Saúde Bucal de Gestantes: uma Abordagem de Gênero

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56 próprio do espaço privado, tem pouca visibilidade, por se tratar de tarefas que não são facilmente reconhecidas; e mais, o trabalho doméstico está ligado à consideração de que a maternidade é o eixo da vida das mulheres e, por isso, faz parte da naturalidade do feminino. Guillaumin (1994) lembra que, nas sociedades atuais, as mulheres são conhecidas como objeto de uma exploração direta de seu trabalho e de seu potencial reprodutivo (p. 229). Assim, nas relações sociais de gênero as mulheres encontram- se numa posição de inferioridade em relação aos homens, na verdade, segundo a autora, as mulheres estão exatamente nas mãos dos homens (Guillaumin, 1994, p.231). E esta inferioridade, ou seja, esta hierarquia de gênero em prejuízo da mulher se dá na medida em que, a partir de uma concepção de que a igualdade entre os indivíduos se sustenta na essência universal que estes possuem enquanto donos de seu corpo e, conseqüentemente, de seu trabalho , as mulheres são excluídas da constituição do indivíduo e do cidadão enquanto categorias históricas (Vaitsman, 1994, p.10). Todas as tarefas delegadas à mulher que dizem respeito à gestação, ao parto e ao período de aleitamento são, enfim, o substrato essencial da construção da identidade feminina, de modo que a mulher fica sempre envolvida por trabalhos domésticos infindáveis que marcam um mundo como o nosso, fortemente recortado pelas diferenças que geram as relações sociais de gênero. A identidade feminina vai se construindo, assim, cercada por uma cultura cristã e patriarcal, que liga a imagem feminina à maternidade santificada, desligada da sua sexualidade (Maldonado, 1990; Montgomery, 1997), sendo o papel de mãe, praticamente um troféu social a ser conquistado. Deste modo, o inconsciente coletivo continua imbuído da exaltação da maternidade. E ao longo de sua vida, pode-se mesmo dizer, de acordo com Montgomery (1997), que a mulher acaba sendo submetida a três grandes opressores: o homem, através do seu poder econômico; a sociedade, que impõe a ela um terrorismo moral e estético, ao encher de regras o universo feminino; e a natureza, que atribui também à mulher, biológica e fisiologicamente, uma missão ainda insubstituível na reprodução: a gravidez. E se alguma coisa sai errada com as tarefas atribuídas à mulher, ou seja, àquelas tarefas que dizem respeito ao seu ambiente doméstico e maternal ( como, por exemplo, a educação dos filhos ou o surgimento de uma cárie),

então, a responsabilidade e uma grande opressão também recaem sobre ela. Na verdade, a distância existente entre tais problemas peculiares à vida e à saúde da mulher e a solução dos mesmos reflete esse significado social e político historicamente atribuído a ela. O fato é que a desigualdade entre o gênero masculino e o feminino torna a especificidade dos problemas da mulher, dentro da sociedade, invisível (Gomes, 1997). Conseqüentemente, de acordo com autores como Borges & Atiê (1989) e Minayo & Souza (1989), entre outros, o cuidado com a vida do lar o ser dona-de-casa e a socialização dos filhos o ser mãe, fazem com que as mulheres se esqueçam de cuidar de si mesmas, como que extinguindo a consciência de si mesmas, a capacidade de auto-reflexão: sobre seus próprios corpos e o dia-a-dia de suas manifestações; enfim, sobre suas próprias vidas. A relação entre o ser dona-de-casa e o ser mãe, segundo Ávila (1994), é ainda hoje vista como indissociável e naturalmente harmônica (p.8). Segundo a autora, a visão de tal relação se origina e toma força a partir de teorias explicativas da divisão do trabalho entre os sexos como resultado natural das aptidões biológicas e das diferenças físicas (Ávila, 1994, p.8). O que acaba por acontecer, então, é que nem mesmo esse papel social historicamente atribuído à mulher, intimamente ligado às relações de gênero, a mulher de camadas mais desfavorecidas da população pode exercer. Quase sempre privada do acesso tanto a informações quanto aos serviços de saúde, essa mulher praticamente desconhece a gama de transformações não apenas biológicas, naturais, mas também psicológicas e sociais que acompanham a sua vida e se refletem diretamente na sua saúde, de maneira especial no período da gestação. Não se pode negar, enfim, que a mulher tem 57 . . .uma condição adicional de risco de adoecer ou morrer que é a de cumprir o papel biológico da reprodução humana, o que não ocorre com o seu parceiro, o homem. Pela identificação desta situação é que hoje em dia se afirma que a mulher, independente de tempo ou lugar, deve ser objeto de priorização no cuidado à saúde. (Ortiz, 1989 apud Ávila, 1994).

