Saúde Bucal de Gestantes: uma Abordagem de Gênero

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29.04.2013 Views

cada homem e de cada mulher brasileiros. Diante de tais dados inicia-se a compreensão mas não a aceitação como verdade absoluta da atribuição às mulheres, mães, da responsabilidade pela contaminação e infecção de seus filhos pela doença cárie. Ora, se são de sua alçada os cuidados com a higiene dos filhos, inclusive da boca deles, qualquer episódio que quebre a cadeia desses cuidados ou que contribua para o surgimento de doenças, também passa a ser de sua responsabilidade. A odontologia, como a medicina, desta maneira, tem contribuído para a submissão feminina na medida em que considera a mãe praticamente como um vetor, ou seja, uma transportadora de agentes infecciosos, na transmissão da doença cárie a seus filhos. A odontologia ainda não alcançou o entendimento dos aspectos sociais que levam a fazer parte dos papéis femininos a tarefa de educar os filhos e de ser responsável por sua saúde ou doença, aspectos estes que não podem mais deixar de ser considerados. E a odontologia nem mesmo tem conseguido vislumbrar, assim, as implicações de seu papel social na saúde bucal de mulheres. Parece que tem optado por ser parcial, pois não tem entendido como sendo de sua alçada discutir as relações de gênero e suas implicações para a saúde bucal, considerando tal conteúdo como não-odontológico . Daí, a maioria dos trabalhos que dizem respeito à saúde da mulher, da gestante e de bebês, mais especificamente, tratarem os problemas bucais enfrentados por estas mulheres, e depois por seus filhos, de maneira limitada. Limitada diante do fato de a vida dessas mulheres ser muito mais complexa do que os achados estritamente biológicos como, a título de exemplo, os níveis de infecção pelo Streptococcus mutans em gestantes (Torres et al., 1999) ; a transmissibilidade bacteriana entre mães e filhos ( Berkowitz et al., 1981; Long et al., 1993) sempre tão enfatizados e que serão melhor discutidos adiante. Não que os estudos feitos até agora não tenham seu valor, absolutamente. Apenas se faz necessário mudar as lentes desse modo de ver a realidade: é preciso enxergar mais longe, mais ao redor; não se pode, atualmente, limitar a visão deste assunto, assim, a uma forma tão biologicista! Entende-se que o que não pode acontecer é justamente essa polarização do que é biológico em detrimento do que é social. Mas, afinal, em que se constituem as relações de gênero? Harding (1989) 54

55 apud Castro & Bronfman (1993) considera que Género es una construcción social sistemática de lo masculino y lo feminino que está poco (o nada) determinada por la biología ( por el sexo), presente en todas las sociedades, y que permea todas las dimensiones de la vida social y privada (p.378). Diante disso, é importante considerar que (...) gênero não pretende significar o mesmo que sexo, ou seja, enquanto sexo se refere à identidade biológica de uma pessoa, gênero está ligado à sua construção social como sujeito masculino ou feminino ( Louro, 1996, p. 9). Assim, partindo da compreensão do conceito de gênero como uma construção social, logo histórica e cultural, deve-se observar a pluralidade de tal conceito. Mas, justamente por esta pluralidade, o conceito de gênero não é uma formulação imutável, e já se admite que, embora fundamentalmente a construção de gênero se trate de um processo social e histórico, existe uma ligação estreita entre este social e o biológico, pois tal processo envolve os corpos dos sujeitos tanto femininos quanto masculinos. Dessa maneira, segundo a mesma autora, o gênero (assim como a classe ou a raça) é mais do que uma identidade aprendida (é mais do que uma aprendizagem de papéis), sendo constituído e instituído pelas múltiplas instâncias e relações sociais, pelas instituições, símbolos, formas de organização social, discursos e doutrinas (Louro, 1996, p. 12). Deve-se considerar, assim, que ao longo da história da humanidade, a sociedade molda a identidade feminina e masculina, caracterizando tais identidades como naturais. E, apesar da saída da mulher do espaço doméstico para integrar o mercado de trabalho, a partir do século XIX, tal mudança não gerou modificações reais no que diz respeito à imagem feminina socialmente construída ( Teixeira, 1996). Isto significa, que mesmo a mulher tendo assumido novos papéis sociais, além do espaço doméstico, aqueles papéis ligados a ele continuaram sendo femininos. Além deste aumento na carga de trabalho feminino, merece atenção a questão do desconhecimento acerca dos efeitos desse trabalho sobre a saúde da mulher. Segundo Aquino et al. (1995), tal desconhecimento acontece em virtude da invisibilidade do trabalho feminino e pelo fato de a mulher continuar sendo tratada pela medicina moderna como mãe, concedendo especial atenção aos aspectos que dizem respeito à saúde do feto. Corroborando tais achados, Andrade (1999), ao estudar a relação entre o trabalho doméstico e a saúde das mulheres, concluiu que o trabalho doméstico, por ser

