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Gata Borralheira - Culturgest

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<strong>Gata</strong> <strong>Borralheira</strong><br />

de Robert Walser


teatro 14 qui · 15 sex · 16 sáb · 17 dom · 19 ter · 20* qua · setembro · 2006<br />

21h30 (dias 14, 15, 16, 19, 20) · 17h00 (dia 17) · grande auditório (lotação reduzida) · duração 1h30<br />

texto robert walser tradução célia henriques encenação ricardo aibéo cenário joana villaverde<br />

figurinos dino alves desenho de luz josé álvaro correia consultor musical vasco pimentel<br />

edição e montagem de som hugo reis construção de cenário manuel lobão uni. lda (equipa: vítor<br />

mendes; gonçalo fernandes; fernando soares) assistente de montagem de luz antónio pedra<br />

spot de divulgação nuno amorim interpretação andresa soares, cláudio da silva, david almeida, lígia<br />

soares, ricardo aibéo, sofia marques<br />

produção executiva ana bordalo produção sul – associação cultural e artística<br />

co-produtores culturgest, artemrede e teatro viriato<br />

agradecimentos ana moreira, antónio pedro fernandes, antónio pires, catarina requeijo, carolina e<br />

constança villaverde rosado, célia henriques, chapitô (teresa ricou, eduardo henrique (didi), francisco<br />

leone, luís lobo alves, cláudia ferreira e companhia do chapitô), christine laurent, cristina homem<br />

gouveia, cristina reis, goofy, helena gelpi, hugo reis, inês oliveira, joana figueiredo, joão lucas, jorge<br />

esteves, luís mesquita, luis miguel cintra, major costa lima (gnr), maria teresa almeida, maria teresa<br />

penha, noémia fernandes, nuno amorim, nuno lopes, patrícia andré, sofia campos, teatro nacional de<br />

são carlos, teatro da cornucópia, vasco pimentel, vera midões, vítor silva tavares, yara jerónimo<br />

apoios associação de turismo de lisboa, el corte inglês, chapitô, paulo vieira, sousa, santo condestável<br />

outras apresentações teatro viriato (viseu) a 29 e 30 de setembro; teatro-cine de torres vedras a 6 de<br />

outubro; cine-teatro de almeirim a 14 de outubro; cine-teatro de alcobaça a 1 de novembro; fórum<br />

cultural j.m. figueiredo – baixa da banheira a 4 de novembro.<br />

* no dia 20 às 11h00, espectáculo dedicado às escolas do 2º e 3º ciclos.<br />

© Joana Villaverde


A Nossa <strong>Gata</strong> <strong>Borralheira</strong><br />

A <strong>Gata</strong> <strong>Borralheira</strong> de Charles Perrault conta<br />

a estória de uma menina que fica órfã,<br />

entregue ao poder da terrível madrasta, segunda<br />

mulher e viúva de seu pai, e das suas<br />

duas malvadas filhas. Ela vive muito infeliz<br />

sob os maus tratos constantes e a exploração<br />

destas três mulheres, que dela fazem<br />

sua escrava. Como não a deixam ir ao baile<br />

que o Rei organizou para encontrar a noiva<br />

perfeita para o Príncipe, ela chora muito.<br />

Aparece-lhe então uma outra mulher – a<br />

Fada Madrinha, que transforma as suas esfarrapadas<br />

vestes num luxuoso vestido de<br />

baile, faz de uma abóbora uma rica caleche<br />

e dos seus amigos ratinhos da cozinha faz<br />

formosos cavalos. A <strong>Gata</strong> <strong>Borralheira</strong>, agora<br />

Cinderela, vai ao baile e atrai a atenção<br />

do Príncipe que logo se apaixona por ela e<br />

dela faz a sua noiva. Cheia de bondade, a<br />

princesa ainda arranja para as malvadas<br />

irmãs dois nobres cavalheiros que com<br />

elas se casam e todos vivem felizes para<br />

sempre.<br />

Na versão dos irmãos Grimm, não é uma<br />

fada que faz a magia, mas sim os passarinhos<br />

que habitam nos ramos da árvore<br />

que ela plantou sobre o túmulo da sua<br />

mãe e com as suas tristes lágrimas regou.<br />

No final ela vive feliz para sempre com o<br />

Príncipe. Quanto às malvadas irmãs: seus<br />

olhinhos são comidos pelos fantásticos<br />

passarinhos.<br />

Há ainda a bela História da <strong>Gata</strong><br />

<strong>Borralheira</strong> de Sophia de Mello Breyner<br />

Andresen, em que a jovem Lúcia não tem irmãs,<br />

nem tem Fada Madrinha, nem Príncipe;<br />

tem, sim, uma tia rica, a noite que a observa<br />

silenciosa e o ávido desejo de um dia possuir<br />

riquezas fabulosas. Consegue tudo o<br />

que quis, mas vinte anos depois, quando<br />

vê reflectida no espelho a imagem da menina<br />

de vestido bafiento que afinal nunca<br />

deixou de ser, morre, diz-se, vítima de uma<br />

síncope cardíaca.<br />

A <strong>Gata</strong> <strong>Borralheira</strong> de Walser situa-se<br />

algures entre a estoriazinha do conto<br />

de Perrault e o outro lado do espelho de<br />

Sophia, de onde vem a noite que espia a<br />

alma. Aqui há, de facto, duas irmãs muito<br />

más, mas nem elas parecem saber muito<br />

bem porquê. Não há madrasta. Não há pai<br />

nem mãe. Não há Fada Madrinha, nem passarinhos<br />

fabulosos – o fantástico vestido<br />

de Cinderela aqui é o Conto em pessoa que<br />

o vem trazer a cena. Há um Príncipe apaixonado,<br />

sim, mas que desconhece a razão<br />

por que foi parar àquele conto, acabando<br />

depois por se resignar ao seu final. Há um<br />

rei sandeu e mal disposto que quer descansar<br />

do seu governo. Há o bobo que, como<br />

sempre, é o verdadeiro senhor do espírito.<br />

Há ainda uns estranhos pajens, que são<br />

corpos de meninas envolvidos em roupas<br />

de rapaz. E há uma <strong>Gata</strong> <strong>Borralheira</strong> que<br />

vive feliz no mundo dos seus sonhos, muito<br />

acima do mundo rude, áspero e ridículo em<br />

que vive o seu corpo.<br />

Desta <strong>Gata</strong> <strong>Borralheira</strong> não se tem pena,<br />

porque é ela que tem pena de nós por alguma<br />

vez nas nossas vidas termos tido pena<br />

dela. Esta <strong>Gata</strong> <strong>Borralheira</strong>, escrava do<br />

mundo hostil, é livre e apela para a nossa<br />

libertação – a única possível, talvez, a do<br />

espírito. Esta Mulher, condenada a servir o<br />

mais forte, é ela própria o mais forte, pois é<br />

ela quem condena o mais forte a ser servido.<br />

Quem sofre nesta estória não é a pobre<br />

humilhada, mas sim quem carrega o fardo<br />

pesado do chicote. A nossa “pobre coitada”<br />

aqui é a rainha, pois é impermeável à<br />

adversidade, não está virada para o mundo<br />

em que é obrigada a viver, mas sim para<br />

onde se ergue o olhar do seu espírito. E esse<br />

pode muito bem voar, alegremente desamparado<br />

e só. A Nossa <strong>Gata</strong> <strong>Borralheira</strong> não<br />

é um conto de fadas, é a cabeça, a ética e<br />

a nobilíssima (até à ofensa) alma do Nosso<br />

Robert Walser.


