<br />

E ele começou a dizer:<br />

Pra um balancé fui convidado<br />

pel’ um rapaz meu amigo.<br />

Eu deveras ia vestido,<br />

pra não me ver envergonhado.<br />

Levava colete encarnado,<br />

calça meia carmesim.<br />

Eu deveras lhe apareci<br />

pra não me ver envergonhado.<br />

Mas não sei que voltas o balancé deu,<br />

que abalei de lá todo cagado!»<br />

Desculpem a expressão que não é da minha relação! Ai Jesus! E atão foi…E bendito<br />

louvado o continho ‘tá acabado e, e na’ sei se não será do vosso agrado!»<br />

Glossário:<br />

Luísa de Jesus, 76 anos, Amieiras (conc. Mora), Junho 2007.<br />

Balancé – no caso pequeno baile associado a um passo de dança de quadrilha em que o corpo se<br />

balança compassadamente de um pé para o outro em tempos iguais (do francês balancé).<br />

Page 103<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


→ Classificação:<br />

Transcrições / Casos / Alto Alentejo /Évora / Mora / [Ida ao Balancé]<br />

[Ida ao Balancé]<br />

Narrativa não classificável (apresentação por géneros).<br />

Caso.<br />

→ Assunto: Ida de um moço ao jogo do balancé.<br />

→ Palavras-chave: alentejo, amieiras, amigo, balancé, cágado, calça, carmesim, colega,<br />

colete, convidado, encarnado, envergonhado, evora gente, jogo, malha, mora, preparada,<br />

presidente, rapaz<br />

Região: Alto Alentejo<br />

Distrito: Évora<br />

Concelho: Mora<br />

Localidade: Amieiras<br />

Contador: Luísa de Jesus<br />

Idade: 76 anos<br />

Residência: Amieiras<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: José Barbieri<br />

Data de Recolha: Junho 2007<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa em Novembro de 2007<br />

Duração vídeo: 1:12 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 1.208<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 104<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições/ Anedotas / Baixo Alentejo / Beja / [A carta da Algarvia]<br />

[A Carta da Algarvia]<br />

«E a minha mãe até dava pra contar assim às vezes qualquer coisa que se passava<br />

aqui [em Beringel], às vezes contando assim (quando ela era nova e as algarvias vinham pra<br />

cá mondar(1)).<br />

E atão ia um carro (…) para as trazer. Quando abalava, eram famílias a despedir-se<br />

delas: _ Façam boa viagem! Tenham por lá festas alegres! (Porque vinham…) Tenham por lá<br />

festas alegres! Já lá chegando, escrevam, mandem o retrato (por jeitos aquilo era a mesma<br />

coisa! Escrevam ou mandem o retrato).<br />

Bom, chegavam cá – não sabiam ler – começavam elas a dizer ao rapaz que andava<br />

com elas na monda (que era o filho do patrão – que era só quem sabia ler era essa gente):<br />

[Algarvia:] _Tenho que escrever uma carta ao meu namorado! E você…<br />

[Filho do patrão:] _ Atão aí amanhã traga a carta que eu, aí à hora do meio-dia –<br />

quando estavam, acabavam de almoçar – e atão escrevia a carta. (E jantar, que nesse tempo<br />

era jantar e, à noite, era cear).<br />

Ia para escrever a carta:<br />

[Filho do patrão:] _ Bom, atão vá! – A mesa posta… Olhou a uma coisinha para pôr ali uma<br />

tábua, para escrever. – Atão vá. Diga lá o que é que quer mandar ao seu namorado.<br />

[Algarvia:] _Bom, então escreva lá:<br />

“ Cá te escrevo, lá m’a leias.<br />

Se m’ amas, manda-me dizer;<br />

E se não m’ amas, manda-me dizer também;<br />

E se mamas à vida(2), traz-me um lenço;<br />

E as minhas papo contigo só à vista terem fim. “<br />

Era a carta que era pa’ escrever.<br />

[Entrevistadora:] _ Diga lá outra vez, que eu não percebi metade!<br />

[Dona Olívia:] _“Se m’ amas, manda-me dizer” – era a carta. Agora ela escrevendo a carta<br />

o’pois ele devolvia-lhe, escrevia-lhe também pra cá. Respondia à carta que ela mandava.<br />

Page 105<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


“Se m’ amas, manda-me dizer;<br />

Transcrições/ Anedotas / Baixo Alentejo / Beja / [A carta da Algarvia]<br />

E se não m’ amas, manda-me dizer também;<br />

E se mamas à vida, traz-me um lenço;<br />

E as minhas papo contigo só à vista terem fim.<br />

dá saudades à Maria Fantocha<br />

e à Mariana Carcorcheira (foi as que ficaram lá, que não vieram à monda).<br />

Era a carta dela.»<br />

Glossário:<br />

(1) Mondar: Arrancar das ervas nocivas na seara.<br />

(2) Se mamas à vida: viver folgado sem preocupações económicas.<br />

Page 106<br />

Olívia Brissos, Beringel (conc. Beja), Fevereiro de 2006.<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Classificação:<br />

Transcrições/ Anedotas / Baixo Alentejo / Beja / [A carta da Algarvia]<br />

[A carta da Algarvia]<br />

Narrativa não classificável (apresentação por géneros).<br />

Anedota.<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.<br />

Palavras-chave: alentejo, algarvia, almoço, amar, beja, beringel, carta, ceia, escrever, jantar,<br />

lenço, ler, mamas, monda, retrato<br />

Região: Baixo Alentejo<br />

Distrito: Beja<br />

Concelho: Beja<br />

Localidade: Beringel<br />

Contador: Olívia Brissos<br />

Residência: Beringel<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: Cristina Taquelim<br />

Data de Recolha: Fevereiro 2006<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa em Maio de 2007<br />

Duração vídeo: 0:2:03 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 2100<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 107<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Transcrições / Versos / Alto Alentejo / Évora / Mora / Casei com uma velha<br />

Casei com uma velha<br />

«Esta agora… Agora é uma assim muito implicada…É uma anedota de outra espécie.<br />

Eu casei com uma velha<br />

que ainda usava toca.<br />

Ela era das pernas caneja(1)<br />

e tinha dez metros de boca.<br />

Eu pus-me a ver com perfeição<br />

a ver o que a velha comia:<br />

ela comia trinta pães por dia<br />

e alqueire(2) e meio de feijão.<br />

Ela comia à proporção.<br />

Eu que o digo, eu sei.<br />

Eu tanta comida lhe dei<br />

até ela deitar pelos ouvidos.<br />

Ela comia cornos cozidos,<br />

uma velha que eu arriguei».<br />

Glossário:<br />

(1) Caneja: tinha as pernas tortas.<br />

Mano Vitorino, 76 anos, Amieiras (conc. Mora), Junho 2007<br />

(2) Alqueire: antiga unidade de medida de capacidade para secos e líquidos, que varia entre os 13 e os<br />

22 quilos.<br />

Page 108<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


→ Classificação:<br />

Versos.<br />

Transcrições / Versos / Alto Alentejo / Évora / Mora / Casei com uma velha<br />

Versos: Casei com uma velha<br />

2 quadras e 2 sextilhas (jocosas).<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.<br />

→ Assunto: Descrição jocosa de uma cônjuge idosa.<br />

→ Palavras-chave: alentejo, amieiras, casei, velha, touca, caneja, boca, évora, mora, pão,<br />

feijão, comida, ouvidos, cornos<br />

Região: Alto Alentejo<br />

Distrito: Évora<br />

Concelho: Mora<br />

Localidade: Amieiras<br />

Contador: Mano Vitorino<br />

Idade: 76 anos<br />

Residência: Amieiras<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: José Barbieri<br />

Data de Recolha: Junho 2007<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Novembro 2007<br />

Duração vídeo: 0:47 segundos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 526<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 109<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


«Eu amei uma sopeira<br />

Transcrições integrais / Versos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [A boa sopeira].<br />

e que era boa de trincar.<br />

Charutinhos para fumar,<br />

nunca me faltavam na charuteira!<br />

Ela era uma brasileira<br />

que me dava o que comer.<br />

Eu sempre o hei-de de dizer<br />

que ela não era ruim.<br />

E coisa melhor para mim,<br />

era impossível haver!<br />

Olhe que ela pedia à patroa<br />

alguns fatinhos do patrão.<br />

E depois dizia que era pa’ um irmão<br />

que lá tinha em lisboa.<br />

Mas como era cá pa’ pessoa,<br />

ninguém precisava saber,<br />

ali é que era romper<br />

boa calça e melhor jaqueta.<br />

E uma sopeira tão perfeita<br />

era impossível haver.»<br />

[A boa sopeira]<br />

Page 110<br />

Edmundo Manuel, 77 anos, Mora, Junho 2007.<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições integrais / Versos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [A boa sopeira].<br />

→ Classificação dos Versos:<br />

Duas décimas.<br />

[A boa sopeira]<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.<br />

→ Assunto: Relação amorosa com uma sopeira.<br />

→ Palavras-chave: alentejo, amar, brasileira, calça, charutos, comer, évora, fatos, fumar,<br />

irmão, jaqueta, lisboa, mora, patrão, patroa, perfeita, sopeira<br />

Região: Alto Alentejo<br />

Distrito: Évora<br />

Concelho: Mora<br />

Localidade: Mora<br />

Contador: Edmundo Manuel<br />

Idade: 77 anos<br />

Residência: Mora<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: José Barbieri<br />

Data de Recolha: Junho 2007<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Outubro 2007<br />

Duração vídeo: 0:38 segundos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 572<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 111<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições / Contos / Baixo Alentejo / Beja / [Corre, corre cabacinha]<br />

[Corre, corre cabacinha]<br />

«Há também uma velhota que, que vivia num monte(1). E (a)depois foi à da(2) filha e ia<br />

por o mato afora, tira-tira-beco-beco∗, por o mato afora, chegou lá adiante encontrou um lobo.<br />

[Lobo:] _ Agora como-te! – [disse] o lobo. _ Tem paciência, mas agora como-te!<br />

[Velha:] _ Ai não! Olha na’ me comas agora, que eu vou ao casamento da minha neta e já<br />

venho mais gorda! Nessa altura já me comes, mas agora ainda estou tão magrinha! Ainda<br />

estou tão magrinha, na’ vale a pena!<br />

[Lobo:] _ Atão ‘tá bem. (Bom e tudo falava nessa altura: falavam os lobos e falavam as velhas).<br />

Abalou a velhota, tira-tira-beco-beco, foi à da filha.<br />

Bom, chegou lá, houve o casamento d[a] net[a]. Quando acabou com isso, diz ela:<br />

[Velha:] _ Ai! Diga lá, agora como é que eu agora vou pra casa! Atão o lobo ‘tá aí à minha<br />

espera! Ele disse logo que me esperava.<br />

[Familiar:] _Ai na’ senhora! Espere que a gente temos aqui uma cabaça(3). Pois, vai… Ela vai<br />

na… A gente arranja-lhe aqui a cabaça e você vai dentro!<br />

Tiveram raspando aquilo tudo e meteram a velha na cabaça. Bom, abala [a velha]<br />

rebolando. E encontra, viu atão [o lobo]. Diz ele:<br />

[Lobo:] _ Ó cabacinha, não viste pràí uma velhinha?<br />

[Responde a cabaça:] _ Eu na’ vi nem velhinha nem velhão! Corre, corre cabacinha, corre,<br />

corre cabação!<br />

Lá abalou rebolando, rebolando. E pronto, o lobo ficou à espera. E ela abalou<br />

rebolando. Rebolando foi pra casa.<br />

∗<br />

Também deve ser verdade, esta!<br />

[Entrevistadora:] _ ‘Tava a contar essa história e ‘tava a ouvir a senhora dizer esse tira-tira,<br />

beco-beco…Como é que é que diz?<br />

[D. Olívia:] _ É tira-tira, beco-beco.<br />

[Entrevistadora:] _ Atão o que é isso? Ouvia ou…<br />

Page 112<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições / Contos / Baixo Alentejo / Beja / [Corre, corre cabacinha]<br />

[D. Olívia:] _ Um andamento qualquer que a gente… A minha neta (quando eu vou lá) é que<br />

me diz (comecei a dizer isto) e atão a minha neta [diz-me] atão: _ A avó atão já vai tira-tira,<br />

beco-beco? Cantando muito calada, n’ é verdade? _ Pois, atão agora vou cantando muito<br />

calada. É uma maneira de dizer.»<br />

Glossário:<br />

Olívia Brissos, Beringel (conc. Beja), Fevereiro de 2006.<br />

(1) Monte: Sede de herdade, na província do Alentejo, formada por vários edifícios em torno de um pátio;<br />

designação por vezes atribuída à própria herdade.<br />

(2) Ir á da: Expressão alentejana que significa ir à casa de alguém, no caso, à casa da filha.<br />

(3) Cabaça: Espécie de abóbora, tipicamente estrangulada quase a meio, que, depois de despojada das<br />

sementes e completamente seca, pode ser usado como vasilha para líquidos.<br />

Page 113<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


→ Classificação do Conto:<br />

Conto de animais.<br />

Transcrições / Contos / Baixo Alentejo / Beja / [Corre, corre cabacinha]<br />

[Corre, corre cabacinha]<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: Marzolph *122 F<br />

(Fuga dentro de uma cabaça).<br />

Versões conhecidas: 91 portuguesas; 6 iranianas; 2 espanholas; 2 brasileiras; 1<br />

angolana; 1 nepalesa.<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.<br />

→ Assunto: Através da astúcia, uma velhinha escapa a um lobo guloso.<br />

→ Palavras-chave: animal, alentejo, beja, beringel, cabaça, casamento, lobo, monte, velha<br />

Região: Baixo Alentejo<br />

Distrito: Beja<br />

Concelho: Beja<br />

Localidade: Beringel<br />

Contador: Olívia Brissos<br />

Residência: Beringel<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: Cristina Taquelim<br />

Data de Recolha: Fevereiro 2006<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Maio 2007<br />

Duração vídeo: 0:01:54 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 2659<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 114<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Transcrições / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / Corre, corre cabacinha (2)<br />

Corre, corre cabacinha (2)<br />

«Era uma vez uma, uma velhinha. Bem coitadita, na’ tinha mais ninguém, vivia sozinha<br />

no meio de uma floresta.<br />

Mas noutros tempos tinha tido uma filha. A filha entretanto cresceu, fezse mulher –<br />

fez--se uma senhora – foi pra lisboa. Lá, arranjou um rapaz pa’ namorar e tratou do casamento.<br />

E a velhinha sempre lá a viver na floresta. Um belo dia chega-lhe a filha à porta – um<br />

grande automóvel, tudo muito preparado – pa’ convidar a mãe pò casamento.<br />

E diz-lhe a mãe: _ Ó filha! Como é que tu queres que eu vá pò casamento, se eu vivo<br />

aqui no meio de uma floresta destas?! Atão os lobos comem-me no caminho!<br />

[Filha:] _Na’ comem! Ó mãe na’ tenhas medo que os lobos na’ te comem! Vá!<br />

Bem, assim foi. A velhota lá foi. Chega assim a um serrozinho(1) aparece um lobo com<br />

os dentes arreganhados!<br />

[Lobo:] _Ai, velha! Que eu agora como-te!<br />

A velha, esperta, as velhas são todas espertas! E diz-lhe pra ele:<br />

[Velha:] _ Olha! Olha lobo vamos fazer aqui um contrato: na’ me comas! Que eu agora vou ao<br />

casamento da minha filha – como lá muita carne e muito bolo – e venho de lá mais gorda!<br />

Atão, depois tu comes-me.<br />

[Lobo:] _’Tá bem! – O lobo muito guloso…_ ‘Tá certo.<br />

Lá vai a velhinha. Ora, um grande casamento: comeu, bebeu, comeu, bebeu… Passa<br />

três dias naquela vida… A velha já não parecia a mesma! Nisto aproxima-se a hora de ela se ir<br />

embora e começa a chorar!<br />

Diz-lhe (uma), a filha: _ Ó mãe! Tu ‘tás a chorar de quê?<br />

Page 115<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / Corre, corre cabacinha (2)<br />

[Velhinha:] _Ora filha… Atão eu combinei com o lobo, quando vinha pra cá, que vinha ao teu<br />

casamento e agora à volta pra lá é que ele me comia que eu ‘tava mais gorda! E agora ele ‘tá<br />

lá.<br />

[Filha:] _Olha, na’ tenha medo! Na’ há problema. Tome lá esta cabaça. Quando for lá quase a<br />

chegar, meta-se dentro da cabaça. Deixa que o lobo… Deixa… Você sabe o que é que há-de<br />

fazer! Tal e qual!<br />

Quando ia lá a chegar ao serrozinho lá estava o lobo.<br />

A velhota: _ Bem, é aqui que o lobo deve de estar. – Lá se enrolou toda dentro da cabacinha,<br />

quietinha dentro da cabacinha, e lá vai a (cabecinha) cabacinha a rebolar.<br />

Pára-a o lobo! Diz o lobo: _ Ó cabacinha! Tu não viste p’aí uma velhinha?!<br />

[Velhinha:]<br />

_Eu na’ vi cá nem velhinha, nem velhão!<br />

Rebola cabacinha, rebola cabação!<br />

Leva-me à minha casinha, leva-me ao meu casão!<br />

E tu lobo ficaste aí feito gulosão,<br />

que na’ meteste o dentão!»<br />

Glossário:<br />

E pronto. Assim o enganou!<br />

(1) Serrozinho: pequeno terreno montanhoso e desabrigado.<br />

Page 116<br />

Maria Augusta, 75 anos, Mora, (conc. Mora), Junho de 2007.<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / Corre, corre cabacinha (2)<br />

→ Classificação do Conto:<br />

Corre, corre cabacinha (2)<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: *122 F (Marzolph)<br />

Fuga dentro de uma Cabaça.<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.<br />

→ Assunto: Através da astúcia uma velhinha escapa a um lobo guloso.<br />

→ Palavras-chave: alentejo, amieiras, animal, bolo, casa, chorar, évora, cabaça, casamento,<br />

carne, dente, filha, floresta, gorda, guloso, lobo, mora, rebolar, velhinha<br />

→ Palavras-chave: alentejo, amieiras,<br />

Região: Alto Alentejo<br />

Distrito: Évora<br />

Concelho: Mora<br />

Localidade: Amieiras<br />

Contador: Maria Augusta<br />

Idade: 75 anos<br />

Residência: Mora<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: José Barbieri<br />

Data de Recolha: Junho 2007<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Novembro 2007<br />

Duração vídeo: 2:49 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 2472<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 117<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


«Eu nunca soube mentir.<br />

Eu só sei falar verdade.<br />

Eu já vi chover albardas(1),<br />

quinze dias numa tarde.<br />

Transcrições / Versos / Alto Alentejo / Évora / Mora / Eu nunca soube mentir<br />

