ECO, Umberto. Como se faz uma tese (livro - Sociologia e Política
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ÍTI.2.5. E os <strong>livro</strong>s devem ler-<strong>se</strong>? Epor que ordem?<br />
O capítulo sobre a pesquisa na biblioteca e o exemplo de investigação<br />
ab ovo que apre<strong>se</strong>ntei levam a pensar que <strong>faz</strong>er <strong>uma</strong> te<strong>se</strong><br />
significa reunir <strong>uma</strong> grande quantidade de <strong>livro</strong>s.<br />
Mas <strong>uma</strong> te<strong>se</strong> <strong>faz</strong>-<strong>se</strong> <strong>se</strong>mpre, e só. sobre <strong>livro</strong>s e com <strong>livro</strong>s''<br />
Vimos já que há também te<strong>se</strong>s experimentais, em que <strong>se</strong> registam<br />
estudos no terreno, talvez conduzidos ob<strong>se</strong>rvando durante me<strong>se</strong>s c<br />
me<strong>se</strong>s o comportamento de um casal de ratos num labirinto. Ora.<br />
sobre este lipo de te<strong>se</strong> nào posso dar con<strong>se</strong>lhos precisos, <strong>uma</strong> vez<br />
que o método depende do tipo dc disciplina, c quem empreende<br />
estudos deste gênero vive já no laboratório, cm contacto com outros<br />
investigadores, e nào tem necessidade deste <strong>livro</strong>. A única coisa que<br />
<strong>se</strong>i, como já dis<strong>se</strong>, é que mesmo neste gênero dc te<strong>se</strong>s a experiência<br />
deve <strong>se</strong>r enquadrada n<strong>uma</strong> discussão da literatura científica precedente<br />
c. portanto, também nestes casos sc terá dc trabalhar com<br />
<strong>livro</strong>s.<br />
O mesmo acontecerá com urna le<strong>se</strong> dc sociologia, para a qual o<br />
candidato pas<strong>se</strong> muito tempo cm contacto com situações reais. Ainda<br />
aqui terá necessidade de <strong>livro</strong>s, quanto mais não <strong>se</strong>ja para ver como<br />
foram feitos estudos <strong>se</strong>melhantes.<br />
Há te<strong>se</strong>s que <strong>se</strong> <strong>faz</strong>em folheando jornais, ou actas parlamentares,<br />
mas também elas exigem <strong>uma</strong> literatura de ba<strong>se</strong>.<br />
Finalmente, há te<strong>se</strong>s que <strong>se</strong> <strong>faz</strong>em apenas falando de <strong>livro</strong>s, como<br />
as te<strong>se</strong>s de literatura, filosofia, história da ciência, direito canónico<br />
ou lógica formal. E na universidade italiana, particularmente nas<br />
faculdades de ciências h<strong>uma</strong>nas, são a maioria. Até porque um estudante<br />
americano que estude antropologia cultural tem os índios em<br />
casa ou con<strong>se</strong>gue dinheiro para <strong>faz</strong>er investigações no Congo,<br />
enquanto, geralmente, o estudante italiano <strong>se</strong> resigna a <strong>faz</strong>er <strong>uma</strong><br />
te<strong>se</strong> sobre o pensamento de Franz Boas. Há, evidentemente, e cada<br />
vez mais, boas le<strong>se</strong>s de etnologia, feilas indo estudar a realidade do<br />
nosso país, mas mesmo nestes casos há <strong>se</strong>mpre um trabalho de biblioteca,<br />
quanto mais não <strong>se</strong>ja para procurar repertórios folcloristas anteriores.<br />
Digamos, de qualquer forma, que este <strong>livro</strong> incide, por razões<br />
compreensíveis, sobre a grande maioria das le<strong>se</strong>s feilas sobre <strong>livro</strong>s<br />
e utilizando exclusivamente <strong>livro</strong>s.<br />
A este propósito deve. porém, recordar-<strong>se</strong> que geralmente <strong>uma</strong><br />
