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dio vizinho minha mãe dizia: ´vai brincar, fica rindo.<br />

Enquanto isso, queimava folhetos na cozinha....-<br />

Acho que essa é uma história que não acaba nunca”,<br />

afirma.<br />

Arte e política<br />

Assim como a arte, portanto, a política marcava definitivamente<br />

a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> família. Sem formação acadêmica<br />

– depois do ensino primário estudou artes gráficas<br />

por dois anos e começou a trabalhar –, Elias continuou<br />

a fazer bonecos por to<strong>da</strong> a adolescência, até<br />

formar um grupo que “andou e desandou” pelas periferias,<br />

centros culturais e comuni<strong>da</strong>des ju<strong>da</strong>icas de<br />

esquer<strong>da</strong>. Embora tenha pertencido à juventude do<br />

Partido Comunista, não resistiu à camisa-de-força dos<br />

extremos. Decidiu então tratar de realizar seu grande<br />

sonho, que era o mesmo que unia pensadores, intelectuais<br />

e artistas <strong>da</strong> primeira metade do século passado:<br />

a busca <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de latino-americana.<br />

A idéia era chegar até o México, mas, por sorte ou<br />

destino, no meio do caminho havia o Brasil. “No filme<br />

do Walter Salles (Diários de Motocicleta) Che Guevara<br />

e o colega an<strong>da</strong>m de moto pelos países latinos<br />

e passam pelos mesmos lugares que a gente passou,<br />

só que três anos antes. Havia então essa mística de<br />

encontrar a identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> América Latina... Cuzco e<br />

Machu Pichu foram lugares definitivos para mim como<br />

experiência”, conta. Quando Krugli decidiu mu<strong>da</strong>r<br />

a rota e partir para o Brasil, a bordo do trem <strong>da</strong><br />

morte boliviano, veio com a orientação de procurar<br />

no Rio o artista Augusto Rodrigues (1913-1993).<br />

Era 1961 e seu grupo <strong>original</strong>, Ta-Te-Ti (jogo <strong>da</strong> velha)<br />

já mu<strong>da</strong>ra de nome e ganhara identi<strong>da</strong>de. Os<br />

bonecos tinham personali<strong>da</strong>de própria, distinta dos<br />

mamulengos manejados apenas com as mãos. Rodrigues,<br />

por sua vez, fun<strong>da</strong>ra há pouco mais de uma<br />

déca<strong>da</strong> a Escolinha de Arte do Brasil, apostando na<br />

idéia de ensino <strong>da</strong> arte como parte fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong><br />

educação. “Fiquei 11 anos na escolinha. Fazíamos espetáculos<br />

e um trabalho muito rico com crianças,<br />

não era só o teatro”, relembra.<br />

A arte como fonte de educação e base do processo<br />

de crescimento e mu<strong>da</strong>nça encantava Rodrigues,<br />

Krugli e mais de uma dezena de profissionais. Anízio<br />

Teixeira, com suas escolas-parque (embrião dos<br />

CEUs), o sociólogo Darcy Ribeiro, a educadora Helena<br />

Antipoff e a psiquiatra Nise <strong>da</strong> Silveira, criadora<br />

do Museu do Inconsciente, estavam entre eles.<br />

Com Nise, cuja atuação marcou a luta pelo tratamento<br />

de doentes mentais sem o recurso do eletrochoque<br />

e métodos próximos <strong>da</strong> tortura, Ilo Krugli<br />

descobriu Jung; mais tarde, o filho de pai ateu se<br />

renderia também ao misticismo afro-brasileiro do<br />

candomblé. A intensi<strong>da</strong>de do trabalho no Brasil vingou<br />

rapi<strong>da</strong>mente: dois anos após sua chega<strong>da</strong>, nascia<br />

na Escolinha de Artes A História do Barquinho,<br />

um dos espetáculos mais premiados de Krugli e até<br />

hoje apresentado.<br />

“Trabalhar com Ilo e Pedro (Turón Domingues,<br />

artista argentino que estava com Krugli no início <strong>da</strong><br />

carreira no Brasil) foi o privilégio de estar entre gênios.<br />

Gênios podem ser centralizadores, problemáticos,<br />

muitas coisas, mas são acima de tudo brilhan-<br />

tes. Eu tive essa grande alegria, que transformou minha<br />

vi<strong>da</strong>”, afirma a artista Silvia Aderne, do grupo<br />

de teatro carioca Hombu, formado quando Krugli<br />

decidiu seguir para São Paulo com o Ventoforte. As<br />

múltiplas artes ensina<strong>da</strong>s na escolinha, os bonecos<br />

que fugiam do convencional, eram iniciativas criativas<br />

que apontavam o surgimento de uma nova linguagem<br />

artística e didática, mas por muito pouco o<br />

artista não zarpa definitivamente do Brasil: seguindo<br />

seu coração, foi morar no Chile de Allende em<br />

pleno golpe militar. “O amor também estimula certas<br />

rupturas, não é?”, diz, sorrindo.<br />

Assustado com as atroci<strong>da</strong>des <strong>da</strong> ditadura, conseguiu<br />

