Saúde Bucal de Gestantes: uma Abordagem de Gênero

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98 útil, revela a representação de que é praticamente um privilégio divino não enfrentar problemas bucais durante a gestação. E mais do que isto, considera como inseparáveis da condição de mulher grávida ter problemas bucais, sendo praticamente um milagre quando isto não acontece. A insatisfação com a saúde bucal para estas 65 mulheres está, de um modo geral, ligada à dor, sangramento gengival, necessidade de tratamento endodôntico (canal), dentes quebrados, aquilo que as mulheres identificaram como fraqueza nos dentes. Apenas cinco das gestantes admitiram que seus problemas bucais antecederam a gestação, apesar de uma delas ter revelado que seu problema sangramento gengival agravou-se neste período. No que diz respeito à necessidade de tratamento endodôntico, as gestantes revelaram ter medo de tal tratamento e ter dificuldades para agendá-lo na rede pública municipal. Essas mulheres trouxeram à tona, assim, outra ponto extremamente importante a ser considerado que é a dificuldade de acesso aos serviços odontológicos, tanto públicos quanto particulares para a maior parte da população brasileira: e pagar é muito difícil nem sempre no posto tem o que precisa ; tem quatro canal, mas agora não dá para marcar, é difícil, gasta passe ; atrás de tratamento, onde vai é não . A primeira fala nem sempre no posto tem o que precisa e pagar é muito difícil , revela uma odontologia de mercado, altamente excludente, que não consegue oferecer através do serviço público nem a resolução dos problemas, pois a complexidade destes não permite; nem o acesso, pois não há como atender todas as necessidades de todas as pessoas. Tem quatro canal, mas agora não dá para marcar, é difícil, gasta passe , revela dois lados de uma mesma moeda: a doença cárie e sua determinação social. Afinal, conforme afirma Botazzo (1994) Bocas também podem ser vistas como sinal de classe, estatuto de classe. A cárie dentária é a doença do pobre, das populações periféricas urbanas e rurais, a marca estampada nos sorrisos proletários. Não que estes não tenham outras doenças: mas é que, junto com a doença periodontal, a cárie compõem muito bem o cenário de abandono no qual estão colocados. (p.46). Por tudo isto, além do fato, aqui mais especificamente, da necessidade de quatro tratamentos de canal, que enquanto não tratados podem gerar dores, incômodos e infecção, ainda pela posição social que ocupam dentro da sociedade, essas mulheres

99 pertencentes a camadas mais pobres da população, encontram dificuldades para agendarem sua consulta antes mesmo de chegar na unidade de saúde, pois não dispõem de dinheiro para o transporte. Assim, muitas pessoas são excluídas do acesso à saúde bucal por razões socieconômicas que as impedem de buscá-lo. Somam-se a estes fatos, além de tudo, no caso dessas mulheres, que estão grávidas atrás de tratamento, onde vai é não . Além de nem sempre encontrarem disponíveis os serviços odontológicos de que precisam, de não terem dinheiro para tomar o ônibus até a unidade de saúde, estão grávidas, e por isto muitas vezes são privadas do atendimento odontológico, mesmo quando o buscam, ponto este que será discutido mais profundamente no próximo item. Houve também aquelas gestantes que relacionaram literalmente seus problemas bucais com a gestação : está doendo tudo e não doía antes... ; depois que fiquei grávida caiu duas obturações do meu dente . Estas falas são representativas entre tantas outras de que, muitas vezes consideradas apenas como pura crendice, as mulheres durante a gestação sofrem sim as conseqüências dessa etapa fisiológica na sua saúde bucal. Já neste momento começam a aparecer as dúvidas, crenças, mitos e medos dessas gestantes no que diz respeito à visita ao dentista durante esse período. Dezesseis gestantes explicitaram suas dúvidas no que diz respeito ao tratamento odontológico, sendo que seis delas enfatizaram não saber se devem ou não fazer ou continuar tratamento, dizendo ser melhor ir depois que o bebê nascer .Tal preocupação mais uma vez expressa a condição feminina de mãe, que como tal deve ter sempre como prioridade o filho, em detrimento, inclusive da própria saúde. Frases como: sinto muita dor de dente, e não pode rancar porque estou grávida ; depois que fiquei grávida parei de tratar, não sei se pode ou não ; gestante não pode tratar ou pode? ; tenho que ir ao dentista, e não posso ir agora por causa da gravidez ; tem que fazer obturação mas não estou fazendo agora, só depois . . . ou ia fazer tratamento, aí fiquei grávida evidenciam que crenças e dúvidas com relação à dicotomia saúde bucal/ gestação continuam muito mais presentes que o acesso às informações que tragam esclarecimentos sobre tal assunto. Apenas uma das sessenta e cinco gestantes insatisfeitas com a sua saúde bucal está sob tratamento odontológico. Tal achado permite avançar a idéia de que, mesmo insatisfeitas com a saúde bucal, as gestantes não vêem na busca pelo tratamento a solução para os problemas identificados, mesmo

