Melhorar a mandioca e alimentar os pobres - gene conserve
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CIÊNCIA ALIMENTAR<br />
<strong>Melhorar</strong> a Mandioca<br />
CONCEITOS-CHAVE<br />
■ Raízes de <strong>mandioca</strong> são a<br />
principal fonte de calorias<br />
para milhões de pessoas que<br />
vivem n<strong>os</strong> trópic<strong>os</strong>, mas são<br />
<strong>pobres</strong> em proteína, vitaminas<br />
e outr<strong>os</strong> nutrientes.<br />
■ Cientistas criaram variedades<br />
de <strong>mandioca</strong> com valor nutricional<br />
maior, rendimento mais<br />
alto e resistência a pragas e<br />
doenças.<br />
■ Uma combinação de reprodução<br />
tradicional da planta, de<br />
genômica e de técnicas de<br />
biologia molecular poderia<br />
conduzir a mais avanç<strong>os</strong>.<br />
— Os editores<br />
A terceira maior fonte mundial de calorias tem potencial para<br />
se tornar uma cultura mais produtiva e mais nutritiva, reduzindo<br />
a subnutrição em boa parte d<strong>os</strong> países em desenvolvimento<br />
Por Nagib Nassar e Rodomiro Ortiz<br />
A<br />
dieta de mais de 800 milhões de pessoas<br />
não se concentra no trigo nem no milho<br />
ou arroz. Em muit<strong>os</strong> países o principal alimento<br />
consiste em raízes com muito amido de<br />
uma planta que tem nomes como <strong>mandioca</strong>, cassava,<br />
tapioca, macaxeira, aipim ou iúca (que não<br />
deve ser confundida com uma outra, ornamental,<br />
chamada yucca). Na realidade, a <strong>mandioca</strong> contribui<br />
mais para o balanço mundial de calorias do<br />
que qualquer outro alimento, com exceção do arroz<br />
e trigo, o que a torna um recurso praticamente<br />
insubstituível contra a fome.<br />
N<strong>os</strong> países tropicais, as famílias c<strong>os</strong>tumam plantála<br />
em pequenas faixas de terra para consumo próprio,<br />
embora na Ásia e em partes da América Latina a<br />
<strong>mandioca</strong> também seja cultivada comercialmente<br />
para uso como ração animal e produt<strong>os</strong> feit<strong>os</strong> com<br />
amido. O valor nutricional da raiz, contudo, é pobre:<br />
contém pouca proteína, vitaminas ou nutrientes<br />
como o ferro. Por isso, variedades melhoradas da<br />
<strong>mandioca</strong> poderiam reduzir efetivamente a subnutrição<br />
em boa parte d<strong>os</strong> países em desenvolvimento.<br />
Com base nessa promessa, nós dois, n<strong>os</strong>s<strong>os</strong> colegas<br />
da Universidade de Brasília e outr<strong>os</strong> pesquisado-<br />
72 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL Junho 2010<br />
ANDY CRAWFORD Getty Images
e Alimentar <strong>os</strong> Pobres<br />
res estam<strong>os</strong> empenhad<strong>os</strong> em criar variedades mais resistentes,<br />
produtivas e nutritivas e torná-las amplamente<br />
disponíveis para <strong>os</strong> agricultores n<strong>os</strong> países em<br />
desenvolvimento. N<strong>os</strong>sa equipe se concentra em aplicar<br />
técnicas tradicionais de reprodução para formar<br />
híbrid<strong>os</strong> entre a <strong>mandioca</strong> e seus parentes selvagens,<br />
aproveitando as características que evoluíram nas<br />
plantas selvagens ao longo de milhões de an<strong>os</strong>.<br />
Essa abordagem é men<strong>os</strong> dispendi<strong>os</strong>a do que a<br />
engenharia genética e não desperta preocupações<br />
sobre segurança <strong>alimentar</strong> que fazem com que muitas<br />
pessoas sejam reticentes em relação a produt<strong>os</strong><br />
<strong>gene</strong>ticamente modifi cad<strong>os</strong>. Com o mesmo objetivo,<br />
pesquisadores e organizações sem fi ns lucrativ<strong>os</strong><br />
no mundo em desenvolvimento começaram a se interessar<br />
