UM DESFILE ATÉ AO TOPO - Diário Económico - Sapo
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CARLOS RAMOS<br />
RITA IBÉRICO NOGUEIR A<br />
rita.nogueira@economico.pt<br />
MODA, CHINA E <strong>UM</strong> BLOG<br />
á se sabiam algumas coisas sobre Eduarda<br />
Abbondanza. Que já tinha sido ‘designer’ de<br />
moda. Que tem espírito combativo, pois há<br />
20 anos que consegue organizar duas ‘fashion<br />
weeks’ anuais com recurso a enormes acrobacias<br />
fi nanceiras. Que nutre um ódio de estimação<br />
por Carmona Rodrigues, responsável<br />
por, durante uns anos, transformar a ModaLisboa em ModaCascais.<br />
Que nunca digeriu muito bem a chegada de concorrência<br />
mais a norte, o PortugalFashion. Que tem nome de<br />
opulência e um visual ‘avant-garde’. É o que se pede quando a<br />
ideia é estar na moda. E ela está. Há 20 anos. Na verdade, trouxe-a<br />
para Lisboa. Espalhou-a aos quatro ventos. Reinventou-<br />
-a, revolucionou-a. Deu-lhe uma casa, ainda que itinerante, e<br />
abriu as portas aos criadores, para que ali pudessem mostrar<br />
aquilo de que são capazes. Uma espécie de fábrica, como a<br />
‘factory’ que Andy Warhol criou nos anos 60, para receber e<br />
descobrir novos talentos no mundo da arte.<br />
A moda, em Lisboa, é Eduarda Abbondanza. A força criadora,<br />
organizadora, fundadora, continuadora. Se Ana Salazar é a<br />
“mãe” da moda portuguesa, Abbondanza, com a sua Moda-<br />
-Lisboa, só pode ser a irmã. Aquela irmã rebelde, à frente no<br />
seu tempo, movida por uma vontade de ferro e pela convicção<br />
de que este é o caminho certo. E assim a ModaLisboa atingiu<br />
a maioridade. Já fez 20 anos, na verdade. E, salvo alguns percalços,<br />
foi sobrevivendo às peripécias do mundo. Desporto,<br />
política, economia, cultura, a própria moda, foram-lhe servindo<br />
de inspiração em temas e em colecções.<br />
Já não apanhou o Muro de Berlim de pé, mas assistiu ao fi m<br />
da URSS e à primeira guerra do Golfo. Viu nascer o Tratado<br />
de Maastricht e acompanhou, com um misto de interesse e<br />
diversão, a passagem de Bill Clinton pela Casa Branca. Divertiu-se<br />
ainda mais com as ‘gaffes’ de George W. Bush. Viu<br />
nascer o CCB e morrer Ayrton Senna, Marlon Brando, Ray<br />
Charles, Kurt Cobain, Frank Sinatra, Michael Jackson, Amália<br />
Rodrigues, Alexander McQueen, Gianni Versace, a Princesa<br />
Diana e Audrey Hepburn, todos, ao seu estilo, ícones de<br />
moda. Ouviu as buzinadelas na ponte 25 de Abril, assistiu à<br />
loucura das vacas, ao nascimento e morte de uma ovelha clonada,<br />
e viu ser eleito o primeiro presidente negro na África<br />
do Sul – Nelson Mandela. Exemplo seguido mais tarde, nos<br />
Estados Unidos, por Barak Obama. Assistiu, com o país, ao<br />
programa televisivo com as medidas mais perfeitas: 86-60-<br />
86, de Sofi a Aparício. Viu passar pelo poder homens como<br />
Mário Soares, António Guterres, Durão Barroso, Santana<br />
Lopes, José Sócrates, Jorge Sampaio, Cavaco Silva… Assistiu<br />
à morte do Escudo e recebeu o Euro de braços abertos. Mas<br />
antes ainda mostrou quem um dia mandou nos Oceanos,<br />
com a Expo98. Na era da televisão em movimento, acompanhou<br />
o fenómeno Big Brother. Viu crescer fenómenos ainda<br />
maiores, os que elevaram Portugal à escala planetária: Figo,<br />
Ronaldo, Mourinho. Caíram pontes que separavam rios, ditadores<br />
do Médio-Oriente e duas torres que simbolizavam a<br />
supremacia americana e transformaram em efeméride o 11º<br />
dia de Setembro. O mundo ganhou medo, perdeu gente. Morreram<br />
talentos, nasceram outros. Nasceu o iPod, o iPhone e<br />
o iPad e a tecnologia passou a comandar as vidas de todos.<br />
8 Fora de Série Março 2011<br />
Faliram bancos e começou a crise. Mais uma. Fizeram-se greves<br />
e manifestações, ídolos caíram em desgraça, apareceu a<br />
Floribella e nem a gripe A conseguiu acabar com ela. Depois<br />
