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então, o sexo feminino não ultrapassava<br />
15% do total de crianças e adolescentes<br />
trabalhando em semáforos, calçadões e outros<br />
locais públicos. No levantamento de<br />
Diadema, elas já eram 27%. Proporção pareci<strong>da</strong><br />
é verifica<strong>da</strong> em São Bernardo e Guarulhos,<br />
onde a ONG também atua. “Isso<br />
tem a ver com a emancipação feminina,<br />
que gera maior aceitação de mulheres nos<br />
locais de trabalho. Antigamente, a menina<br />
ia para a rua disfarça<strong>da</strong> de menino, com<br />
camisões largos, cabelos curtos e boné na<br />
cabeça. Hoje, elas se apresentam como são<br />
e ninguém acha estranho”, comenta Néia,<br />
ressalvando que não vê tal mu<strong>da</strong>nça como<br />
um fato positivo: “Seria muito melhor que<br />
elas se beneficiassem <strong>da</strong> emancipação ocupando<br />
outros espaços”.<br />
Na maioria <strong>da</strong>s vezes, a porta dos fundos<br />
é a única que se abre às mulheres pobres<br />
que são leva<strong>da</strong>s a entrar no mundo mítico<br />
<strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de sexual. Lucinei, 21 anos, e Michele,<br />
23, estão no chamado “mercado informal<br />
de trabalho” desde os 14. A primeira<br />
sempre trabalhou com “ven<strong>da</strong>s” e a segun<strong>da</strong><br />
afirma que fez “de tudo um pouco”.<br />
Ambas conseguiram estu<strong>da</strong>r até o segundo<br />
colegial e ain<strong>da</strong> têm esperança de cursar facul<strong>da</strong>des<br />
de Direito e Psicologia.<br />
Maiores de i<strong>da</strong>de, vacina<strong>da</strong>s e casa<strong>da</strong>s,<br />
já não se encaixam na condição de “crianças<br />
em situação de risco”, mas seus filhos<br />
são candi<strong>da</strong>tos em potencial à vaga deixa<strong>da</strong><br />
por elas nas estatísticas. Michele veio<br />
do Ceará há quatros anos e, desde então,<br />
aju<strong>da</strong> o marido Paulo a comercializar CDs<br />
piratas no calçadão <strong>da</strong> rua XV de Novembro.<br />
Nesse meio tempo, nasceu uma menina<br />
batiza<strong>da</strong> de Kerolaine (o mesmo nome<br />
<strong>da</strong> filha de Débora), que Michele não<br />
ALEGRIA QUE SE VAI<br />
Flávia (ao lado) e Márcia (acima) são<br />
as irmãs que vendem gibi no farol. Há<br />
muito não sabem o que é brincar<br />
tem com quem deixar. Com apenas 1 ano<br />
e 10 meses, esta segun<strong>da</strong> Kerolaine já acompanha<br />
a mãe na li<strong>da</strong> diária, faça chuva ou<br />
faça sol, devi<strong>da</strong>mente instala<strong>da</strong> num carrinho<br />
sob a marquise do calçadão.<br />
Se a fiscalização aparece, Michele se aproxima<br />
<strong>da</strong> banca de Rosa, uma vendedora de<br />
artesanato autoriza<strong>da</strong> a trabalhar no local.<br />
A camuflagem aju<strong>da</strong>, mas a experiente Rosa,<br />
de 41 anos, lembra que a estratégia nem<br />
sempre funciona. “Às vezes eles vêm com<br />
uma violência muito grande e, se ficar para<strong>da</strong>,<br />
a gente também apanha”.<br />
A cerca de 200 metros <strong>da</strong>li, Lucinei vive<br />
situação semelhante, com a diferença de<br />
que seu filho ain<strong>da</strong> está na barriga. Grávi<strong>da</strong><br />
de 4 meses, ela se instala quase todos<br />
os dias no Viaduto Santa Ifigênia ao lado<br />
do marido Jonatan, driblando dores, enjôos<br />
e a inevitável perseguição do rapa,<br />
uma constante que coloca em risco a vi<strong>da</strong><br />
do bebê. “Quando ele nascer, quero ficar<br />
uns dois anos sem trabalhar”, sonha a garota,<br />
projetando uma super licença-materni<strong>da</strong>de<br />
que, ela sabe, talvez seja tão difícil<br />
de se concretizar quanto as ambições artísticas<br />
de Débora, Flávia e Márcia.<br />
De repente, os homens <strong>da</strong> Guar<strong>da</strong> Municipal<br />
apontam no outro extremo do viaduto.<br />
Hora de fugir. Lucinei e Jonatan desaparecem<br />
em direção ao Largo de São Benedito,<br />
levando às costas sacos pretos cheios<br />
de dálmatas de brinquedo. O simpático cachorrinho<br />
movido à cor<strong>da</strong>, ganha-pão contrabandeado<br />
do Paraguai, é produzido na<br />
China, muito provavelmente com a mãode-obra<br />
infantil largamente utiliza<strong>da</strong> naquele<br />
canto do mundo. Números apresentados<br />
pelo comitê britânico <strong>da</strong> Unicef, em<br />
fevereiro deste ano, informam que 180 milhões<br />
de crianças, em todo o planeta, estão<br />
envolvi<strong>da</strong>s com as piores formas de trabalho<br />
– o que inclui ativi<strong>da</strong>des perigosas e<br />
ilegais. Deste total, 97% vivem nos chamados<br />
países em desenvolvimento, rótulo do<br />
qual o Brasil, por este e outros motivos, está<br />
longe de se livrar. ❚<br />
REVISTA DOS BANCÁRIOS | 11