Quando o meu bisavô nasceu<br />

tinha eu catorze anos.<br />

Usava umas botas com cano<br />

que o pai dele me ofereceu.<br />

Nesse tempo estava eu<br />

em avançada idade.<br />

Eu tinha muita habilidade,<br />

não sabia fazer nada.<br />

Comia sopas com uma enxada<br />

e nesse tempo estava eu».<br />

Glossário:<br />

Eu nunca soube mentir<br />

Mano Vitorino, 76 anos, Amieiras (conc. Mora), Junho 2007<br />

(1) Albarda – espécie de sela feita de pano grosseiro ou lona, cheia usualmente de palha, para bestas de<br />

carga; jaqueta ou casaco mal feitos.<br />

Page 118<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


→ Classificação:<br />

Versos.<br />

Transcrições / Versos / Alto Alentejo / Évora / Mora / Eu nunca soube mentir<br />

2 quadras e 1 sextilha (patranhas).<br />

Eu nunca soube mentir<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.<br />

→ Assunto: “Eu nunca soube mentir” diz um mentiroso…<br />

→ Palavras-chave: albardas, alentejo, amieiras, bisavô, botas, enxada, évora, habilidade,<br />

idade, mentir, mora, nascer, pai, sopas, tarde, verdade<br />

Região: Alto Alentejo<br />

Distrito: Évora<br />

Concelho: Mora<br />

Localidade: Amieiras<br />

Contador: Mano Vitorino<br />

Idade: 76 anos<br />

Residência: Amieiras<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: José Barbieri<br />

Data de Recolha: Junho 2007<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Novembro 2007<br />

Duração vídeo: 0:35 segundos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 418<br />

Page 119<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições integrais / Versos / Baixo Alentejo / Serpa / [É falta de educação]<br />

[É falta de educação]<br />

«[Versos] que ele fez à minha avó (que eles davam-se muito bem).<br />

Um dia, ele fez-lhe um versozinho assim: (Esta minha Marelei…).<br />

Esta minha Marelei,<br />

isto mais das vezes é,<br />

de na’ beber o café.<br />

Se não for eu ser quem é,<br />

já me teria batido,<br />

que eu já lhe tenho ofendido,<br />

ganhado apertões de goelas.<br />

Já tinha arrotado a elas,<br />

se tivesse outro marido.<br />

Page 120<br />

Francisco Galamba, 84 anos, Ficalho (conc. de Serpa), Fevereiro 2006.<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições integrais / Versos / Baixo Alentejo / Serpa / [É falta de educação]<br />

Classificação dos Versos:<br />

Décima.<br />

[É falta de educação]<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.<br />

Assunto: Família.<br />

Palavras-chave: alentejo, café, educação, ficalho, marido, serpa<br />

Região: Baixo Alentejo<br />

Distrito: Beja<br />

Concelho: Serpa<br />

Localidade: Ficalho<br />

Contador: Francisco Galamba<br />

Idade: 84 anos (31/10/1922)<br />

Residência: Ficalho<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: Cristina Taquelim<br />

Data de Recolha: Fevereiro 2006<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Julho 2007<br />

Duração vídeo: 0:38 segundos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 501<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 121<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


11:08:59<br />

Transcrições / Casos / Baixo Alentejo / Beja / [O genro bêbado]<br />

[O Genro bêbado]<br />

«Havia também assim às vezes aqueles contozinhos pequeninos que era[m]… que a<br />

gente ia buscar. Quer dizer, não era bem um conto mas era assim uma… passagem de nível<br />

sem guarda…<br />

Era assim: havia uma rapariga que começou a namorar um rapaz logo de mocinha. E o<br />

rapaz, muito bom rapaz, fez-se homem e afinal que, quando se fez homem, dá-se em meter em<br />

bebida. E aquilo já não era nada de jeito.<br />

Começa a mãe [para a filha:]<br />

[Mãe:] _ Ó filha deixa-te disso, tu não vês o resultado daquilo! Na’ vês que o rapaz que não,<br />

não dá meia para a esquerda(1)! É só beber, só beber!<br />

[Filha:] _ Ah! E diga lá atão, mas eu até gosto tanto dele! E há tantos anos que eu namoro.<br />

[Mãe:] _ Mas é o mesmo! Havia de haver outro que tu gostasses e afinal que…<br />

Bom, a mãe toda zangada com a filha. Bom, mas ela pensou que havia de namorá-lo,<br />

foi sempre namorando. Até que um dia veio e diz ela [à mãe:]<br />

[Filha:] _Olhe, o Zé quer casar já este ano.<br />

[Mãe:] _Olha agora é que a gente fica bem! Ora um bêbado daqueles! E quer casar!<br />

[Filha:] _Sim senhora!<br />

[Mãe:] _Nem casa hão-de ter! Comigo não ficam! – (Isto era a mãe) – Comigo não ficam!<br />

Arranjem casa que comigo não ficam.<br />

[Filha:] _Ora atão diga lá… Olhe a vizinha Alice (a mulher tinha ido pra fora, prò estrangeiro e)<br />

aluga aqui a casa à gente. (Parede meias(2) com a mãe, mesmo ao pé da mãe).<br />

Diz ela: _ Olha ainda mais essa(3)! Ainda se fossem lá pra longe, ainda era com’ó outro! Agora<br />

ficam-me aqui mesmo ao pé!<br />

[Filha:] _Atão diga lá, ele quer ficar mesmo aqui... ele arranjou aqui a casa, a vizinha Alice<br />

empresta-lhe a casa e fica aqui.<br />

Bom, trataram do casamento. Casaram e ficaram lá nesse sítio à mesma.<br />

Page 122<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


11:08:59<br />

Transcrições / Casos / Baixo Alentejo / Beja / [O genro bêbado]<br />

O rapaz logo em princípio de casado portou-se como a primeira mulher do Carochinho<br />

(que era uma magana(3) de marca que andava aí*). Portou-se bem nessa altura, mas depois<br />

começou na mesma: sempre bêbado, sempre bêbado…<br />

Uma noite vem de lá, se havia de ir prà casa dele, foi prà da sogra. (Era paredes<br />

meias). Deitou-se com ela e passou lá o resto da noite com ela. Só se levantou quando eram<br />

horas de ir já prò trabalho. Levantou-se e ela – nem nada! – desejando vir de manhã pra dizer à<br />

filha o que ele andava fazendo.<br />

Bom, assim que ele abala, ela veio cá a casa (viu que ele já tinha ido para o trabalho)<br />

vem cá à casa e diz:<br />

[Mãe:] _ Atão! Tu sabes bem?! O desavergonhado do teu marido?! Atão foi pra lá deitou-se<br />

comigo, abusou de mim, e a [de]pois, de manhã, é que se veio embora!<br />

[Filha:] _Atão e você na’ lhe disse nada?!<br />

[Mãe:] _ Eu não! Atão há dois anos que eu não falo com ele!<br />

ele!»<br />

Ele fez-lhe poucas-vergonhas e tudo e ela na’ lhe disse nada, porque não falava com<br />

* (…) Bom, mas era uma mulher aí que se portou mal. Depois quando falam aí em Beringel em<br />

qualquer coisa dessas e dizem assim: _ Ela agora tem-se portado bem? [Respondem:] _ Tem!<br />

Tem se portado como a do Manuel Carochinho! A primeira era uma bêbada de marca e a outra<br />

era bêbada e até se portava mal (5) e tudo. A segunda ainda era pior que a primeira (…)».<br />

Glossário:<br />

Olívia Brissos, Beringel (conc. Beja), Fevereiro de 2006.<br />

(1) “Não dar meia para a esquerda” similar a “não dar meia para a caixa”: não conseguir.<br />

(2) Paredes-meias com: em continuidade; separado por uma parede.<br />

(3) Ainda mais essa: expressão significativa de acrescento prejudicial ou mal recebido.<br />

(4) Magana: no caso, mulher dissoluta.<br />

(5) Portar mal: neste contexto, significa praticar adultério.<br />

Page 123<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


11:08:59<br />

→ Classificação:<br />

Transcrições / Casos / Baixo Alentejo / Beja / [O genro bêbado]<br />

[O Genro bêbado]<br />

Narrativa não classificável (apresentação por géneros).<br />

Caso.<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.<br />

→ Assunto: Uma bebedeira leva um homem até à casa da sogra em vez da sua própria<br />

casa…<br />

→ Palavras-chave: álcool, alentejo, bêbado, beringel, casa, casamento, família, genro,<br />

namoro, noite, rapariga, rapaz, sogra<br />

Região: Baixo Alentejo<br />

Distrito: Beja<br />

Concelho: Beja<br />

Localidade: Beringel<br />

Contador: Olívia Brissos<br />

Residência: Beringel<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: Cristina Taquelim<br />

Data de Recolha: Fevereiro 2006<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa em Maio de 2007<br />

Duração vídeo: 0:02:43.<br />

Caracteres (incl. espaços): 3399<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 124<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Transcrições integrais / Versos / Baixo Alentejo / Serpa / Jantar de feijão<br />

Jantar de feijão<br />

«E eu e eu fiz um aqui à minha mulher, aí nessa mesa. ‘Távamos assim a… comendo, mas ela<br />

fez aqui um jantar de feijão. Um dia comemos, ó pois no outro dia… ao fim dos três dias,<br />

vamos almoçar o feijão…Eu digo assim: _ Olha…Eu disse assim:<br />

Sabes que eu gosto de ti, tu pra mim na’ cais no chão,<br />

dás o almoço já há três dias feijão.<br />

Mas já tenho as contas feitas, não as deixo ir abaixo,<br />

sei que o resto da semana que o almoço é um gaspacho.<br />

A ‘pois diz ela:<br />

Deixa-te estar caladinho,<br />

na’ respondas outra vez.<br />

Não é só essa semana<br />

é assim já todo o mês!<br />

Depois disse-lhe eu:<br />

As minhas contas ‘tão certas!<br />

Para mim não há engano.<br />

Se isto fosse só um mês,<br />

mas é assim já todo o ano!»<br />

Page 125<br />

Francisco Galamba, 84 anos, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro 2006.<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


→ Classificação dos Versos:<br />

Quadras ao desafio.<br />

Transcrições integrais / Versos / Baixo Alentejo / Serpa / Jantar de feijão<br />

Jantar de feijão<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.<br />

→ Assunto: Refeições de feijão.<br />

Palavras-chave: alentejo, almoço, ano, contas, dia, feijão, ficalho, mês, jantar, semana, serpa<br />

Região: Baixo Alentejo<br />

Distrito: Beja<br />

Concelho: Serpa<br />

Localidade: Ficalho<br />

Contador: Francisco Galamba<br />

Idade: 84 anos (31/10/1922)<br />

Residência: Ficalho<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: Cristina Taquelim<br />

Data de Recolha: Fevereiro 2006<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Julho 2007<br />

Duração vídeo: 0:56 segundos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 767<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 126<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O julgamento da açorda]<br />

[O julgamento da açorda]<br />

«Ali ao pé de Pavia havia ali uma herdade que chamavam-na a herdade de São<br />

Miguel. E tinha lá uma igreja. Essa herdade tinha lá uma igreja que até era a igreja de São<br />

Miguel.<br />

Havia esses homenzinhos que andavam aí, noutro tempo, com uma mula, de monte<br />

em monte, a comprar peles de coelho, peles de ovelha, cera… E atão um dia passa lá à porta<br />

da igreja, e ‘tava a igreja aberta, e diz o homem assim:<br />

[Comerciante:] _Óh! Vou aqui dar volta à igreja, a ver como é que isto ‘tá aqui!<br />

O homenzinho entrou, deu a volta à igreja. Chegava ao pé de um santo e ia assim:<br />

[Comerciante:] _Ah! Toma lá dez réis(1)! – Bom, chegava ao pé d’outro: _ Toma lá dez réis!<br />

E atão visitou os santos todos e deu dez réis a cada um. Quando vinha a sair, à porta<br />

da igreja ‘tava um atrás da porta!<br />

E diz ele assim: _ Ah! Ainda aqui estás tu atrás da porta?! Toma lá também dez réis!<br />

Bom, abalou. Foi-se embora. Abalou foi-se embora, chegou além a uma aldeia (que<br />

chamam-na a Aldeia da Serra) dormiu lá e mandou fazer uma açorda com meia dúzia de ovos!<br />

Bom, comeu a açorda, dormiu… No outro dia vai procurar contas à mulher lá da venda (que<br />

nesse tempo era venda, na’ era cafés, era uma venda), procurar contas à mulherzinha.<br />

Diz-lhe a mulherzinha assim: _ Olhe a conta ‘tá aqui já feita. Custa tanto… – Uma conta muito<br />

grande!<br />

E diz-lhe o homem assim: _ Eh, minha senhora! Atão eu agora na’ tenho dinheiro pa’ lhe pagar!<br />

Atão uma conta tamanha de uma açorda!<br />

[Vendeira:] _Olhe vossemecê comeu meia dúzia de ovos… (A senhora) o senhor comeu meia<br />

dúzia de ovos. Esses ovos eu deitava-os a uma galinha, tiravam pintos… Essas frangas ó’pois<br />

punham – tiravam mais ovos… Chegava a pontos que era muito e atão tem que fazer a conta a<br />

essa coisa toda…<br />

Page 127<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O julgamento da açorda]<br />

O homenzinho, coitadito, abalou.<br />

E diz-lhe ela assim: _ Olhe! Tem prazo de tantos dias pa’ pagar! Só ao fim de tantos dias na’<br />

pagar, eu vou pò tribunal e vossemecê tem, tem de pagar!<br />

Bom, o homenzinho abalou, coitadito, muito esmorecido, c’a mula pela arreata(2)… Por<br />

aí fora, por aí fora… Um belo dia, faltava já uns dois ou três dias só pra ser a audiência e o<br />

homenzinho muito triste lá pa’ estrada afora… E vinha um gajo a cavalo num cavalo, chegou ao<br />

pé dele [e] diz-lhe ele assim:<br />

[Cavaleiro:] _ Ó tiozinho! Você vai tão triste!<br />

[Comerciante:] _Ora! Deixe-me lá homem! Atão eu… Aconteceu-me isto assim-assim…<br />

Mandei fazer uma açorda com meia dúzia de ovos. A mulher puxou-me esta conta assim-<br />

assim… tiravam pintos e coisas!<br />

[Cavaleiro:] _Ai é?! Atão e quando é que é a sua audiência?<br />

[Comerciante:] _Ah! A minha audiência ‘tá em ser depois de amanhã.<br />

[Cavaleiro:] _ Na’ se incomode que eu é que lá vou ser o seu advogado. Sou eu! Eu é que lá<br />

vou ser o seu advogado! – Bom, o homem abalou já mais… Mais tranquilo da vida dele.<br />

Bom, no dia da audiência ‘tava a mulherzinha dos ovos cozidos, ‘tava o doutor juiz,<br />

estava aquela gente toda… E o gajo nunca mais aparecia! O juiz tinha terminado a audiência<br />

pràs dez horas – eram já dez e um quarto e o advogado na’ aparecia!<br />

Bom, daqui a nada chega lá o ajudante lá do juiz à janela e disse: _Olhe! Ó Sr. Doutor<br />

Juiz! Já aí vem o homem!<br />

Bom, vinha o gajo a cavalo no cavalo. Entrou, deixou o cavalo lá fora preso ali a uma<br />

árvore, entrou pra dentro do tribunal e diz-lhe o doutor juiz assim:<br />

[Juiz:] _Atão, o senhor na’ sabia que isto que era pàs dez horas?!<br />

[Cavaleiro:] _Ó sr. Doutor! Desculpe lá, mas eu estive a cozer um molho de favas pa’ semear!<br />

E o juiz diz-lhe assim: _Atão?! Favas cozidas também nascem?!<br />

Page 128<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


pintos?!<br />

Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O julgamento da açorda]<br />

E o outro dos ovos… O advogado diz-lhe assim: _ Atão e ovos cozidos também tiram<br />

[Juiz:] _Ó minha senhora olhe: ‘tá a audiência acabada!<br />

Glossário:<br />

Pronto! O homem defendeu o outro ali num instante!»<br />

José Manuel, 87 anos, Brotas, (conc. Mora), Junho 2007.<br />

(1) Réis: plural de real – antiga moeda portuguesa, de valor variável, segundo as épocas.<br />

(2) Arreata: Corda ou tira de couro com que se prendem e conduzem animais de carga.<br />

Page 129<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O julgamento da açorda]<br />

→ Classificação do Conto:<br />

[O julgamento da açorda]<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 821 B Pintos<br />

nascidos de Ovos Cozidos.<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.<br />

→ Assunto: Uma vendeira sem escrúpulos tenta extorquir dinheiro a um cliente caridoso. O<br />

caso acaba no tribunal mas a decisão agracia o justo.<br />

→ Palavras-chave: açorda, aldeiadaserra, alentejo, advogado, audiência, brotas, cavaleiro,<br />

cavalo, conta, cozida, favas, frangos, galinha, igreja, juiz, monte, mora, mula, ovos, pavia,<br />

peles, pintos, reis, saomiguel, santo, semear, serra, tribunal, venda, vendeira,<br />

Região: Alto Alentejo<br />

Distrito: Évora<br />

Concelho: Mora<br />

Localidade: Brotas<br />

Contador: José Manuel<br />

Idade: 87 anos<br />

Residência: Brotas<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: José Barbieri<br />

Data de Recolha: Junho 2007<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Outubro 2007<br />

Duração vídeo: 0:4.52 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 3789<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 130<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 4


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [O lobo esfomeado]<br />

[O lobo esfomeado]<br />

«Era um lobo. O lobo de manhã quando se levantou espreguiçou-se, pregou um<br />

traque(1) (um peido como dizia o meu pai) e disse:<br />

[Lobo:] _ Óh, que bela novidade que me deu o meu cu hoje!<br />

Pensou: _Hoje vou ter um dia bom!<br />

Levantou-se e foi p’lo campo fora. O que é que ele viu? Vi uma égua com uma<br />

criazinha pequena. Foi direito à égua e disse:<br />

[Lobo:] _ Ai, égua! Óh! Eu vou(-te) comer a tua filha!<br />

[Égua:] _ Ah! Na’ comas! Ela é tão bonita!<br />

[Lobo:] _ Como! Eu tenho fome e tenho que comer. Ainda não comi nada hoje!<br />

[Égua:] _ Na’ comas!<br />

[Lobo:] _ Como!<br />

Até que diz a égua: _ Olha, já me disseram que tu és um bom veterinário e eu ando aqui com<br />

um, com um cravo encravado na pata, se tu fosses capaz de mo tirar… Tu se és um bom<br />

ferrador, um bom veterinário…<br />

O lobo logo armado em fanfarrão: _ Pois sou! Sou o melhor veterinário e melhor ferrador que<br />

há aqui na área!<br />

[Égua:] _ Atão vai lá.<br />

[Lobo:] _ (A)levanta lá a pata!<br />

O lobo vai (se) lá ao pé e conforme [lhe levanta a pata, a égua] sacode-<br />

-lhe um coice e vai o lobo a rebolar por ali abaixo! E a água fugiu. Conseguiu salvar a cria.<br />

