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ECO, Umberto. Como se faz uma tese (livro - Sociologia e Política

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Em te<strong>se</strong>s deste gênero, o estudante acaba geralmente por acusar<br />

os membros do júri de não o terem compreendido, mas estes não<br />

podiam compreendê-lo e. portanto, <strong>uma</strong> te<strong>se</strong> demasiado panorâmica<br />

constitui <strong>se</strong>mpre um acto de orgulho. Não que o orgulho intelectual<br />

— n<strong>uma</strong> te<strong>se</strong> — <strong>se</strong>ja de rejeitar a priori. Pode mesmo dizer-<strong>se</strong> que<br />

Dante era um mau poeta: mas é preciso dizê-lo após pelo menos trezentas<br />

páginas de análi<strong>se</strong> detalhada dos textos dantescos. Estas demonstrações,<br />

n<strong>uma</strong> te<strong>se</strong> panorâmica, nào podem <strong>faz</strong>er-<strong>se</strong>. Eis porque <strong>se</strong>ria<br />

então melhor que o estudante, em vez de A literatura italiana desde<br />

o pós-guerra até aos anos 60, escolhes<strong>se</strong> um título mais modesto.<br />

K posso dizer já qual <strong>se</strong>ria o ideal: não Os romances de Fenoglio.<br />

mas As diversas redacçòes de "ti panigiano Jolmny». Enfadonho?<br />

Fi possível, mas corno desafio é mais interessante.<br />

Sobretudo, <strong>se</strong> <strong>se</strong> pensar bem, trata-<strong>se</strong> de um acto de astúcia. Com<br />

<strong>uma</strong> te<strong>se</strong> panorâmica sobre a literatura de quatro décadas, o estudante<br />

expõe-<strong>se</strong> a todas as contestações possíveis. <strong>Como</strong> pode resistir<br />

o orientador ou o simples membro do júri à tentação de <strong>faz</strong>er<br />

saber que conhece um autor menor que o estudante nào citou? Basta<br />

que qualquer membro do júri. consultando o índice, aponte três omissões,<br />

e o estudante <strong>se</strong>rá alvo de urna rajada de acusações que farão<br />

que a sua te<strong>se</strong> pareça <strong>uma</strong> lista de desaparecidos. Sc, pelo contrário,<br />

o estudante trabalhou <strong>se</strong>riamente num terna muito preciso, con<strong>se</strong>gue<br />

dominar um material desconhecido para a maior parle dos membros<br />

do júri. Não estou a sugerir um truquezito dc dois vinténs: <strong>se</strong>rá<br />

um Iruque. mas nào de dois vinténs, pois exige esforço. Sucede simplesmente<br />

que o candidato <strong>se</strong> apre<strong>se</strong>nta como «Perito» diante dc<br />

<strong>uma</strong> platéia menos perita do que ele. e, já que teve o trabalho de <strong>se</strong><br />

tornar perito, é justo que goze as vantagens dessa situação.<br />

Entre os dois extremos da te<strong>se</strong> panorâmica sobre quarenta anos dc<br />

literatura e da te<strong>se</strong> rigidamente monográfica sobre as variantes de um<br />

texto curto, há muitos esládios intermédios. Poderão assim apontar-<br />

-<strong>se</strong> temas como A neovanguarda literária dos anos 60, ou A imagem<br />

das Langhe em Pave<strong>se</strong> e Fenoglio. ou ainda Afinidades e diferenças<br />

entre três escritores «fantásticos»: Savinio, Buzzaii e Landolft.<br />

Passando as faculdades eieniíficas. num <strong>livro</strong> com o mesmo tema<br />

que nos propomos dá-<strong>se</strong> um con<strong>se</strong>lho aplicável a todas as matérias:<br />

O tema Geologia, por exemplo, é demasiado vasto. A Vulcanologia.<br />

como ramo da geologia, c ainda demasiado lato. Os vulcões no México<br />

poderia <strong>se</strong>r de<strong>se</strong>nvolvido num exercício bom mas um tanto superficial. Uma<br />

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limitação sub<strong>se</strong>quente daria origem a uni estudo üc maior valor: A história<br />

do Popocatepetl (que foi escalado provavelmente por uni dos conquistadores<br />

de Corte? em 1519. e que só em 1702 leve <strong>uma</strong> erupção violenta}.<br />

Úm lema mais limitado, que diz respeito a um menor mi mero de anos. <strong>se</strong>ria<br />

O nascimento e u morte aparente do Paricutin (dc 20 dc Fevereiro de 1943<br />

SI 4 dc Março de 1952)'.<br />

Eu acon<strong>se</strong>lharia o último tema. Com a condição de que. nessa<br />

altura, o candidato diga tudo o que há a dizer sobre aquele amaldiçoado<br />

vulcão.<br />

Há algum tempo veio ter comigo um estudanie que queria <strong>faz</strong>er<br />

a te<strong>se</strong> sobre O símbolo no pensamento contemporâneo. Era <strong>uma</strong> te<strong>se</strong><br />

impossível. Pelo menos, eu não sabia o que queria dizer «símbolo»;<br />

efectivamente, trata-<strong>se</strong> de um termo que muda dc significado <strong>se</strong>gundo<br />

os autores e, por vezes, em dois autores diferentes quer dizer duas<br />

coisas absolutamente opostas. Repare-<strong>se</strong> que por «símbolo» os lógicos<br />

formais ou os matemáticos entendem expressões <strong>se</strong>m significado<br />

que ocupam um lugar definido com urna função precisa num<br />

dado cálculo formalizado (como os a e os h ou os x e os y das fórmulas<br />

algébricas). enquanto outros autores entendem <strong>uma</strong> forma<br />

repleta de significados ambíguos, como sucede nas imagens que<br />

ocorrem nos sonhos, que podem referir-<strong>se</strong> a <strong>uma</strong> árvore, a um órgão<br />

<strong>se</strong>xual, ao de<strong>se</strong>jo de crescimento e assim por diante. <strong>Como</strong> <strong>faz</strong>er<br />

então <strong>uma</strong> te<strong>se</strong> com este título? Seria necessário analisar todas as<br />

acepções do símbolo em toda a cultura contemporânea, catalogá-las<br />

dc modo a evidenciar as <strong>se</strong>melhanças e as diferenças, ver <strong>se</strong> subjacente<br />

às diferenças há um conceito unitário fundamental que apareça<br />

em todos os autores e todas as teorias, <strong>se</strong> as diferenças não<br />

tornam enfim incompatíveis entre si as teorias em questão. Pois bem.<br />

<strong>uma</strong> obra deslas nenhum filósofo, lingüista ou psicanalista contemporâneo<br />

con<strong>se</strong>guiu ainda realizá-la de <strong>uma</strong> maneira satisfatória.<br />

<strong>Como</strong> poderia con<strong>se</strong>gui-lo um estudioso novato que, mesmo precoce,<br />

não tem alrãs de si mais de <strong>se</strong>is ou <strong>se</strong>te anos de leituras adultas?<br />

Poderia lambem <strong>faz</strong>er <strong>uma</strong> dis<strong>se</strong>rtação inteligentemente parcial,<br />

nias cairíamos de novo na história da literatura italiana de Contini.<br />

Ou poderia propor <strong>uma</strong> teoria pessoal do símbolo, pondo de parte<br />

tudo quanto haviam dito os outros autores: mas até que ponto esta<br />

' C. W. Cooper c E. J. Robins, tlie Temi Paper A Manual and Model. Stanford.<br />

Stanford Universiiy Press, 4.' cri.. 1967, p. 3.<br />

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