fugir dos chilenos, mas não escapou dos militares<br />

brasileiros: durante anos, colecionou histórias<br />

com a repressão e a censura. Algumas trágicas, como<br />

a perseguição de que foi vítima durante anos e<br />

o assassinato do colega de trabalho Luiz Martins.<br />

Outras quase cômicas, como a <strong>da</strong> caderneta do araponga<br />

que a amiga Dulce Maia (irmã de Carlito<br />

Maia)“seqüestrou” numa noite de prêmio Molière,<br />

só descobrindo mais tarde que se tratavam <strong>da</strong>s anotações<br />

de um espião.<br />

Vento firme<br />

Com o Ventoforte, criado há 31 anos e desde 1981<br />

em São Paulo, Krugli já acumulou quase cinco dezenas<br />

de prêmios – os mais recentes são dois Shell<br />

de Teatro 2004, pela música e cenário de Bo<strong>da</strong>s de<br />

Sangue, do poeta espanhol, a quem dedicava espetáculos<br />

a ca<strong>da</strong> déca<strong>da</strong> e, hoje, a qualquer tempo,<br />

como homenagem atemporal. O fato de ser um dos<br />

mais antigos e premiados do País, afirma, não lhe<br />

traz privilégios ao disputar aju<strong>da</strong> financeira. Inserido<br />

na lei de fomento municipal (um dos novos<br />

projetos deve ser o que resgata o trabalho de Nise<br />

<strong>da</strong> Silveira), um dos poucos senões admitidos pelo<br />

artista surge quando pensa em quanto poderia colaborar<br />

com as novas gerações, em especial num<br />

país em que a educação infantil é tão ruim, e começa<br />

a se sentir “um pouco jogado fora”. Não se<br />

parece com um lamento, mas vontade de ir adiante.<br />

Gosto de ensinar e a arte é a melhor pe<strong>da</strong>gogia”,<br />

lembra.<br />

Há alguns anos, Krugli ficou muito doente. Descobriu,<br />

com déca<strong>da</strong>s de atraso, que tem alergia ao<br />

glúten. Começou a se cui<strong>da</strong>r e hoje dificilmente alguém<br />

<strong>da</strong>ria os 74 anos que tem ao vê-lo atuar. Ilo<br />

Krugli não se casou nem teve filhos. Mas vê nos amigos<br />

que o acompanham uma forma de família. E,<br />

mesmo sem herdeiros formais, tem garanti<strong>da</strong> a continui<strong>da</strong>de<br />

do projeto que marca sua trajetória. “A primeira<br />

vez que o vi, em ‘A História do Barquinho’, fiquei<br />

fascinado. Ele se tornou referência de um bom<br />

trabalho e hoje é mais que isso. Sua relação com a<br />

arte é um exemplo que procuro seguir, porque existe<br />

respeito. Para ele, primeiro vem o trabalho artístico,<br />

depois o resto. E sabe que desde que comecei a<br />

pensar assim fiquei mais feliz? Menos preocupado<br />

com o mercado, a mídia; tem <strong>da</strong>do muito mais certo<br />

assim”, revela Henrique Sitchin, diretor <strong>da</strong> Cia.<br />

Truks que, como Krugli, desenvolve trabalho com<br />

teatro de animação em São Paulo. ❚<br />

ESPAÇO ABERTO<br />

Situado em terreno <strong>da</strong> Caixa<br />

Econômica Federal, anexo<br />

ao Parque do Povo, no<br />

Itaim Bibi, a área física do<br />

Ventoforte lembra um<br />

quintal antigo. Desde que<br />

o grupo a ocupou, foram<br />

planta<strong>da</strong>s árvores e construídos<br />

os palcos e demais<br />

acomo<strong>da</strong>ções, entre elas a<br />

casa onde vive atualmente<br />

o diretor. Ali, não há sofisticação.<br />

O Ventoforte é espaço<br />

aberto, no qual artistas<br />

e público convivem com<br />

plantas e bichos como passarinhos<br />

e os cachorros de<br />

raça indefini<strong>da</strong> que lá encontram<br />

refúgio. Em seu<br />

entorno, estão moradias<br />

de famílias pobres, cujas<br />

crianças entram sem cerimônia<br />

na casa cultural. Algumas<br />

sabem de cor as falas<br />

e participam de oficinas,<br />

como a de bor<strong>da</strong>do. “-<br />

Elas aju<strong>da</strong>m no espetáculo<br />

<strong>da</strong>ndo dicas que despistam<br />

o público”, explica o<br />

dramaturgo.<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 27

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