pela questão e produziram variedades de<br />
<strong>mandioca</strong>. A recente conclusão de um esboço do sequenciamento<br />
do genoma da <strong>mandioca</strong> poderá<br />
abrir caminho para mais melhorament<strong>os</strong>.<br />
A planta arbustiforme Manihot esculenta – nome<br />
científi co da <strong>mandioca</strong> – e seus parentes selvagens<br />
do gênero Manihot têm origem no Brasil. Pov<strong>os</strong> indígenas<br />
foram <strong>os</strong> primeir<strong>os</strong> a cultivá-la e navegadores<br />
portugueses levaram-na para a África no século<br />
16. Do continente africano ela se espalhou para a<br />
Ásia tropical, chegando até a Indonésia. A África<br />
produz hoje mais da metade (51%) da safra mundial,<br />
estimada em mais de 200 milhões de toneladas<br />
por ano. América Latina e Ásia colhem 34% e<br />
15%, respectivamente.<br />
As raízes, semelhantes a batatas-doces alongadas,<br />
podem ser comidas cruas, cozidas ou transformadas<br />
em grã<strong>os</strong>, massas ou farinhas. Na África e<br />
algumas partes da Ásia, as pessoas também consomem<br />
as folhas, como hortaliças, que fornecem proteína<br />
– uma folha seca de <strong>mandioca</strong> tem até 32%<br />
de proteína – e vitaminas A e B.<br />
A <strong>mandioca</strong> requer baixo investimento de capital<br />
e trabalho, tolera razoavelmente bem sol<strong>os</strong> sec<strong>os</strong>,<br />
ácid<strong>os</strong> ou inférteis, recupera-se rapidamente de dan<strong>os</strong><br />
causad<strong>os</strong> por pragas ou doenças e é efi ciente na<br />
conversão da energia do sol em car boi drat<strong>os</strong>.<br />
www.sciam.com.br SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 73
[PRODUÇÃO MUNDIAL]<br />
Quem Cultiva?<br />
A <strong>mandioca</strong> é item básico da agricultura de subsistência n<strong>os</strong> trópic<strong>os</strong>, especialmente na África, onde se concentra mais da metade da produção. A planta cresce facilmente<br />
a partir de pequenas mudas, tolerando secas e sol<strong>os</strong> inférteis. Suas raízes são um meio fácil e rápido de obtenção de calorias e podem ser extraídas em qualquer época<br />
do ano. Como o macarrão, pão ou arroz, acompanha uma enorme variedade de prat<strong>os</strong>. Em alguns países também é cultivada para comercialização.<br />
PRODUÇÃO ANUAL DE MANDIOCA<br />
(em toneladas métricas)<br />
Men<strong>os</strong> de 100.000<br />
Entre 100.000 e 1.000.000<br />
Mais de 1.000.000<br />
Na realidade, enquanto a parte comestível<br />
das safras de grã<strong>os</strong> corresponde<br />
no máximo a 35% do peso líquido total<br />
da planta, na <strong>mandioca</strong> esse aproveitamento<br />
é de quase 80%. Além disso, o<br />
plantio da <strong>mandioca</strong> ocorre em qualquer época do<br />
ano e a colheita pode ser p<strong>os</strong>tergada por meses ou até<br />
mesmo um ano. Por isso, <strong>os</strong> camponeses c<strong>os</strong>tumam<br />
deixar algumas plantas na terra como um tipo de seguro<br />
contra uma imprevista escassez de alimento.<br />
Não admira que a planta tenha se transformado na<br />
predileta da agricultura de subsistência em praticamente<br />
toda região onde p<strong>os</strong>sa vingar e seja parte integral<br />
de tradições locais.<br />
O cultivo, no entanto, também apresenta desvantagens.<br />
Ela tem curto período de vida e, se não for<br />
processada, normalmente estraga de um dia para outro.<br />
Além do mais, plantas de <strong>mandioca</strong> em determinada<br />
região tendem a ser <strong>gene</strong>ticamente uniformes, o<br />
que torna as lavouras vulneráveis: uma doença ou<br />
praga que afete uma planta provavelmente vai contaminar<br />
todas. Mas, acima de tudo, a escassez de outr<strong>os</strong><br />