E o lobo [para consigo:] _ Ora que novidade que o meu cu me deu hoje, ãh!<br />

Bom, [o lobo] chegou mais à frente, foi andando, andando… ‘Tavam dois carneiros a<br />

guerrear (sabe o que são dois carneiros: é marrada contra marrada).<br />

Page 131<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [O lobo esfomeado]<br />

O lobo disse: _ Óh! Agora é que vou encher a barriga!<br />

Chegou lá, disse: _ Óh! Eu vou comê-los!<br />

Diz logo o carneiro mais velho assim: _ ‘Pere lá um bocadinho! Antes de comer[es] vais aqui<br />

desmanchar uma teima! Tu sabes porque é que a gente ‘tamos a guerrear?<br />

[Lobo:] _Não.<br />

[Carneiro:] _ É que eu digo que a estrema da herdade (a estrema(2) é o limite da herdade), a<br />

estrema da herdade é por aqui, aqui o meu compadre diz que é por ali… E tu vai servir de juiz:<br />

vais dizer onde, qual é que é [que está certo]. A gente põe-se aí à distância e tu vês.<br />

Os carneiros recuaram um para cada lado e o lobo foi ver onde é que era me’mo a<br />

estrema (que era para assinalar). Assim que [os carneiros] o apanharam no meio, vêem-lhe os<br />

dois [um de cada lado] – catrapumba! – cada um com a sua marrada [no lobo]. Lá vai o<br />

desgraçado! O desgraçado do lobo às cambalhotas…<br />

[Pensou:] _Tal não foi boa a novidade que o meu cu me deu hoje, ãh?!<br />

Bom, então…e não conseguia comer nada, cada vez tinha mais fome!<br />

Foi andando por um vale abaixo, quando chegou lá a uma ribeirazita ‘tava uma vaca<br />

com uma vitelazinha, com um bezerrito pequeno ao pé.<br />

[Disse o lobo para consigo:] _Esta agora é que na’ escapa! De certeza absoluta! Agora desta<br />

vez… agora não me engana! E pensou: _ Bem…<br />

Assim foi. De maneira que chegou lá [disse:]<br />

[Lobo:] _ Vaca, olha, agora vou(-te) comer o teu filho!<br />

[Vaca:] _ Não comas o meu filho! É tão pequenino, é tão bonito! Não comas!<br />

[Lobo:] _ Como!<br />

[Vaca:] _ Não comas! Escute lá compadre lobo, já sei da tua fama de bom, bom, bom<br />

veterinário e eu tenho uma coisa aqui atrás da orelha, se tu [ma] conseguisses tirar antes de<br />

comer a minha filha, eu agradecia-te muito!<br />

[Lobo:] _ Atão vá lá, eu sempre fui bom veterinário.<br />

Page 132<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [O lobo esfomeado]<br />

O lobo lá foi. A vaca assim que o apanhou lá ao pé, olha, começa chateada à marrada<br />

com ele… Lá foi ele de pantanas e não comeu o boi. E ela [a vaca] fugiu com ele [com o filho].<br />

Glossário:<br />

As histórias do meu pai eram sempre assim.»<br />

António Caeiro, 73 anos, Vila Ruiva (conc. Cuba), Fevereiro de 2006.<br />

(1) Traque ou peido: ventosidade anal expelida com ruído.<br />

Page 133<br />

(2) Estrema: limite de terras. Marco divisório de propriedades rústicas; sulco artificial a demarcar terras.<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Classificação do Conto:<br />

Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [O lobo esfomeado]<br />

Conto de animais.<br />

[O lobo esfomeado]<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 122 A O Lobo<br />

(Raposa) em Busca do Pequeno Almoço + ATU 47 B O Cavalo (*Égua) Atinge o Lobo<br />

nos Dentes com um Coice + ATU 122 K* O Lobo como Juiz<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.<br />

Assunto: Um lobo esfomeado é consecutivamente enganado pelos animais que tenta comer.<br />

Palavras-chave: animais, alentejo, bezerro, cabeçada, carneiro, coice, cu, cuba, égua,<br />

enganar, estrema, ferreiro, lobo, peido, potro, ribeira, traque, vaca, veterinário, vila ruiva, vitela.<br />

Região: Baixo Alentejo<br />

Distrito: Beja<br />

Concelho: Cuba<br />

Localidade: Vila Ruiva<br />

Contador: António Caeiro<br />

Idade: 73 anos (30/12/1933)<br />

Residência: Vila Ruiva<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: Marta do Ó<br />

Data de Recolha: Fevereiro 2006<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Maio 2007<br />

Duração vídeo: 0:03:03.4 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 3511<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 134<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 4


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [O lobo e a raposa na rouparia]<br />

[O lobo e a raposa na rouparia]<br />

«E os lobos… os lobos falavam e a rouparia…Ia começar do lado do roupeiro…<br />

Era uma raposa e o lobo n’é? E então a raposa, muito espertalhona que era, descobriu<br />

a maneira de conseguir entrar dentro da rouparia(1). Por um buraco lá de uma janela, ia-se aos<br />

queijos do roupeiro(2) e mamava-lhe os queijos!<br />

O roupeiro chegava lá achava falta dos queijos. Via pistas no soalho. Que raio?! Mas<br />

que raio de bicho é que entra aqui, pá?! Pronto! E então o que é que, o que é que… E a raposa<br />

andava gorda! E o lobo magrinho! Dizia o lobo:<br />

[Lobo:] _ Ó comadre raposa! Mas o que é que tu fazes pa’ andares…?<br />

[Raposa:] _ Olha, vou ali à rouparia do roupeiro, à rouparia, e encho a barriga de queijo!<br />

[Lobo:] _ E como é que consegues…?<br />

[Raposa:] _ Entro lá por aquele buraco… – Lá lhe ensinou [a maneira] – Vai lá também!<br />

Assim foi. Eh! O lobo andava cheiinho de fome, assim que lá chegou, não ‘teve com<br />

meias [medidas]. Ah! Mas a raposa, como esperta que era, comia… quando via mais ou menos<br />

que tinha, [que] estava já bastante cheia, vinha experimentar se passava no buraco. (Voltava…<br />

Se passava, passava; se na’ passava, voltava…). Se conseguia ainda voltava atrás: ia comer<br />

mais um queijo e assim, até que entrando, à porta, [ao buraco] passando [mas] baixando-se já<br />

na’ comia mais. Vinha-se embora.<br />

O lobo, assim que se apanhou lá na rouparia, cheiinho de fome como ‘tava… Óh!<br />

Comeu, comeu, ficou com uma pança enorme! Quando veio para se vir embora a cabeça<br />

passou, mas a barriga já não passou.<br />

O roupeiro já andava desconfiado, veio à procura [do bicho]. Apanhou-o lá, deu-lhe<br />

uma sova com um pau. O pobre do lobo lá teve que, de qualquer maneira, passar pelo buraco.<br />

Foi-se queixar à raposa:<br />

[Lobo:] _Aaaaaahhhh! Ó raposa! Tu enganaste-me!<br />

[Raposa:] _ Enganei nada! Atão?<br />

Page 135<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [O lobo e a raposa na rouparia]<br />

[Lobo:] _ Atão na’ vês…<br />

[Raposa:] _Foste… Foste um bruto! Comeste até mais não querer! Depois apanhaste porrada<br />

do roupeiro!».<br />

Glossário:<br />

(1) Rouparia: o mesmo que queijaria (Alentejo).<br />

(2) Roupeiro: indivíduo que faz queijos.<br />

Page 136<br />

António Caeiro, 73 anos, Vila Ruiva (conc. Cuba), Fevereiro 2006.<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [O lobo e a raposa na rouparia]<br />

→ Classificação do Conto:<br />

Conto de animais.<br />

[O lobo e a raposa na rouparia]<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 41 O Lobo<br />

Come Demasiado na Cave.<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.<br />

→ Assunto: A raposa ensina ao lobo como entrar numa rouparia, mas a avidez do lobo logo o<br />

deixa em sarilhos…<br />

→ Palavras-chave: alentejo, lobo, cuba, raposa, rouparia, queijo, barriga, buraco, pau, vila<br />

ruiva<br />

Região: Baixo Alentejo<br />

Distrito: Beja<br />

Concelho: Cuba<br />

Localidade: Vila Ruiva<br />

Contador: António Caeiro<br />

Idade: 73 anos (30/12/1933)<br />

Residência: Vila Ruiva<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: Marta do Ó<br />

Data de Recolha: Fevereiro 2006<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Maio 2007<br />

Duração vídeo: 0:01:50 minutos<br />

Caracteres (incl. espaços): 2067<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 137<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Transcrições integrais / Contos /Alto Alentejo / Mora / [Pedido de casamento]<br />

[Pedido de casamento]<br />

«Havia uma ocasião um gajo… E tão o gajo era um cabreiro. E o cabreiro queria casar;<br />

queria casar e atão diz pa’ mãe:<br />

[Cabreiro:] _ Ó mãe! Eu quero casar!<br />

Diz-lhe a mãe: _ Ora filho! E atão quem é que quer casar contigo?!<br />

[Cabreiro:] _ Olhe, ‘tá lá a filha do moleiro, do moleiro… A ver se ela quer casar comigo!<br />

Bom, a mãe lá foi e diz pra, pò moleiro: _ Atão olhe lá! O meu filho quer casar c’a sua filha,<br />

você deixa casar a sua filha c’o meu… c’o meu cabreiro?<br />

[Moleiro:] _ Deixo, sim senhor!<br />

Bom, a mãe foi pra casa e diz-lhe assim: _ Olha! Eu já falei com o moleiro e atão podes…<br />

Podes ir lá pedir a rapariga em casamento!<br />

Bom, o cabreiro diz pa’ mãe: _ Ó mãe! Atão como é que eu hei-de… como é que eu hei-de<br />

pedir a rapariga… A entrada pra eu pedir a rapariga ao moleiro?<br />

Diz-lhe a mãe assim: _ Olha filho chegas lá, começas aos pulos no meio da casa, começas<br />

aos…começas aos pulos no meio da casa e o moleiro ópois diz-te assim “Ei! O que é que você<br />

quer, que anda aqui aos pulos?! O que é que você quer?!”. A ‘pois tu dizes: “_ Olha, queria a<br />

sua filha… Pedir a sua filha em casamento…”.<br />

Bom, lá foi. O cabreiro chegou lá à noite à casa do moleiro e vá de pulo pra um lado,<br />

pulo prò outro…<br />

E diz-lhe… E diz-lhe o moleiro assim: _ Atão, o que é que você quer?<br />

Mas o que é que havia de haver nesse dia lá em casa do moleiro?! Tinha morrido a<br />

mulher do moleiro. A mulher do moleiro tinha morrido! ‘Tava amortalhada lá no meio da casa.<br />

Chega lá o cabreiro começa aos pulos de roda da mulher e diz o moleiro assim:<br />

Page 138<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições integrais / Contos /Alto Alentejo / Mora / [Pedido de casamento]<br />

[Moleiro:] _ É páaa! Anda você aí aos pulos… Anda você aí aos pulos…Atão… tenho aqui a<br />

minha mulher morta aqui no meio da casa e você anda aqui aos pulos de um lado pò outro! Ah,<br />

seu malandro aqui… Puxo aqui já de um xipó(1) e dou-lhe já aqui uma…!<br />

Bom, o (moleiro) [cabreiro] abalou, foi-se embora. Chegou lá, diz-lhe a mãe assim:<br />

[Mãe do cabreiro:] _ Atão, filho?! Já pediste a rapariga?<br />

[Cabreiro:] _ Na’ senhora!<br />

[Mãe:] _ Atão?! Atão o que é que ‘tava lá em casa?!<br />

[Cabreiro:] _ Óh! ‘Tava lá a mulher do moleiro morta no meio da casa! Amortalhada.<br />

[Mãe do cabreiro:] _ Ai, filho! Havias de chorar! Andavas de roda dela [dizias:] _ Ai, valha-me<br />

nossa senhora! Ai…pr’ aqui, pr’ali!” E ó’pois pedias a rapariga!<br />

[Cabreiro:] _ Amanhã vou lá outra vez!<br />

Bom, no outro dia lá vai o cabreiro outra vez a casa do moleiro pa’ pedir a rapariga.<br />

Chegou lá o que é que o moleiro havia de ter? Tinha um porco gordo pendurado ao telhado.<br />

Tinha matado um porco, ‘tava pendurado ao telhado, que era[m] os sentimentos da mulher que<br />

tinha morrido! Quer dizer que chega lá o cabreiro começa a andar de roda do porco a chorar:<br />

[Cabreiro:] _ Ai! Valha-me deus! Nossa Senhora! – Que era o que mãe lhe tinha dito! – Valha-<br />

-me deus!<br />

Diz-lhe o moleiro assim: _ Ó seu filha da puta! Atão ontem ia aqui a minha mulher morta<br />

andava aqui aos pulos no meio da casa! Hoje tenho aqui uma morte de alegria e anda-me aqui<br />

a chorar de roda do porco! Ah! Seu malandro que eu dou-lhe aqui já duas fueiradas(2)…<br />

Lá abala (o moleiro) de rabo ripado, abala o cabreiro outra vez de rabo ripado. Chega<br />

lá diz-lhe a mãe:<br />

[Mãe:] _ Atão, filho?! Atão hoje é que já pediste a filha?<br />

[Cabreiro:] _ Na’ senhora!<br />

Page 139<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições integrais / Contos /Alto Alentejo / Mora / [Pedido de casamento]<br />

[Mãe:] _ Atão?<br />

[Cabreiro:] _ Ah! Atão o moleiro tinha lá um porco pendurado ao telhado…<br />

Diz-lhe a mãe assim: _ Ora filho! Havias de dizer: “_ Sentes ao pé desse?! Sentes ao pé<br />

desse?” – que era: sentes – porcos pendurados!<br />

[Cabreiro:] _ Amanhã vou lá!<br />

Outro dia lá abala o cabreiro outra vez. Chega lá: ‘tava o moleiro ao canto do lume a<br />

curar um bichoco numa perna! O Senhor… um bichoco… Começa o cabreiro a andar de roda<br />

dele:<br />

[Cabreiro:] _Sentes ao pé desse? Sentes ao pé desse?<br />

O moleiro levanta-se além, diz assim: _Ah! Seu filha da puta atão você… Eu estou a curar isto<br />

pra ver se isto seca e você ‘tá… diz: _sentes ao pé desse? E sentes ao pé desse?<br />

E o cabreiro! Leva de fugir! Chega lá diz-lhe a mãe assim:<br />

[Mãe:] _ Ó filho! Atão o que é que foi lá?<br />

[Cabreiro:] _ Ah!<br />

[Mãe:] _ Atão, o que é que o homem ‘tava a fazer?<br />

[Cabreiro:] _ Óh! ‘Tava a curar um bichoco numa perna!<br />

[Mãe:] _ Ah, filho! Atão havias de lhe dizer… “_Deus queira que isso seque! Deus queira que<br />

isso seque!”.<br />

[Cabreiro:] _ Amanhã vou lá outra vez!<br />

Hum… No outro dia abala o cabreiro outra vez. Chega lá, anda o moleiro a dispor uma<br />

figueira lá numa horta: a fazer uma cova pa’ dispor a figueira. Começa o cabreiro a andar de<br />

roda dele e a dizer assim:<br />

[Cabreiro:] _ Deus queira que isso seque! Deus queira que isso seque!<br />

Page 140<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Transcrições integrais / Contos /Alto Alentejo / Mora / [Pedido de casamento]<br />

[Moleiro:] _ Óh! Seu filha da puta! Atão eu ando aqui a dispor a figueira, pra ver se ela pega,<br />

pra ver isto dá figos prà gente comer e você aparece-me aqui a dizer: _Deus queira que isso<br />

seque!<br />

assim:<br />

Eh! O malandro puxa da enxada! Vai o cabreiro…a unhas! Chega lá diz-lhe a mãe<br />

[Mãe:] _ Atão, filho?! Hoje é que já pediste a rapariga?!<br />

[Cabreiro:] _ Eu… Na’ senhora!<br />

[Mãe:] _ Atão?<br />

[Cabreiro:] _ Ah! Atão o moleiro andava a dispor uma figueira lá na horta. Eu comecei a andar<br />

de roda dele a dizer-lhe: _Deus queira que isso seque! _Deus queira que isso seque! Ele já me<br />

queria pregar com a enxada em cima!<br />

[Mãe:] _ Ai! Filho! Havias de dizer assim: “_ Deus queira que coma muito do que está a pôr!<br />

Deus queira que coma muito do que está a pôr!”.<br />

[Cabreiro:] _ Amanhã vou lá ainda!<br />

Óh! No outro dia ele voltou pra lá! Chega lá ‘tava o moleiro atrás de uma moita a dar a<br />

dar à calça! ‘Tava a dar à calça(3), chega o cabreiro e diz, começa de roda dele:<br />

[Cabreiro:] _ Deus queira que coma muito do que está a pôr! Deus queira que coma muito do<br />

que está a pôr!<br />

[Moleiro:] _Óh! Seu… filha da puta! Ripe já aqui… O malandro! Atão você…<br />

O cabreiro abalou estremuntado.<br />

Diz-lhe a mãe: _ Atão filho? Atão?<br />

[Cabreiro:] _ Ah, pá! Atão o homem ‘tava a dar à calça lá atrás de uma moita; comecei a andar<br />

de roda dele: _ Deus queira que coma muito do que ‘tá a pôr! Deus queira que coma muito do<br />

que ‘tá a pôr! Nunca mais lá vou, que ele quer me… pa’ outra vez mata-me!<br />

Page 141<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 4


pedida!».<br />

Glossário:<br />

Transcrições integrais / Contos /Alto Alentejo / Mora / [Pedido de casamento]<br />

Pronto, ‘tá a história acabada! Andou sempre a pedir a rapariga e nunca tem a rapariga<br />

(1) Xipó: no caso algo que sirva de cacete.<br />

José Manuel, 87 anos, Brotas, (conc. Mora), Junho 2007.<br />

(2) Fueirada: pancada (dada normalmente com o fueiro – cada um dos paus que se erguem dos<br />

lados do carro de bois e que servem para amparar a carga que vai dentro).<br />

(3) Dar à calça: defecar.<br />

Page 142<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 5


Transcrições integrais / Contos /Alto Alentejo / Mora / [Pedido de casamento]<br />

→ Classificação do Conto:<br />

[O Pedido de casamento]<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 1696 O que é<br />

que eu deveria ter dito? (Feito?).<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.<br />

→ Assunto: Um cabreiro quer pedir a mão da filha de um moleiro em casamento, mas a sua<br />

falta de jeito com as palavras torna o seu desejo impossível de se realizar.<br />

