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VJ FEV 2010.p65 - Visão Judaica

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4<br />

VISÃO JUDAICA fevereiro de 2010 Adar 5770<br />

que o modelo foi o modelo de Bin Laden.<br />

De forma que o modelo do fundamentalismo<br />

islâmico... Não dista muito<br />

do passado que muitos exaltam.<br />

De maneira que cuidado com o mito<br />

de Al Andaluz. Eu não participo dele. A<br />

Espanha teve uma época de esplendor<br />

não em Al Andaluz, não durante os 800<br />

anos da presença muçulmana. Tsk, tsk,<br />

tsk (expressando sua opinião negativa,<br />

acompanhada do sinal de "não" feito<br />

com o dedo indicador da mão direita).<br />

Durante uma parte desta época, houve<br />

tolerância e certo diálogo e pudemos<br />

ver certa convivência entre judeus,<br />

muçulmanos e cristãos. Limitada pelas<br />

diferenças e restrições, e isto muitas<br />

vezes esteve presente nas juderías ou<br />

aljamas (N.E: comunidades autônomas),<br />

ou na legislação de emirados ou<br />

califados. Admito que tenha havido trocas<br />

culturais e muito progresso, num<br />

certo período. Mas isso foi rompido<br />

com os reis católicos (N.E: Os reis Fernando<br />

e Isabel que reinaram na passagem<br />

do século XV ao XVI e expulsaram<br />

os judeus em 1492). Para mim foi uma<br />

das grandes infelicidades da Espanha.<br />

Note que a história é escrita pelos vencedores.<br />

Você que é historiador sabe<br />

muito bem disso, não é? E a Espanha<br />

também modificou com seus reis católicos.<br />

Uma radical mudança de rota. Estes<br />

monarcas foram os que inventaram<br />

o primeiro processo em massa de ódio<br />

e de intolerância (N.E: leia-se: Introduziram<br />

a Inquisição). Foram os primeiros.<br />

E a Espanha se criou na vanguarda<br />

da intolerância. Conduzimos o preconceito<br />

contra um povo, num processo<br />

ideológico que nos acabaria levando a<br />

Auschwitz. O antissemitismo começa<br />

com os reis católicos e acaba em Auschwitz.<br />

E não acabou! Em todo caso, a<br />

Europa clássica acaba em Auschwitz.<br />

Não se pode entender Auschwitz se<br />

primeiro não se entender o que ocorreu.<br />

Notem o comportamento mental<br />

desse ódio intolerante. Primeiro exigimos<br />

dos judeus: Vocês não podem viver<br />

entre nós se não se converterem.<br />

Depois suspeitamos de sua conversão<br />

e criamos a inquisição espanhola: Ou<br />

te tornas cristão, ou vais embora. Depois,<br />

dissemos-lhes: Não podem viver<br />

entre nós, pois não se tornaram verdadeiros<br />

fiéis cristãos. São etapas. A sequência<br />

é uma realidade cruel. Expulsar,<br />

converter e depois negar. E depois,<br />

asseguro-lhes, em períodos subsequentes,<br />

vêm etapas cruéis com os pogroms,<br />

as perseguições, Dreyfus, e em<br />

seguida dissemos a eles: não podem<br />

viver...! E isso é Auschwitz. E são três<br />

passos, três etapas do processo de intolerância<br />

que matou mais gente no<br />

mundo. Nem o machismo, nem o racismo<br />

mataram tanto como o antissemitismo.<br />

De forma que é realmente o problema<br />

mais grave.<br />

E pensar que esta Espanha ideal,<br />

que numa época floresceu nas letras e<br />

no conhecimento, e conviveram (N. E:<br />

As três religiões), seria uma imagem<br />

para pensar agora, primeiro. Vale repensar<br />

que inclusive o melhor da convivência<br />

de maneira ampla e integrada,<br />

nunca a tivemos. Pusemos os judeus<br />

em guetos, os bairros judeus, os<br />

cals (equivalente a judería ou bairro<br />

judaico), como se chama em catalão.<br />

Frequentemente os insultávamos de<br />

dia, e à noite íamos procurar os médicos<br />

judeus porque eram os melhores.<br />

Temos uma história de intolerância importante.<br />

Mas pensar que o Al Andaluz<br />

muçulmano foi mais tolerante que a<br />

Espanha católica, tsk, tsk, tsk (de negação),<br />

nada disso. Em absoluto. Podemos<br />

dar as mãos. Creio que, no entanto, é<br />

certo que com os séculos, o Islã, durante<br />

muitas épocas foi mais tolerante que<br />

o catolicismo, ou que o cristianismo.<br />

Porque Lutero... (faz o sinal de distanciar-se<br />

com a mão direita, recordando<br />

do antissemitismo de Lutero).<br />

Que grande líder civil ou religioso<br />

na Europa não foi antissemita? Todos.<br />

Voltaire, Lutero, os grandes reformistas<br />