nutrientes, a não ser carboidrat<strong>os</strong>, faz com que<br />
seja arriscado demais depender muito dela.<br />
Um d<strong>os</strong> autores (Nassar) começou a se interessar<br />
em melhorar a <strong>mandioca</strong> quando era um jovem<br />
agrônomo no Egito, sua terra natal. No início d<strong>os</strong><br />
an<strong>os</strong> 70 – época de fome em grande escala na África<br />
subsaariana – visitou o Brasil para estudar a plan-<br />
É PRECISO<br />
MELHORAR<br />
Embora a <strong>mandioca</strong> seja uma fonte<br />
prontamente disponível de calorias<br />
para muita gente n<strong>os</strong> países <strong>pobres</strong>,<br />
a dependência excessiva dela pode<br />
resultar em subnutrição. Trata-se<br />
de uma fonte pobre em proteína,<br />
vitaminas A e E, ferro e zinco. A<br />
planta tem outras defi ciências:<br />
■ É altamente perecível.<br />
■<br />
■<br />
Normalmente é plantada a partir de<br />
mudas, o que resulta em uniformidade<br />
genética e vulnerabilidade a<br />
pragas e doenças.<br />
Se algumas variedades não são<br />
cozidas adequadamente, podem<br />
causar envenenamento por cianureto<br />
e provocar paralisia e morte.<br />
ta em seu ambiente original. Então, decidiu mudarse<br />
para o país, naturalizando-se brasileiro temp<strong>os</strong><br />
depois. Em 1975, na Universidade de Brasília, com<br />
uma pequena subvenção do Centro Internacional<br />
de Desenvolvimento da Pesquisa, do Canadá, ele<br />
começou a reunir uma coleção de plantas vivas de<br />
espécies da Manihot selvagem, que poderiam servir<br />
como uma biblioteca de características úteis passíveis<br />
de ser adicionadas à <strong>mandioca</strong>.<br />
Viajando pelo país, frequentemente a pé ou de bicicleta,<br />
ele coletou espécimes e as levou para Brasília,<br />
onde com seus colaboradores acabou produzindo 35<br />
diferentes espécies. Essa fonte de biodiversidade se<br />
m<strong>os</strong>traria crucial no desenvolvimento de novas variedades,<br />
tanto na universidade como em outr<strong>os</strong> lugares.<br />
Um d<strong>os</strong> primeir<strong>os</strong> resultad<strong>os</strong> alcançad<strong>os</strong> pela<br />
equipe foi a criação, em 1982, de um gênero híbrido<br />
com alto conteúdo de proteína.<br />
Raízes de <strong>mandioca</strong> têm normalmente apenas<br />
1,5% de proteína, enquanto o trigo tem 7% ou<br />
mais. São especialmente defi cientes em aminoácid<strong>os</strong><br />
essenciais sulfurad<strong>os</strong>, tais como metionina, lisina<br />
e cisteína. A nova variedade híbrida tinha até<br />
5% de conteúdo proteico. O governo brasileiro está<br />
agora buscando mei<strong>os</strong> de reduzir a dependência do<br />
74 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL Junho 2010<br />
MAPPING SPECIALISTS; FONTE: FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION (mapa); GETTY IMAGES (amido de tapioca);<br />
CORTESIA DE NEIL PALMER CIAT (tigela com amido de <strong>mandioca</strong>); ANDRE BARANOWSKI Getty Images (yuua cozida)
CORTESIA DE NEIL PALMER CIAT (plantador); CORTESIA DE ANGELA GORGEN (Nassar);<br />
CORTESIA DE CIMMYT CORPORATE COMMUNICATIONS (Ortiz)<br />
país em trigo importado por meio da adição de farinha<br />
de <strong>mandioca</strong> à de trigo. O uso da <strong>mandioca</strong><br />
de maior proteína ajudaria a preservar a dieta diária<br />
de proteína de milhões de brasileir<strong>os</strong>.<br />
A hibridização da <strong>mandioca</strong> com parentes selvagens,<br />
como também a reprodução seletiva de diferentes<br />
variedades da <strong>mandioca</strong>, também pode ajudar<br />
a criar plantas com outr<strong>os</strong> importantes nutrientes.<br />
A equipe de Brasília demonstrou que certas<br />
espécies da Manihot selvagem são ricas em aminoácid<strong>os</strong><br />
