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SINAL VERMELHO<br />

NAS RUAS, MENINAS TROCAM<br />

BONECAS POR TRABALHO<br />

ATÉ QUE A<br />

CONEXÃO OS SEPARE<br />

A TURMA QUE JÁ<br />

NÃO SABE COMO<br />

VIVER SEM O<br />

COMPUTADOR<br />

nº 103 | abril de 2005<br />

SURPREENDENTE<br />

MARTINELLI<br />

Sindicato investe em recuperação do<br />

prédio, o mais antigo espigão <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e<br />

que continua a fascinar no Centro Velho


Publicação mensal do Sindicato dos<br />

Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e<br />

Região – Rua São Bento, 413, Centro, São Paulo,<br />

CEP 01011-100, ☎ (11) 3188-5200.<br />

www.spbancarios.com.br<br />

Telefones<br />

Sede: 3188-5200. Oeste: 3814-2583. Norte: 6979-7720.<br />

Leste: 6191-0494. Sul: 5641-6733. Paulista: 3284-7873.<br />

Osasco: 3682-3060. Centro: 3188-5295<br />

Presidente<br />

Luiz Cláudio Marcolino<br />

Diretor de Imprensa<br />

Walcir Previtale Bruno<br />

Diretoria<br />

Adriana Oliveira Magalhães, Aladim Takeyoshi Iastani,<br />

Ana Maria Érnica, Ana Paula <strong>da</strong> Silva, Ana Tércia<br />

Sanches, André Luis Rodrigues, Antônio Inácio Pereira<br />

Junior, Antonio Romano Ferrari, Antonio Saboia Barros<br />

Junior, Antonio Sérgio Ferreira Godinho, Camilo<br />

Fernandes dos Santos, Carlos Miguel Barreto<br />

Damarindo, Clarice Torquato Gomes <strong>da</strong> Silva, Cláudio<br />

Gerstner, Cleuza Rosa <strong>da</strong> Silva, Daniel Santos Reis,<br />

Deise Teixeira Lessa, Deyvid Leite, Dirceu Travesso,<br />

Edison José de Oliveira, Edria Neves Barbieri, Edson<br />

Carneiro <strong>da</strong> Silva, Edvaldo Rodrigues <strong>da</strong> Silva, Elaine<br />