→ Palavras-chave: alentejo, amortalhada, bicho, brotas, cabreiro, calça, casa, casamento,<br />

comer, cova, chorar, enxada, evora, figueira, filha, horta, mãe, moleiro, moita, mora, morta,<br />

pedir, perna, porco, pulos, rapariga, secar, sentimentos, telhado, unhas<br />

Região: Alto Alentejo<br />

Distrito: Évora<br />

Concelho: Mora<br />

Localidade: Brotas<br />

Contador: José Manuel<br />

Idade: 87 anos<br />

Residência: Brotas<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: José Barbieri<br />

Data de Recolha: Junho 2007<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Outubro 2007<br />

Duração vídeo: 6:56 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 6031<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 143<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 6


Silva.<br />

Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / Maria da Silva<br />

Maria da Silva<br />

«Ela contava à gente. A minha mãe contava uma que era… Chamava-se Maria da<br />

Um velhote também mais uma velhota que viviam num monte(1). E depois nunca<br />

tinham tido filhos e tinham muita pena de na’ terem filhos, mas coitadinhos na’ tiveram.<br />

E depois um dia tinham falta de lenha para o lume e foram à procura de lenha.<br />

E depois quando lá chegaram, o velhote diz assim:<br />

[Velho:] _ Tu ‘tás a ouvir um… escuta lá! ‘Ta aí… um bebé… parece que é um bébé a chorar!<br />

Aqui no campo, um bébé a chorar?!<br />

Foram, foram, foram lá. Chegaram lá ‘tava dentro de uma silva (e é por isso que teve o<br />

nome da Maria da Silva), dentro de umas silvas estava a menina dentro de uma alcofinha(2).<br />

Ai, eles ficaram tão contentes! Os velhotes vieram para casa com ela. Tão contentes! [E<br />

perguntaram-se:]<br />

[Velho:] _ Atão que nome é que a gente agora põe à nossa menina?<br />

[Velha:] _Olha, pomos-lhe Maria da Silva.<br />

[Velho:] _Atão ‘tá bem, pronto. (Calhava bem porque ela tinha… ‘tava lá [nas silvas]).<br />

(Mas) ela foi crescendo. E eles criaram-na muito bonita com, ali naqueles, naqueles<br />

campos do monte. Mas ela, já era uma senhora – tão bonita – mas nunca saia dali porque eles<br />

tinham medo (alguém na’ lhe fizesse mal).<br />

Naquele dia passaram uns senhores à caça. Foram à caça. E ia lá o rei. E o rei foi<br />

direito passar lá ao pé do monte. E ela estava a [passar] e via-se [a menina que] pôs-se assim<br />

[espreitou] … E vira-se e disse-lhe assim:<br />

[Rei:] _Olha que menina tão bonita! Tu não me dás um copinho de água?<br />

Ela foi-lhe (a) buscar a água. E ele, quando [ela] vinha com a água, ele em vez de<br />

apanhar a água, o copo, apanhou a mão da menina. Montou-a no cavalo e levou-a. A menina<br />

desapareceu dali.<br />

Page 144<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / Maria da Silva<br />

Os velhotes, coitadinhos, iam levando fim do sentido por causa que lhe tinham roubado<br />

a menina. Depois no outro dia o velhote disse:<br />

[Velho:] _ Olha, a gente… Vamos lá a ver se a gente é capaz de dar com a nossa menina!<br />

Vamos andando por aí.<br />

Foram andando, andando, andando, andando por aí. Viram uma casinha lá muito<br />

longe. Foram lá até aquela casinha. Chegaram lá à casinha, bateram à porta. Atende uma<br />

senhora [à qual eles perguntam:]<br />

[Velhos:] _ Olhe lá, você não deu notícia de passar por aqui ninguém que… com uma menina<br />

assim, assim, uma senhora (que ela já era uma senhora) muito bonita?<br />

Disse [ela:] _ Olhe, esse rei… [foi] assim: foi um rei que portanto a trouxe e atão (se) você<br />

agora vai sempre por ai que ‘tá ali um palácio. Além naquele palácio é que mora um rei e deve<br />

ser para além que ele a levou.<br />

Eles, coitadinhos, foram lá: os dois velhotes, andando, andando. Chegaram lá, bateram<br />

à porta. Veio [abrir] o rei. [Dizem-lhe os velhos indignados:]<br />

[Velhos:] _ Mas atão, mas o que é que…? Você atão… você passou lá pelo nosso monte e<br />

trouxe-nos a nossa menina!!! Contando que a gente…<br />

Ele diz: _ Atão, não precisam chorar! Entrem lá. Entrem lá. – (Mandou-os [entrar]. Eles eram<br />

todos, tanto a menina como os velhotes, eram pobrezinhos, num palácio tão bonito…). _<br />

Entrem lá que agora ficam aqui. Jantam aqui com a gente e estão aqui. E a gente agora já não<br />

os deixa ir lá para o seu monte – ficam aqui.<br />

Ela assim que os viu, coitadinha, tão contente, ficou tão contente, abraçou-os. (E ela,<br />

era só estes contos que a gente contava, era estas coisas assim pois com certeza).<br />

E atão disseram-lhe[s:]<br />

[Rei:] _ Bom, vocês depois já não vão para o monte e já ficam aqui sempre com a gente.<br />

E assim tiveram depois eles [no palácio].<br />

A Maria da Silva ainda teve uma menina e os velhotes ficaram muito contentes.<br />

E pronto… Acabou-se.»<br />

Page 145<br />

Mariana Valente, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro 2006.<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Glossário:<br />

Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / Maria da Silva<br />

(1) Monte: Sede de herdade, na província do Alentejo, formada por vários edifícios em torno de um pátio;<br />

designação por vezes atribuída à própria herdade.<br />

(2) Alcofinha: cesto feito de palma ou de esparto.<br />

Page 146<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Classificação do Conto:<br />

Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / Maria da Silva<br />

Conto realistas (novelescos).<br />

Maria da Silva<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 930 A A<br />

Mulher Predestinada [esquecido].<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.<br />

Assunto: A história de uma menina encontrada em bebé num monte de silvas por um casal<br />

idoso.<br />

Palavras-chave: alentejo, ficalho, velho, velha, monte, lenha, lume, bebé, silva, menina, alcofa,<br />

caça, rei, água, copo, cavalo, palácio, serpa<br />

Região: Baixo Alentejo<br />

Distrito: Beja<br />

Concelho: Serpa<br />

Localidade: Ficalho<br />

Contador: Mariana Valente<br />

Residência: Ficalho<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: Cristina Taquelim<br />

Data de Recolha: Fevereiro 2006<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Maio 2007<br />

Duração vídeo: 0:03:36 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 3812<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 147<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 4


Transcrições integrais / Versos / Baixo Alentejo / Serpa / [Na noite de S. João]<br />

«Anda cá para os meus braços,<br />

se tu vida queres ter.<br />

Se os meus braços dão saúde<br />

a quem está para morrer.<br />

Foi na rua das Ailhinhas,<br />

na noite de São João,<br />

já sabia que eras minha,<br />

tirei-te o lenço da mão.<br />

Tirei-te o lenço da mão,<br />

já sabias que eras minha,<br />

na noite de São João,<br />

lá na rua das Ailhinhas.»<br />

[Na noite de São João]<br />

Page 148<br />

Francisco Galamba, 84 anos, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro 2006.<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições integrais / Versos / Baixo Alentejo / Serpa / [Na noite de S. João]<br />

→ Classificação dos Versos:<br />

Quadras.<br />

[Na noite de São João]<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.<br />

→ Assunto: Namoro.<br />

Palavras-chave: alentejo, braços, ficalho, lenço, noite, rua, sãojoão, serpa<br />

Região: Baixo Alentejo<br />

Distrito: Beja<br />

Concelho: Serpa<br />

Localidade: Ficalho<br />

Contador: Francisco Galamba<br />

Idade: 84 anos (31/10/1922)<br />

Residência: Ficalho<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: Cristina Taquelim<br />

Data de Recolha: Fevereiro 2006<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Julho 2007<br />

Duração vídeo: 0:29 segundos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 398<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 149<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições integrais / Anedotas / Alto Alentejo / Mora / [O Cabeçudo]<br />

[O Cabeçudo]<br />

«Então uma vez era um rapazote. (Esta é uma pequenina.) Um rapazote que andava à<br />

escola e os rapazes na escola (esta é poucachinha) todos chamavam-lhe o cabeçudo:<br />

_ Olha o cabeçudo!<br />

_ Já lá vem o cabeçudo!<br />

Chegava a casa dizia à mãe: _ Mãe! Os rapazes lá da escola todos me chamam “é o<br />

cabeçudo”!<br />

[Mãe:] _ Eles são malucos na’ faças caso!<br />

batatas.<br />

Era todos os dias isto.<br />

(O rapaz) a mãe um dia diz-lhe pra ele: _ Vai lá além ao comércio buscar dez quilos de<br />

O rapazito voltou[-se] logo pa’ abalar.<br />

Diz-lhe a mãe: _ ‘Pera aí que é para levares um saquinho!<br />

[Rapaz:] _ Não é preciso. Eu trago-as mesmo na minha boina!<br />

Vê lá como é que era a cabeça dele!»<br />

Page 150<br />

Mano Vitorino, 76 anos, Mora (conc. Mora), Junho de 2007.<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


→ Classificação:<br />

Transcrições integrais / Anedotas / Alto Alentejo / Mora / [O Cabeçudo]<br />

[O Cabeçudo]<br />

Narrativa não classificável (apresentação por géneros).<br />

Anedota.<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.<br />

→ Assunto: Anedota sobre um rapazinho que tinha uma cabeça grande.<br />

→ Palavras-chave: alentejo, amieiras, batatas, boina, cabeça, cabeçudo, evora, escola, mãe,<br />

mora, rapaz<br />

Região: Alto Alentejo<br />

Distrito: Évora<br />

Concelho: Mora<br />

Localidade: Amieiras<br />

Contador: Mano Vitorino<br />

Idade: 76 anos<br />

Residência: Amieiras<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: José Barbieri<br />

Data de Recolha: Junho 2007<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Junho 2007<br />

Duração vídeo: 0:0:42 segundos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 735<br />

Page 151<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições Integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Um ofício para o filho]<br />

[Um ofício para o filho]<br />

«Eu vou contar uma históriazinha também que me lembro…Isso há de tudo, e hoje,<br />

hoje atão…Hoje atão é tudo quase assim já.<br />

Era um pai e um filho. Só tinha aquele filho único. E depois levou-o à escola e o rapaz<br />

– era inteligente – e fez a quarta classe (que era o que faziam antigamente). Fez a quarta<br />

classe e quando fez a quarta classe, diz-lhe o pai aqui assim (‘tavam jantando), quando<br />

acabaram de jantar diz-lhe o pai:<br />

[Pai:] _ Ó filho agora, já fizeste a quarta classe, já sabes ler bem, escolhes aí um emprego que<br />

queiras aprender; na’ quero que vás (a) trabalhar no campo como eu ando trabalhando.<br />

E o pai (assim havia): _‘Tá aí o pai… o marido da tua madrinha, é pedreiro; o outro meu<br />

compadre é carpinteiro (e os outros assim como ele tinha na família: tinha pedreiros, tinha<br />

carpinteiros, tinha aguadores(1), tinha ferreiros, tinha de tudo.)<br />

[Pai:] _ Escolhe um ofício desses, filho. E ele dizia assim: _ Tu, tu passas a ser um mestre! Diz<br />

lá. Escolhe o que é que queres ser.<br />

[Filho:] _O que eu quero ser… é malandro!<br />

[Pai:] _Queres quem?!<br />

[Filho:] _ Não há cá mais ofício nenhum que é malandro.<br />

[Pai:] _ Essa agora!<br />

[Filho:] _Ah sim, eu já lhe digo. Não quero mais ofício nenhum. Quero aprender é a malandro.<br />

[Pai:] _ ‘Tá bem, deixa… (Há sempre em todos os povos, há um mais malandro que os outros e<br />

que é conhecido por toda a gente na terra).<br />

O pai: _Me’mo agora vou daqui e vou falar com fulano – que era o mais, o mais malandro do<br />

povo.<br />

Foi falar com ele e diz-lhe o outro aqui assim:<br />

[Malandro:] _ Então olhe, diga ao seu rapaz [que] amanhã que me espere além, a tal parte (que<br />

era à ponta do povo), espere-me além. Ao nascer do sol, que eu estou além.<br />

[Pai:] _ ‘Tá bem.<br />

Page 152<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições Integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Um ofício para o filho]<br />

O pai veio de lá para casa e disse ao rapaz:<br />

[Pai:] _ Olha amanhã às tantas [horas] estás além, em tal parte, ao nascer do sol, que está<br />

além fulano que vai-te ensinar a ser malandro.<br />

[Filho:] _ ‘Tá bem.<br />

O rapaz abalou.<br />

Quando chegou lá, já estava lá o mestre. E diz-lhe o mestre:<br />

[Malandro:] _ Bom, vamos lá aqui por este caminho adiante.<br />

Foram pelo caminho adiante. Chegaram lá adiante, havia umas figueiras carregadas de<br />

figos, maduros, (petrocipe(2)) carregadinhas de figo. Diz-lhe o mestre aqui assim:<br />

[Malandro:] _ Olha lá! Vamo[s] lá a deitar aqui debaixo da figueira, assim de papo para cima(3).<br />

(Deitaram-se os dois.) _ A ver se cai algum figo na boca da gente pra eu comer. (Que era para<br />

não o colher, para não ter o trabalho de o colher com mão).<br />

Deitaram-se os dois debaixo da figueira assim de papo para cima.<br />

Cai um figo na boca do rapaz.<br />

Diz o rapaz: _ Ó mestre! Ajude-me lá aqui a dar aos dentes!<br />

E o outro: _ Vai-te embora para casa, que tu sabes mais do que eu! Ainda és mais malandro<br />

do que eu!<br />

Glossário:<br />

Hoje ‘tá quase tudo assim!... Ajude-me lá aqui a dar aos dentes! [risos]».<br />

Francisco Galamba; 84 anos, Ficalho, (conc. Serpa), Fevereiro de 2006.<br />

(1) Aguadores: os indivíduos que regam e vendem água.<br />

(2) Petrocipe: Tipo de figueira.<br />

(3) De papo para cima – o mesmo que de papo para o ar: expressão que significa estar deitado de<br />

costas e à boa vida, a mandriar.<br />

Page 153<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições Integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Um ofício para o filho]<br />

Classificação do Conto:<br />

Conto jocoso.<br />

[Um ofício para o filho]<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 1525 E Os<br />

Ladrões Roubam-se uns aos Outros [variante].<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.<br />

Assunto: Chegada à altura de aprender um ofício, um moço escolhe a malandrice para<br />

profissão…<br />

Palavras-chave: alentejo, escola, ficalho, figo, figueira, filho, pai, malandro, ócio, ofício,<br />

profissão, serpa<br />

Região: Baixo Alentejo<br />

Distrito: Beja<br />

Concelho: Serpa<br />

Localidade: Ficalho<br />

Contador: Francisco Galamba<br />

Idade: 84 anos (31/10/1922)<br />

Residência: Ficalho<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: Cristina Taquelim<br />

Data de Recolha: Fevereiro 2006<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Maio 2007<br />

Duração vídeo: 0:03:25 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 3073<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 154<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Os dois irmãos]<br />

[Os dois irmãos]<br />

«E também sei outra do, do moleiro. Era um moleiro… Também eram, eram dois<br />

irmãos: um era estudante e o outro era um charragáz(1) qualquer… E atão aquele que era<br />

charragáz andava sempre com um alforge(2) às costas, *fazia colheres de pau*(3) e coisa,<br />

andava sempre com um alforge às costas a fazer aquelas engenhocas.<br />

Um belo dia diz para o irmão que era estudante:<br />

[Cabreiro:] _ Ó irmão! Queres ir lá a casa do moleiro pedir a filha do moleiro em casamento?!<br />

[Estudante:] _ Ah! Vamos agora pedir a filha!<br />

[Cabreiro:] _ Vamos! Pedir a filha em casamento pra ver se… Que eu também quero casar!<br />

[Estudante:] _ Bom, ‘tá bem!<br />

Bom, aquele que era estudante, todo bem posto, todo preparado e o outro com o<br />

alforge às costas… Chegaram lá a casa do moleiro, lá trataram de… ceia – nesse tempo era<br />

ceia, na’ era jantar era ceia – trataram de ceia, que era prò depois no fim terem a conversa de<br />

pedir a filha em casamento. Bom, a primeira coisa que o charragás fez, prantaram(4) uma<br />

colher… Do que é que havia de ser pa’, pà ceia: umas papas – umas papas de farinha de trigo<br />

– era[m] para a ceia. E diz-lhe o… Prantaram uma colher a cada um. Aquele que era charragáz<br />

(e) mete a mão ao alforge puxa de uma colher de pau e aventou(5) logo a colher pra cima, a<br />

colher de… que era lá de casa do moleiro para cima da mesa e puxa da colher de pau e, com a<br />

colher de pau é que era malhar as papas… Bom, o outro, coitadito, que era todo estudante<br />

cheio de vergonha já daquilo. Bom, cheio de vergonha e atão trataram de… Lá foram e tal, lá<br />

passaram (n)o serão e atão sobrou um prato de papas. Sobrou um prato de papas e a mulher<br />

lá do moleiro meteu-as lá numa gaveta.<br />

Bom, foram-se deitar. Foram-se deitar, lá às tantas da noite começa aquele que era<br />

charragaz a dizer prò, prò irmão:<br />

[Cabreiro:] _ Ó irmão! Tenho fome! – Aquilo…a ceia tinha sido valente! Eram umas papas! –<br />

Tenho fome!<br />

Page 155<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Os dois irmãos]<br />

[Estudante:] _ Ó pá! Cala-te homem! Eu já estou cheio de vergonha de ti!<br />

[Cabreiro:] _ Mas eu tenho fome!<br />

[Estudante:] _ Olha, tens fome vai lá onde a velha deixou as papas: lá dentro da gaveta e trá-<br />

-las e come-as!<br />

Bom, aquilo a casa do moleiro era assim uma parede e tinha três portas: tinha uma que<br />

era onde eles ‘tavam deitados, tinha outra que era o quarto da filha e tinha a outra onde<br />

‘tava[m] o moleiro mais a mulher.<br />

Bom, o gajo vinha com as papas na mão, chegou lá já nem trouxe o prato! Aquilo<br />

‘tavam já frias, prantou-as em cima da mão e vinha a comer mesmo de cima da mão.<br />

No lugar de entrar prò quarto dele, entrou prò quarto da velha e do velho! Onde<br />

estava[m] o moleiro mais a mulher! Olhou pò quarto, ‘tava a mulher do moleiro c’o rabo de fora<br />

das mantas e o gajo começa a andar de roda do cu da mulher e dizia-lhe até assim:<br />

[Cabreiro:] _ Ó irmão! Queres papas?<br />

E a velha abanou, fazia – pfffffff! – dava uma bufa! E dizia-lhe o charragáz assim:<br />

