Essas Mulheres - Isis Baião - Cia. Atelie das Artes

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28.04.2013 Views

O TEMPO PASSA. 2º MOVIMENTO - A MATURIDADE SHE ESTÁ COM 42 ANOS E SOZINHA. AO SEU LADO, "APOLO", QUE JÁ NÃO É UM "POODLE", MAS UM CÃO DE GRANDE PORTE. ELA ESTÁ AO TELEFONE E FALA DE MANEIRA AFETADA. SHE - "Oh! Como és tola, Olga! Amo. Era o meu destino... Já estava escrito... E ele também me ama. Assusta, não é verdade? Não está certo, não é isso? Minha querida! Se pudéssemos saber como vamos viver nossa vida, o que será feito de nós... Quando lemos um romance, tudo nos parece tão fácil, tão claro... Mas basta que nós mesmos amemos, para vermos que ninguém sabe nada e que cada um deve decidir por si..." (AFASTA O FONE DO OUVIDO) Ai, como está falso! Não consigo sentir este texto! Mas também que idéia, ensaiar Tchekhov ao telefone! (LARGA O TELEFONE) (TENTA UM NOVO TOM) "Oh! Como és tola, Olga! Amo. (NT) Amo. (NT) Amo... TOCA O TELEFONE. ELA O ATENDE. SHE - Alô... Tudo bem, Alfredo? (...) Eu? Estou ótima! (...) Hum-rum... sei, sei... (PARA O CACHORRO) Ele se queixa do nosso filho. (AO TELEFONE) Falo sim, falo com ele. (...) Claro, não é carreira que dê futuro, eu sei... muito menos neste país. (PRO CACHORRO) O menino quer ser ator! (AO TELEFONE) Tentarei convencê-lo, sem dúvida. (...) Mamãe? Está ótima, a esclerose faz bem a ela. Acha tudo um barato, às vezes diz palavrão demais! (RI) Ah, sabe quem foi ontem ao teatro? Aquele teu amigo - como é mesmo o nome dele? Aquele, de barba. Meu Deus, ele foi falar comigo no camarim e não o reconhecí! Ele implantou um chumaço de cabelo na careca! Tá tão engraçado! (...) O que? Você também tá ficando careca? (ENFIA A MÃO NOS CABELOS) Sabe que meu cabelo anda caindo loucamente? Como é o nome do xampu? Espera, vou anotar. (PEGA CANETA E PAPEL) Não sei onde botei os meus óculos. Apolo, você andou escondendo os meus óculos? (ACHA TRÊS ÓCULOS NUMA GAVETA. ATRAPALHA-SE. COLOCA UM DELES) Xampu de que? (ANOTA) E no mais, tudo bem? (...) Dor nas juntas? Alfredo, você está ficando velho? (...) (RI) Ah, o "fundamental" ainda funciona bem! Menos mal. (...) Quero, chame ele. (PRO CACHORRO) É o meu filho. (AO TELEFONE) Filhinho, quando que você vem ver sua mãe? (...) Não admito que você fale desse jeito comigo, Alfredinho! (NOVAMENTE TERNA) Meu filho, precisamos conversar sobre o seu futuro. Teatro não é carreira segura para um homem... (À PARTE) Ai, meu Deus, falei igualzinho à 10

minha mãe! (AO TELEFONE) Não grite, Alfredinho! Tudo bem, se é isso que você quer... bom, vamos conversar primeiro, tá legal? Passe no teatro hoje , vamos sair pra jantar juntos. (...) Sem "entourage", só nós dois, prometo. Ciao, filhinho. (POUSA O FONE NO APARELHO. PERPLEXA) "Ciao, velha", ele disse! Ciao, velha! RECOMEÇA A ENSAIAR O TEXTO, SEM CONSEGUIR O TOM ADEQUADO. SHE - "Oh! Como és tola, Olga! Amo. Era meu destino... Já estava escrito... "(TENTA UM OUTRO TOM) Amo. Era meu destino... " Que merda! Devo estar sem voz. (FAZ UM EXERCÍCIO DE VOZ) (NUMA NOVA INTERPRETAÇÃO, AINDA PIOR) "Oh! Como és tola, Olga! Amo. Era meu destino... Amo..." (SÚBITO, ANGUSTIADA, PENSANDO ALTO) Eu já não sei dizer um texto de amor?... Será que... a fonte secou? De repente, o vazio... aquela falta de resposta nas cordas da emoção... as cordas afrouxaram e soam surdas ao toque dos dedos... Há quem acabe assim...(FALANDO PARA O PÚBLICO) Não, isto não pode estar acontecendo comigo. Sempre fui, sou e serei uma mulher vibrante. É isto que faz de mim uma atriz! Mas, então, o que está acontecendo comigo? BOCA DA MÃE - É falta de homem, minha filha! Case-se que passa. SHE - Ah, mamãe, mamãe! Casar?, nem morta! Quero morrer solteira! Não quero nenhum homem segurando a alça do meu caixão! (REFLETE) É bem verdade que nessa matéria não tenho o menor caráter. Da última vez em que jurei não mais me casar, 24 horas depois havia uma segunda escova de dentes no meu banheiro. É, mas agora mudei. A gente precisa ter uma visão dinâmica de si mesma... a vida é movimento, mutação constante... a gente muda, muda sempre... (COM MAIS ÊNFASE) Tem que mudar. Não pode ficar se despedaçando por aí. Três casamentos arrebentados, é demais! Claro que tiveram coisas lindas. Não me arrependo. Mas não precisava aquele desgaste, aquele "barraco" todo. Sabe, sinto que fui deixando pedacinhos importantes de mim nessa trajetória conjugal! É, com o primeiro, She, você deixou os sonhos de amor eterno! Com o segundo, o que restava de suas ilusões! E com o terceiro? Ah, com o terceiro... você quase perde a dignidade e perdeu um dente.(DÁ UMA RISADA). Estávamos jantando num restaurante chiquérrimo e entediados, como qualquer casal normal. De repente, aquele osso na boca! Tinha osso no filé?, mas que absurdo!, grito pro garçon, que se desmancha em desculpas, enquanto eu saco da boca a arma do crime. Não era osso, era o meu canino! (GRITA) Ronaldo, a culpa é sua! (À PARTE) Ronaldo era dentista. (PAUSA) Mas valeu a pena! A gente se perde, mas se acha, não é mesmo? Gosto de me perder... Quando me reencontro, tenho novidades. Vou me perder sempre... só quero mudar o estilo! Um quarto casamento, não, beira o desfrute! Não é, Apolo? Vamos dar uma volta. 11