eram antissemitas. Como também<br />

são misóginos. Olhem que coincidência,<br />

hein! De maneira que alguém pensa:<br />

O que é a modernidade? Ah, Voltaire,<br />

mas coloca-se em seu antissemitismo.<br />

Não me serve. Ou me serve só um<br />

pouquinho, não é? Naquela época, durante<br />

os séculos de intolerância cristã<br />

os judeus podiam viver melhor no Islã<br />

do que na Europa. Houve épocas que<br />

se podia viver melhor na Grande Pérsia,<br />

ou no Marrocos. Ou em tantos outros<br />

lugares que na Europa. Quantos<br />

judeus que foram aos países árabes, aos<br />

países muçulmanos, viveram mais tranquilos<br />

que os pobres judeus da Letônia,<br />

da Bielorussia, da Europa Central,<br />

dos russos, etc, etc. A pergunta é - e era<br />

tua pergunta, suponho - como é possível<br />

que esse Islã tolerante, que durante<br />

muitíssimo tempo acolheu a população<br />

judaica e teve uma visão mais moderna<br />

que a da Europa esteja transformado<br />

hoje em dia no fator mais grave e<br />

importante da intolerância e do ódio no<br />

mundo? O que aconteceu?<br />

Não há dúvida alguma que o Islã ao<br />

invés de tentar melhorar a vida de suas<br />

populações, pela via do avanço da civilização,<br />

está sendo sequestrado e contaminado,<br />

por um lado por grandes ditadores,<br />

ricos, poderosos, fanáticos e<br />

malvados, e pelo outro, por líderes revolucionários<br />

que utilizam a tecnologia<br />

do século XXI, mas têm o cérebro no<br />

século XIII. Estão em cima do cavalo<br />

matando gente, mas falando por telefone<br />

via satélite. Terrível! Hoje em dia<br />

o principal problema do mundo é sem<br />

dúvida alguma que um bilhão e quatrocentos<br />

milhões de pessoas sejam<br />

educadas no ódio à liberdade, no ódio<br />

aos ocidentais, no ódio profuso aos judeus,<br />

e ao desprezo pela vida. Certamente,<br />

a culpa pelo terrorismo islâmico<br />

é do um bilhão e quatrocentos milhões<br />

de pessoas? Não, eles são vítimas<br />

também. Com certeza um bilhão<br />

e quatrocentos milhões de pessoas<br />

não vivem numa única democracia. E<br />

não estudam o enciclopedismo francês<br />

nas universidades ou e nas escolas.<br />

Em geral, majoritariamente, estudam<br />

conceitos fanáticos e conceitos<br />

pré-modernos. Esse bolsão do mundo<br />

educado na confrontação e na violência<br />

é uma bomba relógio muito grave.<br />

SF: Bem...<br />

PR: Não sei se estou sendo demasiado<br />

longa, mas...<br />

SF: Não, não, não. Está muito bem. Está<br />

perfeito. A Espanha tem raízes antijudaicas<br />

no medievo. Há conexões com<br />

algumas correntes políticas atuais?<br />

PR: Têm? Perdão...<br />

SF: As raízes antijudaicas no medievo<br />

têm conexão com as correntes políticas<br />

atuais?<br />

PR: Não. Está muito bem. Vamos ver. O<br />

antissemitismo atual espanhol não é o<br />

antissemitismo medieval, não. Este está<br />

superado. O antissemitismo medieval<br />

primeiro era uma questão de poder,<br />

nunca esqueçamos, é de dinheiro. Sempre<br />

o antissemitismo teve a ver com<br />

movimentos econômicos também!<br />

SF: Mas a Igreja...<br />

PR: Sim, mas a Igreja também fazia parte<br />

dos movimentos econômicos. Mas<br />

o antissemitismo medieval é religioso,<br />

é de corte católico, e este inspirou<br />

a intolerância na Espanha durante séculos.<br />

Mesmo na minha infância, os<br />

pequeninos iam matar judeus quando<br />

iam pela Semana Santa, jogando<br />

umas... (faz movimentos circulares<br />

com a mão direita fechada).<br />

SF: O sábado de Aleluia...<br />

PR: Exatamente... Todos viram os autos<br />

sacramentais onde os judeus eram malvados,<br />

mataram o filho de D-us, é o<br />

povo deicida. É certo que o espanhol<br />

atual não vive esses conceitos. Mas ainda<br />

assim os tem desde o berço. Educaram-me<br />

na escola de monjas. Falaramme<br />

de um povo que matou o filho de D-us.<br />

Está no córtex. E no córtex de nossa sociedade.<br />

Não podemos imaginar que<br />

séculos e séculos de discurso, de pensamento<br />

único antijudaico não tenham<br />

deixado alguma mancha. É evidente. A<br />

Espanha católica, a Espanha da Inquisição,<br />

a Espanha que apontou o dedo contra<br />

um povo, expulsou-o e o transformou<br />

em povo culpado, esta Espanha<br />

ainda é e ainda existe. Mas é certo que<br />