[Cabreiro:] _ É pá! N’ assopres que elas ‘tão frias, homem! Come papas, homem! Isso sim!<br />

Até que o gajo zanga-se – truz! – com as papas no cu da velha! E abalou porta afora.<br />

Foi pò quarto onde ‘tava o irmão.<br />

Daqui a bocadinho começa a dizer pò irmão: _ Ó irmão, eu tenho sede!<br />

[Estudante:] _Eh! Raios ‘tá partam! Cala-te, homem!<br />

[Cabreiro:] _Tenho sede homem! Quero beber água!<br />

E atão o velho ‘tava a dormir, estende a mão por cima do cu da velha e achou a velha<br />

toda cheia de papas e diz-lhe assim:<br />

Page 156<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Os dois irmãos]<br />

[Moleiro:] _ Eh, mulher! ‘Tás toda cagada! As papas fizeram-te mal! ‘Tás toda esborteada! Vai-<br />

-te lavar lá pò açude! – Aquilo tinha o açude(6) que era onde o moinho trabalhava. – Vai-te<br />

lavar lá pò açude!<br />

açude…<br />

Bom, a velha lá levantou-se. Foi pò açude, ali c’o rabo de fora a rebaixar-se, ali no<br />

Cá o charragáz começa a dizer pò irmão que tinha sede…<br />

Diz-lhe o irmão assim: _ Olha! Vai lá aos cântaros e bebe água e foge por aquela porta, que eu<br />

fugo já aqui por esta!<br />

Bom, o cabreiro chega lá – o cabreiro ou o charragáz – mete a mão dentro do cântaro<br />

pra ver se ele tinha água, ópois já não era capaz de tirar a mão! Já não era capaz de tirar a<br />

mão abala com o cântaro na mão, direito ao açude.<br />

Chega lá, ‘tava a velha a lavar o rabo no açude. O cabreiro chega lá, pensava que<br />

aquilo, que aquilo que era uma pedra – truz! – com o cântaro no cu da velha! A velha – tráz! –<br />

pra dentro do açude!<br />

Bom, (o cabreiro) o moleiro cá já há muito tempo que na’ aparecia a velha… Chega lá<br />

ao açude andava a velha c’o rabo prò ar! Diz o moleiro assim:<br />

[Moleiro:] _ Eh pá! Na’ sei se é uma abóbora, se é o cu da ‘nha mulher!<br />

Pronto! Acabou-se a história!»<br />

Glossário:<br />

(1) Charragáz: cabreiro.<br />

José Manuel, 87 anos, Brotas, (conc. Mora), Junho 2007.<br />

(2) *Fazer colheres de pau*: o pastor Alentejano por vezes ocupava o tempo que lhe sobrava de guardar o gado a<br />

fazer trabalhos em madeira, no caso a personagem fazia colheres de pau.<br />

(3) Alforge: saco fechado nas extremidades e aberto ao meio, formando dois compartimentos, que se traz ao ombro<br />

ou sobre a montada.<br />

(4) Prantaram: colocaram; puseram.<br />

(5) Aventou: atirou fora.<br />

(6) Açude: construção feita em rio ou levada para represar a água destinada a moinhos ou regas.<br />

Page 157<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


→ Classificação do Conto:<br />

Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Os dois irmãos]<br />

[Os dois irmãos]<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 1775 O Padre<br />

Esfomeado<br />

[Nas versões portuguesas os protagonistas nunca são padres].<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.<br />

→ Assunto: Dois irmãos ceiam e pernoitam na casa de um moleiro com o intuito de pedir a<br />

sua filha em casamento. A noite revela-se, no entanto, atribulada e quem sofre com os mal-<br />

-entendidos é a dona da casa…<br />

→ Palavras-chave: agua, abóbora, açude, alentejo, alforge, brotas, bufa, cabreiro, cântaro,<br />

ceia, colher, cu, estudante, filha, fome, gaveta, evora, irmão, moleiro, mora, papas, quarto,<br />

sede, trigo<br />

Região: Alto Alentejo<br />

Distrito: Évora<br />

Concelho: Mora<br />

Localidade: Brotas<br />

Contador: José Manuel<br />

Idade: 87 anos<br />

Residência: Brotas<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: José Barbieri<br />

Data de Recolha: Junho 2007<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Outubro 2007<br />

Duração vídeo: 5:52 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 5081<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 158<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 4


Transcrições integrais / Alto Alentejo / Mora / [Os dois velhos e a morte]<br />

[Os dois velhos e a morte]<br />

«Em certa aldeia do Norte habitavam dois velhinhos (talvez em Trás-os-Montes, Alto<br />

Douro) e já tinham mais de noventa anos de idade. Lembravam-se da mocidade e esperavam<br />

breve morte.<br />

_ Pouco podemos viver. (Dizia o bom do velhinho.)<br />

Deus queira que eu morra adiante,<br />

pa’ não sentir tristemente,<br />

a falta do teu carinho.<br />

Ouvindo isto a velhota e diz ao marido assim:<br />

_ Se a morte breve vier,<br />

e se consciência tiver,<br />

leve-me primeiro a mim!<br />

Mas terminou esta conversa já alta noite à hora morta.<br />

Mas quando iam para se deitar<br />

começaram a escutar<br />

e ouviram bater à porta.<br />

Bateram vezes sem conta, até que pergunta o velho em voz forte:<br />

_ Quem está aí a bater?<br />

E então ouviram dizer:<br />

_ Venha abrir – que é a morte.<br />

A porta pra morte entrar, ir abri-la nenhum quer.<br />

Então lá diz o marido:<br />

_ Tenho aqui um pé dorido,<br />

vai lá tu abrir mulher.<br />

A mulher, cheia de medo, e dizendo baixinho ao ouvido:<br />

_ Ai, que martírio o meu!<br />

Mas que grande dor que deu!<br />

Vai lá tu abrir marido!<br />

Page 159<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições integrais / Alto Alentejo / Mora / [Os dois velhos e a morte]<br />

E a porta nada de se abrir. E a morte o que faz depois?<br />

Era forte e estava irada,<br />

entrou com a porta fechada,<br />

chegou lá, levou logo os dois.»<br />

Page 160<br />

Edmundo Manuel, 77 anos, Mora (conc. Mora), Junho 2007<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


→ Classificação do Conto:<br />

Transcrições integrais / Alto Alentejo / Mora / [Os dois velhos e a morte]<br />

[Os dois velhos e a morte]<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 1354 A Morte<br />

e o Casal de Velhos [em verso].<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.<br />

→ Assunto: Um casal idoso sabe que a morte é certa. Cada um quer morrer primeiro que o<br />

outro de modo a não sofrer a perda do cônjuge. Entretanto bate-lhes a morte à porta…<br />

→ Palavras-chave: aldeia, alentejo, evora, marido, mora, morte, mulher, norte, porta, velha,<br />

velho<br />

Região: Alto Alentejo<br />

Distrito: Évora<br />

Concelho: Mora<br />

Localidade: Mora<br />

Contador: Edmundo Manuel<br />

Idade: 77 anos<br />

Residência: Mora<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: José Barbieri<br />

Data de Recolha: Junho 2007<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Junho 2007<br />

Duração vídeo: 0:01:49 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 1.195<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 161<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / O Príncipe Lagarto 2<br />

[O Príncipe Lagarto 2]<br />

«[A] Princesa Maria e o príncipe Afonso viviam muito felizes com o seu povo. O povo<br />

era muito bom e eles estimavam-no muito e também [o povo à] princesa Maria e [a]o príncipe.<br />

E então (passou) passava-se tempo e a princesa Maria pedia a Deus que lhe desse<br />

filhos (que na’ tinha filhos). E o tempo passava, passava e ela não concebia e ia sempre<br />

pedindo a Deus que lhe desse filhos. E nada. Nada disso acontecia.<br />

Até que uma vez ela descontente, triste e zangada com Deus gritou e disse:<br />

[Princesa Maria:] _ Ó Deus! Dá-me… Dá-me um filho nem que seja um lagarto! – E desabafou<br />

e ficou assim.<br />

palácio e disse:<br />

E passou-se tempo, começou a andar doente e o príncipe falou com o doutor do<br />

[Príncipe Afonso:] _Tem de consultar a princesa Maria porque ela anda doente.<br />

Ele foi consultá-la e depois de a consultar deu os parabéns ao príncipe Afonso e à<br />

princesa Maria porque ela estava grávida. E ela ficou muito contente e ficou radiante – que ia<br />

ter um filho ou uma filha!<br />

E depois passou-se o tempo, passou-se, passou-se e chegou a altura da criança<br />

nascer. E atão o médico lá estava, o doutor lá estava pra ajudar lá no que fosse preciso. E o<br />

médico, quando viu nascer um lagarto (um lagarto no lugar de uma criança), ele pôs as mãos<br />

na cabeça e disse:<br />

[Médico:] _ Óh! Meu Deus! Não há memória de uma coisa assim!<br />

E a princesa Maria ouviu aquilo e o príncipe disse assim: _ Um lagarto! Mande matar…Mande<br />

matar o bicho! – Disse o príncipe. _ Mande matar o bicho!<br />

E a princesa Maria começou a chorar e a gritar e a dizer: _ Não! Não! Não porque eu…<br />

Eu não…Não quero que matem o bicho! Porque é como sendo meu filho! Tenho o quarto já<br />

arranjado e tudo e ele vai ser dono do quarto e vai ser dono de tudo e é protegido em tudo!<br />

O médico dizia assim (e o príncipe) e o príncipe Afonso disse assim: _ É tudo como a<br />

princesa Maria quiser! Como quiser dar a criação ao bicho – é tudo como, como quiser.<br />

Page 162<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / O Príncipe Lagarto 2<br />

E ela hesitava… (Aquilo foi uma coisa do bom e do melhor, tudo ali pa’ esperarem uma<br />

criança…) E depois ela, de vez em quando, lembrava-se de ter feito aquele pedido zangada<br />

com Deus. De vez em quando lembrava-se que tinha sido castigo de Deus mas (tinha) tinha<br />

uma esperança, tinha… Enfim...<br />

Quer dizer que depois o príncipe começou a dizer à princesa Maria:<br />

[Príncipe Afonso:] _ Fecha-se no quarto e isto é segredo pra toda a gente – [para] ninguém<br />

saber que temos um lagarto no lugar de um filho! – E ela… e ela anuiu.<br />

Mas atão o lagarto tinha já uma ama, tinha um ajudante (pa’ a ajudar), mas atão o<br />

lagarto que era só subir p’ as paredes acima, pelos tectos acima, espalmava-se – o quarto<br />

tinha duas janelas – espalmava-se nas janelas.<br />

E passava por ali um bando de pombinhas (que o jardim do palácio era mesmo na<br />

frente da [janela]…o palácio do jardim) e ele, passava ali as pombinhas e as pombinhas<br />

brancas – um bando delas – começ[aram] a vê-lo lá espalmado na coisa [janela] e notaram: as<br />

avezinhas notaram que havia ali qualquer coisa. E aquilo transmitiram aos outros (porque o<br />

coiso, o jardim ‘tava cheio de [bichos:] tinha um pavão, tinha um… tinha um pavão, tinha a<br />

cegonha, tinha o papagaio e isso…<br />

Quer dizer que andava tudo a esconder – pa’ não ver ninguém que era uma vergonha o<br />

povo saber que tinham um filho lagarto. Quer dizer que depois ele na’ tinha sossego – na’ tinha<br />

sossego – parece que as pombas que foram transmitir à cegonha e a cegonha às cegonhinhas<br />

que passavam lá a verem-no (coiso) ali espalmado… Aquilo era para ali uma coisa…<br />

E depois a ama começou a ver… E ele queria sair, mal que a porta se abria um<br />

bocadinho iam logo, não o deixavam ir tão pouco para o coiso… para ninguém o ver … E<br />

depois ele começou a chorar: a chorar, as lágrimas caíam por ele abaixo e até chegavam ao<br />

chão – o chão todo molhado! E a ama, a ama começou a estar aflita, aflita e disse assim:<br />

[Ama:] _ Óh, meu Deus! Atão tu sofres?! Tu sofres! Tu tens desgosto? Tu sofres?<br />

E abanava a cabeça que sim – abanava a cabeça que sim, pois não falava: abanava a<br />

cabeça que sim.<br />

E ela disse: _ Tenho que transmitir à princesa Maria o que se passa!<br />

Page 163<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / O Príncipe Lagarto 2<br />

Depois disse à princesa Maria: _ Preciso muito de falar com a princesa Maria porque passa-se<br />

[que] o lagarto chora muito!<br />

[Princesa Maria:] _ Chora muito?!<br />

[Ama:] _ Sim! As lágrimas caem-lhe dos olhos pelo corpo afora. Até caem no chão! A gente<br />

anda cheios de pena do, do… Deixe-o ir ao menos para o jardim para ele distrair com as outras<br />

avezinhas e com as outras coisas.<br />

A princesa foi logo vê-lo. E foi logo e viu que realmente era assim como ela estava a<br />

dizer. Ele até molhava o chão com o choro.<br />

[Princesa Maria:] _Há aqui um mistério muito grande! E atão (começou) disse assim:<br />

_ Deixem-se estar descansados que amanhã ele sai já daqui! Vai distrair pò jardim. Vou-lhe<br />

comprar uma farda.<br />

Foi-lhe comprar uma farda: um boné, umas luvas e uns sapatinhos próprios para o que<br />

era e fardou-o e arranjou-o e levou-o pò jardim. Ora ele todo contente! Era o pavão de roda<br />

dele – abria o leque, fechava o leque – e ele ria, ria contente, satisfeito!<br />

Depois a princesa Maria dizia-lhe assim: _ ‘Tá contente? – (Tratavam-no por príncipe!) _ O<br />

príncipe ‘tá contente? ‘Tá contente?<br />

E ele abanava a cabeça que sim, que ‘tava: pois ele queria dizer que estava muito<br />

contente. A cegonha passava com aquelas pernas altas, compridas – muito vaidosa – passava<br />

por ao pé dele e tudo… E ele ria-se de a ver – era feliz! Era feliz!<br />

Bem, o tempo passou-se. O tempo foi-se passando, foi-se passando e o povo começou<br />

tudo a saber! Até chegava já pa’ outros países e pra tudo coisa... Os mensageiros mandavam<br />

(porque isto é coisas muito, muito antigas!), os mensageiros passavam aquelas mensagens,<br />

aquelas coisas e iam, iam mensageiros mesmo aos outros países contar o que se tinha<br />

passado: que a princesa Maria que tinha um, um filho que era…<br />

E ela começou a levá-lo quando havia aquelas festas de, de aquelas coisas de palácio,<br />

aquilo… E ele fardado e tudo e no meio dos pais – dos pais, eram praticamente os pais – no<br />

meio dos pais. Ele portava-se como sendo uma pessoa: fazia a continência, tinha aqueles<br />

gestos como se fosse uma pessoa. E depois tudo se impressionava com isso – vinha[m]<br />

pessoas dos outros países, tudo para ver se era verdade isso acontecer.<br />

Lá no (no coiso no) jardim o papagaio quando ouviu – o papagaio foi o primeiro a saber<br />

– quando ele (quando ele) ouviu os criados lá do jardim dizerem assim:<br />

Page 164<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / O Príncipe Lagarto 2<br />

[Criados:] _ Nem é criança! É um bicho! (O papagaio…) _ É um bicho! A princesa Maria na’… –<br />

E eles tudo admirado!<br />

Mas o papagaio ouviu (e o papagaio tem meia fala) disse assim: _ Ai, que desgraça! Que<br />

desgraça tão grande! Que desgraça tão grande! Nem é criança! É um bicho!<br />

Mas ele andava naquelas coisas com as avezinhas, até andava contente de ser livre!<br />

Bom, passou-se o tempo. Passou-se o tempo começou-se aquilo a espalhar e (a)quase<br />

pelo mundo inteiro. E depois chegou à altura (como casavam muito cedo os príncipes nessa<br />

altura), chegou à altura de falarem-no em casamento. Quer dizer que os mensageiros andavam<br />

pelos países e houve umas princesas que iam lá pra… mas era pra verem o que é que se<br />

passava, não era para se casarem com ele! Ia uma, ia duas, ia três... E chegou a ir quatro.<br />

Quatro, uma de cada vez. Umas chegavam lá negavam-se a casar com ele n’é? Negavam-se a<br />

casar com ele: _Ai! Na’ posso! Na’ posso!<br />

Mas havia na Austrália uma princesa chamada Ana e tinha fama de ser das pessoas<br />

mais bonitas do mundo e bondosas. E essa, quando soube de ele ser rejeitado por aquelas<br />

quatro, quatro princesas, e ela atão pensou assim:<br />

[Princesa Ana:] _ Atão e eu… Vou eu casar com o príncipe Lagarto! – O coração dela era muito<br />

bondoso e teve pena dele. E disse para os pais: _ Vou casar com o príncipe Lagarto!<br />

Os pais acharam errado mas ela foi casar com o príncipe Lagarto. Foi para a Espanha<br />

para casar com o príncipe Lagarto.<br />

Aceitou. A família ficou tudo muito contente: o pai e a mãe e isso… do príncipe Lagarto,<br />

do filho ter, do filho, do bicho [ter] quem o quisesse!<br />

Bem aquilo juntou-se tanta gente no dia do casamento que teve de ser ao ar livre.<br />

Fizeram um altar e estava o senhor padre pa’ fazer o casamento e aquilo era uma enchente<br />

uma coisa parva! E depois diz assim (o príncipe), diz assim o senhor padre para o príncipe, o<br />

senhor padre diz para o príncipe Lagarto:<br />

[Padre:] _ Aceita para sua esposa a princesa Ana? – Ele abanou a cabeça que sim e depois<br />

disse para a princesa Ana: _ Aceita para seu esposo o príncipe Lagarto?<br />

E ela disse: _ Sim, aceito. E beijou, agarrou-se a ele e beijou-o.<br />

Page 165<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 4


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / O Príncipe Lagarto 2<br />

E o céu… O chão começou a tremer e o céu começou tudo a tremer e as pessoas tudo<br />

aos gritos que era o fim do mundo! Mas aquilo foi só uns momentos, foi só uns segundos.<br />

Acalmou-se tudo, ficou tudo assim… tudo sossegado. E depois ficou tudo com os olhos no<br />

altar. Mas o príncipe Lagarto já lá na’ estava! ‘Tava lá era um lindo príncipe – uma pessoa<br />

famosa, uma pessoa bonita! Um lindo…Uma linda pessoa! E foi… transformou-se aquilo num…<br />

num amor! Foi um sinal de amor! E sinal que Deus transformou-o ali nessa pessoa! E atão<br />

conta a minha história que foram muito felizes e tiveram filhos lindíssimos!».<br />

Page 166<br />

Custódia Mariana, 80 anos, Brotas (conc. de Mora), Junho 2007.<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 5


→ Classificação do Conto:<br />

Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / O Príncipe Lagarto 2<br />

