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estabilidade é de uma má-fé... e todos os jornalistas chamaram isso de estabilidade. Outra coisa interessante é se você pegar os relatórios do Fundo Monetário Internacional: lá se vê que as taxas de inflação da América Latina estão em alta em 1993, 1994, e todas caem. Cerca de quarenta países que tinham inflação a liquidaram. Caiu por toda parte. Aqui se gera o processo de globalização financeira, todo o sistema que permite com a ´bitização´ (o dinheiro eletrônico, feito bit, sem forma física) ganhar no sistema especulativo internacional, e quem tem moeda que não é conversível por excesso de inflação não entra no jogo. Resultado, os banqueiros de todo o planeta passaram a apoiar a contenção da inflação. RdB – O governo anterior se diz guardião da moralidade, mas existe algum corrupto que conseguiria dar um prejuízo desse tamanho, de R$ 700 bilhões ? Dowbor – De maneira alguma. Se você ler o livro do Joseph Stiglitz, Os Malefícios da Globalização, ele mostra o banditismo que isso representa. Você pode pegar outro livro, do John Perkins, Confessions of an Economic Hit Man, é muito interessante. Ele trabalhava para as grandes empresas, era economistachefe, foi para a Arábia Saudita e disseram: “Você como economista vai chegar à conclusão que se esse país investir X bilhões em infra-estrutura energética, aeroportos, etc., crescerá 12% ao ano”. Ele sabia que 12% eram irrealistas, mas se tratava de montar junto com os grandes grupos os projetos, a análise, torcendo os números para mostrar que isso levaria a 12% de crescimento; portanto a capacidade de endividamento era tanto. Aí o Banco Mundial liberava os recursos, porque esses grupos têm conexões. Com isso a Arábia Saudita se endividava, não se atingia nem 3%, 4% de crescimento, mas com os gastos feitos o país fica endividado e, a partir desse momento, a dívida se transforma numa alavanca de outras negociações. Está endividado, então a gente renegocia os contratos de petróleo etc. RdB – Quando se fala que a política econômica atual é igual à do governo anterior tem lógica? Dowbor – É uma política em dois tempos. Você tem uma política baseada na visão que não há correlação de forças para enfrentar o sistema especulativo nacional e internacional. Eles consideram que não há como enfrentar os Soros (alusão ao megainvestidor húngaro George Soros) da vida e os especuladores internos, daí a manutenção das taxas de juros que estão enchendo os bolsos de banqueiros e de rentistas (os que vivem de renda) que dividem os spreads (diferença entre o custo de captação de recursos e o custo da taxa de empréstimos) com os bancos. Mas, por outro lado, trabalha-se numa frente de países que têm problemas em comum, Índia, África do Sul, Rússia, para juntar interesses e permitir uma renegociação desse processo. Além dessa frente internacional, outra estratégia é da diminuição da dívida em dólar para reduzir a vulnerabilidade externa, por meio do superávit comercial. No ano passado foram 32 bilhões de dólares. Essa área não es- tá imóvel, está preparando uma mudança na relação de forças. E há outro eixo, que é a Caixa Econômica Federal, o BNB, o FAT, o Banco do Brasil, o BNDES, um conjunto de áreas que aumenta investimentos. Por exemplo, na área de saneamento, o investimento foi mais que duplicado, o Pronaf foi mais que duplicado, atinge 5 milhões de famílias, 30 milhões de pessoas; a sistematização do Fome Zero etc. Está na moda desancar o Fome Zero, mas a diferença entre uma família receber ou não receber 70, 80 reais, é a diferença entre a criança comer ou não comer. Significa crianças normais ou com problemas pelo resto da vida. São 6 milhões de famílias. Aqui não vê quem não quer. RdB – Mas há um gargalo no Brasil, que é a má distribuição de renda... Há saída? Dowbor – É “O” gargalo. Veja bem, se você pega o trabalho do Paul Singer com economia solidária, os avanços que estão se fazendo com