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ECO, Umberto. Como se faz uma tese (livro - Sociologia e Política

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ou mesmo dc outro anão. Depois lemos <strong>se</strong>mpre tempo para trabalhar<br />

sozinhos.<br />

IÍ.3. lemas antigos ou temas contemporâneos?<br />

Encarar esta questão pode parecer querer voltar à amiga querelle<br />

des anciens et des modernes... E. de facto, para muilas disciplinas<br />

a questão não <strong>se</strong> põe (<strong>se</strong> bem que <strong>uma</strong> te<strong>se</strong> de história da literaiura<br />

latina possa tratar tão bem de Horácio como da situação dos estudos<br />

horacianos no último vinlénio). Inversamente, é lógico que. <strong>se</strong><br />

nos licenciamos em história da literatura italiana contemporânea,<br />

não haja alternativa.<br />

Todavia não é raro o caso de ura estudante que. perante o con<strong>se</strong>lho<br />

do professor de literaiura italiana para <strong>se</strong> licenciar sobre um<br />

petrarquista quinhentista ou sobre um árcade, prefira temas como<br />

Pave<strong>se</strong>, Bassani. Sanguineti. Muilas vezes a escolha nasce de <strong>uma</strong><br />

vocação autêntica e é difícil contestá-la. Outras vezes nasce da falsa<br />

idéia de que um autor contemporâneo c mais fácil e mais agradável.<br />

Digamos desde já que o autor contemporâneo é <strong>se</strong>mpre rnais difícil<br />

É certo que geralmente a bibliografia c mais reduzida, os textos<br />

são de mais fácil acesso, a primeira documentação pode <strong>se</strong>r consultada<br />

à beira-mar. com um bom romance nas mãos, em vez de fechado<br />

n<strong>uma</strong> biblioteca. Mas. ou queremos <strong>faz</strong>er <strong>uma</strong> te<strong>se</strong> remendada, repetindo<br />

simplesmente o que dis<strong>se</strong>ram outros críticos e então nào há<br />

mais nada a dizer (e. <strong>se</strong> qui<strong>se</strong>rmos, podemos fa/cr <strong>uma</strong> le<strong>se</strong> ainda<br />

mais remendada sobre um petrarquista do século xvi). ou queremos<br />

dizer algo de novo. e enião apercebemo-nos de que sobre o autor<br />

anligo existem pelo menos chaves interpretativas <strong>se</strong>guras às quais<br />

nos podemos referir, enquanto para o autor moderno as opiniões são<br />

ainda vagas e discordantes, a nossa capacidade crítica é fal<strong>se</strong>ada pela<br />

falta de perspectiva, e tudo <strong>se</strong> toma demasiado difícil.<br />

E indubitável que o autor anligo impõe <strong>uma</strong> leitura mais futigante,<br />

<strong>uma</strong> pesquisa bibliográfica mais atenta (mas os títulos estão<br />

menos dispersos e existem repertórios bibliográficos já compleios);<br />

mas <strong>se</strong> <strong>se</strong> entende a te<strong>se</strong> como ocasião para aprender a <strong>faz</strong>er <strong>uma</strong><br />

investigação, o autor antigo põe mais problemas de preparação.<br />

Se. além disso, o estudante <strong>se</strong> <strong>se</strong>ntir inclinado para a crítica contemporânea,<br />

a te<strong>se</strong> pode <strong>se</strong>r a última ocasião de abordar a literamra<br />

do passado, para exercitar o <strong>se</strong>u gosto e capacidade de leitura. Assim.<br />

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<strong>se</strong>ria bom aproveiiar esla oportunidade. Muitos dos grandes escritores<br />

contemporâneos, mesmo de vanguarda, não fizeram le<strong>se</strong>s sobre Montale<br />

ou Pound. mas sobre Dantc ou Foscolo. E claro que não existem regras<br />

precisas: um bom investigador pode conduzir <strong>uma</strong> análi<strong>se</strong> histórica ou<br />

estilística sobre um autor contemporâneo com a mesma profundidade<br />

e precisão filológica com que trabalha sobre um antigo.<br />

Além disso, o problema varia de disciplina para disciplina. Em<br />

filosofia talvez ponha mais problemas <strong>uma</strong> te<strong>se</strong> sobre Ilus<strong>se</strong>rl do<br />

que <strong>uma</strong> te<strong>se</strong> sobre Descartes e a relação entre «facilidade» e «legibilidade»<br />

inverte-<strong>se</strong>: lê-<strong>se</strong> melhor Pascal do que Camap.<br />

Deste modo. o único con<strong>se</strong>lho que verdadeiramente poderei dar<br />

é o <strong>se</strong>guinte: trabalhai sobre um contemporâneo como <strong>se</strong> fos<strong>se</strong> um<br />

antigo e sobre um antigo como <strong>se</strong> fos<strong>se</strong> um contemporâneo- Ser-<br />

-vos-á mais agradável e fareis um trabalho mais sério.<br />

IT.4. Quanto tempo é preciso para <strong>faz</strong>er <strong>uma</strong> te<strong>se</strong>?<br />

Digamo-lo desde logo: não mais de três anos, nem menos de <strong>se</strong>is<br />

me<strong>se</strong>s, Não mais de três anos, porque <strong>se</strong> em três anos de irabalho<br />

não <strong>se</strong> con<strong>se</strong>guiu circunscrever o tema e encontrar a documentação<br />

necessária, isso só pode significar três coisas:<br />

1) escolheu-<strong>se</strong> <strong>uma</strong> te<strong>se</strong> errada, superior às nossas forças;<br />

2) é-<strong>se</strong> um eterno descontente que quer dizer tudo, e continua-<br />

-<strong>se</strong> a trabalhar na te<strong>se</strong> durante vinte anos enquanto um estudioso<br />

hábil deve <strong>se</strong>r capaz de fixar a si mesmo limites, mesmo<br />

modestos, e produzir algo de definitivo dentro des<strong>se</strong>s limites;<br />

3) teve início a neuro<strong>se</strong> da te<strong>se</strong>. ela é abandonada, retomada, <strong>se</strong>ntimo-nos<br />

falhados, entramos num estado de depressão, utilizamos<br />

a te<strong>se</strong> como álibi de muitas cobardias. nunca viremos<br />

a licenciar-nos.<br />

Não menos de <strong>se</strong>is me<strong>se</strong>s, porque mesmo que <strong>se</strong> queira <strong>faz</strong>er o<br />

equivalente a um bom artigo de revista, que não tenha mais de <strong>se</strong>s<strong>se</strong>nta<br />

páginas, entre o estudo da organização do trabalho, a procura<br />

de bibliografia, a elaboração de fichas e a redacção do texto passam<br />

facilmente <strong>se</strong>is me<strong>se</strong>s. E claro que um estudioso mais maduro<br />

escreve um ensaio em menos tempo: mas tem atrás de si anos e anos<br />

de leituras, de fichas e de apontamentos, que o esludante ao invés<br />

deve <strong>faz</strong>er a partir do zero.<br />

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