Conto de animais.<br />

[O Príncipe Lagarto 2]<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 433 B O Rei<br />

Lindorm.<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.<br />

→ Assunto: Desesperada uma princesa pede a Deus que lhe dê um filho. Nascerá então um<br />

lagarto com modos de gente, cujo encantamento só poderá ser quebrado através do milagre do<br />

verdadeiro amor.<br />

→ Palavras-chave: alentejo, ama, amor, australia, beijo, brotas, casamento, cegonha, deus,<br />

espanha, evora, farda, filho, jardim, lagarto, lágrimas, mora, padre, papagaio, pavão, princesa,<br />

príncipe, pomba<br />

Região: Alto Alentejo<br />

Distrito: Évora<br />

Concelho: Mora<br />

Localidade: Brotas<br />

Contador: Custódia Mariana<br />

Idade: 80 anos<br />

Residência: Brotas<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: José Barbieri<br />

Data de Recolha: Junho 2007<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Junho 2007<br />

Duração vídeo: 0:13:38 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 9.146<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 167<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 6


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Príncipe Lagarto 3]<br />

[O Príncipe Lagarto 3]<br />

«Havia uma ocasião… Havia uma ocasião… Um encanto. Um encanto dum, dum<br />

lagarto… que era encantado. E atão um belo dia e diz pra mãe:<br />

[Príncipe Lagarto:] _ Ó mãe! Eu quero casar!<br />

[Mãe:] _ Ora filho! E atão quem é quer casar contigo?! Atão tu és um bicho! És um lagarto!<br />

[Príncipe Lagarto:] _ Mas eu quero casar!<br />

[Mãe:] _ Bom, atão mas queres casar com quem?<br />

[Príncipe Lagarto:] _ Óh! Lá com uma filha do moleiro. – (Havia lá um moleiro que tinha três<br />

filhas). E diz ele assim: _ Lá com uma filha do moleiro. Vai lá pedir ao moleiro a ver se deixa<br />

casar uma das filhas comigo.<br />

Bom, (diz-lhe) a mãe lá foi ao moleiro pedir-lhe se deixava casar a filha mais velha c’o,<br />

c’o filho, c’o príncipe. O moleiro disse:<br />

[Moleiro:] _ ‘Tá bem! Sim senhora.<br />

Bom, lá no dia do casamento, tudo muito bem, tudo coiso e tal…E atão quando ‘tavam<br />

ao copo’d’água, ‘tavam naquilo, apareceu o encanto – que era o lagarto. Pulou prò colo da, da<br />

noiva. A noiva assustou-se! (De ver aquele bicho: pulou-lhe prò colo)! Assustou-se – morreu!<br />

Bom, morreu, trataram do funeral, fizeram aquilo.<br />

Ao fim de uma temporada começa o filho dela outra vez, o encanto, a dizer-lhe assim:<br />

[Príncipe Lagarto:] _ Ó mãe! Eu quero casar!<br />

[Mãe:] _ Ora filho! Atão, tu já mataste uma senhora e agora queres casar outra vez!<br />

[Príncipe Lagarto:] _ Quero casar! Vai lá pedir ao moleiro a ver se deixa casar a outra filha<br />

comigo!<br />

Bom, lá foi a mãe outra vez pedir ao moleiro. Lá veio, lá trataram do casamento.<br />

Quando foi à noite, ao copo d’água, salta outra vez o lagarto pra cima do colo, do colo da noiva.<br />

Ela: _ Ai! – Pregou um grito, assustou-se! Morreu! Ah! Morreu, trataram do funeral. Fizeram<br />

aquilo tudo.<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa / Setembro 2007<br />

Page 168


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Príncipe Lagarto 3]<br />

Um belo dia começa o noivo, começa outra vez o filho da princesa a dizer:<br />

[Príncipe Lagarto:] _ Atão mãe, eu quero casar!<br />

[Mãe:] _Ó filho! Atão, tu já mataste duas filhas ao moleiro e agora queres casar?!<br />

[Príncipe Lagarto:] _ Quero casar!<br />

Bom, lá foi a mãe outra vez pedir ao moleiro. O moleiro (coitadito, como ele era<br />

príncipe)e deixou outra vez casar a filha mais nova com ele.<br />

Lá no dia do casamento, quando ‘tavam ao copo’d’água, o lagarto pulou-lhe para o colo<br />

outra vez (ela tinha já ali uma coisa, uma mantazinha) tapou-o logo muito bem tapado e [disse:]<br />

[Esposa 1:] _Ai! Coitadinho! Ai, ‘tadinho do bichinho! – E coiso…<br />

E atão não morreu! Já não morreu. Aquela já não morreu. Bom, tratou-se de casar,<br />

trataram daquilo tudo. Casou.<br />

Um belo dia diz-lhe a mãe do, do príncipe:<br />

[Mãe:] _ Ah! Não sei como você quis casar com o meu (princi) c’o meu filho! Atão ele é um<br />

bicho!<br />

E ela diz-lhe assim: _ Ai senhora! Se vossemecê visse o seu filho! Quando ele está (em) feito<br />

em pessoa! A senhora até, até ficava… Não há uma criatura mais linda que aquilo!<br />

Bom e ela combinou com a, com a nora de lá ir ver o filho quando ele estava [na forma<br />

humana]. Mas ela combinou com ela que ela tinha de ir às escuras, que era pa’ não [acordar]<br />

(ver) o filho senão (perdia) quebrava-lhe o encanto.<br />

E atão o que é que ela fez? Levou uma vela na mão e chegou lá ao pé com a vela<br />

acesa, teve a olhar para o filho e coiso… Aquilo era uma pessoa linda que…! Mas a cera… A<br />

vela começou a aquecer e largou uma pinga de cera e pingou na cara do, do príncipe. Deu-lhe<br />

cabo do encanto! Deu cabo do encanto ao filho!<br />

Bom deu cabo do encanto, o gajo sumiu-se. Nunca mais apareceu! Nunca mais<br />

pareceu e disse-lhe:<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa / Setembro 2007<br />

Page 169


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Príncipe Lagarto 3]<br />

[Príncipe Lagarto:] _ Agora quando tu… Toma lá estes sapatinhos de ferro. Quando tu<br />

estragares estes sapatos de ferro é que vais dar comigo no palácio das janelas verdes!<br />

Bom, a mulherzinha ficou e ele desapareceu! Desapareceu, a mulherzinha começou a<br />

(a mulher dele, a noiva), começou a andar de banda pra banda, para um lado, para o outro, prà<br />

aqui, pr’ além… A procurar pelo palácio das janelas verdes. A ver se alguém sabia, pra ver se<br />

ia dar com ele. Bom, ninguém lhe sabia dizer – volta prà aqui, volta prà além…Ninguém lhe<br />

sabia dizer onde é que era o palácio das janelas verdes.<br />

Até que um belo dia, chegou lá, havia aquelas casas da bicharada – meanos, corvos,<br />

albatrozes – toda a qualidade de bicho recolhia ali à casa à noite.<br />

Bom, a mulherzinha foi lá dar com essa casa, chegava à noite vinha um (à noite<br />

recolhia aquela bicheza toda) (e a mãe) eles assim que lá entravam diziam logo assim pa’ mãe:<br />

[Bicho:] _Ó mãe, ó mãe! Cheira-me aqui a carne humana! – (Que era mulherzinha que lá<br />

estava, a noiva lá estava a procurar…).<br />

[Mãe dos bichos:] _Ora! É(ra) uma senhora que está aqui a procurar se vocês sabiam onde era<br />

o palácio das janelas verdes!<br />

[Bicho:] _ Eu cá na’ sei! Eu na’ sei onde é.<br />

Bom, já só faltava o corvo. Até que daqui a nada lá vem o corvo – croah, croah, croah,<br />

croah, croah, croah, croah – a (a)voar. E atão chegou, pousou e diz pa’, lá pa’, pa’ mãe daquela<br />

bicharada e diz-lhe assim:<br />

[Corvo:] _ Ó mãe, ó mãe! Cheira-me aqui a carne humana!<br />

[Mãe dos bichos:] _ Ora, filho! É uma mulherzinha que está aqui a procurar se tu sabes onde é<br />

o palácio das janelas verdes.<br />

[Corvo:] _Óh! Mesmo eu agora de lá abalei! ‘Tive lá pousado, lá numa janela!<br />

[Mãe dos bichos:] _ Bom, então olha, esta, esta senhora que está aqui queria saber onde é que<br />

era o palácio das janelas verdes.<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa / Setembro 2007<br />

Page 170


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Príncipe Lagarto 3]<br />

[Corvo:] _ Atão eu vou lá levá-la. Ela (a)monta-se em cima de mim, em cima de mim, que eu<br />

vou lá levá-la ao palácio das janelas verdes. Mas ela tem que arranjar dois quilos de carne!<br />

Que é para quando eu for já muito cansado e que eu faça – croah! – ela me meter um bocado<br />

de carne pelo bico abaixo.<br />

Bom, a mulher: _ Sim senhor!<br />

Lá arranjou dois quilos de carne e atão o corvo lá abalou com ela (a)voando,<br />

(a)voando, (a)voando e manda um – croah – dá um bocado de carne! Até que chegou lá ao<br />

palácio das janelas verdes…Chegou lá ao palácio das janelas verdes, pousou lá numa janela e<br />

diz:<br />

[Corvo:] _ Minha senhora, o palácio das janelas verdes é aqui! Aqui é que é.<br />

Bom, a mulher ali ficou. ‘Tava lá. Ele já ‘tava casado com uma preta, já tinha arranjado<br />

uma preta [por]que pensou que ela nunca mais lá lhe aparecia. Mas apareceu!<br />

E atão um belo dia, ela plantou-se, pediu à preta, se a preta a deixava ficar ali, debaixo<br />

de uma árvore e coiso…<br />

[Nova mulher:] _ Deixo sim senhora!<br />

Bom, a mulherzinha ficou ali debaixo de uma árvore e atão às tantas puxou de uma<br />

mesa, puxou de uma toalha … Prantou(1) ali em cima da mesa uma toalha estendida…<br />

Prantou ali um serviço de cobre… Tudo da coisa mais bonita! Colheres! Pratos, garfos… Tudo<br />

em cobre. A coisa mais bonita que havia!<br />

A criada de lá da preta chegou à janela e diz-lhe assim:<br />

[Criada:] _ Ó minha senhora! Atão a mulherzinha tem ali uma coisa na rua… Ai, que coisa tão<br />

linda! Que a senhora não tem cá uma coisa tão linda como aquela!<br />

[Nova mulher:] _ Vái lá ver se a mulher ma quer vender!<br />

Ela chegou lá ao pé dela: _ Ai, minha senhora… Se a senhora quer vender isso à minha<br />

senhora?<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa / Setembro 2007<br />

Page 171


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Príncipe Lagarto 3]<br />

[Filha do moleiro:] _ Diga lá a ela que eu que na’ l[h]a vendo – que l[h]a dou! C’ uma condição:<br />

dela me deixar, dela me deixar dormir uma noite com o príncipe!<br />

[Nova mulher:] _Ai! Ela disse: _ Não! Não! Na’ quero! Na’ quero! Não, não, não, não! Na’<br />

quero!<br />

[Criada:] _ Ó minha senhora! Só uma noite na’ faz mal! – (Dizia-lhe a preta, a outra criada) –<br />

Só uma noite não faz mal! A gente dá-lhe um chá de dormideiras(2) à noite, à deitada, ele<br />

deixa-se dormir e a senhora… Nem toda a noite… No outro dia a horas de se levantar… A<br />

gente… Ele passa-lhe aquilo das dormideiras e a senhora ganha aquela coisa toda bonita.<br />

[Nova mulher:] _ Atão vai lá dizer se ela quer.<br />

Bom [foi]…_Quero, sim senhora! – A outra senhora, que era a tal princesa, que era, foi a<br />

primeira mulher do príncipe, e diz-lhe assim: _ Sim senhora! ‘Tamos combinadas! – Lá deu<br />

aquilo à outra.<br />

A outra foi à noite, quando o príncipe chegou, e foram-lhe dar o tal chá das dormideiras<br />

ao príncipe. O príncipe deitou-se na cama ferrou a dormir nunca mais acordou.<br />

Ela de noite, deitada lá na cama mais o príncipe, de noite e começa-lhe a dizer assim:<br />

[Filha do moleiro:] _ Atão? Nunca mais te lembras?! Não te lembras quando me deste os<br />

sapatinhos de ferro? Que, que havia de ir ter contigo ao palácio das janelas verdes…<br />

Mas ele ‘tava a dormir, não ouvia nada! Mas tinha um choffeur(3), que andava com ele<br />

a dar as voltas, que dormia por baixo do quarto onde ele estava. E o choffeur começou a ouvir<br />

aquilo – toda a noite aquela coisa… A dizer a mesma coisa _ Se na’ te lembras de me dar uns<br />

sapatos de ferro? Porque havia de ir ter contigo ao palácio das janelas verdes… Mas ele ‘tava<br />

a dormir e pronto – não sabia nada!<br />

No outro dia ela puxa dum… Outra vez da toalha, estende-a no chão – uma coisa em<br />

prata! Tudo do mais bonito que havia! Colheres, garfos, pratos…tudo! Copos… Tudo do mais<br />

bonito! A preta chega à janela e diz assim:<br />

[Criada:] _ Ai, senhora! Hoje ainda tem lá outra coisa muita mais bonita que aquela primeira!<br />

[Nova mulher:] _ E atão vai lá ver se ela a quer vender!<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa / Setembro 2007<br />

Page 172


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Príncipe Lagarto 3]<br />

Ela lá foi: disse à outra se a senhora queria vender aquilo.<br />

Disse: _ Não! Na’ l[h]avendo – dou-lha! Mas é com a condição de me deixar dormir mais uma<br />

noite com príncipe!<br />

Bom, a outra [criada]: _ Damos-lhe o chá das dormideiras e ele deixa-se dormir e a senhora<br />

ganha aquilo!<br />

[Nova mulher:] _’Tá bem. – Lá arrebanharam aquilo.<br />

Ela lá se foi deitar à noite quando o príncipe veio. Foi-se deitar outra vez mais o<br />

príncipe e atão começa outra vez de roda dele:<br />

[Filha do moleiro:] _ Atão na’ te lembras? Daquela coisa que tu me deste? Dos sapatos de<br />

ferro? Que havia de vir ter contigo ao palácio das janelas verdes…coisa…<br />

E o outro cá por baixo a ouvir outra vez a mesma coisa!<br />

[Choffeur:] _ Ora esta! O que é que se passa lá prò, lá prò quarto do príncipe?<br />

Bom, no outro dia quando se fez de dia ela saiu, àquela hora tinha que sair. O príncipe<br />

passou-lhe o coiso das dormideiras pronto.<br />

Ela vai ali à tardinha, torna a estender a toalha… Estende ali uma toalha com um<br />

serviço tudo em ouro. Que não havia nada mais bonito que aquilo! Tudo em ouro! Tudo em<br />

ouro! Pratos, colheres, garfos, tudo ali…<br />

A preta chega lá à janela outra vez…<br />

[Criada:] _Ai, minha senhora! Hoje é que ela lá tem uma coisa tão bonita! Tão bonita!<br />

[Nova mulher:] _ Bom, vai lá ver se ela quer vender!<br />

Lá foi outra vez a preta: _ A senhora…A minha senhora… Se a senhora quer vender isso…<br />

[Filha do moleiro:] _ Eu na’ lha vendo, dou-lha! Mas há-de ela me deixar ir dormir uma noite<br />

com o príncipe!<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa / Setembro 2007<br />

Page 173


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Príncipe Lagarto 3]<br />

[Criada:] _ Atão minha senhora a gente dá-lhe o chá o das dormideiras, ele deixa-se dormir e<br />

(a gente) a senhora ganha aquilo.<br />

[Nova mulher:] _’Tá bem! – (A outra já ‘tava convencida daquilo tudo!)<br />

assim:<br />

Bom, o príncipe abala pà volta mais o choffeur. E o choffeur lá pelas tantas diz-lhe<br />

[Choffeur:] _ Ó patrão! O que é que se passa lá para o quarto do patrão, que eu já há duas<br />

noites que na’ durmo e ouço uma pessoa sempre, toda a noite, toda a noite a dizer: “se na’ te<br />

lembras dos sapatos de ferro que me deste? Que havia de ir ter contigo ao palácio das janelas<br />

verdes…”.<br />

O Príncipe: _ Alto lá! Aqui há qualquer coisa!<br />

Bom, à noite (quando) o príncipe chegou e foram-lhe dar as dormideiras outra vez. E o<br />

príncipe no lugar de beber aquilo, entornou aquilo para fora e já não bebeu! Bom, lá chegou-se<br />

a (…) foram-se deitar. Foram-se deitar e atão ela começa outra vez de roda do príncipe:<br />

[Filha do moleira:] _ Atão? Não te lembras daquilo que me disseste? Dos sapatinhos de ferro?<br />

Que havia de ter ver ter contigo ao palácio das janelas verdes…<br />

Diz ele assim: _Óh! Cá está a minha mulher!<br />

Quer dizer que tratou atão de casar e òpois o príncipe disse-lhe:<br />

[Príncipe:] _ O que é que queres que faça agora àquela senhora?<br />

E ela, e ela, não era malfazeja e diz-lhe assim: _Olha ela fica por criada e a outra fica<br />

por ajudanta e eu sou a rainha!<br />

Glossário:<br />

Quer dizer que ficou aquilo tudo assim e está o conto acabado!»<br />

(1) Prantou: colocou, pôs.<br />

José Manuel, 87 anos, Brotas, (conc. Mora), Junho 2007.<br />

(2) Dormideira: espécie de papoila com características sedativas e narcóticas.<br />

(3) Choffeur: motorista.<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa / Setembro 2007<br />

Page 174


→ Classificação do Conto:<br />

Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Príncipe Lagarto 3]<br />

[O Príncipe Lagarto 3]<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 433 B O Rei<br />

Lindorm + ATU 425 A O Monstro (Animal) como Noivo (Cupido e Psique).<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.<br />

→ Assunto: A coragem, persistência e amor de uma jovem devolvem a forma humana a um<br />

príncipe encantado que vivia sob a aparência de um lagarto.<br />

→ Palavras-chave: alentejo, animais, brotas, carne, casamento, chá, cera, choffeur, cobre,<br />

corvo, dormideira, dormir, encantado, evora, ferro, filha, filho, funeral, janela, lagarto, mae,<br />

moleiro, mora, morte, motorista, noite, noiva, ouro, palácio, prata, príncipe, rainha, sapatos,<br />

serviço, toalha, vela, verde<br />

Região: Alto Alentejo<br />

Distrito: Évora<br />

Concelho: Mora<br />

Localidade: Brotas<br />

Contador: José Manuel<br />

Idade: 87 anos<br />

Residência: Brotas<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: José Barbieri<br />

Data de Recolha: Junho 2007<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Setembro 2007<br />