o discurso majoritário hoje em dia, nos<br />

meios de comunicação, os meios globalmente,<br />

e na rua também, é um discurso<br />

antiisraelense. É mais político. E<br />

é menos religioso. Atualmente a Espanha<br />

católica já não existe. Existem bolsões,<br />

mas é algo muito mais generalizado.<br />

E, entretanto, chegou a crer que<br />

só existe um problema no mundo que<br />

é Israel e Palestina. Só existem umas<br />

vítimas que são os palestinos, e só existe<br />

um povo mau, invasor e imperialista<br />

que é Israel. E ponto final. E quando<br />

tudo isso sai na imprensa, você só vê<br />

isso permanentemente.<br />

Por que há tanto ódio contra Israel?<br />

Primeiro porque o ódio a Israel é a forma<br />

moderna do ódio ao judeu.<br />

SF: Laicizá-lo...<br />

PR: Sim. Ou seja: O espanhol medieval<br />

odiava o judeu medieval a partir de<br />

uma perspectiva religiosa. O espanhol<br />

atual odeia o judeu moderno que vê um<br />

exército israelense, ou um Estado moderno<br />

como de Israel, e o transforma<br />

na expressão moderna do judeu anti-<br />

go. Note que os mitos, os estigmas, são<br />

os mesmos, sempre. O judeu medieval<br />

bebia sangue de crianças católicas, na<br />

Páscoa, o Pêssach. O judeu atual mata<br />

crianças palestinas. Sempre são crianças<br />

e judeus maus, não é! Só há crianças<br />

na Palestina e sempre são mortos<br />

pelos israelenses. O judeu alemão, o<br />

austríaco, eram todos banqueiros, todos<br />

tinham dinheiro, era a conspiração<br />

mundial contra o mundo para que o dinheiro,<br />

o ouro judeu... Não é? ... Os Protocolos<br />

dos Sábios de Sião... Hoje, jornalistas<br />

modernos, que passaram pela<br />

universidade, progressistas, e de esquerda,<br />

te dizem que há uma conspiração<br />

dos judeus de Wall Street para dominar<br />

o mundo. Isso que faz o governo<br />

norte-americano é culpa dos judeus de<br />

Wall Street que dominam os Estados<br />

Unidos. É o mesmo mito dos Protocolos.<br />

Sempre é o mesmo mito.<br />

Uma vez escrevi: Se os judeus eram<br />

os párias entre os povos, Israel é o país<br />

pária entre as nações. Que casualidade?<br />

Que o único país do mundo criminalizado,<br />

demonizado, odiado, seja o<br />

país dos judeus. Em um mundo que perseguiu,<br />

demonizou, criminalizou e matou<br />

durante séculos os judeus, nada é<br />

casual. Portanto, se a Espanha renovou,<br />

ou reinventou seu antissemitismo, não<br />

é igual ao medieval, não aumentou, mas<br />

continua sendo um país antissemita.<br />

SF: Palavras finais à comunidade judaica<br />

de Curitiba. Duas pequenas palavras...<br />

PR: (sorrindo) De Curitiba sempre tenho...<br />

(Interrupção do telefone celular)...<br />

Curitiba me evoca carinhos. Tenho<br />

recordações e saudades. Em Curitiba<br />

conheci um homem excepcional que é<br />

o pai de Szyja Lorber, um sobrevivente<br />

do Holocausto. Um homem de uma grande<br />

integridade. O Szyja, que faz umas<br />

traduções ao "português" (N.E: Pilar diz<br />

"brasileiro") fantásticas. E algumas mulheres<br />

fortes, divertidas, com as quais<br />

passei muito bem, inclusive me presentearam<br />

com alguma roupinha que eu<br />

hoje uso. Perdoem-me a frivolidade,<br />

mas tenho belas lembranças de Curitiba.<br />

À comunidade de Curitiba o que<br />

digo? Bem, vou voltar um dia, talvez<br />

para passear, com as crianças e marido,<br />

sem pressa, e enquanto isso não acontece,<br />

lembrem-se que um pedacinho<br />

de Curitiba está num coração de Barcelona,<br />

no coração de uma catalã, a milhares<br />

de quilômetros, mas o amor não<br />

corta tudo. Muitos beijos.<br />

SF: Muito obrigado.<br />

A entrevista se encerra e desligo a<br />

câmera, mas a conversa continua. Eloquente<br />

e comunicativa ela defende outros<br />

ideais: é contra as touradas, feminista,<br />

ecologista e alinhada com ideais<br />

diversos, mas os coordena com coerência.<br />

Eu emito em off algumas discordâncias<br />

a suas opiniões e entabulamos alguns<br />

diálogos muito ricos e intensos. A<br />

agenda dela impede que nos estendamos<br />

mais e ela parte em seu "New Fusca"<br />

para seu cotidiano. Eu fico com a<br />

impressão forte de ter entrevistado uma<br />

pessoa única, autentica e refinada. Barcelona<br />

não falhou comigo.

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