essenciais, ferro, zinco e carotenoides como<br />
a luteína, betacaroteno e licopeno. O betacaroteno,<br />
em particular, é uma importante fonte de vitamina<br />
A, cuja falta resulta em progressivo dano à visão –<br />
um problema sério e disseminado nas áreas tropicais<br />
da África, Ásia e América Latina.<br />
Considerando o status da <strong>mandioca</strong> como alimento<br />
essencial n<strong>os</strong> trópic<strong>os</strong>, variedades com alto teor de<br />
carotenoides poderiam contribuir signifi cativamente<br />
para solucionar defi ciências de vitamina A no mundo<br />
em desenvolvimento. N<strong>os</strong> últim<strong>os</strong> três an<strong>os</strong> a equipe<br />
cultivou variedades de <strong>mandioca</strong> altamente produtivas,<br />
contendo até 50 vezes mais betacaroteno do que<br />
uma <strong>mandioca</strong> comum, e está atualmente em fase de<br />
teste dessas variedades com agricultores locais.<br />
Outro grande projeto tem como foco a mudança<br />
do ciclo reprodutivo da planta. O modo comum<br />
de reprodução, por polinização, produz mudas de<br />
tip<strong>os</strong> não idêntic<strong>os</strong> à planta-mãe e frequentemente<br />
com rendimento mais baixo. Por isso, <strong>os</strong> agricultores<br />
c<strong>os</strong>tumam extrair mudas d<strong>os</strong> pés de <strong>mandioca</strong><br />
em vez de plantar sementes. No entanto, a extração<br />
permite que vírus e bactérias contaminem a planta.<br />
Geração após geração <strong>os</strong> microrganism<strong>os</strong> se acumulam,<br />
o que pode acabar prejudicando o rendimento<br />
de uma planta. Como muitas outras angi<strong>os</strong>permas,<br />
certas espécies de Manihot selvagem, incluindo<br />
a maniçoba (M. glaziovii), parente arbórea<br />
da <strong>mandioca</strong>, procriam tanto sexuada como assexuadamente,<br />
e as sementes produzidas assexualmente<br />
se transformam em plantas que nada mais<br />
são que clones da planta-mãe. Em mais de uma década<br />
de esforç<strong>os</strong> concentrad<strong>os</strong> na criação interespécies,<br />
<strong>os</strong> pesquisadores de Brasília obtiveram faz<br />
pouco uma variedade de <strong>mandioca</strong> que pode reproduzir-se<br />
tanto sexualmente como assexualmente,<br />
dando origem a dois tip<strong>os</strong> de sementes, assim como<br />
sua parente selvagem. Assim que nov<strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong><br />
nessa pesquisa estiverem complet<strong>os</strong>, essa variedade<br />
estará pronta para ser distribuída a agricultores.<br />
A maniçoba tem outr<strong>os</strong> <strong>gene</strong>s úteis que podem<br />
ajudar a <strong>alimentar</strong> milhões de pessoas vivendo em<br />
terras áridas. Um híbrido da maniçoba com a <strong>mandioca</strong><br />
típica revela dois tip<strong>os</strong> de raízes. Algumas,<br />
como aquelas na <strong>mandioca</strong>, se enchem de amido e<br />
[OS AUTORES]<br />
Nagib Nassar é natural do Cairo e<br />
tem Ph.D. em genética pela Universidade<br />
de Alexandria, no Egito. Faz<br />
pesquisas com <strong>mandioca</strong> desde<br />
1975 pela Universidade de Brasília,<br />
criando variedades que vêm sendo<br />
adotadas por agricultores no Brasil<br />
e exportadas para a África. Rodomiro<br />
Ortiz nasceu em Lima, Peru. É<br />
Ph.D. em reprodução de plantas e<br />
genética pela University of Wisconsin-Madison<br />
e ex-diretor de mobilização<br />
de recurs<strong>os</strong> do Centro Internacional<br />
de Aperfeiçoamento do Trigo<br />
e Milho, em Texcoco, México.<br />
são comestíveis. O segundo tipo de raiz penetra<br />
mais no solo, podendo alcançar fontes de água<br />
mais profundas. Essas características colocam <strong>os</strong><br />