Encenar isto é, pelo menos para mim,<br />

muito difícil e angustiante. Não só pelas<br />

dificuldades dramatúrgicas (costuma dizer-se<br />

assim?) que o texto coloca, mas porque<br />

no dar corpo a esta voz existe o pressentimento<br />

de um crime eminente – o de<br />

roubar o corpo às palavras, à poesia. Esta<br />

peça é um poema, sem dúvida. Um poema<br />

dramático, talvez, mas nunca teatral. São<br />

palavras que não querem corpo nem voz,<br />

querem ser vistas por dentro, querem esconder-se<br />

do olhar, como um sonho tranquilamente<br />

febril.<br />

Fotografia de ensaio © Folha<br />

A verdade é que nós fizemos com isto um<br />

espectáculo de teatro, isso não se pode negar.<br />

Não pelo desejo, confesso, de fazer das<br />

palavras de Walser espectáculo, mas pela<br />

modesta e talvez irresponsável e talvez<br />

arrogante tentação de oferecer essas palavras<br />

a quem queira ficar com elas. Se acaso<br />

foi aqui efectuado algum grande crime,<br />

haja alguém, por favor, que nos puna com a<br />

mesma severidade com que o cometemos.<br />

Obrigado.<br />

Ricardo Aibéo


Robert Walser<br />

Robert Walser nasceu a 15 de Abril de 1878<br />

em Biel, no cantão de Berna. Logo a seguir<br />

à escola secundária, tornou-se aprendiz<br />

da sucursal em Biel da Banque Cantonale<br />

Bernoise e depois escriturário em Basileia.<br />

Em Zurique esteve empregado em mais<br />

alguns bancos. Entretanto, começou a escrever<br />

e dedicou-se à profissão de escritor.<br />

Ingressou no asilo de Herisau por razões<br />

de doença. Morreu a 25 de Dezembro de<br />

1956 durante um passeio solitário. Robert<br />

Walser considerava-se um “romancista artesanal”<br />

e os seus textos “fragmentos de<br />

uma longa história realista sem acção”. Foi<br />

muito tempo ignorado pelo público, apesar<br />

do reconhecimento que obteve de autores<br />

como Kafka, Musil ou Elias Canetti. Mas nas<br />

últimas décadas tornou-se uma das referências<br />

da literatura europeia dos séculos<br />

XX e XXI. Permanece, apesar disso, discreto<br />

e inclassificável, cúmplice da vida interior<br />

de quem o descubra.<br />

Em português estão publicados os seguintes<br />

títulos: O Passeio e outras histórias<br />

(Granito), O Salteador, A Rosa, Jakob von<br />

Gunten, O Ajudante (Relógio d’Água), as<br />

peças <strong>Gata</strong> <strong>Borralheira</strong>/Branca de Neve/A<br />

Bela Adormecida (&etc) e o conto “O Jantar”<br />

(Revista Ficções, nº especial “De Comer”).<br />

João César Monteiro realizou uma Branca<br />

de Neve a negro a partir da peça de Walser.<br />

walser como bartleby<br />

Robert Walser sabia que escrever que não<br />

se pode escrever também é escrever. E entre<br />

os muitos empregos de subalterno que<br />

teve – empregado de livraria, secretário<br />

de advogado, empregado bancário, operário<br />

numa fábrica de máquinas de costura,<br />

e finalmente mordomo num castelo da<br />

Silésia –, Robert Walser retirava-se de vez<br />

em quando, em Zurique, para a “Câmara<br />

de Escrita para Desocupados” (o nome não<br />

pode ser mais walseriano, mas é autêntico)<br />

e aí, sentado num velho tamborete, ao entardecer,<br />

à pálida luz de um candeeiro de<br />

petróleo, servia-se da sua bonita caligrafia<br />

para trabalhar como copista, para trabalhar<br />

como “bartleby”.<br />

Não só essa característica de copista<br />

mas também toda a existência de Walser<br />

nos fazem pensar no personagem do conto<br />

de Melville, o escrevente que passava<br />

as vinte e quatro horas do dia no escritório.<br />

Roberto Calasso, falando de Walser e<br />

Bartleby, comentou que nesses seres que<br />

imitam a aparência do homem discreto e<br />

vulgar habita, no entanto, uma perturbadora<br />

tendência para a negação do mundo.<br />

Tanto mais radical quanto menos notado,<br />

o sopro da destruição passa muitas vezes<br />

despercebido para as pessoas que vêem<br />

nos “bartlebys” seres cinzentos e bonacheirões.<br />

“Para muitos, Walser, o autor de<br />

Jakob von Gunten e inventor do Instituto<br />

Benjamenta – escreve Calasso –, continua<br />

a ser uma figura familiar e pode-se mesmo<br />

chegar a ler que o seu niilismo é burguês e<br />

helveticamente bonacheirão. Mas é, pelo<br />

contrário, um personagem remoto, uma via<br />

paralela da natureza, um traço quase indiscernível.<br />

A obediência de Walser, como<br />

a desobediência de Bartleby, pressupõem<br />

uma ruptura total […]. Copiam e transcrevem<br />

escritas que os atravessam como uma<br />

lâmina transparente. Não enunciam nada<br />

de especial, não pretendem modificar. Não<br />

me desenvolvo, diz Jakob von Gunten. Não<br />

quero mudanças, diz Bartleby. Na sua afinidade<br />

revela-se a equivalência entre o silêncio<br />

e certo uso decorativo da palavra.”<br />

(…)<br />

Às vezes abandona-se a escrita porque<br />

se cai simplesmente num estado de loucura<br />

sem recuperação. O caso mais paradigmático<br />

é o de Hölderlin, que teve um


imitador involuntário em Robert Walser.<br />

O primeiro esteve os trinta e oito últimos<br />

anos da sua vida encerrado nas águas-furtadas<br />

do carpinteiro Zimmer, em Tübingen,<br />

escrevendo versos estranhos e incompreensíveis<br />

que assinava com os nomes de<br />

Scardanelli, Killalusimeno ou Buonarrotti.<br />

O segundo passou os vinte e oito últimos<br />

anos da sua vida encerrado nos manicómios<br />

de Waldau, primeiro, e depois no de<br />

Herisau, entregue a uma frenética actividade<br />

de letra miscroscópica, fictícias e<br />

indecifráveis galimatias nuns minúsculos<br />

bocados de papel.<br />

Acho que se pode dizer que, de certo<br />

modo, tanto Hölderlin como Walser continuaram<br />

a escrever: “Escrever – dizia<br />

Marguerite Duras – também é não falar. É<br />

calar-se. É uivar sem ruído.” (…)<br />

Dos uivos sem ruído de Walser temos o<br />

amplo testemunho de Carl Seelig, o amigo<br />

fiel que continuou a visitar o escritor<br />

Fotografia de ensaio © Folha<br />

quando este foi parar aos manicómios de<br />

Waldau e Herisau. (…)<br />

Toda a obra de Walser, incluindo o seu<br />

ambíguo silêncio de vinte e oito anos, analisa<br />

a vaidade da própria vida. Talvez por<br />

isso só desejasse ser um zero à esquerda.<br />

Alguém disse que Walser é como um corredor<br />

de fundo que, quase a alcançar a desejada<br />

meta, pára surpreendido e olha para<br />

mestres e discípulos e desiste, isto é, fica na<br />

sua, que é uma estética do desconcerto. (…)<br />

Robert Walser amava a vaidade, o fogo<br />

do Verão e os botins femininos, as casas iluminadas<br />

pelo sol e as bandeiras ondulando<br />

ao vento. Mas a vaidade que ele amava nada<br />

tinha a ver com a ambição do êxito pessoal,<br />

mas sim com esse género de vaidade que é<br />

uma frágil exibição do mínimo e do fugaz.<br />

Enrique Vila-Matas<br />

Bartleby & Companhia, Lisboa, Assírio & Alvim,<br />

2001 (Trad. José Agostinho Baptista)