te<strong>se</strong> sobre <strong>livro</strong>s recorre a dois tipos: os <strong>livro</strong>s de que <strong>se</strong> fala e os<br />
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<strong>livro</strong>s com o auxílio dos quais sc fala. For outras palavras, há os textos-objcelo<br />
c há a literatura sobre es<strong>se</strong>s textos. No exemplo do parágrafo<br />
anterior, tínhamos, por um lado, os tratadistas do barroco c,<br />
por outro, todos aqueles que escreveram sobre os tratadistas do barroco.<br />
Temos, portanto, de distinguir os textos da literatura crítica.<br />
Deste modo, a questão que <strong>se</strong> põe é a <strong>se</strong>guinte: é necessário abordar<br />
dc imediato os textos ou passar primeiro pela literatura crítica?<br />
A questão pode <strong>se</strong>r desprovida de <strong>se</strong>ntido, por duas razões: a) porque<br />
a decisão depende da situação do estudante, que pode já conhecer<br />
bem o <strong>se</strong>u autor e decidir aprofundá-lo ou deparar pela primeira<br />
vez com um autor muito difícil e à primeira vista incompreensível;<br />
b) o círculo, por si só, é vicioso, dado que <strong>se</strong>m literatura crítica preliminar<br />
o texto pode <strong>se</strong>r ilegível, mas <strong>se</strong>m o conhecimento do texto<br />
é difícil avaliar a literatura crítica.<br />
Porém, acaba por ter <strong>uma</strong> certa razão de <strong>se</strong>r quando é feita por<br />
um estudante desorientado, como. por exemplo, o nosso sujeito hipotético<br />
que aborda pela primeira vez os tratadistas barrocos. Este pode<br />
interrogar-<strong>se</strong> <strong>se</strong> deve começar logo a ler Tesauro ou familiarizar-<strong>se</strong><br />
primeiro com Getto, Anceschi, Raimondi e assim por diante.<br />
A resposta mais <strong>se</strong>nsata parece-me a <strong>se</strong>guinte: abordar logo dois<br />
ou três textos críticos dos mais gerais, o suficiente para ter <strong>uma</strong> ideia<br />
do terreno em que nos movemos; depois atacar directamente o autor<br />
original, procurando compreender o que diz; <strong>se</strong>guidamente examinar<br />
a restante crítica; finalmente, vollar a analisar o autor à luz das<br />
novas idéias adquiridas. Mas isto é um con<strong>se</strong>lho muito teórico. Com<br />
efeito, cada pessoa estuda <strong>se</strong>gundo ritmos dc de<strong>se</strong>jos próprios e muitas<br />
vezes não <strong>se</strong> pode dizer que «comer» dc <strong>uma</strong> forma desordenada<br />
faça mal. Pode proceder-<strong>se</strong> em ziguezague, alternar os objectivos,<br />
desde que <strong>uma</strong> apertada rede de anotações pessoais, possivelmente<br />
sob a forma de fichas, dc consistência ao resultado destes movimentos<br />
«aventurosos». Naturalmente, tudo depende também da<br />
estrutura psicológica do investigador. Há indivíduos monocrónicos<br />
e indivíduos policrónieos. Os monocrónicos só trabalham bem <strong>se</strong><br />
começarem e acabarem <strong>uma</strong> coisa de cada vez. Não con<strong>se</strong>guem ler<br />
enquanto ouvem música, não podem interromper um romance para<br />
ler outro, pois de outro modo perdem o fio à meada e. nos casos<br />
limite, nem <strong>se</strong>quer podem responder a perguntas quando estão a<br />
<strong>faz</strong>er a barba ou a maquilhar-<strong>se</strong>.<br />
Os policrónieos são o contrário. Só trabalham bem <strong>se</strong> cultivarem<br />
vários interes<strong>se</strong>s ao mesmo tempo e sc sc dedicarem a <strong>uma</strong> só<br />
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