híbrid<strong>os</strong> entre as melhores variedades de <strong>mandioca</strong><br />
para uso em regiões semiáridas, como o Nordeste<br />
do Brasil, ou certas partes das regiões de savana<br />
na África subsaariana.<br />
A equipe está agora melhorando esses híbrid<strong>os</strong><br />
para combinar alto rendimento e tolerância à seca<br />
por meio do retrocruzamento delas com uma variedade<br />
produtiva de <strong>mandioca</strong>.<br />
Um tipo diferente de manipulação – a consagrada<br />
técnica do enxerto – é uma outra maneira de elevar<br />
o rendimento de raízes tuber<strong>os</strong>as da <strong>mandioca</strong>,<br />
como descobriram pela primeira vez agricultores indonési<strong>os</strong><br />
n<strong>os</strong> an<strong>os</strong> 50. Tal<strong>os</strong> de enxert<strong>os</strong> de espécies<br />
da maniçoba (como a M. glaziovii ou M. pseudoglaziovii,<br />
ou híbrid<strong>os</strong> das duas) em linhagens de<br />
<strong>mandioca</strong> aumentaram até em sete vezes a produção<br />
de raízes em canteir<strong>os</strong> de testes. Infelizmente, em<br />
muit<strong>os</strong> países a prática do enxerto é difi cultada por<br />
falta de disponibilidade desses híbrid<strong>os</strong>.<br />
AGRICULTOR EXAMINA cultivo, em Huila, n<strong>os</strong> Andes colombian<strong>os</strong>.<br />
www.sciam.com.br SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 75
[REPRODUÇÃO CONVENCIONAL]<br />
COMO FUNCIONA A<br />
REPRODUÇÃO COM O USO DE<br />
MARCADORES<br />
●1 São identifi cad<strong>os</strong> marcadores genétic<strong>os</strong><br />
para as características desejadas na<br />
<strong>mandioca</strong> e em uma espécie selvagem<br />
(o ponto colorido signifi ca que o<br />
marcador está presente).<br />
Produtiva<br />
Muito calórica<br />
Palatável<br />
Resistente a vírus<br />
Muita proteína<br />
●2 Cruzam-se e testam-se <strong>gene</strong>ticamente<br />
mudas para as<br />
características relevantes. Cada<br />
muda terá uma combinação ao<br />
acaso de características.<br />
●3 É criada uma planta a partir<br />
da muda híbrida mais<br />
desejável e reproduzida<br />
novamente com a <strong>mandioca</strong>.<br />
●4 As mudas resultantes são<br />
testadas <strong>gene</strong>ticamente: algumas<br />
podem ter todas as características<br />
desejáveis. (A reprodução<br />
poderá ser repetida por múltiplas<br />
gerações até que a característica<br />
certa seja obtida.)<br />
O Antigo Encontra<br />
o Moderno<br />
Parentes selvagens da <strong>mandioca</strong>, incluindo a arbustiforme<br />
maniçoba Manihot glaziovii (à esquerda), c<strong>os</strong>tumam<br />
apresentar características que benefi ciariam a safra, mas<br />
não têm muitas outras também necessárias, encontradas<br />
nas espécies domesticadas. Na consagrada técnica<br />
de retrocruzamento, <strong>os</strong> reprodutores obtêm a combinação<br />
certa de todas as características ao produzir muitas<br />
gerações de híbrid<strong>os</strong>, muitas vezes com o auxílio de<br />
modernas ferramentas, tais como marcadores genétic<strong>os</strong>,<br />
<strong>os</strong> quais revelam a presença de determinada característica<br />
de uma muda sem a necessidade de cultivá-la.<br />
Mandioca<br />
Mandioca<br />
Muda com todas as características desejáveis<br />
Características<br />
genéticas nas<br />
mudas<br />
Híbrido<br />
Parente selvagem<br />
Produtiva<br />
Muito calórica<br />
Palatável<br />
Resistente a vírus<br />
Muita proteína<br />
Seguro contra Pragas<br />
Além de ampliar a produção e nutrição, a reprodução<br />
seletiva e o cruzamento com espécies selvagens têm<br />
sido cruciais para contra-atacar a disseminação de<br />
pregas e doenças. <strong>Melhorar</strong> a resistência ao vírus<br />