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útil, revela a representação <strong>de</strong> que é praticamente um privilégio divino não enfrentar<br />

problemas bucais durante a gestação. E mais do que isto, consi<strong>de</strong>ra como inseparáveis<br />

da condição <strong>de</strong> mulher grávida ter problemas bucais, sendo praticamente um milagre<br />

quando isto não acontece.<br />

A insatisfação com a saú<strong>de</strong> bucal para estas 65 mulheres está, <strong>de</strong> um modo<br />

geral, ligada à dor, sangramento gengival, necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratamento endodôntico<br />

(canal), <strong>de</strong>ntes quebrados, aquilo que as mulheres i<strong>de</strong>ntificaram como fraqueza nos<br />

<strong>de</strong>ntes. Apenas cinco das gestantes admitiram que seus problemas bucais<br />

antece<strong>de</strong>ram a gestação, apesar <strong>de</strong> <strong>uma</strong> <strong>de</strong>las ter revelado que seu problema<br />

sangramento gengival agravou-se neste período. No que diz respeito à necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> tratamento endodôntico, as gestantes revelaram ter medo <strong>de</strong> tal tratamento e ter<br />

dificulda<strong>de</strong>s para agendá-lo na re<strong>de</strong> pública municipal. Essas mulheres trouxeram à<br />

tona, assim, outra ponto extremamente importante a ser consi<strong>de</strong>rado que é a<br />

dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso aos serviços odontológicos, tanto públicos quanto particulares<br />

para a maior parte da população brasileira:<br />

e pagar é muito difícil<br />

nem sempre no posto tem o que precisa<br />

; tem quatro canal, mas agora não dá para marcar, é difícil,<br />

gasta passe ; atrás <strong>de</strong> tratamento, on<strong>de</strong> vai é não . A primeira fala nem sempre no<br />

posto tem o que precisa e pagar é muito difícil , revela <strong>uma</strong> odontologia <strong>de</strong> mercado,<br />

altamente exclu<strong>de</strong>nte, que não consegue oferecer através do serviço público nem a<br />

resolução dos problemas, pois a complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes não permite; nem o acesso, pois<br />

não há como aten<strong>de</strong>r todas as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> todas as pessoas.<br />

Tem quatro canal,<br />

mas agora não dá para marcar, é difícil, gasta passe , revela dois lados <strong>de</strong> <strong>uma</strong> mesma<br />

moeda: a doença cárie e sua <strong>de</strong>terminação social. Afinal, conforme afirma Botazzo<br />

(1994)<br />

Bocas também po<strong>de</strong>m ser vistas como sinal <strong>de</strong> classe, estatuto <strong>de</strong><br />

classe. A cárie <strong>de</strong>ntária é a doença do pobre, das populações<br />

periféricas urbanas e rurais, a marca estampada nos sorrisos<br />

proletários. Não que estes não tenham outras doenças: mas é que,<br />

junto com a doença periodontal, a cárie compõem muito bem o cenário<br />

<strong>de</strong> abandono no qual estão colocados. (p.46).<br />

Por tudo isto, além do fato, aqui mais especificamente, da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

quatro tratamentos <strong>de</strong> canal, que enquanto não tratados po<strong>de</strong>m gerar dores, incômodos<br />

e infecção, ainda pela posição social que ocupam <strong>de</strong>ntro da socieda<strong>de</strong>, essas mulheres

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