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Não há uma<br />
empresa no<br />
Brasil que<br />
tenha a<br />
competitivi<strong>da</strong>de<br />
de uma ONG.<br />
Tanto que hoje<br />
multinacionais<br />
estu<strong>da</strong>m o<br />
sistema de<br />
comunicação e<br />
de organização<br />
<strong>da</strong> Pastoral<br />
<strong>da</strong> Criança<br />
16 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />
ponsável por 50% <strong>da</strong>s que<strong>da</strong>s de mortali<strong>da</strong>de infantil<br />
e 80% <strong>da</strong>s hospitalizações. A gente pensa, isso é<br />
trabalho voluntário, não é economia, mas você pode<br />
fazer o seguinte cálculo: quanto economiza a família<br />
que não tem os filhos doentes? Que a mãe não<br />
perde dias de trabalho porque os filhos não estão<br />
doentes? E pense que o custo por criança é de R$<br />
1,15 por mês. Não há uma empresa no Brasil que<br />
tenha a competitivi<strong>da</strong>de de uma ONG. Tanto assim<br />
que hoje multinacionais estu<strong>da</strong>m o sistema de comunicação<br />
e de organização <strong>da</strong> Pastoral <strong>da</strong> Criança.<br />
É baseado numa rede, não tem dezenas de hierarquias,<br />
gerentes, subgerentes, assessoria de O&M, essas<br />
coisas. É uma estrutura enxuta, traz coisas úteis,<br />
realiza grandes economias e, pelo fato de reduzir a<br />
mortali<strong>da</strong>de infantil, está trazendo para o País um<br />
produto significativo.<br />
Isso é um desafio, onde colocamos esse tipo de ativi<strong>da</strong>de.<br />
Pode-se dizer que o trabalho voluntário está<br />
substituindo empregos de médicos, enfermeiros,<br />
que seriam pagos com carteira assina<strong>da</strong> etc... Um<br />
tempo atrás publiquei um artigo sobre promoção de<br />
frentes de trabalho na (revista) Caros Amigos e um<br />
rapaz escreveu dizendo que há tantos anos batalhamos<br />
para que as pessoas tenham carteira assina<strong>da</strong>,<br />
direitos sociais, e agora o senhor propõe uma coisa<br />
de categoria inferior.... Eu disse: se você consegue arrumar<br />
emprego para dezenas de milhões de pessoas<br />
com carteira assina<strong>da</strong> no setor privado eu esqueço<br />
as frentes de trabalho. Mas não é viável.<br />
RdB – Por que não é viável?<br />
Dowbor – O fato é que os países que se desenvolveram<br />
e industrializaram de maneira ampla (ocuparam<br />
espaço no processo industrial que chegou a atingir<br />
40% <strong>da</strong> população ativa), evoluíram hoje para<br />
um conjunto de ativi<strong>da</strong>des que a gente chama de serviços,<br />
mas são muito mais amplos, na área social, na<br />
área de apoio à produção.<br />
Nesses países o apoio à produção é internacional,<br />
eles capitalizam o mercado de trabalho nobre, que<br />
prestam por meio de grandes corporações no planeta<br />
todo, o que gera um nível de emprego relativamente<br />
mais dinâmico. Em publici<strong>da</strong>de, advocacia,<br />
contabili<strong>da</strong>de; um conjunto de serviços que se expandiu<br />
e é concentrado nos países desenvolvidos. Expandiu<br />
muito entre eles também o emprego nas áreas<br />
sociais, educação saúde, essas coisas. O principal setor<br />
econômico dos Estados Unidos hoje é a saúde,<br />
com 15% do PIB, e todos os setores industriais detêm<br />
16% do PIB. E são áreas intensivas em emprego.<br />
É interessante lembrar que 15 milhões de pessoas<br />
nos Estados Unidos trabalham no terceiro setor,<br />
que contribui com cerca de 700 bilhões de dólares<br />
para o PIB norte-americano.<br />
RdB – Em ONGs?<br />
Dowbor – Mais que ONGs, são organizações mais<br />
amplas, organizações <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil. De certa maneira<br />