deixa-andar,<br />

loucura e convalescença<br />

Ora, o que à partida salta aos olhos, em<br />

Walser, é uma negligência completamente<br />

inabitual, difícil de descrever. Que esta<br />

nulidade tenha importância, esta dissipação<br />

perseverança, o estudo dos textos de<br />

Walser só o descobrirá em último lugar.<br />

Está longe de ser simples. Porque se estamos<br />

habituados a ver surgir os enigmas do<br />

estilo nas obras de arte um tanto estruturadas,<br />

intencionais, aqui encontramo-nos<br />

face a uma selvajaria da linguagem completamente<br />

arbitrária, pelo menos na aparência<br />

e, no entanto, atraente e fascinante.<br />

E, ainda por cima, perante um deixa-andar<br />

que se manifesta sob todas as formas, do<br />

encanto ao amargor. Aparentemente arbitrária,<br />

dizemos nós. Várias vezes se debateu<br />

isso. Querela vã, se pensarmos na confissão<br />

de Walser de jamais, nos seus textos, ter corrigido<br />

uma só linha. É certo que não somos<br />

forçados a acreditar nele, mas seria preferível.<br />

Porque então sossegar-nos-íamos ao<br />

compreender isto: escrever é nunca corrigir<br />

o que se escreve, é justamente a interpenetração<br />

perfeita da mais extrema ausência<br />

de intenção e de uma intenção suprema.<br />

Bom. Mas isso não deveria impedir-nos<br />

de examinar mais profundamente essa negligência.<br />

Já o dissemos: ela apresenta-se<br />

sob todas as formas. Mas acrescentaremos:<br />

à excepção de uma única. A saber, aquela,<br />

a mais corrente, justamente a que se interessa<br />

apenas pelo conteúdo. Para Walser, o<br />

como do seu trabalho é tão pouco secundário<br />

que tudo quanto ele quer dizer se apaga<br />

perante o significado do acto da escrita.<br />

Temos vontade de dizer: aniquila-se na escrita.<br />

Isto deve ser explicitado. Tocamos<br />

aqui num aspecto muito helvético deste<br />

escritor: o pudor.<br />

(…)<br />

Decerto, tudo isto é evidente. Esta falta<br />

de jeito púdica e artística para tudo quanto<br />

diz respeito à linguagem faz parte da herança<br />

dos loucos. Se Polonius, figura originária<br />

da loquacidade, é um malabarista, Walser,<br />

quanto a ele, coroa-se, à maneira de Baco,<br />

com guirlandas linguísticas que lhe provocam<br />

a queda. Com efeito, a guirlanda é<br />

a própria imagem do seu fraseado. Mas o<br />

pensamento que vacila nele é um mandrião,<br />

um vadio e um génio, como os heróis da sua<br />

prosa. Incapaz de se desligar dos seus personagens<br />

principais, não sabe, aliás, senão<br />

descrever “heróis”, e ficou agarrado a dois<br />

romances precoces para daí em diante passar<br />

a viver fraternalmente apenas com os<br />

seus cem vadios favoritos.<br />

(…)<br />

[Os personagens de Walser] saem da<br />

noite, de onde ela é mais negra, uma noite<br />

veneziana, se assim se quiser, mal iluminada<br />

por pobres lampiões de esperança, com<br />

o brilho das festas nos olhos, mas perdidos<br />

e tristes até às lágrimas. Aquilo que choram<br />

é prosa. Porque o soluço é a melodia<br />

da loquacidade walseriana. Ele revela-nos<br />

então de onde vêm os seus preferidos. Da<br />

loucura, e de mais lado nenhum. São personagens<br />

que passaram pela loucura e é por<br />

isso que conservam uma superficialidade<br />

tão pungente, tão completamente inumana,<br />

imperturbável. Se quisermos resumir o<br />

que a um tempo têm de divertido e de terrível,<br />

podemos dizer: estão todos curados.<br />

Claro que não saberemos nunca qual foi o<br />

processo dessa cura, a menos que ousemos<br />

debruçar-nos sobre a sua Branca de Neve.<br />

(…)<br />

As histórias são de uma ternura de facto<br />

inabitual, e isso compreendem todos. O<br />

que todos não vêem é que elas contêm não<br />

a tensão nervosa de uma vida em decadência,<br />

mas a atmosfera pura e animada da<br />

vida convalescente. “A ideia que poderia ter<br />

do êxito na vida, amedronta-me”, lê-se em<br />

Walser (…). Todos os seus heróis partilham<br />

deste medo. Mas porquê? De modo nenhum<br />

por repugnância do mundo, ressentimento


moral ou pathos, mas por razões epicuristas.<br />

Eles querem fruir de si próprios. E para<br />

isso dispõem de um dom excepcional. E<br />

também de uma nobreza pouco comum.<br />

Finalmente, para o poderem fazer, possuem<br />

um direito de facto inabitual. Pois ninguém<br />

frui como um convalescente. Longe dele<br />

o orgíaco: o fluxo do seu sangue renovado<br />

soa ao canto dos ribeiros e o sopro purificado<br />

dos seus lábios atinge os cumes. Os personagens<br />

de Walser partilham esta nobreza<br />

infantil com as figuras dos contos de fadas,<br />

as quais, também elas, surgem da noite e da<br />

loucura, ou seja, do mito. Em geral pensa-se<br />

que este despertar ocorreu nas religiões positivas.<br />

A ser o caso, de qualquer modo não<br />

sob uma forma muito simples nem muito explícita.<br />

Essa forma, é preciso procurá-la na<br />

grande discussão profana com o mito que<br />

representa o conto de fadas. É certo que as<br />

figuras não são simplesmente semelhantes<br />

às de Walser. Ainda lutam para se libertarem<br />

do sofrimento. Walser, esse, começa<br />

onde os contos terminam. “E eles não estão<br />

mortos, ainda hoje vivem.” Walser mostra<br />

como eles vivem. Os seus estudos chamamse<br />

– e gostaria assim de terminar onde ele<br />

começa: histórias, composições, ficções,<br />

pequenas prosas e assim por diante.<br />

Walter Benjamin<br />

“Robert Walser” in <strong>Gata</strong> <strong>Borralheira</strong>/Branca<br />

de Neve/A Bela Adormecida, Lisboa, &etc, 2000<br />

branca de neve<br />

(Trad. Célia Henriques)<br />

Robert Walser retoma o conto onde Grimm<br />

o deixou. As personagens, na mão do poeta,<br />

permitem-se tudo, mesmo fazer uma careta<br />

à lenda.<br />

Que imprudente ideia, a do príncipe, ter<br />

interrompido Branca de Neve no melhor<br />

dos sonos e, com um beijo que ela negará<br />

sempre, retirá-la do caixão de vidro para a<br />

restituir à vida, isto é, à carne, e arrogar-se<br />

direitos sobre ela.<br />

Neste “dramolete”, Walser está ainda<br />

mergulhado nos conflitos da infância.<br />

Nota-se aqui quanto o pai é inexistente. É<br />

sempre com a mãe, ou a madrasta, que a heroína<br />

se deve confrontar.<br />

Se Branca de Neve deseja morrer ou regressar<br />

ao país dos seus anões, é porque não está<br />

convencida da boa-fé da rainha. A sua madrasta<br />

não quis envenená-la? Quando Branca<br />

de Neve, salva pelo príncipe, voltou à vida, a<br />

rainha, graças aos seus beijos, não incitou,<br />

acto contínuo, o caçador a apunhalá-la?<br />

E eis o príncipe e a jovem, tão pura quanto<br />

o seu nome indica – o qual evoca para<br />

nós a morte de Walser na neve – aterrorizados<br />

por uma cena bestial entre a rainha<br />

e o caçador. O homem está deitado sobre a<br />

mulher e as suas atitudes parecem aos dois<br />

inocentes de uma brutalidade espantosa. O<br />

amor será isto? Uma luta encarniçada?<br />

Beijos envenenados, amor e crime intimamente<br />

imbricados, é absolutamente<br />

imprescindível corrigir o conto de Grimm.<br />

A mãe, madrasta, não pode ser tão malvada,<br />

seria insuportável. Mas Branca de Neve<br />

deve aprender que amor e ódio não estão<br />

nunca muito afastados. Ela compreende.<br />

Julgava-se – como Robert – “ferida, expulsa,<br />

perseguida, odiada”. Era apenas tonta e<br />

agora tudo acaba em bem. Branca de Neve<br />

escolheu ser feliz.<br />

Por que preço? O dilema é quase hamletiano:<br />

a afirmação da pequenez do sim implica<br />

a renúncia à grandeza do não. Os derradeiros<br />

flocos de neve derretem-se ante o<br />

triunfo dos raios solares. O mundo social<br />

não hospeda o mundo mítico.<br />

Le bonheur n’est pas gai.<br />

Ó noite, coberta pelo teu manto de lua: a<br />

neve, a neve ainda?<br />

Marie-Louise Audiberti/João César Monteiro<br />

Sinopse do filme Branca de Neve de JCM (in<br />

Dossier de Imprensa Branca de Neve, reprodu-<br />

zido no catálogo João César Monteiro, Lisboa,<br />

Cinemateca Portuguesa, 2005)


Citações<br />

branca de neve<br />

caçador:<br />

Crês que te queria matar?<br />

branca de neve:<br />

Sim e também não. Se abafar<br />

o sim, o não apressa-se<br />

logo a dizer-me sim. Diz que<br />

acredito. Di-lo de tal<br />

modo que, sim, tenho sempre<br />

de crer em ti. Estou cansada<br />

do não. O sim tem graça.<br />

Acredito em ti, digas o<br />

que disseres. Gosto muito<br />

de dizer: sim, acredito.<br />

caçador:<br />

Vê, esta é que é a voz de<br />

Branca de neve. Se reina<br />

a desconfiança, não é<br />

ela própria, é um algoz<br />

que se tortura a si mesmo<br />

e tortura os outros que por<br />

amor se lhe rendem. Mas se<br />

agora eu disser que a<br />

desconfiança só diz<br />

mentiras inventadas e<br />

venenosas, então, então<br />

tu acreditas em mim, não<br />

é assim, Branca de Neve?<br />

branca de neve:<br />

Sim, com todo o gosto. Ah, sim,<br />

e por que não sim a tudo<br />

quanto dizes? Dizer sim faz<br />

muito bem e é muitíssimo<br />

doce. Acredito em ti. Sim,<br />

mesmo que mintas, construas<br />

contos que cheguem ao céu,<br />

me apresentes mentiras<br />

manifestamente toscas<br />

e patetas, mesmo assim<br />

acreditarei sempre em ti.<br />

Tenho de dizer sim, sempre<br />

sim. Nunca como agora uma<br />

crença cresceu tão bela assim<br />

em mim, nem uma confissão<br />

foi tão doce como este sim.<br />

Diz o que quiseres, creio em ti.<br />

(Trad. Célia Henriques)


