Leia mais... - De Sambas e Congadas
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trumentos musicais utilizados. O cortejo simples<br />
com música e dança sem a presença de dramatizações<br />
é modelo realizado pela maioria das <strong>Congadas</strong>,<br />
que se encontram em eventos de devoção<br />
a santos católicos, sobretudo em festas dedicadas<br />
a São Benedito e ao Divino Espírito Santo. Já<br />
outras organizações realizam celebrações com a<br />
presença de representações de lutas entre nações<br />
africanas, com dramatizações relacionadas às lutas<br />
entre mouros e cristãos, com influência da figura<br />
de Carlos Magno e os Doze Pares de França.<br />
No litoral paulista, encontramos duas <strong>Congadas</strong><br />
que se configuram com estes traços, nas cidades<br />
de Ilhabela e São Sebastião. Importante notar os<br />
instrumentos musicais utilizadas por estas duas<br />
<strong>Congadas</strong>: os tambaques (atabaques) e a marimba,<br />
sendo este último um instrumento de origem<br />
banto, composto por teclas de madeira percutidas<br />
com baquetas.<br />
Em pesquisa realizada por Rossini Tavares<br />
de Lima e sua equipe (1968) foram observadas<br />
as <strong>Congadas</strong> do litoral de São Paulo. Nesta ocasião,<br />
o autor encontrou esta configuração dramática<br />
e instrumental nas festividades de coroação<br />
do rei Congo nas localidades de São Sebastião e<br />
Caraguatatuba, assim como mencionou a presença<br />
desta manifestação também na cidade de Ilhabela.<br />
Neste trabalho, Lima estudou alguns aspectos<br />
interessantes que nos ajudam na compreensão<br />
das <strong>Congadas</strong> a partir do século XX. Um destes é<br />
a percepção da igreja católica na região em relação<br />
a estes folguedos, a condenação da Congada<br />
por parte da instituição, que não proibia a manifestação,<br />
mas a tolerava com ressalvas. Um dos<br />
motivos para esta ação da igreja era a presença de<br />
referências culturais africanas, como parte da indumentária,<br />
o uso de miçangas, lado a lado com<br />
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imagens dos santos católicos e de referências deste<br />
universo religioso. Esta modalidade de <strong>Congadas</strong><br />
que outrora esteve presente também na cidade<br />
de Caraguatatuba é celebrada nos dias atuais<br />
no território paulista apenas das localidades de<br />
São Sebastião e Ilhabela. Há que se ressaltar que<br />
o uso da marimba no festejo ocorre apenas nestas<br />
cidades e também em raras <strong>Congadas</strong> mineiras<br />
(DIAS, 2003).<br />
Nos eventos e festas dedicadas a São Benedito,<br />
assim como nas festas dedicadas ao Divino,<br />
o que podemos notar é uma diversidade de<br />
cores, de adereços cuidadosamente elaborados,<br />
beleza artística que nos enche os olhos e emociona.<br />
São organizações complexas, dinâmicas, cuja<br />
organização demanda tempo e muitos gastos financeiros,<br />
considerando também as constantes<br />
viagens realizadas por estes grupos em festividades<br />
religiosas ocorridas em diferentes cidades.<br />
Então, quais são as razões pelas quais uma<br />
Congada, e seus mestres, capitães, reis e de<strong>mais</strong><br />
congueiros e congueiras mantêm estas organizações?<br />
O autor Carlos Rodrigues Brandão (1985)<br />
nos apresenta argumentos que contribuem para o<br />
entendimento das razões que motivam estes congueiros/devotos<br />
a participarem ativamente das<br />
atividades de seus grupos. O fator primordial capaz<br />
de justificar a participação destas pessoas em<br />
suas <strong>Congadas</strong> é a devoção, os acontecimentos e<br />
crenças pessoais que já ocorreram entre o então<br />
devoto e o santo padroeiro, ou seja, seu santo de<br />
devoção. Compartilhamos com o autor que a participação<br />
na Congada se dá devido a uma relação<br />
contratual entre o devoto e o santo, muitas vezes<br />
a um voto feito ao santo, que faz com que o ‘brincador’<br />
seja um congueiro pelo resto da vida. O<br />
devoto acredita, assim, ser amparado e auxiliado<br />
pessoalmente pelo seu santo de devoção. Nesta<br />
relação contratual entre devoto e santo, todo o<br />
festejo relacionado à Congada é percebido como<br />
eficaz ritualmente. A dança atualiza o compromisso<br />
da promessa, é condição para o alcance do<br />
milagre, da “graça”, como dizem alguns devotos.<br />
<strong>De</strong>ssa maneira, a promessa também é cumprida<br />
por meio da participação deste congueiro/devoto<br />
na Congada.<br />
As <strong>Congadas</strong> fazem parte do universo do<br />
chamado catolicismo popular, que acontece na<br />
rua, de modo autônomo, sem interferência direta<br />
da igreja católica. Portanto, conflitos não podem<br />
ser descartados nas relações estabelecidos entre<br />
o poder religioso e as celebrações da Congada,<br />
sobretudo no âmbito étnico social. Brandão observou<br />
conflitos desta natureza motivados pela<br />
presença de elementos religiosos de influência<br />
africana no festejo, bem como, por discriminação<br />
racial, presente tanto no discurso, quanto nas<br />
ações de parte da população na localidade obser-