Duração vídeo: 2:31 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 11.902<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa / Setembro 2007<br />

Page 175


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Pedro e o Conde]<br />

[Pedro e o Conde]<br />

«Era o senhor conde. E um dia o que é que se lembrou?<br />

[Conde:] _Ando aborrecido de viver sozinho. Vou arranjar um rapazito pa’ andar comigo a<br />

passear. (Naquele tempo não havia automóveis).<br />

O que é que ele faz? Vai à próxima vila, ali às Brotas, e então encontrou um rapazinho<br />

chamado Pedro. E diz-lhe assim:<br />

[Conde:] _ Como é que tu te chamas meu menino?<br />

[Pedro:] _ Eu chamo-me Pedro.<br />

[Conde:] _ A’tão… Tu queres ir pa’ meu criado?<br />

[Pedro:] _ Não senhor, não quero.<br />

[Conde:] _ Vai, que vais muito bem! Comes, bebes, andas sempre mais eu. Deixas de andar<br />

assim tão pobre, tão mal arranjadinho. Anda, vem comigo!<br />

O rapaz começou a pensar: _’Pera aí! Eu se calhar faço bem. – E aceitou. Foi-se embora mais<br />

o Senhor Conde.<br />

patrão:<br />

Mas atão o moço tinha um grande defeito! Era muito mentiroso!<br />

Um belo dia andava a passear mais o patrão, ali por um grande vale e diz para o<br />

[Pedro:] _ Ó patrão! De manhã vim passear aqui e vi aqui sete raposas! Neste vale.<br />

O patrão calou-se.<br />

Andaram mais à frente, diz-lhe o patrão assim:<br />

[Conde:] _ Ó Pedro! Olha que nesta herdade há uma ponte. E essa ponte tem um condão –<br />

quem mentiu já neste dia, quando chegar e pisar a ponte, a ponte abre-se! E a pessoa vai pò<br />

fundo e morre!<br />

E o rapaz ficou ... _ ‘Pera aí!<br />

Dali um bocadinho volta[-se] pò patrão e faz assim:<br />

Page 176<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Pedro e o Conde]<br />

[Pedro:] _ Ó patrão! Não eram sete raposas! Eram só cinco!<br />

[Conde:] _ ‘Tá bem.<br />

Lá mais pra diante torna o patrão a dizer-lhe:<br />

[Conde:] _ Ó Pedro! Olha que já não vamos muito longe da ponte…<br />

Mais um bocadinho, diz para o patrão outra vez:<br />

[Pedro:] _ Ó patrão! Não eram nada cinco raposas! Eram só três!<br />

[Conde:] _ ‘Tá bem, pronto.<br />

Quando iam já mesmo a chegar ao pé da ponte, diz-lhe o patrão assim:<br />

[Conde:] _ Olha Pedro! Olha a ponte!<br />

Ele volta-se com uma grande liberdade e diz para o patrão:<br />

[Pedro:] _Ó patrão! Nem eram sete, nem eram seis, nem eram cinco, nem era nenhuma! Eu<br />

nem vi raposa nenhuma!<br />

Ainda hoje lá vivem!<br />

E a mentira foi à vida! Portanto vale mais uma verdade que trinta mentiras. É assim.<br />

A primeira ‘tá terminada.»<br />

Page 177<br />

Maria Augusta, 75 anos, Mora, (conc. Mora), Junho de 2007.<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


→ Classificação do Conto:<br />

Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Pedro e o Conde]<br />

[Pedro e o Conde]<br />

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 1920 J Ponte<br />

Reduz a Mentira.<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.<br />

→ Assunto: Pedro é um menino que tem o mau hábito de mentir, mas o seu patrão tem uma<br />

estratégia para fazer a verdade prevalecer.<br />

→ Palavras-chave: alentejo, amieiras, criado, conde, evora, mentiroso, mora, patrão, passear,<br />

ponte, rapaz, raposa<br />

Região: Alto Alentejo<br />

Distrito: Évora<br />

Concelho: Mora<br />

Localidade: Amieiras<br />

Contador: Maria Augusta<br />

Idade: 75 anos<br />

Residência: Mora<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: José Barbieri<br />

Data de Recolha: Junho 2007<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Junho 2007<br />

Duração vídeo: 0:02:39 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 2093<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 178<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / Pedro Malasartes<br />

Pedro das Malasartes<br />

«Era uma vez uma velha e um velho que viviam num monte(1). Mas tinham muito<br />

dinheiro, mas andavam muito mal arranjados: muitos porcos, muito mal arranjados, numa casa<br />

muito suja…<br />

E atão tinham um velhote que lhes guardava os porcos e os perus. Óh! O velho a<br />

determinada altura morreu. Morreu o velho. E diz a mulher assim:<br />

[Velha:] _ Ai, marido! Tão mal que a gente fica aqui no monte! Atão agora ficamos aqui<br />

sozinhos, sem ninguém! O que é que a gente faz à nossa vida?!<br />

[Velho:] _ Temos que arranjar… Agora já não vamos buscar pessoas velhas. Agora arranjamos<br />

aí um rapazinho com uns treze ou catorze anos e ‘tá aqui com a gente. Come, bebe, vestimo-<br />

-lo, calçamo-lo e ‘tamos aqui como (…).<br />

Ele foi a uma aldeiazinha mais pequenina, por exemplo assim como (…) pequenina a<br />

aldeia. Havia lá um miúdo muita mau, muito mau, que se chamava Pedro e [que] vivia muito<br />

mal – a mãe não tinha nada que lhe dar de comer. E disseram-lhe assim:<br />

[Aldeão:] _ Ai, morreu ali o velhote que guardava os perus e os porcos, ali do velhote que ‘tá no<br />

monte.<br />

[Pedro:] _ Ah! E se o velho me levasse para lá! Pelo menos enchia a barriga e ‘tava lá com<br />

eles.<br />

O velho montou-se na burra e abalou a caminho da aldeia.<br />

E ele [Pedro] ‘tava sentado numa pedra à espera que alguém lhe desse alguma coisa<br />

pa’ comer, porque o pai tinha morrido e ele era sozinho mais a mãe e mais os outros irmãos.<br />

(Chegou…) sentado numa pedra (e o velho ia chegando) [disse para consigo:]<br />

[Pedro:] _ Olha! Aí vem o velho do monte… Tenho que enganar este velho! Tenho me’mo que<br />

o enganar.<br />

[Velho:] _Bom dia rapaz!<br />

[Rapaz:] _Bom dia!<br />

Page 179<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / Pedro Malasartes<br />

[Velho:] _Atão como é que tu te chamas?<br />

[Rapaz:] _Pedro.<br />

consigo:]<br />

Ele tinha ouvido dizer que havia um Pedro muito, muito daninho(2). Disse assim [para<br />

[Velho:] _ Ai, este na’ vou levar! Não o vou levar porque… já tem fama de ser daninho! Óh,<br />

minha mãe, chega lá, dá volta a tudo!<br />

[Pedro:] _ Bom, atão o que é que você queria?<br />

[Velho:] _Olha tenho lá uns perus e uns porcos pa’ guardar. Gostava de um mocinho… quanto<br />

é que tu querias ir ganhar pra lá?<br />

[Pedro:] _ Eu vou! Eu vou pra lá para o seu monte!<br />

[Velho:] _ Então e quanto é que tu querias ir ganhar?<br />

[Pedro:] _ Ah… Dez m’é’réis(3)…<br />

[Velho:] _ Olha que isso é muito!<br />

[Pedro:] _ Óh! Menos também na’ posso…<br />

[Velho:] _ Olha, eu vou dar por aqui uma volta e depois amanhã logo te digo alguma coisa.<br />

[Pedro:] _ ‘Tá bem.<br />

Ele abalou. (A rua da) a aldeia tinha umas três ou quatro ruas e ele [o Pedro] foi<br />

fugindo, foi-se pôr na outra rua.<br />

[Velho:] _Bom dia rapaz!<br />

[Pedro:] _Bom dia!<br />

[Velho:] _ Atão que fazes aqui?<br />

[Pedro:] _ Óh, ‘tou aqui que na’ tenho nada que fazer! Aqui ‘tou. Atão e você?<br />

[Velho:] _ Ando aqui à busca de um rapazinho para me guardar os meus porcos e os meus<br />

perus.<br />

[Pedro:] _ Olhe eu vou!<br />

Page 180<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / Pedro Malasartes<br />

[Velho:] _ Atão e com’ é que tu te chamas?<br />

[Pedro:] _Pedro.<br />

O velho ficou logo… [e disse:] _ Atão e tu querias ir lá prò monte?<br />

[Pedro:] _ Queria! Ir lá passar… Atão na’ queria! Deserto ‘tou eu de sair aqui desta aldeia!<br />

[Velho:] _ Então e quanto é que tu querias ir ganhar?<br />

[Pedro:] _ Dez m’é’réis.<br />

(Por a fala e por o aspecto, o velho ficou em dúvidas que ele seria o Pedro) [e disse-<br />

-lhe:] _ Deixa ‘tar que eu ópois logo te digo alguma coisa.<br />

[Pedro:] _’Tá bem!<br />

Abalou, fugiu, foi pa’ outra rua. Enfim, ‘tava nas ruas todas – era ele sempre – ‘teve que<br />

o velho apontar prò levar. Disse:<br />

[Velho:] _ Olhe, amanhã de manhã, apareces lá no meu monte. Sabes ali onde eu moro, é logo<br />

ali a seguir e depois a gente fala.<br />

[Pedro:] _’Tá bem! Fique descansado!<br />

Óh! Ainda bem na’ se tinha feito dia, já ele ‘tá batendo à porta do velho.<br />

[Pedro:] _Atão ainda na’ se levantou?<br />

Levantou-se o velho, todo muito escarapaçado.<br />

[Velho:] _Atão, já cá ‘tás?!<br />

[Pedro:] _ Já cá ‘tou! Atão mas isto pa’ gente ir fazer o trabalho, na’ pode ‘tar deitado até tarde!<br />

[Velho:] _ ‘Tá bem.<br />

consigo:]<br />

O velho levantou-se. A velha fez uma açorda. [Pedro] encheu a barriga e disse [para<br />

[Pedro:] _ É pá! Que bem que eu ‘tou aqui com estes velhos!<br />

A velha tinha tudo que não se podia ver! Teias de aranha por tudo o que era canto…<br />

Page 181<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 3


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / Pedro Malasartes<br />

[Pedro:] _ Atão? Esta é a sua mulher? É pá! Que idade tem você?<br />

[Velha:] _ Ai filho, já tenho oitenta anos.<br />

[Pedro:] _ Que é que diz! Você parece que tem quinze anos, criatura! Eu nunca tinha visto…<br />

Isto, isto, isto não se via por lado nenhum! – E vai de olhar para a velha.<br />

Encheu a barriga com a açorda. Diz-lhe o velho assim:<br />

[Velho:] _ Olha, agora anda cá ver o que tu vais fazer.<br />

E a velha disse-lhe: _Ai, marido! O que tu foste trazer pa’ nossa casa! Ele é esperto demais!<br />

[Velho:] _ Deixa, coitadinho! Ele tem fome, atão tem a barriga cheia.<br />

_ Bom, olhe estes são os porcos que tu levas, que vais guardar. E depois à tarde, traz os perus<br />

pra dentro de casa e andas aqui de um lado para o outro.<br />

[Pedro:] _ ‘Tá bem! Fique descansado.<br />

[Velho:] _ E depois lá voltas para a tua casa.<br />

[Pedro:] _ Qual casa?! Eu quero ficar aqui com vocês! O que é que eu vou fazer pra casa? Só<br />

se você me der alguma coisa que eu vá levar à minha mãe…<br />

[Velho:] _ Sim, a minha mulher dá-te umas coisinhas e tu (já com medo dele) e vais dormir pra<br />

casa.<br />

[Pedro:] _ ‘Tá bem!<br />

Ele foi guardar os porcos, andou, andou [e pensou:]<br />

[Pedro:] _ Eles estão gordos! Tenho de vender estes porcos! Tenho que os vender!<br />

Bom, passou-se o dia.<br />

À noite, a mulher deu-lhe um pão, deu-lhe comidas [e disse-lhe:]<br />

[Velha:] _ Vai levar à tua mãe, a tua mãe na’ tem comida, vai lá levar.<br />

Foi pra casa e disse a uma irmã:<br />

[Pedro:] _ A velha ‘tá muito gorda! Se você visse! A figura da casa dela e a figura dela! Parece<br />

a velha que tem mais de cento e cinquenta anos! Diz que tem oitenta anos!<br />

[Mãe:] _Ah filho, mas não digas isso à mulher!<br />

Page 182<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 4


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / Pedro Malasartes<br />

[Pedro:] _ Na’ digo! Disse que ‘tava do mai’ lindo que havia!<br />

E diz-lhe a mãe: _ Mas também não exageres! Isso depois a mulher vê que isso que não é<br />

verdade e depois fica…<br />

Bom, noutro dia abalou logo muito cedo.<br />

No outro dia, a velha levantou-se e fez-lhe café: café, pão e queijo.<br />

[Diz-lhe Pedro:] _Não há uma mulher igual a esta! Não há! A coisa mai’ linda que eu ainda vi<br />

nos dias da minha vida… Que velha! Esta velha esperta, sabe fazer de tudo! Muito asseada…<br />

– (A velha não tinha palavras pa’ lhe pagar).<br />

Disse [a velha:] _ Ai, filho não! Atão eu já na’ posso fazer nada.<br />

[Pedro:] _Deixe ‘tar que eu mai’ logo venho-lhe arrumar aqui a casa toda.<br />

[Velha:] _ E você na’ tem falta de fazer nada?<br />

[Pedro:] _ Eu pondo os porcos lá na pastagem, o que é que eu lá ‘tou fazendo ao pé dos<br />

porcos ou aqui ao pé do monte?! Não ‘tou fazendo nada! Venho-lhe limpar a casa. Na’ tenha<br />

problemas…<br />

Tal e qual. Veio arrumar a casa à velha, deixou tudo num brinco(4). Diz a velha:<br />

[Velha:] _ Ai, marido! Temos muita pena, mas não o podemos deixar abalar! – (Primeiro não o<br />

queria e depois já não o podia deixar abalar).<br />

Bom, terminou aquilo tudo. A velha tinha já o almoço feito, foram almoçar.<br />

Abalou [para o pastoreio]. Quem havia de passar? Um feirante (com uma camioneta<br />

muita grande, nessa altura, assim muito esquisita) [que lhe] disse:<br />

[Feirante:] _ É rapaz! Que porcos tão lindos que tu aqui tens! Atão, mas de quem são os<br />

porcos?<br />

[Pedro:] _ São do meu avô! São do meu avô.<br />

[Feirante:] _Óh, atão se ele me vendesse esses porquinhos…<br />

[Pedro:] _ Vende! Vende-lhe os porcos, sim senhor! Vende-lhe os porcos! Atão, ele tem ‘tado<br />

com o sentido d’os vender! Pra quê que ele quer os porcos?! Já ali tem mais! Pa’ engordá-los –<br />

(mentira, na’ tinham: o velho à medida que ia vendendo, ia comprando).<br />

Page 183<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 5


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / Pedro Malasartes<br />

[Feirante:] _ Atão, quanto é que tu queres pelos porcos?<br />

[Pedro:] _Cem m’é’réis.<br />

[Feirante:] _Cem m’é’réis?! Pelos porcos todos?!<br />

[Pedro:] _Não! Cada um!<br />

[Feirante:] _ Ah! ‘Tá bom! Olha, amanhã de manhã passo por aqui.<br />

[Pedro:] _ ‘Tá bem. Pode passar.<br />

[Feirante:] _ Sim senhor. Trazes o teu avô.<br />

[Pedro:] _ Ah, coitadinho! Ele na’ ouve! Que é que ele cá vem fazer?! Ele na’ ouve!<br />

Bom, no outro dia de manhã levantou-se. E (o que é que) diz-lhe a velha assim:<br />

[Velha:] _ Ai filho, olha, ontem comeste uma açorda, anteontem uma açorda, ontem comeste<br />

café. Atão hoje comes [o] quê?<br />

[Pedro:] _ Olha gosto de café. Faça-me lá café, com pão e queijo, que eu gosto muito disso.<br />

Bom, ‘tava bebendo o café, diz ele assim: _ Olhe lá, como é que você se chama?<br />

[Velha:] _ Ah! Chamo-me Maria.<br />

[Pedro:] _ Áh, mulher! Tem um nome tão bonito! Maria – Maria era o nome de Nossa Senhora.<br />

E você tem mesmo jeitos de santa! Mesmo jeitos de santa! ‘Tá bom… Mas você… onde é que<br />

você dorme? Atão, eu arranjo-lhe esta casa. Mas prali ‘tão portas fechadas. Onde é que você<br />

dorme? Eu tenho que ver onde você dorme. Tenho que ver, porque você não pode dormir mal,<br />

porque você já tem oitenta anos. Faz-lhe mal à coluna, faz-lhe mal ao seu corpo. Eu tenho que<br />

saber onde você dorme.<br />

A velha, muito contrariada, lá lhe deu o café [e ele tornou a dizer-lhe:]<br />

[Pedro:] _ Mas agora tem de me ir mostrar onde é que você dorme que é preciso arrumar o<br />

quarto e na’ posso… de tarde tenho que fazer esse trabalho.<br />

Bom, a velha com muito pouca vontade de abrir-lhe a porta…<br />

Page 184<br />

[Pedro:] _Olha! (A velha tinha só farrapos em cima da cama) e ele disse: _Ah! Assim na’ pode<br />

ser! Aquela mala (era[m] umas malas velhas que havia, forradas de couro) tem que ter ali<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 6


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / Pedro Malasartes<br />

roupa boa dentro. E é aquela roupa que a gente vai tirar e pôr na sua cama. De tarde vou fazer<br />

esse trabalho.<br />

[Velha:] _ ‘Tá bem. Atão ‘tá bem, filho.<br />

[Pedro:] _ Atão e na’ tem, na’ tem nada de dinheiro, nem de nada, que possa passar por aqui<br />

alguém e levar o dinheiro?<br />

[Velha:] _ Ai, filho na’ tenho…<br />

[Pedro:] _ Na’ tem! Mas quem é que disse que na’ tinha?! Tem que ter! Você é assim – na’ me<br />

quer dizer nada – mas você tem que fazer conta comigo, que eu vou ficar aqui como um filho<br />

que você na’ tem!<br />

[Velha:] _ ‘Tá bem, filho! Depois a gente vê. Arranjando as coisas depois logo resolve, falamos.<br />

[Pedro:] _ ‘Tá bem.<br />

A velha tinha o dinheiro dentro daqueles sacos de lona, dentro do alguidar da massa<br />

