Daniel Goleman - Inteligencia Emocional

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27.04.2013 Views

PARTE UM - O CÉREBRO EMOCIOMAL Para que Servem as Emoções? É com o coração que se vê corretamente; o essencial é invisvel aos olhos. ANTOINE DE SAINT-EXUPÉRY, O pequeno príncipe Pensem nos últimos momentos de Gary e Mary Jane Chauncey, um casal inteiramente dedicado à filha Andrea, de onze anos, confinada a uma cadeira de rodas por uma paralisia cerebral. A família Chauncey viajava num trem da Amtrak que caiu num rio, depois que uma barcaca bateu e enfraqueceu uma ponte ferroviária, na região dos pântanos da Louisiana. Pensando primeiro na filha, o casal fez o que pôde para salvar Andrea quando a água invadiu o trem; de algum modo, eles conseguiram empurrá-la por uma janela para a equipe de resgate. E morreram, quando o vagão afundou. A história de Andrea, de pais cujo último ato heróico é assegurar a sobrevivência de um filho, capta um momento de coragem quase mítica. Sem dúvida, esses incidentes de sacrifício paterno pela prole se repetiram inúmeras vezes na história e pré-história humanas, e inúmeras vezes mais no curso maior da evolução de nossa espécie. Visto da perspectiva dos biólogos evolucionistas, esse auto-sacrifício paterno está a serviço do "sucesso reprodutivo" na transmissão dos genes a futuras gerações. Mas da perspectiva de um pai que toma uma decisão desesperada, num momento de crise, nada mais é do que amor. Como uma intuição do objetivo e força das emoções, esse ato exemplar de heroísmo paterno atesta o papel do amor altruísta e de todas as outras emoções que sentimos na vida humana. Indica que nossos sentimentos mais profundos, nossas paixões e anseios são guias essenciais, e nossa espécie deve grande parte de sua existência à força deles nos assuntos humanos. Essa força é extraordinária: só um amor poderoso a urgência de salvar uma filha querida levaria um pai a vencer o impulso de sobrevivência pessoal. Visto do intelecto, pode dizer-se que o auto-sacrifício deles foi irracional; visto do coração, era a única escolha a fazer. Os sociobiólogos indicam a preeminência do coração sobre a mente nesses momentos cruciais, quando indagam por que a evolução deu à emoção um papel tão essencial na psique humana. Nossas emoções, dizem, nos guiam quando enfrentamos provações e tarefas demasiado importantes para serem deixadas apenas ao intelecto o perigo, a dor de uma perda, a persistência numa meta apesar das frustrações, a ligação com um companheiro, a formação de uma família. Cada emoção oferece uma disposição distinta para agir; cada uma nos põe numa direção que deu certo no lidar com os recorrentes desafios da vida humana. A medida que essas situações se repetiram e repetiram ao longo de nossa história evolucionária, o valor de sobrevivência de nosso repertório emocional foi atestado gravando-se em nossos nervos como tendências inatas e automáticas do coração humano. Uma visão da natureza humana que ignora o poder das emoções é lamentavelmente míope. O próprio nome Homo sapiens, a espécie pensante, é enganoso à luz da nova apreciação e opinião do lugar das emoções em nossas vidas que nos oferece hoje a ciência. Como todos sabemos por experiência, quando se trata de modelar nossas decisões e ações, o sentimento conta exatamente o mesmo e muitas vezes mais que o pensamento. Fomos longe demais na enfatização do valor e importância do puramente racional do que mede o QI na vida humana. Para o melhor e o pior, a inteligência não dá em nada, quando as emoções dominam.

QUANDO AS PAIXÕES D0MINAM A RAZÃO Foi uma tragédia de erros. Matilda Crabtree, 14 anos, apenas deu um susto no pai: saltou de dentro de um armário e gritou "Buu!", quando os pais voltavam, à uma da manhã, de uma visita a amigos. Mas Bobby Crabtree e a mulher achavam que Matilda estava em casa de amigas naquela noite. Ouvindo ruídos ao entrar em casa, Crabtree buscou sua pistola calibre 357 e foi ao quarto dela investigar. Quando a filha pulou do armário, ele Ihe deu um tiro no pescoço. Matilda Crabtree morreu doze horas depois. Um legado emocional da evolução é o medo que nos mobiliza para proteger nossa família contra o perigo; esse impulso levou Crabtree a pegar a arma e vasculhar a casa em busca do intruso que pensava estar rondando por ali. O medo incitou-o a atirar antes de registrar perfeitamente no que atirava, mesmo antes de reconhecer a voz da filha. Reações automáticas desse tipo gravaram-se em nosso sistema nervoso supõem os biólogos, porque, durante um longo e crucial período na préhistória humana, decidiam entre a sobrevivência e a morte Mais importante ainda, contavam para a principal tarefa da evolução: a capacidade de deixar uma progênie que passasse adiante essas mesmas predisposições genéticas uma triste ironia, em vista da tragédia na família Crabtree. Mas, embora nossas emoções tenham sido sábias guias no longo percurso evolucionário, as novas realidades que a civilização apresenta surgiram com tanta rapidez que a lenta marcha da evolução não pode acompanhar. Na verdade, as primeiras leis e proclamações de ética - o Código de Hamurabi, os Dez Mandamentos dos hebreus, os Éditos do imperador Ashoka - podem ser interpretadas como tentativas de conter, subjugar e domesticar a vida emocional. Como descreveu Freud em O Mal estar na Civilização, a sociedade teve de impor de fora regras destinadas a conter as ondas de excesso emocional que surgem demasiado livres de dentro. Apesar dessas pressões sociais, as paixões repetidas vezes esmagam a razão. Esse dado da natureza humana vem da arquitetura básica da vida mental. Em termos do plano biológico dos circuitos neurais básicos da emoção, aqueles com os quais nascemos são os que melhor funcionaram para as últimas 50.000 gerações humanas, não as últimas 50 - e certamente não as últimas cinco. As lentas e deliberadas forças da evolução que moldaram nossas emoções têm feito seu trabalho ao longo de um milhão de anos; os últimos 10.000 - apesar de terem assistido ao rápido surgimento da civilização humana e à explosão demográfica humana de cinco milhões para cinco bilhões - quase nada imprimiram em nossos gabaritos biológicos para a vida emocional. Para melhor ou pior, nossa avaliação de cada encontro pessoal e nossas respostas a ele são moldadas não apenas por nossos julgamentos racionais ou nossa história pessoal, mas também por nosso passado ancestral distante. Isso nos deixa com tendências às vezes trágicas, como atestam os lamentáveis fatos na família Crabtree. Em suma, com demasiada freqüência enfrentamos dilemas pós-modernos com um repertório talhado para as urgências do Pleistoceno. Esse transe é a essência de meu tema. Impulsos à ação Num dia de início da primavera, eu atravessava de carro um passo de montanha no Colorado, quando uma repentina lufada de neve encobriu o veículo alguns metros à minha frente. Mesmo forçando a vista, eu não conseguia distinguir nada; a neve em redemoinho tornara-se uma alvura cegante. Ao pisar no freio, senti a ansiedade me invadir o corpo e ouvi as batidas surdas do coração.