jakob von gunten<br />

Eu, por exemplo, considero muito agradável<br />

usar farda, porque nunca sabia muito bem o<br />

que havia de vestir. Mas, mesmo a este respeito,<br />

sou ainda um enigma para mim próprio.<br />

Talvez se esconda em mim um homem<br />

muito, muito vulgar. Ou talvez tenha sangue<br />

azul. Não sei. Mas uma coisa sei com certeza:<br />

serei no futuro um zero à esquerda, um<br />

zero muito redondo e encantador. Quando<br />

for velho, terei de servir jovens grosseiros,<br />

presunçosos e mal-educados, ou serei mendigo,<br />

ou morrerei na miséria.<br />

É encantador prestar um serviço a quem<br />

não conhecemos ou a quem não tenha nada<br />

a ver connosco, permite-nos vislumbrar paraísos<br />

divinos e velados. Além disso: no fundo,<br />

todas as pessoas, ou pelo menos quase<br />

Fotografia de ensaio © Folha<br />

todas as pessoas têm alguma coisa a ver<br />

connosco. As pessoas que passam por mim<br />

têm alguma coisa a ver comigo, isso é claro.<br />

É uma questão privada.<br />

E quando o céu está cinzento e chove? Então<br />

todas estas figuras, e eu com elas, caminham<br />

apressadamente sob a gaze opaca,<br />

como figuras de um sonho, à procura de<br />

alguma coisa, mas sem nunca encontrar,<br />

parece, o que é belo e certo. Todos aqui<br />

procuram alguma coisa, todos anseiam por<br />

riquezas e fortunas fabulosas. Sempre com<br />

pressa. Não, sabem dominar-se em tudo,<br />

mas a pressa, a ânsia, o tormento e a inquietude<br />

brilham em lampejos nos olhos ávidos.<br />

E depois tudo é de novo banhado pelo sol<br />

do meio-dia. Tudo parece dormir, mesmo os


carros, os cavalos, as rodas, os ruídos. E as<br />

pessoas olham sem consciência. Os prédios<br />

altos, aparentemente em queda, parecem<br />

sonhar. Raparigas passam apressadas, embrulhos<br />

são transportados. Gostaríamos de<br />

abraçar alguém.<br />

Aprendemos uma coisa depois da outra, e<br />

aquilo que aprendemos quase nos possui.<br />

Não somos nós que o possuímos, antes pelo<br />

contrário, aquilo de que aparentemente<br />

nos apoderámos, apodera-se então de nós.<br />

São-nos incutidos os efeitos benéficos da<br />

observação firme e rigorosa das pequenas<br />

coisas, ou seja, de nos acostumarmos e<br />

adaptarmos às leis e ordens impostas por<br />

um exterior severo. Querem talvez tornarnos<br />

estúpidos, em todo o caso, querem tornar-nos<br />

pequenos. Mas não nos deixamos<br />

intimidar.<br />

(…) continuou a falar: “É claro que existe<br />

aquilo a que chamam progresso, mas esta é<br />

apenas uma das muitas mentiras que os homens<br />

de negócios espalham para poderem<br />

extorquir dinheiro às massas com ainda<br />

mais insolência e impiedade. As massas são<br />

os escravos do nosso tempo, e o indivíduo<br />

é o escravo da vasta ideia que subordina as<br />

massas. Já não há nada de belo, de excelente.<br />

Tens de ser tu a sonhar o que é belo e bom<br />

e honesto. Diz-me, sabes o que é sonhar?”<br />

– Eu limitei-me a dizer que sim duas vezes<br />

com a cabeça.<br />

Tens de ter esperança mas não podes ter esperança.<br />

Ergue o olhar para alguma coisa,<br />

claro, é assim que deve ser, és jovem, despudoradamente<br />

jovem, Jakob, mas confessa<br />

sempre que desprezas aquilo para que ergues<br />

o olhar com respeito.<br />

Um escravo teria hoje uma vida bem mais<br />

dura, Deus nos livre! De resto, entre nós,<br />

pessoas modernas, arrogantes e desembaraçadas,<br />

há muitos, muitos escravos. Talvez<br />

todos nós sejamos hoje como escravos,<br />

dominados por uma concepção do mundo<br />

zangada, rude, de chicote na mão.<br />

Feitas as contas, temos tão poucos pensamentos.<br />

Sou talvez eu quem tem mais pensamentos,<br />

é bem provável, mas desprezo<br />

em absoluto a minha faculdade do juízo. Só<br />

dou valor à experiência, e a experiência é<br />

por regra inteiramente independente de todos<br />

os pensamentos e comparações. É por<br />

isso que dou valor ao modo como abro uma<br />

porta. Há mais vida oculta no abrir de uma<br />

porta do que numa pergunta. Pois sim, tudo<br />

nos leva a perguntar e a comparar e a recordar.<br />

É claro que temos de pensar, pensar<br />

muito até. Mas a submissão é muito, muito<br />

mais refinada do que pensar. Quando pensamos,<br />

oferecemos resistência, e é tão feio<br />

isto, tão vicioso. Se quem pensa soubesse<br />

o quanto pensar vicia as coisas. Quem por<br />

zelo não pensa, faz qualquer coisa, e esta<br />

coisa é bem mais necessária. Há no mundo<br />

dezenas de milhares de cabeças que trabalham<br />

desnecessariamente. É claro isto, claro<br />

como o dia. Todas as dissertações, toda<br />

a compreensão e todo o conhecimento roubam<br />

aos homens o instinto vital.<br />

São-me infinitamente simpáticas as pessoas<br />

que se zangam. Kraus zanga-se sempre<br />

que tem uma oportunidade. E é tão belo<br />

isto, tão cheio de humor, tão nobre. E nós os<br />

dois combinamos tão bem um com o outro.<br />

O indignado tem sempre de ser confrontado<br />

pelo pecador, caso contrário falta alguma<br />

coisa. Quando por fim me levanto, finjo<br />

ainda que estou na cama a mandriar. “E ele<br />

ainda lá está embasbacado, o palerma, em<br />

vez de me dar alguma ajuda”, diz ele então.<br />

Como isto é magnífico. Os arrulhos de um<br />

rabugento são para mim mais belos do que<br />

o murmúrio de um ribeiro na floresta banhado<br />

pelo mais esplêndido sol das tardes<br />

de domingo. Pessoas, pessoas, só pessoas!<br />

Sim, sinto-o intimamente: amo as pessoas.


As suas tolices e cóleras repentinas são-me<br />

mais caras e preciosas do que as mais extraordinárias<br />

maravilhas da Natureza.<br />

Uma gargalhada é o exacto oposto de um<br />

pedaço de madeira, é qualquer coisa que nos<br />

acende fósforos por dentro. Os fósforos riem<br />

com as mãos a tapar a boca, precisamente do<br />

mesmo modo que uma gargalhada contida.<br />

Gosto muito, mesmo muito, de impedir o riso<br />

que quer rebentar. Não soltar aquilo que por<br />

sua vontade sairia disparado, que cócegas<br />

magníficas me dá. Amo tudo o que não pode<br />

ser, que tem de ficar dentro de mim. O que assim<br />

se reprime torna-se mais doloroso, mas<br />

ganha também mais valor. Sim, sim, confesso<br />

que gosto de ser reprimido. É bem assim, não,<br />

nem sempre é bem assim, o Senhor É Bem Assim<br />

havia de marchar daqui para fora. O que<br />

eu queria dizer era: não dever fazer alguma<br />

coisa significa fazê-lo noutro lado a dobrar.<br />

Nada é mais insípido do que uma autorização<br />

indiferente, apressada, fácil. Gosto de<br />

merecer tudo, de experimentar tudo, e uma<br />

gargalhada, por exemplo, tem também de<br />

ser exaustivamente experimentada. Quando<br />

rebento por dentro de tanto riso, quando<br />

quase já não sei o que fazer a toda a pólvora<br />

que cicia, sei então o que é rir, rio então gargalhadamente,<br />

tenho então uma imagem<br />

clara daquilo que me sacudia. Aceito sem<br />

reservas, tenho a firme convicção de que os<br />

regulamentos tornam a vida de prata, talvez<br />

mesmo a dourem, por outras palavras, trazem-lhe<br />

mil encantos. Pois o que acontece<br />

com o riso proibido e irresistível acontece<br />

também com todas as outras coisas e prazeres.<br />

Não poder chorar, por exemplo, apenas<br />

aumenta o choro. Abdicar do amor, sim, é<br />

já amar. Quando não posso amar, amo dez<br />

vezes mais. Tudo o que é proibido vive cem<br />

vezes mais; aquilo que deveria estar morto<br />

vive com mais vida. E é o mesmo para coisas<br />

pequenas ou grandes. Disse isto com muita<br />

graça, com palavras comuns, mas é nas coisas<br />

comuns que se encontram as verdades<br />

verdadeiras. Estou outra vez a tagarelar, não<br />

é assim? Concedo com muito gosto que estou<br />

a tagarelar, mas com alguma coisa tenho<br />

de encher estas linhas.<br />

o salteador<br />

(Trad. Isabel Castro Silva)<br />

Para poder finalmente adormecer, ia fazendo<br />

todo o possível por abrir bem os olhos.<br />

E, de repente, caí num sono profundo. Para<br />

conseguirmos adormecer, portanto, temos<br />

de nos esforçar por nos mantermos despertos.<br />

Nada de fazer força para adormecer.<br />

Para podermos amar, temos de nos esforçar<br />

por não amar. E então, de repente, passamos<br />

a amar. Para sentirmos respeito por<br />

alguém, teremos de ser desrespeitadores<br />

durante algum tempo. Sentiremos então,<br />

de imediato, a necessidade de respeitar<br />

esse alguém. Estou a dar-lhes estes conselhos<br />

valiosos sem pedir absolutamente<br />

nada em troca. Tentem segui-los, não por<br />

mera obediência, mas para vosso próprio<br />

prazer e benefício, porque uma pessoa dá<br />

um conselho com a intenção de fazer os outros<br />

felizes e não para que o conselho seja<br />

aceite por ele próprio, ainda que o facto de<br />

que o aceitem signifique que estão a agir e<br />

a actividade faz com que as pessoas se sintam<br />

bem e estejam, portanto, disponíveis<br />

para seguir o conselho dado.<br />

Às pessoas saudáveis faço o seguinte apelo:<br />

não teimem em ler apenas esses livros<br />

saudáveis, travem um conhecimento mais<br />

estreito, também, com a literatura dita doentia,<br />

que vos transmitirá, decerto, uma<br />

cultura edificante. As pessoas saudáveis<br />

deviam sempre expor-se um pouco ao perigo.<br />

Senão, com mil raios, para que serve ser<br />

saudável?<br />

(Trad. Leopoldina Almeida)