(um alguidar de barro, vidrado) onde amassava o pão – punha-lhe os sacos e metia [o] debaixo<br />

da cama.<br />

Pois, mas ele abalou com aquilo no sentido – quando o comerciante passou já ele lá<br />

na’ tava – nesse dia aí, os porcos ainda se safaram (ao terceiro dia).<br />

Veio pra casa arrumar o quarto à velha: tirou aquela roupa porca toda sem prestar pra<br />

nada; fez-lhe a cama; varreu o quarto… quis varrer debaixo da cama – puxou o alguidar – lá<br />

‘tava o dinheiro – ficou sabendo.<br />

[Pedro:] _ Isto é dinheiro!<br />

[Velha:] _É filho. Olha é as minhas economias, é meia dúzia de tostões(5) que aí ‘tão.<br />

[Pedro:] _ Pois é. At’ão, mas a gente na’ tem falta de saber disso; tenho falta é de lhe limpar a<br />

casa.<br />

Pronto, arrumou a casa. A velha fechou o baú (chamava-lhe o baú), fechou o baú. E<br />

pegou nas roupas e nos frangalhos, ele deitou-os prali , para um sítio qualquer e abalou p’os<br />

porcos.<br />

Page 185<br />

[Pensou Pedro:] _ Ah! Velha d’um cabrão! Atão com tanta dinheiro que aquela velha tem, é<br />

preciso ‘tar vivendo numa miséria destas? Na’ pode ser. Na’ pode ser! A minha mãe morta com<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 7


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / Pedro Malasartes<br />

fome e a velha com dois sacos cheios de dinheiro! Na’ pode! Eu tenho que levar o dinheiro<br />

para algum lado. Ela fica com dinheiro, mas eu tenho que levar algum.<br />

Bom andou todo o dia e toda a tarde matinando(6) naquilo.<br />

Passou o homem (e já era o quarto dia) [que lhe disse:]<br />

[Feirante:] _ Atão? Afinal o teu avô na’ veio!<br />

[Pedro:] _ Na’ veio, mas quando você quiser vir buscar os porcos, venha. Na’ tenha problema!<br />

É cem m’é’réis cada um, na’ tenha problema e venha buscar os porcos. – (O homem ia-se<br />

embora). – Espere aí! É que não são só os cem m’é’réis, é que você tem que deixar cá as<br />

orelhas e o rabo dos porcos.<br />

[Feirante:] _ Atão, mas que paciência agora a tua! Ir cortar as orelhas aos porcos e o rabo!<br />

[Pedro:] _ Na’ faz mal nenhum! Os porcos na’ é para o matadouro?<br />

[Feirante:] _ São para o matadouro, sim senhor.<br />

[Pedro:] _ Atão! Olhe é que se você na’ quiser deixar cá as orelhas dos porcos, já lhe custam<br />

muito mais dinheiro! Custam quinhentos m’é’réis. E não sei! E na’ sei! Tenho que falar com o<br />

meu avô.<br />

O homem pensou: _ Pra quê que eu quero as orelhas e os rabos dos porcos?! Deixo-<br />

-lhe cá os rabos dos porcos! Bom, olha, amanhã de manhã venho buscar os porcos.<br />

[Pedro:] _ ‘Tá bem. Amanhã quando você quiser. – (O velho muito descansado em casa.)<br />

O comerciante veio buscar os porcos. Cortaram-lhe as orelhas. Mas logo por trás do<br />

monte havia assim do tipo de uma lagoa com muitas ervas, mas aquilo era tipo um pântano –<br />

na’ se podia ir pra lá que aquilo afundava tudo.<br />

(…) O comerciante veio buscar os porcos. Cortaram-lhe as orelhas, cortaram-lhe os<br />

rabos… O homem abalou, deu-lhe o dinheiro.<br />

Ele meteu-o na algibeira e veio direito a esse pântano. Pôs duas orelhinhas e um rabo<br />

cá atrás, duas orelhinhas e um rabo cá atrás, pôs os porcos todos – os rabos e a orelhas dos<br />

porcos dentro daquele pântano. (Ele na’ prestava pra nada!). Assim que de lá saiu, lavou-se,<br />

preparou-se muito bem, foi preparar a velha. Foi arranjar o resto da casa à velha, mas fez<br />

tempo demais p’ dizer, p’ abalar dali aflito e dizer à velha:<br />

Page 186<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 8


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / Pedro Malasartes<br />

[Pedro:] _Ai! Tenho que ir à procura dos porcos! A esta hora mataram os porcos! – E na’ sei<br />

quê, na’ sei que mais.<br />

[Velha:] _ Ai, filho vai lá! Não me levem os porquinhos filho, que é a nossa desgraça!<br />

Abalou, andou pra lá mais de uma hora. Veio com a mão na cabeça [e disse à velha:]<br />

[Pedro:] _Ai, tia Maria! Que desgraça a nossa!<br />

[Velha:] _ Atão?! Que foi filho?! O que é que aconteceu?<br />

[Pedro:] _ Os porcos estão tudo ali dentro do pantanal! Ali, por trás do monte. Olhe, vieram,<br />

viram ali as ervas verdes, foram-se meter ali… ‘tá tudo…! Só se vê[em] as orelhas e o rabo!<br />

[Velha:] _Ai, filho! Vai lá dizer aí ao meu marido num instante pa’ ir à aldeia! Pra trazer homens,<br />

pa’ tirarem os porcos dali, filho! A ver se a gente ainda salva algum!<br />

[Pedro:] _ Vamos lá ver! ‘Tou duvidoso, mas é capaz de a gente já na’ salvar nenhum!<br />

Ai! A velha ficou logo em picos(6): _ Ah, marido vai lá num instante!<br />

Enquanto o velho albardou a burra e na’ albardou a burra [disse:]<br />

[Pedro:] _ ‘Tá com um tempo destes, atão como é que a gente tira dali os porcos?! De maneira<br />

nenhuma! A gente dali na’ tiramos os porcos.<br />

O velho abalou a cavalo na burra p’a aldeia, mas ele já lá chegando:<br />

[Velho:] _Ah, Pedro! Anda cá filho! Vê lá, vim prà aldeia sem trazer nem um tostão para pagar<br />

às pessoas para tirarem os porcos.<br />

[Pedro:] _ Olhe, vá lá andando… Atão e o que é que você quer que eu leve?<br />

[Velho:] _Diz lá à minha mulher que mande o talego(8) grande!<br />

[Pedro:] _ O grande ou o pequenino?<br />

[Velho] _Olha traz os dois! (Eram os dois sacos de dinheiro que lá tinham!).<br />

E enquanto o velho fazia aquilo – ele tentava arrancar as orelhas de dois ou três porcos<br />

e o rabo, vinham só as orelhas e o rabo (na’ ‘tavam lá porcos nenhuns!) – [Pedro] balou fugindo<br />

pela aldeia [direito ao monte. Quando lá chegou disse à velha:]<br />

Page 187<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 9


Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / Pedro Malasartes<br />

[Pedro:] _ Ah, tia Maria! Dê lá aí o dinheiro num instante prò homem, prò seu marido pagar lá<br />

às pessoas!<br />

[Velha:] _ Atão, quanto é que queres filho?<br />

[Pedro:] _ Ele disse pra levar o talego grande e o pequenino…<br />

[Velha:] _ Os dois?!<br />

[Pedro:] _ Os dois! – Abalou com o dinheiro da mulher.<br />

O velho chegou à aldeia, convocou as pessoas pra virem tirar os porcos do lameiro.<br />

Quando cá chegou – nem Pedro, nem dinheiro!... Nunca mais ninguém viu o Pedro!<br />

Abalou. Levou-lhe o dinheiro, vendeu os porcos e ainda a esta hora lá ‘tão comentando (…).<br />

Glossário<br />

Esperto, espertalhão! Era o Pedro das malasartes!»<br />

Edvige Rafael, 68 anos, Baleizão (conc. Beja), Fevereiro 2006.<br />

(1) Monte: Sede de herdade, na província do Alentejo, formada por vários edifícios em torno de um pátio;<br />

designação por vezes atribuída à própria herdade.<br />

(2) Daninho: irascível; ruim.<br />

(3) M’é’réis: expressão oral de abreviatura de “mil réis”. Réis: refere-se ao plural de real, unidade nominal<br />

do antigo sistema monetário em Portugal e no Brasil, de valor variável, segundo as épocas.<br />

(4) Deixou tudo num brinco: limpo; asseado; arrumado.<br />

(5) Tostões: plural de tostão, antiga moeda portuguesa do valor de 100 réis.<br />

(6) Matinando: insistindo; teimando.<br />

(7) Ficou em picos: ficou ansiosa, em cuidados.<br />

(8) Talego: saco.<br />

Page 188<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


→ Classificação do Conto:<br />

Conto jocoso.<br />

Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / Pedro Malasartes<br />

Pedro das Malasartes<br />

Classificação: 1541*B (Cardigos) Um Criado Chamado Pedro + ATU 1004 Porcos na<br />

Lama + ATU 1563 Ambos?<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.<br />

→ Assunto: Pedro, um miúdo astuto sem escrúpulos, engana descaradamente um casal de<br />

velhos avarentos.<br />

→ Palavras-chave: alentejo, avareza, baleizão, beja, comerciante, dinheiro, enganar,<br />

malandragem, monte, ofício, pântano, pastor, porco, peru, rapaz, velha, velho<br />

Região: Baixo Alentejo<br />

Distrito: Beja<br />

Concelho: Beja<br />

Localidade: Baleizão<br />

Contador: Edvige Rafael<br />

Idade: 68 anos (8/9/1937)<br />

Residência: Baleizão<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: Marta do Ó<br />

Data de Recolha: Fevereiro 2006<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Maio 2007<br />

Duração vídeo: 0:14:13 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 15. 981<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 189<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


«As perdizes.<br />

Isto é das perdizes:<br />

“Janeiro busca parceiro;<br />

Fevereiro recua ao outeiro;<br />

Em Março três e quatro;<br />

Em Abril enche o covil;<br />

Maio arraio;<br />

Transcrições Integrais / Adivinhas / Baixo Alentejo / Beja / Perdizes<br />

E em São João já vão os perdigotos(1) ao pão;<br />

E em São Tiago já vão os perdigotos à água;<br />

E em Agosto espingarda o rosto.”<br />

Explicação:<br />

Perdizes<br />

Janeiro busca parceiro – são as perdizes, em Janeiro, andam fugindo de um lado ao outro –<br />

que se andam afeiçoando uma à outra. É o perdigão(2) que anda arranjando, anda<br />

perguntando a perdiz – por isso é Janeiro busca parceiro.<br />

Fevereiro recua ao outeiro;<br />

Em Março três e quatro (ovos);<br />

Em Abril enche o covil;<br />

Maio arraio – já vão raiando(3);<br />

E em São João, já tem os perdigotinhos – já vão os perdigotos ao pão;<br />

E em São Tiago, já vão os perdigotos à água;<br />

E em Agosto – já é o tempo da caça – espingarda o rosto.<br />

Glossário:<br />

Pronto.»<br />

(1) Perdigoto: perdiz nova, não adulta.<br />

(2) Perdigão: macho da perdiz.<br />

(3) Já vão raiando: já vão sobressaindo; já vão surgindo.<br />

Page 190<br />

Olívia Brissos, idade, Beringel (conc. Beja), Fevereiro 2006.<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Classificação da Adivinha:<br />

Transcrições Integrais / Adivinhas / Baixo Alentejo / Beja / Perdizes<br />

Perdizes<br />

Narrativa não classificável (apresentação por géneros).<br />

Adivinha.<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.<br />

Assunto: Ciclo de vida da perdiz.<br />

Palavras-chave: água, alentejo, animais, beja, baleizão, caça, ciclo, espingarda, meses, ovo,<br />

pão, perdiz, rosto, sãojoão, sãotiago<br />

Região: Baixo Alentejo<br />

Distrito: Beja<br />

Concelho: Beja<br />

Localidade: Beringel<br />

Contador: Olívia Brissos<br />

Residência: Beringel<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: Cristina Taquelim<br />

Data de Recolha: Fevereiro 2006<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa em Maio de 2007<br />

Duração vídeo: 0:01:00.8 m<br />

Caracteres (incl. espaços): 999<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 191<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


Transcrições / Anedotas / Baixo Alentejo / Beja / [Pe’xinho, p’ixinha]<br />

[Pe’xinho, p’ixinha]<br />

«Pois, afinal que a minha mãe era muito amiga de contar assim estas coisas.<br />

[Entrevistadora:] _ Contava…E a senhora lembra-se desse tempo que as algarvias vinham pa’<br />

cá trabalhar?<br />

[D. Olívia:] _ Lembra-me. Atão à pouco…não há muito…Ainda o meu marido andava ganhando<br />

o peixe e elas vinham ali pra… pra “Diabrória” à monda. E o meu marido ia lá vender o peixe.<br />

Até por acaso, até tinha, teve graça, o meu marido ó’pois contando que uma delas (também<br />

tinha que ser assim muito… ratona(1)) e atão foi um dia diz-lhe ele:<br />

[Peixeiro:] _ Vá, cá temos o pe’xinho!<br />

Diz ela: _ Ai, ti Manel olhe até aqui tem sido só pe’xinho, pe’xinho. E agora, daqui por diante, é<br />

só p’ixinha, p’ixinha! A’tão vamos embora já amanhã!<br />

[D. Olívia:] _ Iam pra casa! Os maridos tinham ficado lá. E elas tinham ficado… Vinham<br />

sozinhas e até ali era só pe’xinho, pe’xinho e depois passava a ser só p’ixinha, p’ixinha!<br />

[Entrevistadora:] _ Eram marafadas as algarvias!»<br />

Glossário:<br />

(1) Ratona: desenvolta, desembaraçada.<br />

Page 192<br />

Olívia Brissos, Beringel (conc. Beja), Fevereiro de 2006<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Classificação:<br />

Transcrições / Anedotas / Baixo Alentejo / Beja / [Pe’xinho, p’ixinha]<br />

[Pe’xinho, p’ixinha]<br />

Narrativa não classificável (apresentação por géneros).<br />

Anedota.<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.<br />

Palavras-chave: algarvia, monda, peixe<br />

Região: Baixo Alentejo<br />

Distrito: Beja<br />

Concelho: Beja<br />

Localidade: Beringel<br />

Contador: Olívia Brissos<br />

Residência: Beringel<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: Cristina Taquelim<br />

Data de Recolha: Fevereiro 2006<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa em Maio de 2007<br />

Duração vídeo: 0:0:46 m<br />

Caracteres (incl. espaços): 1065<br />

Ilustração: António Salvador<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 193<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


«Rosicler, Rosicler, tu tens grande coração.<br />

Transcrições integrais / Versos / Baixo Alentejo / Serpa / Rosicler<br />

Rosicler<br />

Dizes que és a mãe de todos e todos te dão razão.<br />

Todos te dão razão, pois, mas escutem bem o que lhe[s] digo<br />

e escutem bem com atenção.<br />

Eu quero que todos digam, se é verdade<br />

ou se é mentira o que diz Xico Atabão(1):<br />

que o nosso grupo ‘tá triste. ‘Tá triste. ‘Tá triste e tem razão,<br />

de ver partir uma camarada nossa pra nossa terra no caixão.<br />

Mas vai para debaixo do chão, vai para debaixo do chão<br />

e deixa em grande, uma grande pena e dor ao grupo da “Boa União”(2).<br />

O grupo da “Boa União” nunca me sai do sentido, em nenhuma ocasião,<br />

por ser um grupo tão bem unido e todos e todas, tudo se dá como irmãos.<br />

(Pois morreu lá uma camarada nossa).»<br />

Contextualização:<br />

Francisco Galamba, 84 anos, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro 2006.<br />

(1) Xico Atabão – nome por que é conhecido o autor (alcunha) na sua terra.<br />

(2) Grupo Boa União – grupo excursionista.<br />

Page 194<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


→ Classificação dos Versos:<br />

Quadras (métrica desigual).<br />

Transcrições integrais / Versos / Baixo Alentejo / Serpa / Rosicler<br />

Rosicler<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.<br />

→ Assunto: Tributo a uma amiga falecida.<br />

Palavras-chave: alentejo, amigos, camarada, caixão, ficalho, grupo, morte, serpa, terra, tributo<br />

Região: Baixo Alentejo<br />

Distrito: Beja<br />

Concelho: Serpa<br />

Localidade: Ficalho<br />

Contador: Francisco Galamba<br />

Idade: 84 anos (31/10/1922)<br />

Residência: Ficalho<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: Cristina Taquelim<br />

Data de Recolha: Fevereiro 2006<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Maio 2007<br />

Duração vídeo: 0:55 minutos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 758<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 195<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2


«Eu sou mãe de dez filhos<br />

e avó de vinte sete netos.<br />

E também sou bisavó<br />

Transcrições integrais / Versos / Baixo Alentejo / Serpa / Versos da avó<br />

Versos da avó<br />

dos meus quarenta bisnetos (foi mesmo o que ela teve).<br />

Tetranetos não tenho,<br />

mas ainda os posso ter.<br />

Mas tenho uma grande pena<br />

de prestes ter que morrer.<br />

(Coitadinha, já tinha 97 anos e na’ queria morrer. ‘Tava um para se casar, na’ queria que…_ Ai,<br />

eu agora a ver se este se casava; tava um pra nascer: _ Ai, agora a ver se este nascia.<br />

Coitadinha, sempre com aquela coisa). Diz assim:<br />

No dia que fiz 97 anos,<br />

meus netos, filhos e noras<br />

foram-me a dar um serão(1).<br />

Nunca os terei esquecido,<br />

tenho sempre recordação.<br />

Levaram-me cinco aventais<br />

e seis pares de meias pretas.<br />

E cinco lenços da mão<br />

para limpar minhas lágrimas,<br />

que chora meu coração.<br />

(Ela dizia daquelas coisas sem saber ler!)».<br />

Glossário<br />

(1) Serão: reunião familiar à noite.<br />

Page 196<br />

Maria Valente, idade, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro 2006.<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 1


Classificação dos Versos:<br />

Transcrições integrais / Versos / Baixo Alentejo / Serpa / Versos da avó<br />

Duas quadras e duas quintilhas.<br />

Versos da avó<br />

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.<br />

Assunto: Família.<br />

Palavras-chave: alentejo, avental, avó, bisneto, coração, família, filho, lágrima, lenço, mãe,<br />

neto, nora, serão, tetraneto<br />

Região: Baixo Alentejo<br />

Distrito: Beja<br />

Concelho: Serpa<br />

Localidade: Ficalho<br />

Contador: Mariana Valente<br />

Residência: Ficalho<br />

Vídeo: José Barbieri<br />

Entrevista: Cristina Taquelim<br />

Data de Recolha: Fevereiro 2006<br />

<strong>Transcrição</strong>: Maria de Lurdes Sousa<br />

Data de <strong>Transcrição</strong>: Maio 2007<br />

Duração vídeo: 0:00:55 segundos<br />

Caracteres (incluindo espaços): 864<br />

Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri<br />

Web design: José Barbieri<br />

Page 197<br />

www.memoriamedia.net geral@memoriamedia.net 2

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!