casou, deu um nome estranhíssimo à fi lha e isso é castigo sufi<br />
ciente. Inventaram o Facebook, o Twitter e o Wikileaks… e<br />
veio uma enorme onda e varreu o Sudoeste asiático. Morreu<br />
um Papa, mas houve logo fumo branco para outro. Fecharam<br />
jornais míticos, inauguraram outros. Uma menina chamada<br />
Maddie desapareceu e enquanto o mundo se questiona se<br />
está viva, a natureza manifestou-se e, depois do furacão Katrina,<br />
lançou um sismo sobre o Haiti, temporais no Brasil,<br />
acordou um vulcão na Islândia e chamou o FMI à Grécia. A<br />
ModaLisboa passou por tudo isto. E isto não é nada.<br />
Numa entrevista fora do comum, e ainda que com os olhos<br />
postos no futuro - e na próxima edição da ModaLisboa, a<br />
começar já na semana que vem -, Eduarda Abbondanza ‘mixou’<br />
alguns destes acontecimentos com a sua vida e com a da<br />
moda. Deixou-se fotografar no Lux do seu amigo Manuel Reis<br />
junto dos seus 23 braços direitos. E acaba a conversa de forma<br />
enigmática, anunciando que vai mudar de vida. Será que vai<br />
aproveitar a tendência e mudar a sua ‘factory’ para a China?<br />
Sim, porque, em matéria de luxo, todos os estudos indicam<br />
que é o ‘place to be’ em 2011. O mundo da moda já percebeu:<br />
não é à toa que Ralph Lauren, na recente semana da moda de<br />
Nova Iorque, pontuou o desfi le da colecção Outono/Inverno<br />
2011 com infl uências chinesas, desde vestidos ‘cheongsam’,<br />
colares mandarins e bordados chineses com dragões. As modelos,<br />
grande parte delas de aparência oriental, desfi laram<br />
brincos de jade ao som de “China Girl”, na versão de David<br />
Bowie. A crítica fi cou louca. A colecção foi defi nida como<br />
‘East meets West’ ou ‘China through na Art Deco lens’. E, de<br />
repente, ao ler as análises do “Financial Times”, percebe-se o<br />
porquê da temática: é que o grupo Polo Ralph Lauren planeia<br />
lançar brevemente as primeiras lojas próprias naquele país.<br />
Ralph Lauren não foi inovador na tendência. Já a Louis Vuitton<br />
tinha bebido desta taça chinesa de inspiração no desenvolvimento<br />
da colecção que está agora nas lojas. E a Chanel,<br />
na colecção de pré-Outono, também já tinha referenciado a<br />
China como musa. Os tempos são de crise, e é preciso vender.<br />
E longe vão os tempos em que a China era famosa pelas lojas<br />
de 300 e pelas contrafacções. Naquele país há noções muito<br />
concretas do que é bom, do que tem qualidade, do que interessa<br />
e do que não interessa. Um mercado a manter debaixo<br />
de olho, sem dúvida.<br />
Para terminar, dois sentimentos: o de perda e o de espanto. O<br />
primeiro pela morte do ‘chef’ Santi Santa Maria, o inconveniente<br />
catalão que ousou contrariar o “deus” Ferran Adriá e<br />
a moda da cozinha molecular. O segundo pela notícia de que<br />
John Galliano foi suspenso das suas funções de director criativo<br />
da Dior. Diz que o génio se portou mal e, com uns copos<br />
a mais, num bar em Paris, teceu comentários anti-semitas a<br />
um casal presente. Foi preso, mas isso não foi o pior. A marca,<br />
detida pelo LVMH, apressou-se a repudiar o acto. E fechamos<br />
esta edição dedicada à moda sem saber como vai correr o desfi<br />
le da marca na ‘fashion week’ parisiense, marcado para…<br />
hoje mesmo. E ainda uma novidade: a chegada do ‘blog’ Fora<br />
de Série, para não ter saudades nossas o resto do mês.<br />
BLOG<br />
A PARTIR DE HOJE,<br />
ACOMPANHE<br />
TAMBÉM TODAS<br />
AS NOVIDADES<br />
FORA DE SÉRIE<br />
N<strong>UM</strong> NOVO ESPAÇO<br />
ONLINE<br />
http://foradeserie.economico.sapo.pt<br />
Capa: fotografi a de Mário Príncipe. Eduarda Abbondanza com<br />
vestido em seda Filipe Faísca, casaco em ‘shantung’ de seda Alves<br />
Gonçalves, sapatos Fendi, cinto em pele Twin-Set, no Espace<br />
Cannelle, colar em ouro amarelo Filipe Faísca, ‘collants’ Calzedonia.