o passeio<br />

Espontaneamente exclamei: “Bom Deus,<br />

bem pode um honrado cidadão indignar-se<br />

diante de tais barbaridades publicitárias a<br />

dourado, que emprestam à paisagem que<br />

nos rodeia um cunho de arrogância, cupidez<br />

e de uma mísera e total degenerescência<br />

do espírito.” Precisará, realmente, um<br />

simples e honesto padeiro de se apresentar<br />

com tal imponência e de brilhar e refulgir<br />

ao sol com os seus anúncios a ouro e prata<br />

como príncipe ou uma vistosa dama de porte<br />

duvidoso? Saiba ele, antes, amassar e cozer<br />

o seu pão com a modéstia que convém à<br />

honestidade e à insensatez! Em mundo estonteante<br />

vivemos, ou vamos viver, se a comunidade,<br />

os cidadãos e a opinião pública<br />

não só admitem, mas, infelizmente, ainda<br />

aplaudem abertamente o que ofende a sensibilidade<br />

requintada, o sentido do gosto,<br />

da beleza e da mediania, o que se impõe de<br />

forma doentia e, dando-se um ar ridiculamente<br />

acanalhado como que brada a mais<br />

de cem metros em redor, aos quatro ventos:<br />

“Eu sou fulano de tal. Tenho tanto e tanto<br />

dinheiro e posso permitir-me dar nas vistas<br />

com grosseria. É claro que, com as minha<br />

exibições de fausto idiota, não passo dum<br />

labrego e dum simplório sem sensibilidade;<br />

mas ninguém pode proibir-me de ser grosseiro<br />

e presunçoso.” Será que os caracteres<br />

dourados, brilhando e refulgindo ao longe<br />

de forma ignóbil, mantêm alguma relação<br />

aceitável e sinceramente plausível, ou algum<br />

laço de parentesco normal com – o<br />

pão? De modo nenhum! Mas o que acontece<br />

é que a odiosa jactância e a ostentação<br />

já começaram um pouco por toda a parte e,<br />

como uma lamentável e terrível inundação,<br />

foram sempre acumulando progressos, arrastando<br />

consigo a insensatez, a impureza<br />

e a tolice, espalhando-as pelos quatro cantos<br />

do mundo, até que levaram na maré o<br />

meu honrado padeiro, corrompendo-lhe<br />

o bom gosto que até então manifestara e<br />

minando a sua tradicional modéstia. (…)<br />

Uma verdadeira catástrofe, é o que é, espalha<br />

no mundo o perigo da guerra, a morte,<br />

a miséria e o ódio e fixa em tudo o que<br />

existe uma máscara maligna de maldade e<br />

perfídia. (…) No entanto, é possível que com<br />

o tempo tudo volte a mudar. É isso que espero.<br />

esta paisagem de neve…<br />

(Trad. Fernanda Gil Costa)<br />

Esta paisagem de neve, queria-a bonita. Esperemos<br />

que o seja. É porque era muito fresca,<br />

a neve, e embora um pouco mole, ainda<br />

firme o suficiente. Pareço cheio de virtude,<br />

agora. Quero ser amável com os outros, mas<br />

desde que possa privar-me magnificamente<br />

deles todos. Quero ser afável, mas não<br />

demasiado. Vejam-me estas manobras! Ao<br />

escrever estas linhas, dou-me a impressão<br />

de ser claro e luminoso, transportado para<br />

uma camada fina, num sopro de perfeição,<br />

metido lá dentro, por assim dizer como um<br />

bolo que se enfia no forno. Prevejo ser muito<br />

frugal, no futuro. A ausência de pretensões<br />

é uma arma, talvez uma das mais faiscantes<br />

que há no mundo. Vi um dia em palco,<br />

numa peça de cavalaria, um jovem rei cuja<br />

couraça faiscava maravilhosamente. No<br />

início da peça, tinha um ar muito infeliz. A<br />

sua atitude muito melancólica explicava-se<br />

bastante bem. Mas uma rapariga corajosa<br />

veio em seu auxílio. Como é belo, quando alguém<br />

vem em socorro dos que não têm defesa,<br />

para os arrancar a um mundo de perplexidades.<br />

Hoje em dia, semelhante a uma<br />

armadura branca e cintilante, a camada de<br />

neve revestia a região que eu atravessava.<br />

Le Territoire du crayon – Microgrammes,<br />

Éditions Zoé


Passeios com Robert Walser<br />

Mais tarde: “Se eu pudesse rebobinar o<br />

fio do tempo e recomeçar tudo a partir<br />

dos trinta, já não permitiria com certeza<br />

ao fanfarrão romântico que fui que escrevesse<br />

como o fazia, no vago absoluto,<br />

sacrificando à sua bizarria, à sua despreocupação.<br />

Não se deve negar a sociedade. É<br />

preciso viver lá dentro e lutar por ou contra<br />

ela. Eis o defeito dos meus romances. São<br />

demasiado fantasiosos e introspectivos,<br />

com frequência demasiado negligentes do<br />

ponto de vista da composição. Tocava ingenuamente<br />

a minha música, nas tintas para<br />

critérios artísticos. Antes da sua reedição,<br />

bem teria gostado de encurtar os Irmãos<br />

Tanner em setenta ou oitenta páginas; hoje<br />

em dia, parece-me que um acto tão íntimo<br />

como o que consiste em pronunciar um<br />

juízo sobre os próprios filhos não deve ser<br />

cumprido em público.”<br />

Depois de um silêncio: “O talento poético<br />

mais notável é muitas vezes aquele que se<br />

abstém de qualquer acção e se manifesta<br />

no quadro estreito de um meio regional.<br />

Desconfio à partida dos escritores que se<br />

distinguem na acção e não lhes chega o<br />

mundo inteiro para pôr em cena as suas<br />

personagens. As coisas do quotidiano são<br />

suficientemente belas e ricas para que delas<br />

se possam tirar centelhas poéticas.”<br />

“Sabe o que me foi fatal? Ouça bem! Foram<br />

todos esses bravos corações, partidários<br />

incondicionais de Hermann Hesse, que se<br />

julgam autorizados a dar-me ordens e criticar-me.<br />

Não se fiam em mim. Para eles é<br />

ou isto, ou aquilo: ‘Ou escreves como Hesse,<br />

ou és e permanecerás um falhado.’ É este o<br />

juízo definitivo que pronunciam sobre mim.<br />

O meu trabalho não lhes inspira confiança.<br />

Eis a razão pela qual falhei no hospício. –<br />

Que quer, nunca tive auréola de santo. Ora,<br />

para chegar a algum lado em literatura, não<br />

se passa sem ela. Um nimbo de heroísmo,<br />

de sábia resignação ou um não sei quê, e<br />

as cartas estão lançadas. Basta trepar pela<br />

escada do sucesso… Julgam-me implacável,<br />

coisa que de facto sou. É por isso que ninguém<br />

me leva a sério.”<br />

“Prefiro não ler os autores contemporâneos<br />

enquanto estiver na situação de doente.<br />

Parece-me que é melhor ficar à distância.”<br />

– “Sem amor, de que serve ao artista ter talento?”<br />

“É absurdo e grosseiro, sabendo-me num<br />

hospício, pedirem-me que continue a escrever<br />

livros. A única terra onde o poeta<br />

pode criar é a da liberdade. Enquanto essa<br />

condição não estiver preenchida, não posso<br />

sequer contemplar voltar a escrever. Não<br />

chega, nem de perto nem de longe, pôr à<br />

minha disposição um quarto, uma caneta<br />

e papel.” – Eu: “Tenho a impressão de que<br />

não aspira minimamente a essa liberdade!”<br />

– Robert: “Não há ninguém para ma oferecer.<br />

Portanto é preciso esperar.” – Eu: “Teria<br />

realmente vontade de deixar o hospício?”<br />

– Robert (hesitante): “Podia-se sempre tentar!”<br />

– Eu: “Onde gostaria de viver?” – Robert:<br />

“Em Biel, Berna ou Zurique – pouco importa!<br />

Não há lugar onde a vida não nos possa dar<br />

todo o seu encanto.” – Eu: “E uma vez lá fora,<br />

voltaria a escrever?” – Robert: “Face a uma<br />

tal pergunta, uma única reacção possível:<br />

não responder.”<br />

“A música devia estar reservada às camadas<br />

superiores. Em grande quantidade, tem<br />

efeitos cretinizantes sobre a massa. Hoje em<br />

dia já a servem em cada mictório. Mas a arte<br />

deve permanecer um presente raro, uma coisa<br />

a que a arraia miúda possa aspirar como<br />

ao céu. O artista não se deve comprazer na


cloaca. É um erro, para além de que é de um<br />

mau gosto pavoroso. Simpatia, graça, elevação<br />

de espírito são os elementos de que a<br />

arte não se saberia privar. – No que me diz<br />

respeito, a música não me faz falta se eu<br />

estiver no meu estado normal. Prefiro-lhe<br />

uma conversa amigável. Mas em Berna, na<br />

época em que estava apaixonado por duas<br />

criadas, tinha a nostalgia da música e corrialhe<br />

atrás como um possesso.”<br />

Ao lado do estabelecimento termal Jakobsbad<br />

ergue-se uma alvenaria barroca que<br />

faz pensar num claustro, provavelmente<br />

um asilo de velhos. Eu: “Entramos para<br />

ver?” – Robert: “É seguramente mais bonito<br />

visto do exterior. Não é preciso tentar desvendar<br />

todos os segredos. É uma convicção<br />

que me guiou durante toda a vida. Não é<br />

maravilhoso que tantas coisas, no decurso<br />

da nossa existência, permaneçam misteriosas<br />

e inacessíveis, como que escondidas<br />

por trás de muros cobertos de hera? Isto<br />

dá-lhes um encanto indizível mas que se<br />

perde progressivamente cada dia. Actualmente<br />

tudo se tornou objecto de cobiça, de<br />

brutal acto de posse.”<br />

Sobre si próprio: “Vi sempre à minha volta<br />

urdirem-se intrigas contra os parasitas<br />

da minha espécie. Repelia-se com desdém<br />

tudo o que não se enquadrasse com o mundo<br />

de que se tinha orgulho em fazer parte.<br />

Mas esse mundo, nunca me teria arriscado<br />

a nele irromper. Não teria sequer a coragem<br />

de o olhar de relance. Vivi portanto a minha<br />

própria vida na periferia das existências<br />

burguesas. Não era isto verdade? E se o<br />

meu mundo é mais pobre, menos estabelecido<br />

que o deles, não tem apesar disso,<br />

também ele, o direito de existir?”<br />

“Sabe porque é que não subi de grau como<br />

escritor? Vou dizer-lho: o meu instinto social<br />

não era suficientemente desenvolvido.<br />

Não fazia suficientemente o teatro que era<br />

preciso fazer para agradar. É isto, acredite!<br />

Dou-me perfeitamente conta disso actualmente.<br />

Deixava-me levar demasiado pelo<br />

meu prazer pessoal. Sim, é verdade, tinha<br />

todas as disposições requeridas para me<br />

tornar uma espécie de vagabundo e não<br />

lutava minimamente contra essa tendência.<br />

Este lado subjectivo desagradou aos<br />

leitores dos Irmãos Tanner. Segundo eles, o<br />

escritor não se deve perder na subjectividade.<br />

Consideram pretensão o facto de se dar<br />

tanta importância à própria pessoa. Como<br />

se engana, o poeta que parte do princípio<br />

de que o mundo se interessa pelos seus assuntos<br />

