29.04.2013 Views

ECO, Umberto. Como se faz uma tese (livro - Sociologia e Política

ECO, Umberto. Como se faz uma tese (livro - Sociologia e Política

ECO, Umberto. Como se faz uma tese (livro - Sociologia e Política

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

espeita à literatura crítica, as coisas nào variam muito relativamente<br />

ao caso anterior. Se não forem <strong>livro</strong>s e artigos de revistas, <strong>se</strong>rão artigos<br />

de jornal ou documentos de vários tipos.<br />

Deve manter-<strong>se</strong> bem pre<strong>se</strong>nte a distinção entre as fontes e a literatura<br />

crítica, <strong>uma</strong> vez. que a literatura crítica refere freqüentemente<br />

trechos das vossas fontes, mas — como veremos no parágrafo <strong>se</strong>guinte<br />

— estas são fontes de <strong>se</strong>gunda mão. Além disso, um estudo apressado<br />

c desordenado pode levar facilmente a confundir o discurso<br />

sobre as fontes com o discurso sobre a literatura crítica. Sc tiver<br />

escolhido como tema O pensamento econômico de Adam Smith e<br />

me der conta de que, à medida que o trabalho avança, passo a maior<br />

parte do tempo a discutir as interpretações de um certo autor, descurando<br />

a leitura directa de Smith. posso <strong>faz</strong>er duas coisas: ou voltar<br />

à fonte, ou decidir mudar o tema para.4.? interpretações de Adam<br />

Smith no pensamento liberal inglês contemporâneo. Esta última não<br />

me eximirá de saber o que dis<strong>se</strong> este autor, mas é claro que nessa<br />

altura interessar-me-á menos discutir o que ele dis<strong>se</strong> do que o que<br />

outros dis<strong>se</strong>ram inspirando-<strong>se</strong> nele. E óbvio, todavia, que. <strong>se</strong> qui<strong>se</strong>r<br />

criticar de <strong>uma</strong> forma aprofundada os <strong>se</strong>us intérpretes, terei de comparar<br />

as suas interpretações com o texto original.<br />

Poderia, no entanto, tratar-<strong>se</strong> de um caso em que o pensamento<br />

original me interessas<strong>se</strong> muito pouco. Admitamos que comecei <strong>uma</strong><br />

te<strong>se</strong> sobre o pensamento 2©D na tradição japonesa. E claro que tenho<br />

de saber ler japonês c que não posso confiar nas poucas traduções<br />

ocidentais de que disponho. Suponhamos, porém. que. ao examinar<br />

a literatura crítica, fiquei interessado na utilização que fez do Zen<br />

<strong>uma</strong> certa vanguarda literária c artística americana nos anos 50.<br />

Evidentemente, nesta altura já não estou interessado cm saber com<br />

absoluta exactidão teológica e filológica qual <strong>se</strong>ria o <strong>se</strong>ntido do pensamento<br />

Zen, mas sim saber de que modo idéias originárias do Oriente<br />

<strong>se</strong> tomaram elementos de <strong>uma</strong> ideologia artística ocidental. O tema<br />

da te<strong>se</strong> tomar-<strong>se</strong>-á então O uso de sugestões Zen na «San Francisco<br />

Renaissance» dos anos 50 e as minhas fontes passarão a <strong>se</strong>r os textos<br />

dc Kcrouac. Ginsberg. Ferlinghetti, etc. Estas são as fontes sobre<br />

as quais terei de trabalhar, enquanto no que <strong>se</strong> refere ao Zen poderão<br />

<strong>se</strong>r suficientes alguns <strong>livro</strong>s <strong>se</strong>guros e alg<strong>uma</strong>s boas traduções.<br />

Admitindo, evidentemente, que nào pretenda demonstrar que os californianos<br />

tenham compreendido mal o Zen original, o que tornaria<br />

obrigatório a comparação com os textos japone<strong>se</strong>s. Mas <strong>se</strong> me limitar<br />

a pressupor que eles <strong>se</strong> terão inspirado livremente cm traduções<br />