QUANDO AS PAIXÕES D0MINAM A RAZÃO<br />

Foi uma tragédia de erros. Matilda Crabtree, 14 anos, apenas deu um susto no pai: saltou de dentro<br />

de um armário e gritou "Buu!", quando os pais voltavam, à uma da manhã, de uma visita a amigos.<br />

Mas Bobby Crabtree e a mulher achavam que Matilda estava em casa de amigas naquela noite.<br />

Ouvindo ruídos ao entrar em casa, Crabtree buscou sua pistola calibre 357 e foi ao quarto dela<br />

investigar. Quando a filha pulou do armário, ele Ihe deu um tiro no pescoço. Matilda Crabtree<br />

morreu doze horas depois.<br />

Um legado emocional da evolução é o medo que nos mobiliza para proteger nossa família contra o<br />

perigo; esse impulso levou Crabtree a pegar a arma e vasculhar a casa em busca do intruso que<br />

pensava estar rondando por ali. O medo incitou-o a atirar antes de registrar perfeitamente no que<br />

atirava, mesmo antes de reconhecer a voz da filha. Reações automáticas desse tipo gravaram-se em<br />

nosso sistema nervoso supõem os biólogos, porque, durante um longo e crucial período na préhistória<br />

humana, decidiam entre a sobrevivência e a morte Mais importante ainda, contavam para a<br />

principal tarefa da evolução: a capacidade de deixar uma progênie que passasse adiante essas<br />

mesmas predisposições genéticas uma triste ironia, em vista da tragédia na família Crabtree.<br />

Mas, embora nossas emoções tenham sido sábias guias no longo percurso evolucionário, as novas<br />

realidades que a civilização apresenta surgiram com tanta rapidez que a lenta marcha da evolução<br />

não pode acompanhar. Na verdade, as primeiras leis e proclamações de ética - o Código de<br />

Hamurabi, os Dez Mandamentos dos hebreus, os Éditos do imperador Ashoka - podem ser<br />

interpretadas como tentativas de conter, subjugar e domesticar a vida emocional.<br />

Como descreveu Freud em O Mal estar na Civilização, a sociedade teve de impor de fora regras<br />

destinadas a conter as ondas de excesso emocional que surgem demasiado livres de dentro.<br />

Apesar dessas pressões sociais, as paixões repetidas vezes esmagam a razão.<br />

Esse dado da natureza humana vem da arquitetura básica da vida mental. Em termos do plano<br />

biológico dos circuitos neurais básicos da emoção, aqueles com os quais nascemos são os que<br />

melhor funcionaram para as últimas 50.000 gerações humanas, não as últimas 50 - e certamente não<br />

as últimas cinco. As lentas e deliberadas forças da evolução que moldaram nossas emoções têm<br />

feito seu trabalho ao longo de um milhão de anos; os últimos 10.000 - apesar de terem assistido ao<br />

rápido surgimento da civilização humana e à explosão demográfica humana de cinco milhões para<br />

cinco bilhões - quase nada imprimiram em nossos gabaritos biológicos para a vida emocional.<br />

Para melhor ou pior, nossa avaliação de cada encontro pessoal e nossas respostas a ele são<br />

moldadas não apenas por nossos julgamentos racionais ou nossa história pessoal, mas também por<br />

nosso passado ancestral distante. Isso nos deixa com tendências às vezes trágicas, como atestam os<br />

lamentáveis fatos na família Crabtree. Em suma, com demasiada freqüência enfrentamos dilemas<br />

pós-modernos com um repertório talhado para as urgências do Pleistoceno. Esse transe é a essência<br />

de meu tema.<br />

Impulsos à ação<br />

Num dia de início da primavera, eu atravessava de carro um passo de montanha no Colorado,<br />

quando uma repentina lufada de neve encobriu o veículo alguns metros à minha frente. Mesmo<br />

forçando a vista, eu não conseguia distinguir nada;<br />

a neve em redemoinho tornara-se uma alvura cegante. Ao pisar no freio, senti a ansiedade me<br />

invadir o corpo e ouvi as batidas surdas do coração.

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