privados!”<br />

“Já quando dos meus inícios literários, devia<br />

dar a impressão de que troçava dos bons<br />

burgueses, que os tratava com desenvoltura.<br />

Nunca mo perdoaram. E é por isso que<br />

sempre permaneci aos seus olhos um zero à<br />

esquerda, um tipo que não valia o preço da<br />

corda para o enforcar. Deveria ter juntado<br />

uma pitada de amor e de sofrimento, uma pitada<br />

de seriedade e de deferência aos meus


livros – uma pitada de romantismo etéreo,<br />

como Herman Hesse soube tão bem fazer<br />

em Peter Camenzind e Knulp. Mesmo o meu<br />

irmão Kari me recriminou por este defeito<br />

de um modo delicadamente desviado.”<br />

“Como estive feliz esta manhã”, diz Robert<br />

subitamente jovial, “quando vi nuvens em<br />

vez do céu azul! Estou-me nas tintas para as<br />

vistas soberbas e os horizontes distantes.<br />

Onde o longínquo desaparece, a proximidade<br />

torna-se ternamente próxima. De que<br />

mais precisamos, para estarmos satisfeitos,<br />

do que de um prado, um bosque e algumas<br />

tranquilas choupanas? – Venha doravante<br />

de preferência ao domingo, se puder! Como<br />

já não exerço a minha actividade de escritor,<br />

não deveria continuar a permitir-me a extravagância<br />

de deixar o meu trabalho para<br />

ir passear. Isto semeia a confusão na ordem<br />

do hospício. E depois também é agradável<br />

ver o mundo sob o seu aspecto dominical.”<br />

“Os escritores sem ética merecem levar<br />

pauladas. Pecaram contra a sua vocação. O<br />

seu castigo, por enquanto, é este Hitler solto<br />

no seu encalço. É difícil não recriminar a<br />

literatura moderna pela sua indelicadeza,<br />

a sua arrogância, o seu pedantismo. Estou<br />

absolutamente convencido de que os livros<br />

realmente bons são os que podem ser<br />

colocados em todas as mãos. São bons de<br />

ler pelos jovens na idade do crisma assim<br />

como pelas velhas raparigas. Haverá hoje,<br />

no domínio das belas letras, muitos produtos<br />

de que se possa dizer isto?”<br />

“Não era a plenitude da vida, cheia de colorido<br />

e ingénua? Os figos multicores, os<br />

bombons vermelho groselha, os doces de<br />

xarope, eis o que ama o povo! As tradições<br />

nunca se perdem. São como os doces apelos<br />

que sobem sem cessar da infância.”<br />

Digo-lhe que a sua notoriedade em Praga<br />

deve-a também a Franz Kafka, que apreciava<br />

muitíssimo as suas impressões berlinenses<br />

assim como o seu Jakob von Gunten. Mas<br />

Robert faz-me sinais negativos: mal conhece<br />

a obra de Kafka.<br />

“Só um pequeníssimo número de pessoas se<br />

presta a gozar da velhice. E todavia, quantas<br />

alegrias ela nos dispensa. Percebeu-se<br />

que o mundo tende a voltar ainda e sempre<br />

às coisas simples, elementares. Defende-se<br />

instintivamente contra a predominância<br />

do excepcional, do singular. A sede inquieta<br />

do outro sexo apaziguou-se. Aspira-se<br />

apenas ao reconforto da natureza e às belezas<br />

acessíveis a quem quer que as deseje.<br />

Desembaraçado enfim de toda a vaidade,<br />

fica-se sentado no silêncio da idade avançada<br />

como sob um doce sol paralelo.”<br />

Começámos, depois de evocar a inquietante<br />

actualidade da guerra, a falar do povo.<br />

Digo: “No fundo, o povo não quer governar<br />

mas ser governado.” Robert aprova vigorosamente:<br />

“E mesmo governado com mão<br />

de ferro.” No entanto, acrescenta logo de<br />

seguida: “Mas não se pode acima de tudo<br />

dizer-lho. Senão passa-se por um bruto ignóbil.<br />

No entanto, o facto é que ele é muito<br />

menos enamorado da liberdade do que se<br />

pretende.” – E ei-lo a justificar a existência<br />

burguesa. Os “bons burgueses” seriam os<br />

defensores da civilização. A vagabundagem<br />

não teria nunca produzido nada de<br />

grande ou durável. Sob o pretexto de que<br />

estes bons burgueses, encerrados na sua<br />

estreita mentalidade provinciana, não se<br />

interessam minimamente pelas produções<br />

dos literatos da grande cidade, estes vingam-se<br />

fazendo-os ridículos e disparando<br />

contra eles flechas envenenadas.”<br />

“Quer ir ver a placa colocada no ano passado<br />

em memória de Hölderlin?” Robert faz<br />

que não: “Não, não, esse tipo de marca de<br />

piedade ostentatória desagrada-me soberanamente!<br />

Afinal, Hölderlin é apenas uma


das numerosas criaturas que viveram neste<br />

lugar. A celebridade dum homem não nos<br />

deve fazer esquecer os que permaneceram<br />

anónimos.”<br />

“Em Herisau”, acrescenta Robert, “não escrevi<br />

mais nada. Para quê? O meu universo<br />

tinha sido demolido pelos nazis. Os jornais<br />

para onde escrevia desapareceram. Os seus<br />

redactores foram perseguidos ou então<br />

morreram. Transformei-me praticamente<br />

em fóssil.”<br />

Três sentenças: “A razão humana só desperta<br />

na pobreza.” – “A história do mundo<br />

formula-se primeiro na boca dos poetas geniais.”<br />

– “A dependência tem qualquer coisa<br />

reconfortante, a independência suscita a<br />

hostilidade.”<br />

o último passeio<br />

Natal 1956<br />

À tranquila manhã de 25 de Dezembro sucede-se<br />

a refeição do meio-dia, mais copiosa<br />

do que habitualmente neste dia de festa.<br />

Robert come com apetite na companhia<br />

dos pensionistas: o tinir dos garfos, colheres<br />

e facas ressoa ao seu ouvido como uma<br />

música alegre. Mas tem pressa de percorrer<br />

o campo. Agasalhado, ei-lo que penetra na<br />

luz cristalina de uma paisagem de neve.<br />

Diante do hospício, toma o caminho que,<br />

por uma sombria passagem subterrânea, o<br />

leva à estação onde tantas vezes esperou o<br />

amigo. Dentro de poucos dias, mais exactamente<br />

no Ano Novo, passearão de novo juntos,<br />

faça bom ou mau tempo. Hoje, é atraído<br />

pelo Rosenberg sobre o qual se ergue<br />

uma ruína. Já lá foi várias vezes, sozinho<br />

ou acompanhado. Lá de cima tem-se uma<br />

vista magnífica sobre a cadeia dos Alpes.<br />

Tudo está tão calmo neste começo de tarde:<br />

neve, nada a não ser neve, tão longe<br />

quanto o olhar alcança. Não escreveu ele<br />

uma vez um poema que acaba com estas<br />

palavras: “A neve caindo do céu lembra<br />

uma rosa que se desfolha”? Não era talvez<br />

um poema muito bom; mas é verdade que<br />

é assim que o homem se deveria desfolhar:<br />

como uma rosa.<br />

O passeante solitário inspira a plenos<br />

pulmões o ar límpido do Inverno. Um ar tão<br />

consistente que se tem quase a impressão<br />

de que se poderia mastigar. Deixou Herisau<br />

lá em baixo. As suas fábricas, as suas casas<br />

de habitação, as igrejas, a estação. Por entre<br />

as faias e os abetos, trepa em direcção<br />

ao Schochenberg, sem dúvida um pouco depressa<br />

demais para a sua idade. O coração<br />

que bate para ser rendido empurra-o mais<br />

longe, mais alto; ao sair do Rosenwald, dirige-se<br />

para a Wachtenegg, chega ao cume<br />

oeste do Rosenberg donde alcançará, por<br />

uma ligeira depressão, a colina em frente.<br />

Vem-lhe a vontade de acender um cigarro.<br />

Mas resiste. É um prazer que guarda para<br />

mais tarde, quando estiver junto à ruína. – A<br />

inclinação que leva à depressão é bastante<br />

íngreme. Desce portanto lateralmente, sem<br />

se agarrar às moitas, para a bacia situada a<br />

860 metros de altitude onde conta descansar<br />

um pouco. Mais uns metros apenas e<br />

encontrar-se-á em superfície plana. Devem<br />

ser agora cerca de treze e trinta. O sol brilha<br />

com um fulgor pálido, como uma rapariga<br />

um pouco anémica. Nada de triunfal na sua<br />

radiação, antes qualquer coisa de ternamente<br />

melancólico, de hesitante, como se<br />

já estivesse a ponto de abandonar à noite a<br />

encantadora paisagem.<br />

E eis que, de repente, o seu coração marca<br />

um tempo de paragem. O passeante é tomado<br />

por uma vertigem. É sem dúvida um<br />

sintoma da arteriosclerose de que o médico<br />

lhe falou um dia para o precaver e incitá-lo<br />

a não exagerar a velocidade durante<br />

a caminhada. Num clarão, lembra-se das<br />

cãibras nas pernas que o surpreenderam<br />

em passeios anteriores. Será que isso vai<br />

voltar a acontecer hoje? Como estas coisas


são desagradáveis e, pior, estupidamente<br />

maçadoras! Mas – o que é? Cai bruscamente<br />

para trás, de costas, leva a mão direita<br />

ao coração e imobiliza-se. A imobilidade da<br />

morte. O braço direito repousa ao longo do<br />

corpo que arrefece rapidamente. A mão esquerda<br />

está fechada como que para esmagar<br />

na palma a dor aguda, breve, que saltou<br />

sobre o passeante de surpresa, como uma<br />

pantera. O chapéu rolou um pouco para<br />

o lado. A cabeça ligeiramente voltada de<br />

lado, o passeante mudo oferece uma imagem<br />

perfeita da paz do Natal. Tem a boca<br />

aberta; dir-se-ia que o ar invernal, puro e<br />

fresco, penetra ainda nele.<br />

É assim que o descobrem um pouco mais<br />

tarde dois alunos que desceram de ski da<br />

quinta “Burghalden”, afastada nem sequer<br />

cento e cinquenta metros e pertencendo à<br />

família Manser, para verem de mais perto o<br />

que ali estava, na neve. Uma mulher subiu<br />

do vale com o cão, para visitar os Manser<br />

nesse dia de festa; contou-lhes ao chegar<br />

que o seu “Bläss” se mostrou singularmente<br />

nervoso durante a subida ; não parou de ladrar,<br />

de puxar a trela para se precipitar em<br />

baixo da encosta onde jazia qualquer coisa<br />

bizarra, inabitual. O que poderia ser? Vão lá<br />

então dar uma vista de olhos, rapazes!<br />

O morto deitado na neve, no sopé da<br />

encosta, é um poeta a quem encantavam o<br />

Inverno e a dança ligeira e alegre dos flocos<br />

– um autêntico poeta que alimentou no seu<br />

coração de criança a nostalgia de um mundo<br />

de silêncio, de pureza e de amor: Robert<br />

Walser.<br />

Carl Seelig<br />

Promenades avec Robert Walser,<br />

Paris, Rivages, 1992


em paralelo<br />

Robert Walser<br />

conversa 16 sab · setembro · 2006<br />

18h30 · pequeno auditório · entrada gratuita (levantamento de senha de acesso 30 min. antes do início<br />