então, a responsabilida<strong>de</strong> e <strong>uma</strong> gran<strong>de</strong> opressão também recaem sobre ela.<br />

Na verda<strong>de</strong>, a distância existente entre tais problemas peculiares à vida e à<br />

saú<strong>de</strong> da mulher e a solução dos mesmos reflete esse significado social e político<br />

historicamente atribuído a ela. O fato é que a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> entre o gênero masculino<br />

e o feminino torna a especificida<strong>de</strong> dos problemas da mulher, <strong>de</strong>ntro da socieda<strong>de</strong>,<br />

invisível (Gomes, 1997). Conseqüentemente, <strong>de</strong> acordo com autores como Borges &<br />

Atiê (1989) e Minayo & Souza (1989), entre outros, o cuidado com a vida do lar o ser<br />

dona-<strong>de</strong>-casa e a socialização dos filhos o ser mãe, fazem com que as mulheres<br />

se esqueçam <strong>de</strong> cuidar <strong>de</strong> si mesmas, como que extinguindo a consciência <strong>de</strong> si<br />

mesmas, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auto-reflexão: sobre seus próprios corpos e o dia-a-dia <strong>de</strong><br />

suas manifestações; enfim, sobre suas próprias vidas.<br />

A relação entre o ser dona-<strong>de</strong>-casa e o ser mãe, segundo Ávila (1994), é<br />

ainda hoje vista como indissociável e naturalmente harmônica (p.8). Segundo a<br />

autora, a visão <strong>de</strong> tal relação se origina e toma força a partir <strong>de</strong> teorias explicativas da<br />

divisão do trabalho entre os sexos como resultado natural das aptidões biológicas e das<br />

diferenças físicas (Ávila, 1994, p.8).<br />

O que acaba por acontecer, então, é que nem mesmo esse papel social<br />

historicamente atribuído à mulher, intimamente ligado às relações <strong>de</strong> gênero, a mulher<br />

<strong>de</strong> camadas mais <strong>de</strong>sfavorecidas da população po<strong>de</strong> exercer.<br />

Quase sempre privada do acesso tanto a informações quanto aos serviços<br />

<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, essa mulher praticamente <strong>de</strong>sconhece a gama <strong>de</strong> transformações não<br />

apenas biológicas, naturais, mas também psicológicas e sociais que acompanham a<br />

sua vida e se refletem diretamente na sua saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong> maneira especial no período da<br />

gestação.<br />

Não se po<strong>de</strong> negar, enfim, que a mulher tem<br />

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. . .<strong>uma</strong> condição adicional <strong>de</strong> risco <strong>de</strong> adoecer ou morrer que é a <strong>de</strong><br />

cumprir o papel biológico da reprodução h<strong>uma</strong>na, o que não ocorre com<br />

o seu parceiro, o homem. Pela i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong>sta situação é que hoje<br />

em dia se afirma que a mulher, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> tempo ou lugar, <strong>de</strong>ve<br />

ser objeto <strong>de</strong> priorização no cuidado à saú<strong>de</strong>. (Ortiz, 1989 apud Ávila,<br />

1994).

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