m<strong>os</strong>aico africano da <strong>mandioca</strong> é uma das mais importantes<br />
conquistas na ciência da <strong>mandioca</strong>. N<strong>os</strong> an<strong>os</strong><br />
20, a disseminação do m<strong>os</strong>aico africano no território<br />
da Tanganica (atualmente, Tanzânia), no leste da<br />
África, desencadeou a fome. Dois cientistas ingleses,<br />
trabalhando na Tanzânia, hibridizaram a <strong>mandioca</strong><br />
com a maniçoba, salvando a colheita depois de quase<br />
sete an<strong>os</strong> de esforç<strong>os</strong>.<br />
N<strong>os</strong> an<strong>os</strong> 70, o vírus do m<strong>os</strong>aico retornou e<br />
ameaçou áreas na Nigéria e no Zaire (atual República<br />
Democrática do Congo-RDC). Pesquisadores<br />
do Instituto Internacional de Agricultura Tropical,<br />
na Nigéria, usaram a maniçoba e seus híbrid<strong>os</strong> originári<strong>os</strong><br />
da coleção da Universidade de Brasília e<br />
novamente produziram uma <strong>mandioca</strong> resistente<br />
ao m<strong>os</strong>aico. Aquela variedade recém-criada deu<br />
lugar a uma família de variedades resistentes ao<br />
vírus do m<strong>os</strong>aico, agora cultivadas em mais de 4<br />
milhões de hectares na África subsaariana. Nas<br />
décadas que transcorreram, a Nigéria se tornou o<br />
maior produtor mundial de <strong>mandioca</strong>. Ainda assim,<br />
<strong>os</strong> vírus passam por frequentes mutações genéticas e<br />
algum dia novas cepas do m<strong>os</strong>aico provavelmente<br />
romperão as linhas de resistência das variedades da<br />
<strong>mandioca</strong>. Por essa razão, um trabalho preventivo de<br />
reprodução de plantas será sempre necessário para<br />
fi car à frente da doença. A cochonilha da <strong>mandioca</strong><br />
(Phenacoccus manihoti) é uma das pragas mais virulentas<br />
que ataca esse cultivo na África subsaariana.<br />
Esse inseto, que mata as plantas ao sugar a linfa, foi<br />
especialmente devastador na década de 70 e começo<br />
d<strong>os</strong> an<strong>os</strong> 80. Destruiu plantações e viveir<strong>os</strong> em tal proporção<br />
que a produção praticamente parou. Perto do<br />
fi m d<strong>os</strong> an<strong>os</strong> 70, o instituto nigeriano e pesquisadores<br />
parceir<strong>os</strong> de outras partes da África e América do Sul<br />
introduziram uma vespa predadora da América do<br />
Sul que dep<strong>os</strong>ita ov<strong>os</strong> em cochonilhas da <strong>mandioca</strong>,<br />
de modo que a larva da vespa acabasse devorando a<br />
cochonilha a partir de seu interior. Como resultado<br />
desse esforço, a cochonilha da <strong>mandioca</strong> foi detida na<br />
maioria das áreas produtoras da planta na África em<br />
boa parte d<strong>os</strong> an<strong>os</strong> 80 e ao longo d<strong>os</strong> an<strong>os</strong> 90. Em<br />
algumas pequenas áreas do Zaire esse sistema não<br />
funcionou bem por causa de um aumento d<strong>os</strong> própri<strong>os</strong><br />
predadores da vespa parasita.<br />
Em mead<strong>os</strong> da década passada, a equipe de Brasília<br />
procurou espécies selvagens da Manihot para uma<br />
solução confi ável para esse problema e encontrou<br />
características de resistência à cochonilha – e novamente<br />
em uma maniçoba. Variedades resistentes à<br />
76 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL Junho 2010<br />
JESSICA HUPPI (ilustrações); CORTESIA DE FOREST E KIM STARR (fotografi a)
CORTESIA DE SHANTHA J. R. PIERIS<br />
[MANDIOCA GENETICAMENTE MODIFICADA]<br />
O Caminho Biotecnológico<br />
A<br />
engenharia genética, agora amplamente adotada na agricultura d<strong>os</strong><br />
Estad<strong>os</strong> Unid<strong>os</strong>, está começando a m<strong>os</strong>trar resultad<strong>os</strong> também na mandio-<br />