70<br />

do japonês, o que me interessa é aquilo que eles fizeram do Zen e<br />

não aquilo que o Zen era na origem.<br />

Tudo isto para dizer que é muito importante definir logo o verdadeiro<br />

objecto da te<strong>se</strong>, <strong>uma</strong> vez que <strong>se</strong> terá de enfrentar, logo de<br />

início, o problema da acessibilidade das fontes.<br />

No parágrafo IU.2.4, encontrar-<strong>se</strong>-á um exemplo de como <strong>se</strong> pode<br />

partir qua<strong>se</strong> do zero, para descobrir n<strong>uma</strong> pequena biblioteca as fontes<br />

adequailas ao nosso trabalho. Mas trata-<strong>se</strong> dc um caso-limite. Geralmente,<br />

aceita-<strong>se</strong> o tema <strong>se</strong>m sc saber <strong>se</strong> <strong>se</strong> está em condições dc aceder às fontes<br />

e é preciso saber: (1) onde elas <strong>se</strong> podem encontrar: (2) <strong>se</strong> são facilmente<br />

acessíveis; (3) <strong>se</strong> estou em condições dc trabalhar com elas.<br />

Com efeito, posso aceitar imprudentemente <strong>uma</strong> te<strong>se</strong> sobre certos<br />

manuscritos de Joyce <strong>se</strong>m saber que <strong>se</strong> encontram na Universidade<br />

de Búfalo. ou sabendo muito bem que nunca poderei lá ir. Poderei<br />

aceitar entusiasticamente trabalhar n<strong>uma</strong> série de documentos pertencentes<br />

a <strong>uma</strong> família dos arredores, para depois descobrir que ela<br />

é muito ciosa deles e só os mostra a estudiosos de grande fama.<br />

Poderei aceitar trabalhar em certos documentos medievais acessíveis,<br />

mas <strong>se</strong>m pensar que nunca fiz um curso que me preparas<strong>se</strong><br />

para a leitura de manuscritos antigos.<br />

Mas <strong>se</strong>m querer procurar exemplos tão sofisticados, poderei aceitar<br />

trabalhar num autor <strong>se</strong>m saber que os <strong>se</strong>us textos originais são<br />

raríssimos e que terei de viajar como um doído de biblioteca em<br />

biblioteca e de país em país. Ou pensar que é fácil obter os microfilmes<br />

dc todas as suas obras, <strong>se</strong>m me lembrar de que no meu instituto<br />

universitário não existe um leitor de microfilmes, ou que sofro<br />

de eonjunlivite e não posso suportar um trabalho tão desgastante.<br />

E inútil que cu. fanático do cinema, me proponha trabalhar <strong>uma</strong> te<strong>se</strong><br />

sobre <strong>uma</strong> obra menor de um realizador dos anos 20 para depois descobrir<br />

que só existe <strong>uma</strong> cópia desta obra nosFilm Archives de Washington.<br />

Uma vez resolvido o problema das fontes, as mesmas questões<br />

surgem para a literatura crítica, Poderei escolher <strong>uma</strong> le<strong>se</strong> sobre um<br />

autor menor do século xvin porque na biblioteca da minha cidade<br />

<strong>se</strong> encontra, por acaso, a primeira edição da sua obra. para me aperceber<br />

depois de que o melhor da literatura crítica sobre este autor<br />

-ó é acessível à custa de pesados encargos financeiros.<br />

Nào <strong>se</strong> podem resolver estes problemas contentando-<strong>se</strong> com trabalhar<br />

apenas no que <strong>se</strong> tem. porque da literatura crítica <strong>se</strong> deve ler.<br />

<strong>se</strong> não tudo, pelo menos tudo aquilo que é importante, e é necessário<br />

abordar as fontes directamente (ver o parágrafo <strong>se</strong>guinte).<br />

7:

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!