Cutis Gonçalves, Elias Cardoso de Morais, Ezequiel<br />

Bigato, Flávio Monteiro Moraes, Genésio dos Santos<br />

Ferreira, Ivone Maria <strong>da</strong> Silva, Jackeline Machado,<br />

Jackson José Ramos de Lima, Jair Alves dos Santos,<br />

João de Oliveira, João Paulo <strong>da</strong> Silva, José Carlos<br />

Alonso Gonçalves, João Vaccari Neto, José Fernando<br />

Dias Parreira, José Osmar Boldo, José Ricardo<br />

Sasseron, Jozivaldo <strong>da</strong> Costa Ximenes, Juarez<br />

Aparecido <strong>da</strong> Silva, Juvandia Moreira Leite, Luiz<br />

Campestrin, Manoel Castaño Blanco, Marcelo Defani,<br />

Marcelo Gonçalves, Marcelo Peixoto de Araújo,<br />

Marcelo Pereira de Sá, Marcio Benedito Monzane,<br />

Marco Antonio dos Santos, Marcos Antonio do Amaral,<br />

Marcos Benedito <strong>da</strong> Silva, Marcos Roberto Leal Braga,<br />

Maria Apareci<strong>da</strong> Antero Correia, Maria Cristina Castro,<br />

Maria Cristina Corral, Maria do Carmo Ferreira Lellis,<br />

Maria Helena Francisco dos Santos, Neiva Maria<br />

Ribeiro dos Santos, Nelson Ezidio Bião <strong>da</strong> Silva,<br />

Nelson Luis <strong>da</strong> Silva Nascimento, Onísio Paulo<br />

Machado, Paulo Rogério Cavalcante Alves, Plínio<br />

José Pavão de Carvalho, Rafael Vieira de Matos,<br />

Raimundo Nonato Dantas de Oliveira, Reginaldo<br />

Batista <strong>da</strong> Silva, Reginaldo do Nascimento Filho,<br />

Ricardo Correa dos Santos, Rita de Cassia Berlofa,<br />

Rosana Rosa Pereira, Sandra Regina Vieira <strong>da</strong> Silva,<br />

Sérgio Francisco <strong>da</strong> Silva, Sérgio Koei Ikehara, Silvio<br />

Góis de Lima (in memorian), Tania Teixeira Balbino,<br />

Ubiratan Abon<strong>da</strong>nza Kuhlmann, Vagner Freitas de<br />

Moraes, Valdemar de Souza Pinheiro, Valdir Fernandes,<br />

Vera Lucia Marchioni, Washington Batista Farias,<br />

William Mendes de Oliveira, Wilson Aparecido Ribeiro.<br />

Honorários: Deli Soares Pereira, Maria <strong>da</strong> Glória Abdo,<br />

Sérgio Ricardo <strong>da</strong> Silva Rosa, Ricardo José Ribeiro Berzoini.<br />

Editores<br />

Maria Angélica Ferrasoli - MTb 17.299<br />

Vander Fornazieri - MTb 20.301<br />

Impressão<br />

Bangraf ☎ (11) 6947-0265<br />

Capa<br />

Foto de Paulo Pepe<br />

Tiragem<br />

100 mil exemplares. Distribuição domiciliar<br />

gratuita aos associados<br />

GERARDO LAZZARI/NAU<br />

CARTAAOLEITOR<br />

CEDO<br />

DEMAIS<br />

Nas ruas <strong>da</strong><br />

ci<strong>da</strong>de a RdB<br />

foi conhecer<br />

a história de<br />

meninas que<br />

perdem<br />

a infância<br />

para assumir<br />

responsabili<strong>da</strong>des<br />

<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> adulta<br />

Nem todos conhecem seu belo e tumultuado passado, mas são<br />

poucos os paulistanos que ignoram a presença ain<strong>da</strong> imponente<br />

do velho Martinelli, o prédio que por duas vezes sediou<br />

o Sindicato, continua a ser seu endereço atual e é abor<strong>da</strong>do<br />

na reportagem de capa dessa edição. Em recente reforma no edifício,<br />

vieram à tona fragmentos <strong>da</strong> construção <strong>original</strong>, <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 30, que<br />

agora serão restaurados e preservados pela enti<strong>da</strong>de, num resgate à<br />

trajetória <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> própria categoria.<br />

Uma categoria que, neste primeiro semestre de 2005, tem pela frente<br />

vários desafios, como a campanha Contratações Já, por admissões<br />

nos bancos. Ou a luta por mais democracia nas decisões econômicas,<br />

com a ampliação do CNM, entre outras iniciativas e conquistas que podem<br />

ser conferi<strong>da</strong>s na estreante seção de notas, às páginas 4 e 5.<br />

Em homenagem atemporal à mulher, a edição também apresenta um<br />

retrato <strong>da</strong>s meninas que trabalham nas ruas e desde muito cedo precisam<br />

enfrentar, além dos problemas comuns às crianças mais pobres,<br />

outros específicos <strong>da</strong> condição feminina. Dos que não conseguem pagar<br />

a conta de energia elétrica e necessitam de tarifas especiais aos<br />

que gastam centenas de reais com a internet, febre entre adolescentes<br />

e adultos; dos que vêem na arte a melhor forma de educar a experiências<br />

singulares como a de Miguel, pedreiro-cineasta em Diadema,<br />

esta RdB traz histórias e personagens que – como o velho Martinelli<br />

– surpreendem e ensinam.<br />

A diretoria<br />

revista@spbancarios.com.br<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 3