cada homem e <strong>de</strong> cada mulher brasileiros.<br />

Diante <strong>de</strong> tais dados inicia-se a compreensão mas não a aceitação como<br />

verda<strong>de</strong> absoluta da atribuição às mulheres, mães, da responsabilida<strong>de</strong> pela<br />

contaminação e infecção <strong>de</strong> seus filhos pela doença cárie. Ora, se são <strong>de</strong> sua alçada<br />

os cuidados com a higiene dos filhos, inclusive da boca <strong>de</strong>les, qualquer episódio que<br />

quebre a ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>sses cuidados ou que contribua para o surgimento <strong>de</strong> doenças,<br />

também passa a ser <strong>de</strong> sua responsabilida<strong>de</strong>. A odontologia, como a medicina, <strong>de</strong>sta<br />

maneira, tem contribuído para a submissão feminina na medida em que consi<strong>de</strong>ra a<br />

mãe praticamente como um vetor, ou seja, <strong>uma</strong> transportadora <strong>de</strong> agentes infecciosos,<br />

na transmissão da doença cárie a seus filhos.<br />

A odontologia ainda não alcançou o entendimento dos aspectos sociais que<br />

levam a fazer parte dos papéis femininos a tarefa <strong>de</strong> educar os filhos e <strong>de</strong> ser<br />

responsável por sua saú<strong>de</strong> ou doença, aspectos estes que não po<strong>de</strong>m mais <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

ser consi<strong>de</strong>rados. E a odontologia nem mesmo tem conseguido vislumbrar, assim, as<br />

implicações <strong>de</strong> seu papel social na saú<strong>de</strong> bucal <strong>de</strong> mulheres. Parece que tem optado<br />

por ser parcial, pois não tem entendido como sendo <strong>de</strong> sua alçada discutir as relações<br />

<strong>de</strong> gênero e suas implicações para a saú<strong>de</strong> bucal, consi<strong>de</strong>rando tal conteúdo como<br />

não-odontológico . Daí, a maioria dos trabalhos que dizem respeito à saú<strong>de</strong> da mulher,<br />

da gestante e <strong>de</strong> bebês, mais especificamente, tratarem os problemas bucais<br />

enfrentados por estas mulheres, e <strong>de</strong>pois por seus filhos, <strong>de</strong> maneira limitada. Limitada<br />

diante do fato <strong>de</strong> a vida <strong>de</strong>ssas mulheres ser muito mais complexa do que os achados<br />

estritamente biológicos como, a título <strong>de</strong> exemplo, os níveis <strong>de</strong> infecção pelo<br />

Streptococcus mutans em gestantes (Torres et al., 1999) ; a transmissibilida<strong>de</strong><br />

bacteriana entre mães e filhos ( Berkowitz et al., 1981; Long et al., 1993) sempre tão<br />

enfatizados e que serão melhor discutidos adiante. Não que os estudos feitos até agora<br />

não tenham seu valor, absolutamente. Apenas se faz necessário mudar as lentes<br />

<strong>de</strong>sse modo <strong>de</strong> ver a realida<strong>de</strong>: é preciso enxergar mais longe, mais ao redor; não se<br />

po<strong>de</strong>, atualmente, limitar a visão <strong>de</strong>ste assunto, assim, a <strong>uma</strong> forma tão biologicista!<br />

Enten<strong>de</strong>-se que o que não po<strong>de</strong> acontecer é justamente essa polarização do que é<br />

biológico em <strong>de</strong>trimento do que é social.<br />

Mas, afinal, em que se constituem as relações <strong>de</strong> gênero? Harding (1989)<br />

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