Peter Beyer, da Universidade de Freiburg, na Alemanha, qualifi ca como avanço<br />
importante as conquistas do BioCassava Plus. Mas acrescenta: “O passo daqui<br />
ca. Mas é improvável que versões <strong>gene</strong>ticamente modifi cadas estejam disponí- até o produto, contudo, ainda é d<strong>os</strong> grandes”. Beyer deve saber: o “arroz douraveis<br />
em larga escala em breve, e há quem tema que o fi nanciamento da pesquido”, rico em betacaroteno, que ele e seus colegas foram <strong>os</strong> primeir<strong>os</strong> a anunciar<br />
sa não esteja sendo direcionado para métod<strong>os</strong> tradicionais, mais barat<strong>os</strong>, de em 2000, ganhando a capa da revista Time, somente agora está perto da aprova-<br />
desenvolvimento de novas variedades.<br />
ção em vári<strong>os</strong> países.<br />
Grandes avanç<strong>os</strong> surgem de um trabalho de<br />
Engendrar nov<strong>os</strong> organism<strong>os</strong><br />
cooperação internacional chamado BioCassava<br />
pode ser rápido, ele observa, mas<br />
Plus. O grupo criou variedades de <strong>mandioca</strong><br />
demonstrar que eles são segur<strong>os</strong><br />
ricas em zinco, ferro, proteína, betacaroteno<br />
para o ambiente e o consumo e<br />
(uma fonte de vitamina A) e vitamina E por<br />
reproduzi-l<strong>os</strong> como variedades que<br />
meio do uso de <strong>gene</strong>s de outr<strong>os</strong> organism<strong>os</strong> –<br />
sejam palatáveis para g<strong>os</strong>t<strong>os</strong> locais<br />
incluindo alga, bactéria e outras plantas.<br />
não é: de 10 a 12 an<strong>os</strong> é a norma.<br />
“Nós atingim<strong>os</strong> n<strong>os</strong>sa meta”, diz Richard<br />
“Os reguladores simplesmente não<br />
Sayre, principal pesquisador do BioCassava<br />
permitem que você proceda de<br />
Plus, do Centro de Ciência da Planta Donald<br />
modo tão rápido como com uma<br />
Danforth, em St. Louis. Todas as novas varie-<br />
variedade que tenha sido criada por<br />
dades transgênicas são agora experiment<strong>os</strong><br />
método tradicional”, diz Beyer. Além<br />
de campo em canteir<strong>os</strong> de teste em Porto<br />
de não ser necessariamente mais<br />
Rico, e o programa recebeu sinal verde para SEMENTES TRABALHADAS em laboratório.<br />
rápida que a reprodução convencio-<br />
iniciar experiment<strong>os</strong> de campo na Nigéria. A<br />
nal, a engenharia genética é muito<br />
reprodução tradicional pode proporcionar<br />
mais cara e, às vezes, <strong>gene</strong>s que<br />
betacaroteno à <strong>mandioca</strong>, diz ele, mas, quanto a ferro e zinco, somente a funcionam bem em um organismo não se saem tão bem em outro.<br />
engenharia genética obteve resultad<strong>os</strong> até agora.<br />
“Muita gente parece ter tomado uma bebida que <strong>os</strong> faz acreditar em tudo”,<br />
Enquanto isso, a equipe de Sayre está trabalhando na combinação de todas as diz Doug Gurian-Sherman, da União d<strong>os</strong> Cientistas Preocupad<strong>os</strong>, referindo-se à<br />
novas características em uma única variedade. O projeto é fi nanciado pela Funda- promessa da engenharia genética. Consequentemente, ela tende a obter uma<br />
ção Bill & Melinda Gates e pela Monsanto (o apoio da Monsanto veio com condi- quantia desproporcional de fi nanciamento à pesquisa. “Acho que colocar tod<strong>os</strong> <strong>os</strong><br />
ções imp<strong>os</strong>tas: a corporação se reserva o direito de cobrar pelo uso das variedades seus ov<strong>os</strong> em uma cesta é um enorme erro”, comenta ele, acrescentando que<br />
se a renda bruta do agricultor exceder US$ 10 mil por ano).<br />
agências públicas de fi nanciamento deveriam ajudar a restabelecer um equilíbrio.<br />
