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ECO, Umberto. Como se faz uma tese (livro - Sociologia e Política

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escolha <strong>se</strong>ria discutível di-lo-emos no parágrafo 11.2. Com o estudante<br />

cm tjuestão discutiu-<strong>se</strong> um pouco. Teria podido <strong>faz</strong>er-<strong>se</strong> <strong>uma</strong><br />

le<strong>se</strong> sobre o símbolo em Freud e Jung. nào considerando todas as<br />

outras acepções, e confrontando apenas as destes dois autores. Mas<br />

descobriu-<strong>se</strong> que o estudante não sabia alemão (c falaremos sobre o<br />

problema do conhecimento das línguas no parágrafo TT.5). Decidiu-<br />

-<strong>se</strong> então que ele <strong>se</strong> debruçaria sobre o lema O conceito de símbolo<br />

em Peirce, Frye e Jung. A te<strong>se</strong> teria examinado as diferenças entre<br />

três conceitos homônimos em três autores diferentes, um filósofo,<br />

um crítico e um psicólogo; leria mostrado como em muitas análi<strong>se</strong>s<br />

em que sào considerados estes três autores <strong>se</strong> cometem muitos equívocos,<br />

<strong>uma</strong> vez que <strong>se</strong> atribui a um o significado que é usado por<br />

outro. Só no final, a título de conclusão hipotética, o candidato teria<br />

procurado extrair um resultado para mostrar <strong>se</strong> existiam analogias,<br />

e qutds. entre aqueles conceitos homônimos, aludindo ainda aos outros<br />

autores dc quem linha conhecimento mas de quem. por explícita limitação<br />

do tema. não queria nem podia ocupar-<strong>se</strong>. Ninguém teria podido<br />

dizer-lhe que não tinha considerado o autor K, porque a te<strong>se</strong> era sobre<br />

X, Y e Z, nem que tinha citado o autor J apenas em tradução, porque<br />

ter-<strong>se</strong>-ia tratado de <strong>uma</strong> referência marginal, em conclusão, e a te<strong>se</strong><br />

pretendia estudar por extenso e no original apenas os três autores referidos<br />

no título.<br />

Eis como <strong>uma</strong> te<strong>se</strong> panorâmica, <strong>se</strong>m <strong>se</strong> tornar rigorosamente<br />

monográíica. <strong>se</strong> reduzia a um meio termo, aceitável por todos.<br />

Por outro lado. <strong>se</strong>m dúvida o termo «monográfico» pode ter <strong>uma</strong><br />

acepção mais vasta do que a que utilizámos aqui. Uma monografia é o<br />

tratatamento de um só lema e como tal opòe-sc a <strong>uma</strong> «história de», a<br />

um manual, a <strong>uma</strong> enciclopédia. Pelo que um tema como O tema do<br />

«mundo às wessas» nos escritores medievais também é monográfico.<br />

Analisam-<strong>se</strong> muitos escrilores. mas apenas do ponto dc vista de um tema<br />

específico (ou <strong>se</strong>ja. da hipóte<strong>se</strong> imaginária proposta a título de exemplo,<br />

dc paradoxo ou de fábula, dc que os peixes voem no ar, as aves<br />

nadem na água etc). Se <strong>se</strong> fizes<strong>se</strong> bem este trabalho, obter-<strong>se</strong>-ia <strong>uma</strong><br />

óptima monografia Contudo, para o <strong>faz</strong>er bem, é preciso ter pre<strong>se</strong>nte<br />

todos os escritores que trataram o tema, especialmente os menores, aqueles<br />

de quem ninguém <strong>se</strong> lembra. Assim, esta te<strong>se</strong> é classificada como<br />

monogràTico-panorâmica e é muito difícil: exige <strong>uma</strong> infinidade de leituras.<br />

Se <strong>se</strong> qui<strong>se</strong>s<strong>se</strong> mesmo <strong>faz</strong>ê-la. <strong>se</strong>ria preciso restringir o <strong>se</strong>u campo.<br />