as tecnologias sociais na Fundação Banco do Brasil; se você pega o microcrédito do BNB, mudanças organizacionais, como em Santa Catarina, em que o Estado foi dividido em 29 regiões e os 293 municípios que estão sendo administrados por programas integrados regionais, o dinheiro não passa mais por uma secretaria de Educação, Saúde, vai direto. E mais, a gestão é paritária, com prefeitos, representantes de Câmaras e da sociedade civil. Na base do País parece que o povo cansou de esperar. Eu acho que a jogada mais importante é conseguir conectar essa faixa aqui, BNB, BNDES etc., não presa ao acordo geral da área financeira, para dinamizar essas atividades na base da sociedade. Isso envolve tanto coisas do tipo Fome Zero como Frentes de Trabalho e programas das tecnologias sociais Todas essas coisas estão gerando uma transformação que a meu ver é estrutural. Não acho que haverá redistribuição de renda no País simplesmente por boa vontade das elites. As atividades que estruturam a população mudam a relação de força. RdB – A estratégia clássica de aumentar salário, transferir renda do setor financeiro, cortando juros, para o setor produtivo... esses caminhos estão travados? Dowbor – A concentração de renda não é herdada apenas, ela se reproduz diariamente porque existe uma relação de forças que, concretamente, o Lula está sentindo. É necessário reequilibrar o sistema de poder. Eu estou batalhando muito, por exemplo, para a introdução nas escolas municipais do estudo do próprio município, para gerar gente que saiba quanta terra parada há, quais são os recursos subutilizados, a quem pertence o quê, todas essas coisas, para criar cidadão. Eu vejo muito que é uma construção política pela base da sociedade para reequilibrar o poder... É necessário esse reequilíbrio e uma articulação internacional, a redução da vulnerabilidade externa, tudo isso converge para a possibilidade de transformações. Possibilidade apenas, porque política é trapézio sem rede de proteção. ❚ Leia íntegra da entrevista no www.spbancarios.com.br/rb FOTOS: GERARDO LAZZARI Está na moda desancar o Fome Zero, mas a diferença entre uma família receber ou não receber 70, 80 reais, é a diferença entre a criança comer ou não comer REVISTA DOS BANCÁRIOS | 17
CAPA SOBERANO NA PAISAGEM Quando foi concluído, o Martinelli era o prédio mais alto da América Latina, um marco digno de ser sobrevoado pelo Hindemburg em sua passagem pelo Brasil nos anos 30 O Edifício Martinelli mantém sua arquitetura e charme sonhados nos anos 20 e continua a pulsar e surpreender no cotidiano do Centro Velho Por Jair Rosa VOVÔ DOS ARRANHA-CÉUS Uma grande leva de imigrantes italianos tinha plantado definitivamente suas raízes em São Paulo nos anos 20 quando um deles, já entrado na casa dos 50, ousou sonhar para a cidade o primeiro arranha-céu. Depois de pronto, o arrojado projeto arquitetônico não admitiria comparações nacionalmente nem em toda a América Latina. Até chegar lá, seu idealizador teve de levar 18 | REVISTA DOS BANCÁRIOS REPRODUÇÃO REPRODUÇÃO adiante uma empreitada longa e cercada de situações polêmicas, mas se teve motivos para arrependimento é porque não pôde vislumbrar o alcance de sua obra: ainda hoje, esse respeitável vovô dos espigões, o edifício Martinelli, continua a fascinar por sua história e arquitetura e surpreende a cada nova reforma (veja destaque na página 19). Nascido em Lucca, uma das cidades medievais da região da Toscana, na Itália, Giu- seppe Martinelli, o imigrante que morreu comendador, mandou construir seu palacete no alto do edifício de 25 andares (inicialmente seriam modestos 14) batizado com seu sobrenome. Ali, conta-se, realizava grandes festas das quais se podiam ver as belas noites de uma São Paulo ainda despoluída. A fama da obra correu mundo, não apenas pelo tamanho (considerado o maior edifício em concreto armado do planeta), mas pela luxuosa ornamenta-
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