– Davide Castelvecchi, editor<br />
cochonilha estão sendo agora cultivadas por pequen<strong>os</strong><br />
agricultores na região do entorno de Brasília e<br />
podem ser exportadas para outr<strong>os</strong> países no caso de<br />
essa praga retornar.<br />
Olhando para a frente, antevem<strong>os</strong> que características<br />
novas, vali<strong>os</strong>as podem surgir da criação de quimeras.<br />
Uma quimera é um organismo com dois ou<br />
mais tecid<strong>os</strong> distint<strong>os</strong> <strong>gene</strong>ticamente crescendo dentro<br />
de si. Há dois tip<strong>os</strong> principais de quimeras.<br />
Em quimeras setoriais, dois diferentes setores longitudinais<br />
de tecido são visíveis em um órgão da planta,<br />
mas seu crescimento não é estável porque um d<strong>os</strong><br />
tecid<strong>os</strong> cresce mais rápido do que o outro e pode, em<br />
breve, ocupar o rebento inteiro. No segundo tipo de<br />
quimera, chamado periclinal, a parte externa do<br />
rebento cerca a parte interna e pode ser mais estável<br />
do que uma quimera setorial.<br />
Estão sendo realizadas experiências em Brasília<br />
para desenvolver um método de enxerto que produzirá<br />
quimeras periclinais estáveis usando tecid<strong>os</strong> da<br />
maniçoba. Tal abordagem pode conduzir à contínua<br />
expansão da raiz toda vez que um talo de quimera for<br />
plantado. Até agora as quimeras vêm m<strong>os</strong>trando produtividade<br />
promissora e parecem adaptar-se especial-<br />
mente bem a áreas semiáridas. A <strong>mandioca</strong> deveria<br />
ter alta prioridade na ciência agrícola, mas tradicionalmente<br />
não tem sido assim.<br />
Somente alguns laboratóri<strong>os</strong> de pesquisa estuda<br />
essa planta, talvez por ser cultivada n<strong>os</strong> trópic<strong>os</strong>, longe<br />
d<strong>os</strong> lugares onde a maioria d<strong>os</strong> cientistas do mundo<br />
desenvolvido trabalha. Essa carência de investimento<br />
em pesquisa faz com que a média anual de<br />
produção na América Central e do Sul e na África não<br />
supere 14 toneladas por hectare, mesmo que estud<strong>os</strong><br />
de campo tenham demonstrado que, com algumas<br />
melhorias, a <strong>mandioca</strong> poderia ter uma fertilidade<br />
quatro vezes maior.<br />
O sequenciamento do genoma da <strong>mandioca</strong>, que<br />
está agora em seu primeiro esboço publicado, vai<br />
provavelmente dar impulso ao desenvolvimento da<br />
<strong>mandioca</strong> transgênica. Vai também ajudar programas<br />
convencionais de reprodução seletiva por meio<br />
de uma técnica que consiste em informação recolhida<br />
de análise genética para guiar a reprodução de<br />
características desejadas. Estabelecer uma rede mundial<br />
para coordenar esforç<strong>os</strong> de todas as instituições<br />
que realizam experiências com <strong>mandioca</strong> vai assegurar<br />
que o potencial desse cultivo não seja jogado fora. ■<br />
PARA<br />
CONHECER MAIS<br />
De volta para o futuro d<strong>os</strong> cereais.<br />
Stephen A. Goff e John M. Salmeron,<br />
em SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL, setembro<br />
de 2004, edição 28.<br />
Agricultura do futuro: um retorno<br />
às raízes?. Jerry D. Glover, Cindy M.<br />
Cox e John P. Reganold, em SCIENTIFIC<br />
AMERICAN BRASIL, setembro de 2007,<br />
edição 64.<br />
Failure to yield: evaluating the performance<br />
of <strong>gene</strong>tically engineered<br />
crops. Doug Gurian-Sherman. União<br />
d<strong>os</strong> Cientistas Preocupad<strong>os</strong>, 2009. Disponível<br />
em www.ucsusa.org/<br />
food_and_agriculture<br />
www.sciam.com.br SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 77<br />
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