minha mãe! (AO TELEFONE) Não grite, Alfredinho! Tudo bem, se é isso que você<br />

quer... bom, vamos conversar primeiro, tá legal? Passe no teatro hoje , vamos sair pra<br />

jantar juntos. (...) Sem "entourage", só nós dois, prometo. <strong>Cia</strong>o, filhinho. (POUSA O<br />

FONE NO APARELHO. PERPLEXA) "<strong>Cia</strong>o, velha", ele disse! <strong>Cia</strong>o, velha!<br />

RECOMEÇA A ENSAIAR O TEXTO, SEM CONSEGUIR O TOM ADEQUADO.<br />

SHE - "Oh! Como és tola, Olga! Amo. Era meu destino... Já estava escrito... "(TENTA<br />

UM OUTRO TOM) Amo. Era meu destino... " Que merda! Devo estar sem voz. (FAZ<br />

UM EXERCÍCIO DE VOZ) (NUMA NOVA INTERPRETAÇÃO, AINDA PIOR) "Oh!<br />

Como és tola, Olga! Amo. Era meu destino... Amo..." (SÚBITO, ANGUSTIADA,<br />

PENSANDO ALTO) Eu já não sei dizer um texto de amor?... Será que... a fonte secou?<br />

De repente, o vazio... aquela falta de resposta nas cor<strong>das</strong> da emoção... as cor<strong>das</strong><br />

afrouxaram e soam sur<strong>das</strong> ao toque dos dedos... Há quem acabe assim...(FALANDO<br />

PARA O PÚBLICO) Não, isto não pode estar acontecendo comigo. Sempre fui, sou e<br />

serei uma mulher vibrante. É isto que faz de mim uma atriz! Mas, então, o que está<br />

acontecendo comigo?<br />

BOCA DA MÃE - É falta de homem, minha filha! Case-se que passa.<br />

SHE - Ah, mamãe, mamãe! Casar?, nem morta! Quero morrer solteira! Não quero<br />

nenhum homem segurando a alça do meu caixão! (REFLETE) É bem verdade que nessa<br />

matéria não tenho o menor caráter. Da última vez em que jurei não mais me casar, 24<br />

horas depois havia uma segunda escova de dentes no meu banheiro. É, mas agora<br />

mudei. A gente precisa ter uma visão dinâmica de si mesma... a vida é movimento,<br />

mutação constante... a gente muda, muda sempre... (COM MAIS ÊNFASE) Tem que<br />

mudar. Não pode ficar se despedaçando por aí. Três casamentos arrebentados, é demais!<br />

Claro que tiveram coisas lin<strong>das</strong>. Não me arrependo. Mas não precisava aquele desgaste,<br />

aquele "barraco" todo. Sabe, sinto que fui deixando pedacinhos importantes de mim<br />

nessa trajetória conjugal! É, com o primeiro, She, você deixou os sonhos de amor<br />

eterno! Com o segundo, o que restava de suas ilusões! E com o terceiro? Ah, com o<br />

terceiro... você quase perde a dignidade e perdeu um dente.(DÁ UMA RISADA).<br />

Estávamos jantando num restaurante chiquérrimo e entediados, como qualquer casal<br />

normal. De repente, aquele osso na boca! Tinha osso no filé?, mas que absurdo!, grito<br />

pro garçon, que se desmancha em desculpas, enquanto eu saco da boca a arma do crime.<br />

Não era osso, era o meu canino! (GRITA) Ronaldo, a culpa é sua! (À PARTE) Ronaldo<br />

era dentista. (PAUSA) Mas valeu a pena! A gente se perde, mas se acha, não é mesmo?<br />

Gosto de me perder... Quando me reencontro, tenho novidades. Vou me perder sempre...<br />

só quero mudar o estilo! Um quarto casamento, não, beira o desfrute! Não é, Apolo?<br />

Vamos dar uma volta.<br />

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