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ECO, Umberto. Como se faz uma tese (livro - Sociologia e Política

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que não fui tão preciso quanto estou a acon<strong>se</strong>lhá-lo agora. Faltam<br />

muitas indicações e outras são excessivamente elípticas. São coisas<br />

que aprendi depois. Mas isso não quer dizer que devam cometer os<br />

mesmos erros. Não alterei nem o estilo nem as ingenuidade». Tomem-<br />

-<strong>se</strong> os exemplos por aquilo que vaiem. Note ainda que escolhi fichas<br />

breves e não apre<strong>se</strong>nto exemplos de fichas que <strong>se</strong> referiam a obras<br />

que depois foram fundamentais para o meu trabalho. Estas ocupavam<br />

dez fichas cada. Ob<strong>se</strong>rvemo-las <strong>uma</strong> por <strong>uma</strong>:<br />

Ficha Croce — Tratava-<strong>se</strong> de <strong>uma</strong> breve recensào, importante por<br />

causa do autor. Uma vez que já tinha encontrado o <strong>livro</strong> cm questão,<br />

transcrevi apenas <strong>uma</strong> opinião muito significativa. Repare-<strong>se</strong><br />

nos parênte<strong>se</strong>s rectos finais: fiz cfectivamente isso dois anos depois.<br />

Ficha Biondotillo — Ficha polêmica, com toda a irritação do neófíto<br />

que vê desprezado a <strong>se</strong>u tema. Era útil anotá-la assim para in<strong>se</strong>rir<br />

eventualmente <strong>uma</strong> nota polêmica no trabalho.<br />

Ficha Glitnz — Um volumoso <strong>livro</strong>, consultado rapidamente em<br />

conjunto com um amigo alemão, para compreender bem do que tratava.<br />

Não tinha <strong>uma</strong> importância imediata para o meu trabalho, mas<br />

valia talvez a pena citá-lo em nota.<br />

Ficha Maríiain — Um autor de quem conhecia já a obra fundamental<br />

Art et Scolastique, mas em quem confiava pouco. Assinalei<br />

no fim não aeeilar as suas citações <strong>se</strong>m um controlo ulterior.<br />

Ficha Cheiiu — Um curto ensaio de um estudioso sério sobre um<br />

assunto bastante importante para o meu trabalho. Tirei dele todo o<br />

sumo possível. Note-<strong>se</strong> que <strong>se</strong> tratava de um caso clássico de referenciação<br />

de fontes dc <strong>se</strong>gunda mão. Anotei aonde poderia ir verificá-<br />

-las em primeira mão. Mais do que <strong>uma</strong> ficha de leitura, tratava-<strong>se</strong><br />

de um complemento bibliográfico.<br />

Ficha Curtius — Livro importante, de que só precisava registar<br />

um parágrafo. Tinha pressa e limitei-me a percorrer rapidamente o<br />

resto. Li-o depois da te<strong>se</strong> e por outros motivos.<br />

Ficha Marc — Artigo interessante de que extraí o sumo.<br />

Ficha Segond — Ficha de exclusão. Bastava-me saber que o trabalho<br />

não me <strong>se</strong>rvia para nada.<br />

Ao alto e à direita vêem-<strong>se</strong> as siglas. Quando pus letras minúsculas<br />

entre parênte<strong>se</strong>s, isso significava que havia pontos a cores.<br />

Não vale a pena estar a explicar a que <strong>se</strong> referiam as siglas e às<br />

cores, o importante é que lá estavam.<br />

158<br />

IV.2.4. A humildade científica<br />

Não devem deixar-<strong>se</strong> impressionar pelo título deste parágrafo.<br />

Não <strong>se</strong> trata de <strong>uma</strong> dis<strong>se</strong>rtação ética, mas dc métodos de leitura e<br />

dc fichagem.<br />

Nos exemplos de fichas que forneci, vimos um em que eu. jovem<br />

investigador, escarnecia de um autor, liquidando-o em poucas palavras.<br />

Ainda estou convencido de que tinha razão e, de qualquer<br />

forma, podia permitir-me <strong>faz</strong>ê-lo dado que ele havia liquidado em<br />

dezoito linhas um assunto tão importante. Mas isto era um caso-<br />

-limite. Seja como for. fiz a ficha respectiva e tomei em consideração<br />

a sua opinião. E isto não só porque é necessário registar todas<br />

as opiniões expressas sobre o nosso tema. mas também porque não<br />

é evidente que as melhores idéias venham dos autores mais importantes.<br />

E. a propósito, vou coniar-vos a história do abade Vallet.<br />

Para compreender bem a história <strong>se</strong>ria necessário dizer-vos qual<br />

era o problema da minha te<strong>se</strong> e o escolho interpretativo no qual tinha<br />

encalhado havia cerca de um ano. <strong>Como</strong> o problema não interessa a<br />

toda a gente, digamos sucintamente que para a estética contemporânea<br />

o momento da percepção do belo é geralmente um momento intuitivo,<br />

mas em S. Tomás a categoria da intuição não existe. Muitos<br />

intérpretes contemporâneos esforçaram-<strong>se</strong> por demonstrar que ele de<br />

certo modo tinha falado dc intuição, o que era estar a deturpá-lo. Por<br />

outro lado, o momento da percepção dos objectos em. em S. Tomás,<br />

tão rápido e instantâneo que não explicava o desfrutar das qualidades<br />

estéticas, que são muito complexas, jogos de proporções, relações<br />

entre a essência da coisa e o modo como ela organiza a matéria, etc.<br />

A solução estava (e cheguei a ela um mês antes de acabar a te<strong>se</strong>) em<br />

descobrir que a contemplação estética <strong>se</strong> in<strong>se</strong>ria no acto, bem mais<br />

complexo, do juízo. Mas S. Tomás não dizia isto explicitamente.<br />

E. todavia, da maneira como falava da contemplação estética, só <strong>se</strong><br />

podia chegar àquela conclusão. Mas o objeciivo de <strong>uma</strong> investigação<br />

interpretai!va é muitas vezes precisamente esie: levar um autor a dizer<br />

explicitamente aquilo que não dis<strong>se</strong>, mas que não podia deixar de<br />

dizer <strong>se</strong> lhe fos<strong>se</strong> feita a pergunta. Por outras palavras: mostrar como.<br />

comparando várias afirmações, deve emergir, nos termos do pensamento<br />

estudado, essa resposta. Talvez o autor não o tives<strong>se</strong> dito porque<br />

lhe pareces<strong>se</strong> óbvio, ou porque — como no caso de S. Tomás —<br />

jamais tives<strong>se</strong> tratado organicamente o problema estético, falando dele<br />

<strong>se</strong>mpre incidentalmente e dando o assunto como implícito.<br />

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