a proposta é uma reapropriação de um conjunto<br />
de ativi<strong>da</strong>des que não necessariamente precisem<br />
ser presta<strong>da</strong>s por empresas e que são produtivas<br />
quando a população se ocupa delas se associan-<br />
do diretamente. O exemplo que espantou foi o do<br />
microcrédito, de Bangladesh, em que as pessoas viram<br />
que fazendo a intermediação financeira entre<br />
elas, não pagando fábulas aos intermediários financeiros<br />
que terminam por monopolizar esse processo,<br />
a gente pode tornar o crédito muito mais barato<br />
e dinamizar uma série de ativi<strong>da</strong>des. Nós temos<br />
que dinamizar um conjunto de ativi<strong>da</strong>des que são<br />
socialmente úteis por meio de processos associativos.<br />
O que eu digo é que o emprego formal no<br />
setor privado somado ao emprego formal no setor<br />
público são absolutamente insuficientes para<br />
utilizar de maneira adequa<strong>da</strong> o gigantesco estoque<br />
de força de trabalho subutiliza<strong>da</strong> que temos.<br />
RdB – Qual é a alternativa, então?<br />
Dowbor – Uma pessoa que tem trabalhado isso<br />
muitíssimo, em torno do conceito de trabalho<br />
decente, que está se tornando política <strong>da</strong> Organização<br />
Internacional do Trabalho, é Ignacy Sachs.<br />
Não precisa ser necessariamente o trabalho formal,<br />
com carteira assina<strong>da</strong> numa empresa, mas<br />
qualquer ativi<strong>da</strong>de decente na sua forma de organização<br />
e remuneração e socialmente útil. Por<br />
exemplo, você tem problemas de saneamento básico<br />
em praticamente to<strong>da</strong>s as ci<strong>da</strong>des do País. De<br />
ca<strong>da</strong> R$ 1 que você investe em saneamento básico,<br />
são R$ 4 que economiza na Saúde; <strong>da</strong>dos do<br />
SUS. Considere que temos de construir hoje 6,5<br />
milhões de residências populares: em vez de <strong>da</strong>r<br />
isso a uma grande empreiteira que vai fazer aquele<br />
galinheiro fora <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, com sistemas de associação,<br />
mutirões, etc., você gera capital social,<br />
porque as pessoas se organizam para construir;<br />
responde a uma necessi<strong>da</strong>de básica e, ao colocar<br />
adultos e crianças em condições de vi<strong>da</strong> decente,<br />
está reduzindo a criminali<strong>da</strong>de. É o que chamamos<br />
de aumento de produtivi<strong>da</strong>de sistêmica.<br />
RdB – O senhor já chegou a afirmar que o problema<br />
do Brasil não é que falta poupança...<br />
Dowbor – Sim, ela existe, mas é esteriliza<strong>da</strong>. Como<br />
o dinheiro é <strong>da</strong> população, e não dos banqueiros,<br />
a única justificativa econômica <strong>da</strong> intermediação<br />
financeira é tornar produtivo um capital que é<br />
passivo. À medi<strong>da</strong> que todo setor financeiro desvirtuou<br />
sua função, todo processo de automação, de racionalização<br />
interna, se tornou absurdo, porque você<br />
não está organizando essa modernização em função<br />
do uso produtivo <strong>da</strong> poupança existente. Estou<br />
convencido de que o problema no Brasil não é de<br />
falta de recursos, de poupança, é sua má utilização.<br />
Quando você faz uma aplicação em dólar e ele subiu,<br />
aquele que não aplicou ou ´desaplicou´ perdeu.<br />
Uma aplicação é transferência de ren<strong>da</strong>, alguém perdeu,<br />
é uma conta zero, ninguém construiu uma casa<br />
com isso, que não é investimento, é aplicação.<br />
RdB – Essa visão financista vem do governo anterior?<br />
Dowbor – O Fernando Henrique herdou uma dívi<strong>da</strong><br />
de R$ 100 bilhões e a deixou com R$ 800 bilhões,<br />
agora está em R$ 980 bilhões. Chamar isso de