da sessão, no limite dos lugares disponíveis)<br />

Passeio com<br />

Robert Walser<br />

Uma conversa com Alexandre Andrade<br />

e Gonçalo M. Tavares<br />

A propósito da estreia da peça <strong>Gata</strong><br />

<strong>Borralheira</strong>, dois autores portugueses traçam<br />

um percurso pelos textos de Walser na<br />

dupla perspectiva de leitores e escritores.<br />

A conversa será antecedida de uma leitura<br />

de textos de Walser pelo elenco do espectáculo.


Biografias<br />

andresa soares<br />

Nasceu em 1978. Como intérprete participou<br />

em Fiore Nudo (a partir de Don<br />

Giovanni de Mozart, com enc. de Nuno M.<br />

Cardoso e dir. musical de Rui Massena),<br />

Yerma de Lorca e Equerma (ambos com enc.<br />

de Luís Castro), És tu Zé e Valsa Lenta 03 do<br />

coreógrafo José Laginha, Não há amor já<br />

feito (enc. António Feio). Como intérprete<br />

e criadora: Iscas de Peixe-piça – um tratado<br />

sobre o erotismo (com Carlos Monteiro<br />

e Sara de La Féria), performances Bloomgarden<br />

e Bloom-tree (co-criação com João<br />

Garcia Miguel, integradas no evento Bloom<br />

– Arte e jardins efémeros).<br />

No cinema participou em Rádio Relâmpago<br />

de José Nascimento, O Estratagema do<br />

Amor de Ricardo Aibéo e Mouth to Mouth de<br />

Alison Murray.<br />

cláudio da silva<br />

Iniciou o seu trabalho em teatro em O<br />

Sonho de Strindberg (com o grupo Acaso).<br />

Trabalhou com o Teatro Praga em O Canto<br />

do Noitibó a partir de Al Berto, Spanksgiving<br />

Day e O Desejo Agarrado Pelo Rabo de<br />

Picasso. Participou em Pompeia de Miguel<br />

Loureiro, Existência de João Fiadeiro, Teatro<br />

Fantasma de Carla Bolito e Cláudio da Silva,<br />

Corpo de Baile de Miguel Pereira, As Regras<br />

da Atracção de Rui Guilherme Lopes (a<br />

partir de Bret Easton Ellis) e Uma Laranja<br />

Mecânica de Anthony Burgess (encenações<br />

de Manuel Wiborg). Nos Artistas Unidos<br />

participou em Ruído de Joaquim Horta,<br />

À Espera de Godot de Beckett (enc. João<br />

Fiadeiro), O Navio dos Negros de Jorge Silva<br />

Melo, Falta (Crave) de Sarah Kane, Os Irmãos<br />

Geboers de Arne Sierens (encenações de<br />

Jorge Silva Melo), O Meu Blackie de Arne<br />

Sierens (enc. Cláudio da Silva) e O Nosso<br />

Hóspede de Joe Orton (enc. Manuel João<br />

Águas).<br />

No cinema participou em Aparelho<br />

Voador a Baixa Altitude e A Filha de Solveig<br />

Nordlund, Venus Velvet de Jorge Cramez, Os<br />

Cowboys da António Maria Cardoso de José<br />

Pinto Nogueira e Glamour de Luís Galvão<br />

Telles.<br />

david almeida<br />

No teatro representou em encenações de<br />

Luis Miguel Cintra, João Brites, Ricardo<br />

Aibéo, Marina Albuquerque, João Galante,<br />

António Pires, Jean Jourdheuil, Duarte<br />

Barrilaro Ruas e muitos outros, em peças<br />

como César Anticristo, O Jazigo, O Romance<br />

da Raposa, A Vida é Sonho, Tiestes, O Novo<br />

Menoza, Duas Farsas Conjugais, O Escurial,<br />

Elogio à Loucura, Eléctrica, Dino ou Sara,<br />

Peter Pan, Peregrinação, Germânia 3, entre<br />

outras.<br />

No cinema entrou em Quaresma de<br />

José Álvaro Morais, Ruy Blas de Jacques<br />

Weber, 8.8 e O Homem-Teatro de Edgar Pêra,<br />

Encados de Rodrigo Areias, Combat d’Amour<br />

en Songe de Raoul Ruiz, Aparelho Voador a<br />

Baixa Altitude de Solveig Nordlund, O aniversário<br />

do Banco de Fernando Vendrell, Facas e<br />

Anjos de Eduardo Guedes, As Bodas de Deus<br />

de João César Monteiro, Os Sete Pecados<br />

Mortais de João Poças, O Quinto Império de<br />

Manoel de Oliveira, O Comprador de Pombas<br />

de Rosa Coutinho Cabral, entre outros.<br />

dino alves<br />

Nasceu em 1967. Faz uma primeira apresentação<br />

nas Manobras de Maio de 1994<br />

e inicia colaborações para figurinos de


teatro. Tem vindo a conceber guarda-roupas<br />

para publicidade (Optimus), eventos<br />

de moda (Comme Ça du Mode), lançamentos<br />

de produtos (Fiat), concepção e styling<br />

para publicações e festas (Consigo, Dif, Lux,<br />

Notícias Magazine, On-fashion, Festival da<br />

Canção da RTP). Participou na exposição<br />

Arkhetypon (Centro Português de Design),<br />

no desfile Cosmopolis, na exposição de lançamento<br />

de Absolut Citron. Apresentou em<br />

Madrid parte da sua colecção de Inverno<br />

2003/4 e fez uma apresentação em Cabo<br />

Verde (em parceria com Osvaldo Martins).<br />

Fez a concepção, direcção artística e styling<br />

do calendário da Agência Face Models/SIC<br />

para 2003/4 e a intervenção de moda para a<br />

festa de aniversário do Espaço Lux.<br />

Criou figurinos para Os visitantes<br />

(Teatro Só), O menino ao colo (em parceria<br />

com Mário Oliveira, enc. Maria Emília<br />

Correia), Encontro com Rita Hayworth (enc.<br />

Fernando Heitor), Orgia de Pasolini (enc.<br />

João Grosso), Avalanche de Ana Bola (enc.<br />

António Pires), O Lobo Diogo e o Mosquito<br />

Valentim (Teatro de Marionetas do Porto),<br />

para além de espectáculos de Benvindo<br />

da Fonseca, Martinho Silva e Companhia<br />

Teatral Inestética.<br />

joana villaverde<br />

Artista plástica. Em 2001 fez a concepção<br />

artística de um painel de azulejos para o<br />

Município de Odivelas. Das suas exposições<br />

destacam-se: 5 portas 10 pinturas<br />

(Projecto Tabaqueira, 1998), a participação<br />

na Bienal da Maia (1999), 48 desenhos<br />

(Vila Simões, Lisboa, 2000), Este Ano<br />

(Casa dos Dias da Água, 2003), Construção<br />

(Sociedade Nacional de Belas Artes, 2003)<br />

– Identidades-Continuação #4 (Fundação<br />

EDP), Como se fosse uma Dança – Arte para<br />

Carlos Paredes (Cordoaria Nacional, 2004),<br />

Uma estante (Vale de Barris, Palmela, 2004),<br />

Casa das Artes de Tavira (2006), Scope Art<br />

Fair (Nova Iorque, 2006), Black & White<br />

Gallery (Nova Iorque, 2006), Colectiva de<br />

Pintura (Galeria Espacio Kubiko, Madrid,<br />

2005/2006), Individual de Pintura/Desenho<br />

(Galeria Formato Cómodo, Madrid, 2006),<br />

Individual de Pintura/Desenho (Sala do<br />

Veado, Lisboa, 2006). Em 2004 publica o livro<br />

Emma, com textos de Mafalda Ivo Cruz,<br />

editado pela Cavalo de Ferro.<br />

No teatro fez a cenografia de Duas Farsas<br />

Conjugais de Feydeau e César Anticristo<br />

de Jarry (enc. Ricardo Aibéo). No cinema<br />

foi chefe de guarda-roupa nos filmes Rio<br />

Vermelho de Raquel Freire, O Envelope de<br />

Margarida Ferreira de Almeida, Altifalante<br />

de Fernando Matos Silva e Os Mutantes<br />

de Teresa Villaverde. Trabalhou ainda em<br />

decoração e adereços dos filmes Senhor<br />

Jerónimo de Inês de Medeiros, A Comédia<br />

de Deus de João César Monteiro, Antárctida<br />

de Manuel Huerga, Três Irmãos e A Idade<br />

Maior de Teresa Villaverde, Belle-Époque<br />

de Fernando Trueba, Alcibíades de Sérgio<br />

Tréfaut, O Medo de Luís Alvarães e O Ruído<br />

de Pedro Ruivo. Fez produção e assistência<br />

de realização nos documentários Let’s<br />

talk about it now de Margarida Ferreira de<br />

Almeida e O amor não me engana de Teresa<br />

Villaverde.<br />

josé álvaro correia<br />

Nasceu em 1976. Iniciou o seu percurso<br />

teatral no projecto 4º Período, o do Prazer,<br />

orientado por António Fonseca. Entre<br />

outros encenadores já trabalhou com<br />

António Fonseca, Rogério de Carvalho,<br />

Mário Barradas, Luís Assis, José Carretas,<br />

Marcos Barbosa, Carlos Pimenta, Diogo<br />

Infante, Pierre Voltz, Andrejv Sadowsky,<br />

João Lourenço e Nuno Cardoso. Orienta<br />

vários workshops e acções de formação na<br />

área de Iluminação para espectáculos.


