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Débora fez 18 anos há três meses e anda muito preocupada com esse negócio de envelhecer. Acredita que seu corpo entrou em decadência, motivo pelo qual passou a malhar numa academia de ginástica da rua Augusta. A manutenção da boa forma está diretamente ligada aos maiores projetos de Débora: ser atriz de novela ou dançarina de axé. Fã de Cláudia Raia, dorme todas as noites rodeada por dezenas de fotos da estrela global. Como, porém, já amadureceu o suficiente para entender que ninguém vive só de sonho, traz na manga um segundo plano, bem menos ambicioso, mas que não lhe desagrada de todo: ganhar a vida limpando as casas da classe média paulistana. Tornar-se uma empregada doméstica já seria, na visão dela, um pequeno salto na escala social. Há quatro anos, Débora mantém a família vendendo talões de recibos e chicletes diet na esquina das ruas Caio Prado e Consolação, no Centro da cidade. Em 2001, ela era uma das 123 mil meninas de 10 a 15 anos que, segundo relatório da Unicef, trabalhavam no “comércio REVISTA DOS BANCÁRIOS | 7
de mercadorias” em todo o território nacional. No ano seguinte, com o nascimento de Maicon Douglas, seu primeiro filho, passou a integrar uma comunidade estatística bem maior, a das mães adolescentes. A cada ano – ainda de acordo com a Unicef, que cruza informações do IBGE e de outros órgãos oficiais –, 1 milhão de brasileiras dão à luz antes de entrar na maioridade, num processo de gravidez precoce que médicos, autoridades, ONGs e especialistas consideram prejudicial ao desenvolvimento da pessoa e da sociedade. O que levou Débora a se incomodar tão cedo com o próprio envelhecimento foram as alterações no corpo provocadas pela segunda gravidez, também comum entre as jovens. O surgimento de Ana Caroline Kerolaine, há onze meses, colocou a brasileira da Caio Prado no grupo de 30% a 40% das meninas que voltam a ser gestantes num prazo de três anos após o primeiro parto, segundo números da Associação Paulista de Adolescência, entidade que agrega profissionais de várias áreas médicas. Essas porcentagens todas, bem como os debates em torno delas, nada dizem a Débora. Entre um e outro sonho, ela está mais preocupada em obter os reais necessários à sobrevivência familiar. Além dos dois filhos, moram na mesma casa a mãe e a irmã de 13 anos. Para pôr comida na mesa, pagar o aluguel e cobrir outras despesas, Débora levanta às 4 da manhã, vai ao Vale do Anhangabaú se abastecer de mercadorias, assume seu posto na esquina de sempre e só retorna para casa às 9 da noite. Cumpre o ritual de segunda a sexta, seja qual for a intensidade da chuva, do calor ou do frio. Nos fins de semana, reserva um tempo para a academia da Augusta, que ela freqüenta sem desembolsar os centavos do semáforo. “Tem um senhor de 80 anos que quer casar com minha mãe e paga a academia pra mim”, explica. A mãe, de 36 anos, está sempre por perto, cuidando para que a filha sonhadora se concentre na tarefa de oferecer recibos e chicletes a taxistas e motoristas em geral. Exigência difícil de ser cumprida, porque o que não falta são marmanjos querendo desviá-la de seus afazeres. Quando Débora afirma que sabe lavar, passar e cozinhar – credenciais para o trabalho nas “casas de família” – um homem que passa por ali, e que aparenta alguma intimidade com a moça, não perde a oportunidade de sairse com um gracejo: “Se é assim, vou te levar lá pra casa!”. Ela sorri e desconversa. O assédio sexual é um dos principais incômodos para adolescentes que trabalham nas ruas, freqüen- 8 | REVISTA DOS BANCÁRIOS temente vistas como garotas à disposição do primeiro que passar. Em locais muito movimentados isso não chega a ser um grande problema, já que os próprios colegas de ponto se encarregam de afastar os mais insistentes. “Com a gente por aqui, o povo se intimida um pouco”, comenta um dos muitos vendedores que disputam com Débora a atenção da freguesia motorizada. Sem infância Essa rede solidária de proteção é uma constante nas calçadas que abrigam as jovens vendedoras, mesmo nos lugares onde a segurança oficial, patrocinada pelo Estado, está ao alcance da vista. Para o pessoal que vende bugigangas na avenida Tiradentes, a imponente presença do Quartel Geral da Polícia Militar de São Paulo, a poucos metros dali, é um detalhe sem importância na paisagem barulhenta e poluída daquela região. Quando o assunto é garantir a integridade das duas meninas que se arriscam diariamente entre carros, ônibus e caminhões, ninguém se lembra de citar a proximidade de centenas de policiais como fator positivo. “Aqui não tem problema. Nós ficamos de olho nelas”, resume um rapaz de 25 anos que ganha a vida vendendo réplicas infláveis do Homem Aranha e do Bob Esponja. As protegidas são as irmãs Flávia, de 11 anos, e Márcia, de 10, apresentadas aqui com nomes fictícios. Os heróis de plástico, comuns naquele ponto, fazem grande sucesso entre a molecada que passa no banco traseiro dos carros, mas não despertam nenhum interesse nas jovens trabalhado-
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