ECO, Umberto. Como se faz uma tese (livro - Sociologia e Política
ECO, Umberto. Como se faz uma tese (livro - Sociologia e Política
ECO, Umberto. Como se faz uma tese (livro - Sociologia e Política
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Em vez de cometer negligências imperdoáveis, é melhor escolher<br />
outra le<strong>se</strong> <strong>se</strong>gundo os critérios expostos no capítulo 11.<br />
A título dc orientação, eis alg<strong>uma</strong>s te<strong>se</strong>s a cuja discussão assisti<br />
recentemente, nas quais as fontes foram identificadas, de <strong>uma</strong> maneira<br />
muito precisa, <strong>se</strong> limitavam a um âmbito verificável e estavam claramente<br />
ao alcance dos candidatos, que sabiam como ulilizá-las.<br />
A primeira te<strong>se</strong> era sobre A experiência clerical moderada na administração<br />
comuna! de Modena (1889-1910). O candidato, ou o<br />
docente, tinham limitado com muita exaclidão a amplitude do irabalho.<br />
O candidato era de Modena e. portanto, trabalhava in loco.<br />
A bibliografia constava de <strong>uma</strong> bibliografia geral e dc outra sobre<br />
Modena. Penso que, no que respeita à <strong>se</strong>gunda, terá sido possível<br />
trabalhar nas bibliotecas da cidade. Para a primeira, terá sido necessário<br />
<strong>uma</strong> surtida a outros lugares. Quanto às fontes propriamente<br />
ditas, elas dividem-<strong>se</strong> em fontes de arquivo c fontes jornalísticas.<br />
O candidato tinha visto tudo e folheado todos os jornais da época.<br />
A <strong>se</strong>gunda le<strong>se</strong> era sobre A política educativa do PCI desde o<br />
centro-esquerda até à contestação estudantil. Também aqui <strong>se</strong> pode<br />
ver como o terna foi delimitado, com exactidão e. direi, com prudência:<br />
após 68. o estudo ter-sc-ia tornado desordenado. As fontes<br />
eram: a imprensa oficial do PC. as actas parlamentares, os arquivos<br />
do Partido e a imprensa geral. Posso imaginar que. por mais exacta<br />
que fos<strong>se</strong> a investigação, tenham escapado muitas coisas da imprensa<br />
geral, mas tratava-<strong>se</strong> indubitavelmente de <strong>uma</strong> fonte <strong>se</strong>cundária<br />
da qual <strong>se</strong> podiam recolher opiniões e críticas. Quanto ao resto, para<br />
definir a política educativa do PC, bastavam as declarações oficiais.<br />
Repare-<strong>se</strong> que a coisa teria sido muito diferente <strong>se</strong> a te<strong>se</strong> dis<strong>se</strong>s<strong>se</strong><br />
respeito à política educativa da DC. isto é. de um partido do governo.<br />
Isto porque, por um lado. haveria as declarações oficiais e. por outro,<br />
os actos efectivos do governo que eventualmente as contradiziam:<br />
o estudo teria assumido dimensões dramálicas. Veja-<strong>se</strong> só que, <strong>se</strong> o<br />
período fos<strong>se</strong> além de 1968. entre as fontes de opinião não oficiais,<br />
teriam dc classificar-<strong>se</strong> todas as publicações dos grupos exlraparlamentares<br />
que daquele ano cm diante começaram a proliferar. Mais<br />
<strong>uma</strong> vez. estaríamos perante um trabalho bem mais duro. Para concluir,<br />
imagino que o candidato tives<strong>se</strong> tido a possibilidade de trabalhar<br />
em Roma, ou de pedir que lhe fos<strong>se</strong>m enviadas fotocópias dc<br />
todo o material de que necessitava.<br />
A terceira le<strong>se</strong> era de história medieval e, aos olhos dos leigos,<br />
parecia muito mais difícil. Dizia respeito às vicissitudes dos bens<br />
72<br />
da abadia de S. Zcno, em Vcrona. na Baixa Idade Média. O núcleo do<br />
trabalho consistia na transcrição, que nunca tinha sido feita, de alg<strong>uma</strong>s<br />
folhas do registo da abadia de S. Zcno, tio século Xlfl. Era evidentemente<br />
necessário que o candidato tives<strong>se</strong> noções de paleografia,<br />
isto é, soubes<strong>se</strong> como <strong>se</strong> lêem c <strong>se</strong>gundo que crilérios <strong>se</strong><br />
transcrevem os manuscritos antigos. Todavia <strong>uma</strong> vez dc pos<strong>se</strong> desta<br />
técnica, tratava-<strong>se</strong> apenas de executar o trabalho de um modo sério<br />
e de comentar o resultado da transcrição. No entanto, a te<strong>se</strong> apre<strong>se</strong>ntava<br />
em rodapé <strong>uma</strong> bibliografia de trinta obras, sinal de que o<br />
problema específico tinha sido enquadrado historicamente na ba<strong>se</strong><br />
da literatura precedente. Imagino que o candidato fos<strong>se</strong> de Vcrona<br />
e tives<strong>se</strong> escolhido um trabalho que pudes<strong>se</strong> <strong>faz</strong>er <strong>se</strong>m precisar<br />
de viajar.<br />
A quarta te<strong>se</strong> era sobre Teatro experimental em prosa no Trentino.<br />
O candidato, que vivia naquela região, sabia que tinha aí havido<br />
um número limitado de companhias experimentais, e empreendeu<br />
o trabalho de as reconstituir através da consulta de anuários jornalísticos,<br />
arquivos municipais e levantamentos estatísticos sobre a<br />
freqüência do público. Não muito diferente é o caso da quinta te<strong>se</strong>.<br />
Aspectos da política cultural em Budrio, com particular referência<br />
à actividade da biblioteca municipal. São dois exemplos de te<strong>se</strong>s<br />
com fontes de fácil verificação e. no entanto, muito úteis, pois dão<br />
!ugar a <strong>uma</strong> documentação eslatíslico-sociológica utilizável por investigadores<br />
sub<strong>se</strong>quentes.<br />
Uma <strong>se</strong>xta te<strong>se</strong> constitui, pelo contrário, o exemplo de <strong>uma</strong> investigação<br />
feita com <strong>uma</strong> certa disponibilidade de tempo e de meios,<br />
mostrando simultaneamente como sc pode de<strong>se</strong>nvolver com um bom<br />
nível científico um tema que. à primeira visia, apenas parece susceptível<br />
de <strong>uma</strong> compilação honesta. O título era ,4 problemática do<br />
actorna obra de Adolphe Àppia. Trala-<strong>se</strong> dc um autor muito conhecido,<br />
abundantemente estudado pelos historiadores e teóricos do teatro,<br />
e sobre o qual parece já nada haver de original para dizer. Mas<br />
o candidato empreendeu um paciente estudo nos arquivos suíços,<br />
correu muitas bibliotecas, não deixou por explorai - nenhum dos locais<br />
em que Appia trabalhou e con<strong>se</strong>guiu elaborar <strong>uma</strong> bibliografia dos<br />
textos deste autor (compreendendo artigos menores jamais lidos) e<br />
dos textos sobre ele. de tal modo que pôde examinar o tema com<br />
<strong>uma</strong> amplitude e precisão que. <strong>se</strong>gundo dis<strong>se</strong> o relator, <strong>faz</strong>ia da te<strong>se</strong><br />
um contributo decisivo. Tinha, pois. superado a mera compilação e<br />
revelado fontes até aí inacessíveis.<br />
73