O tema do «mundo às wessas» nos poetas carolíngios. O campo restringe-<strong>se</strong>,<br />

sabendo-<strong>se</strong> o que <strong>se</strong> lem de dominar c o que <strong>se</strong> deve pôr de parte.<br />

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Evidentemente, é mais excitante <strong>faz</strong>er a te<strong>se</strong> panorâmica, pois.<br />

além do mais. parece fastidioso ocuparmo-nos durante um. dois ou<br />

mais anos <strong>se</strong>mpre do mesmo autor. Mas repare-<strong>se</strong> que <strong>faz</strong>er <strong>uma</strong> te<strong>se</strong><br />

rigorosamente monográíica nào significa de modo nenhum perder de<br />

vista o contexto. Fazer <strong>uma</strong> te<strong>se</strong> sobre a narrativa de Fenoglio significa<br />

ter pre<strong>se</strong>nte o realismo italiano, ler também Pave<strong>se</strong> ou Vkorini.<br />

bem como analisar os escritores americanos que Fenoglio lia e traduzia.<br />

Só in<strong>se</strong>rindo um autor num contexto o compreendemos e explicamos.<br />

Todavia, <strong>uma</strong> coisa é utilizar o panorama como fundo, e outra<br />

<strong>faz</strong>er um quadro panorâmico. Uma coisa é pintar o reiralo de um cavalheiro<br />

sobre urn fundo dc campo com um rio, e outra pinlar campos,<br />

vales e rios. Tem dc mudar a técnica, tem de mudar, em termos fotográficos,<br />

a focagem. Parlindo de um só autor, o contexto pode <strong>se</strong>r<br />

também um pouco desfocado, incompleto ou de <strong>se</strong>gunda mão.<br />

Para concluir, recordemos este princípio fundamental; quanto<br />

mais <strong>se</strong> restringe o campo, melhor <strong>se</strong> trabalha e com maior <strong>se</strong>gurança.<br />

Uma te<strong>se</strong> monogrãfica c preferível a <strong>uma</strong> te<strong>se</strong> panorâmica.<br />

É melhor que a te<strong>se</strong> <strong>se</strong> as<strong>se</strong>melhe mais a um ensaio do que a <strong>uma</strong><br />

história ou a <strong>uma</strong> enciclopédia.<br />

IT.2. Te<strong>se</strong> histórica ou te<strong>se</strong> teórica?<br />

Esta alternativa só tem <strong>se</strong>ntido para ceitas matérias. Efeeti vãmente,<br />

em matérias como história da matemática, filologia românica ou história<br />

da literatura alemã, <strong>uma</strong> te<strong>se</strong> só pode <strong>se</strong>r histórica. E em matérias<br />

como composição arquitectónica. física do reactor nuclear ou<br />

anatomia comparada, geralmente só <strong>se</strong> <strong>faz</strong>em te<strong>se</strong>s teóricas ou experimentais.<br />

Mas há outras matérias, como filosofia teórica, sociologia,<br />

antropologia cultural, estética, filosofia do direito, pedagogia<br />

ou direito internacional, em que <strong>se</strong> podem <strong>faz</strong>er te<strong>se</strong>s de dois tipos.<br />

Uma te<strong>se</strong> teórica é <strong>uma</strong> te<strong>se</strong> que <strong>se</strong> propõe encarar um problema<br />

abstracto que pode já ter sido ou não objecto de outras reflexões; a<br />

natureza da vontade h<strong>uma</strong>na, o conceito de liberdade, a noção de<br />

função social, a existência de Deus. o código genético. Enumerados<br />

assim, estes temas <strong>faz</strong>em imediatamente sorrir, pois pensamos naqueles<br />

tipos de abordagem a que üramsci chamava «noções breves<br />

sobre o universo», E. no entanto, insignes pensadores <strong>se</strong> debruçaram<br />

sobre estes temas. .Vias. com poucas cxccpçõcs, fizeram-no na<br />

conclusão de um trabalho de meditação dc várias décadas.<br />

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