lígia soares<br />

Nasceu em 1978. Na companhia Sensurround<br />

foi intérprete nas performances Procura-se,<br />

Realidade Real, Sensurround; com o Teatro<br />

Focus nas peças Lilases (baseado em Haute<br />

Surveillance de Genet), Auto da Índia de Gil<br />

Vicente, Conto de Natal de Charles Dickens;<br />

com enc. de António Feio, Não há amor já<br />

feito.<br />

De Setembro de 2004 a Setembro de<br />

2005 foi artista residente na Tanzfabrik-<br />

-Berlin com a bolsa de Especialização e<br />

Valorização Artística e Profissional da<br />

Fundação Calouste Gulbenkian, onde criou<br />

várias performances.<br />

No cinema foi intérprete em Lumiar de<br />

Nádia Rodrigues, Ordo de Laurence Ferreira<br />

Barbosa, O Estratagema do Amor de Ricardo<br />

Aibéo, Vai-Vem e Le Bassin de John Wayne<br />

de João César Monteiro.<br />

ricardo aibéo<br />

Nasceu em 1963. No teatro trabalhou<br />

com os encenadores Luís Miguel Cintra,<br />

Christine Laurent, Sandra Faleiro, António<br />

Pires e João Perry em peças de Tchekov,<br />

Fassbinder, Brecht, António José da Silva,<br />

Camões, Heiner Müller, Shakespeare,<br />

Stravinsky/Ramuz, Lenz, Grabbe, Hölderlin,<br />

Gil Vicente, Molnár, Lorca, Strindberg, Philip<br />

Ridley, J. M. Barrie, J.-C. Biette. Encenou e<br />

interpretou César Anticristo de Jarry, Duas<br />

Farsas Conjugais de Feydeau e Hamlet de<br />

Luis Buñuel.<br />

No cinema entrou nas longas-metragens<br />

A Meu Favor e André Valente de Catarina<br />

Ruivo, Quaresma e Peixe-Lua de José Álvaro<br />

Morais, Rasganço de Raquel Freire, Combat<br />

d’Amour en Songe de Raoul Ruíz, António,<br />

um Rapaz de Lisboa de Jorge Silva Melo,<br />

Quando Troveja de Manuel Mozos, Três<br />

Pontes Sobre o Rio de Jean-Claude Biette,<br />

Glória de Manuela Viegas e em curtas-metragens<br />

de Jorge Cramez, Daniel Blaufuks,<br />

Luís Fonseca, Carlos Braga, Jeanne Waltz,<br />

Rita Nunes. Realizou a curta-metragem O<br />

Estratagema do Amor.<br />

sofia marques<br />

Nasceu em 1976. Tem colaborado com o<br />

Teatro da Cornucópia, onde entrou em<br />

A Máquina Hamlet de Heiner Müller, Um<br />

Sonho de Strindberg, Quando Passarem<br />

Cinco Anos de Lorca, O Casamento de<br />

Fígaro de Beaumarchais, Amor/Enganos<br />

de Gil Vicente, Cimbelino de Shakespeare,<br />

A Morte de Empédocles de Hölderlin, O<br />

Colar de Sophia de Mello Breyner, História<br />

do Soldado de Stravinsky e Filodemo<br />

de Camões (encenações de Luis Miguel<br />

Cintra) e em Barba Azul de Jean-Claude<br />

Biette, O Lírio de Molnár e D. João e Fausto<br />

de Grabbe com encenações de Christine<br />

Laurent. Entrou ainda nas peças: Hamlet<br />

de Luis Buñuel, Duas Farsas Conjugais<br />

de Feydeau, César Anticristo de Jarry (encenadas<br />

por Ricardo Aibéo), Cândido de<br />

Voltaire (enc. Cândido Ferreira), Silêncio<br />

de Sarraute (enc. Diogo Dória), O Despertar<br />

da Primavera de Wedekind (enc. António<br />

Fonseca), Audição Mecânica para Treze<br />

Actrizes de Raphaele Billetdoux (enc.<br />

Graça Corrêa), O Crime da Aldeia Velha<br />

de Santareno (enc. Carlos Avilez), Área de<br />

Risco (autoria e enc. Paulo Filipe Monteiro),<br />

Agatha Agatha de Marguerite Duras (enc.<br />

Miguel Moreira).<br />

Participou nas longas metragens Três<br />

Pontes Sobre o Rio de Jean-Claude Biette,<br />

As Bodas de Deus de João César Monteiro,<br />

Rasganço de Raquel Freire e Em Volta de<br />

Ivo Ferreira. Entrou nas curtas metragens<br />

O Estratagema do Amor de Ricardo Aibéo<br />

e Anjo Negro de Carlos Braga. Na televisão<br />

entrou nas séries S.O.S. Criança e Super Pai.


próximo espectáculo<br />

cinema 22, 23 e 24 de setembro<br />

18h30 e 21h30 · pequeno auditório<br />

Figuras da Dança<br />

no Cinema II<br />

Retomam-se os princípios programáticos<br />

que sugeriram a edição anterior, que decorreu<br />

em Abril e Maio do ano passado, explorando<br />

as relações entre a dança e o cinema<br />

de vanguarda. Pretende-se abrir o campo<br />

aparentemente restrito do filme de dança<br />

às suas formas estendidas, discutindo num<br />

contexto particular de uma programação<br />

a emergência de uma categoria singular<br />

e abrangente na história do cinema e que<br />

constitui na sua variedade um espantoso<br />

campo de invenção formal e de reflexão.<br />

O programa é composto por sessões<br />

que aproximam uma série de filmes a esta<br />

ideia abrangente do que pode ser o cruzamento<br />

entre a dança e o cinema: cinco<br />

reformulações cinematográficas de uma<br />

“estética blues”, influenciada pela música<br />

e danças populares de raiz afro-americana;<br />

uma versão pouco conhecida de Salomé de<br />

Oscar Wilde, filmada pelo cineasta mexicano<br />

Teo Hernandez; um tributo a Paul<br />

Swan, bailarino cuja história e influência<br />

se prolongam do início do século XX ao<br />

underground nova-iorquino da década de<br />

60; uma extrapolação a partir da geometria,<br />

variação e combinatória dos gestos<br />

e de uma figura, o quadrado, feita a partir<br />

de Quad I e II de Samuel Beckett e por fim<br />

uma selecção da obra em filme do artista<br />

norte-americano Jack Goldstein que para<br />

aqui se convoca pelo trabalho importante<br />

de reflexão sobre as ordenações entre o<br />

movimento e o espaço na imagem cinematográfica.<br />

os portadores de bilhete para o espectáculo têm acesso ao parque de estacionamento da caixa geral de depósitos.


conselho de administração<br />

presidente manuel josé vaz<br />

vice-presidente miguel lobo antunes<br />

vogal luís dos santos ferro<br />

assessores<br />

dança gil mendo<br />

teatro francisco frazão<br />

arte contemporânea miguel wandschneider<br />

serviço educativo raquel ribeiro dos santos<br />

direcção de produção<br />

margarida mota<br />

produção e secretariado<br />

patrícia blazquez<br />

mariana cardoso de lemos<br />

jorge epifânio<br />

exposições<br />

produção e montagem antónio sequeira lopes<br />

produção paula tavares dos santos<br />

montagem fernando teixeira<br />

culturgest porto susana sameiro<br />

comunicação<br />

filipe folhadela moreira<br />

estagiária teresa nunes<br />

publicações<br />

marta cardoso<br />

rosário sousa machado<br />

actividades comerciais<br />

catarina carmona<br />

serviços administrativos e financeiros<br />

cristina ribeiro<br />

paulo silva<br />

produção<br />

co-produção<br />

<strong>Culturgest</strong>, uma casa do mundo.<br />

informações 21 790 51 55<br />

edifício sede da cgd, rua arco do cego, 1000-300 lisboa<br />

culturgest@cgd.pt • www.culturgest.pt<br />

direcção técnica<br />

eugénio sena<br />

direcção de cena e luzes<br />

horácio fernandes<br />

audiovisuais<br />

chefe de imagem américo firmino<br />

chefe de audio paulo abrantes<br />

tiago bernardo<br />

iluminação de cena<br />

chefe fernando ricardo<br />

nuno alves<br />

maquinaria de cena<br />

chefe josé luís pereira<br />

alcino ferreira<br />

técnico auxiliar<br />

álvaro coelho<br />

frente de casa<br />

rute moraes bastos<br />

bilheteira<br />

manuela fialho<br />

edgar andrade<br />

joana marto<br />

recepção<br />

teresa figueiredo<br />

sofia fernandes<br />

auxiliar administrativo<br />

nuno cunha<br />

apoios<br />

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