DESTAQUE<br />

8 MILHÕES DE ANUÊNIO<br />

Foram 25 anos de luta e expectativa,<br />

mas valeu a pena. No<br />

início de março, milhares de<br />

bancários do Itaú – mais precisamente<br />

18.147 – começaram<br />

a receber sua parte na ação do<br />

anuênio movi<strong>da</strong> pelo Sindicato,totalizando<br />

um montante de<br />

R$ 8 milhões. Para comemorar<br />

a vitória, centenas deles participaram<br />

de churrasco na Quadra<br />

do Sindicato. Além de receberem<br />

os cheques, os que já<br />

se aposentaram puderam reencontrar<br />

companheiros e comentar<br />

a longa jorna<strong>da</strong> até a<br />

vitória. A comemoração veio<br />

em dose dupla para Neide Padrão<br />

e Nelson Polycarpo Gottardi.<br />

“Parece que descobrimos<br />

o tesouro”, brincou Neide, contando<br />

que o casal não tinha dúvi<strong>da</strong>s<br />

quanto ao destino do dinheiro.<br />

“Acabamos de ganhar<br />

um neto há 10 dias”, festejou.<br />

QUALIDADE DE VIDA<br />

Marcado por manifestações<br />

em vários países, o mês de março<br />

denunciou condições ain<strong>da</strong><br />

desfavoráveis em que vivem as<br />

mulheres nas socie<strong>da</strong>des. A situação<br />

no mundo do trabalho<br />

– especificamente para as bancárias<br />

– é destaque de estudo e<br />

publicação realizados pelo Sindicato,<br />

com o lema “Bem – é<br />

assim que as mulheres se sentem<br />

quando têm quali<strong>da</strong>de de<br />

vi<strong>da</strong>”. O levantamento apontou<br />

que embora a participação feminina<br />

seja marcante nos bancos<br />

(são 46% do total de fun-<br />

cionários), com índices maiores<br />

de escolari<strong>da</strong>de (43,5% têm<br />

curso superior, contra 36,5%<br />

dos homens), elas ain<strong>da</strong> têm remuneração<br />

pior e são minoria<br />

nos cargos de chefia. O resultado<br />

é que acabam trabalhando<br />

mais, enfrentam dupla jorna<strong>da</strong><br />

e estão mais sujeitas a<br />

doenças como o estresse, entre<br />

outras. O Sindicato mantém<br />

grupo que discute esta e demais<br />

questões sobre discriminação<br />

nas relações sociais e no ambiente<br />

de trabalho, aberto à<br />

participação. O contato pode<br />

AUMENTAR A PARTICIPAÇÃO<br />

Democratizar as decisões do<br />

Conselho Monetário Nacional<br />

(CNM) é o objetivo <strong>da</strong> campanha<br />

lança<strong>da</strong> em 17 de março<br />

no Sindicato, integra<strong>da</strong> ain<strong>da</strong><br />

pela Central Única dos Trabalhadores<br />

(CUT), Confederação<br />

Nacional <strong>da</strong> Indústria<br />

(CNI), Federação <strong>da</strong>s Indústrias<br />

de São Paulo (Fiesp) e outras<br />

enti<strong>da</strong>des <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil.<br />

O CMN – que estabelece<br />

metas de inflação, taxas de ju-<br />

4 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

Primeiro dia de pagamento <strong>da</strong> ação do anuênio do Itaú: R$ 8 milhões<br />

recuperados pelo Sindicato e distribuídos entre 18.147 bancários<br />

ser feito pelo e-mail coletivogenero@spbancarios.com.br.<br />

Nesta edição, a revista destaca<br />

questões do universo feminino<br />

em reportagem que abor<strong>da</strong> a<br />

vi<strong>da</strong> de meninas brasileiras.<br />

Veja nas páginas 6 a 11<br />

BANCOOP DÁ PRÊMIO<br />

A cooperativa habitacional<br />

dos bancários (Bancoop) premia<br />

aqueles cooperados que indicam<br />

um colega que efetive a<br />

adesão/aquisição (entra<strong>da</strong> mais<br />

a primeira mensali<strong>da</strong>de) em algum<br />

de seus empreendimentos.<br />

ro e outras condições que afetam<br />

a economia brasileira –<br />

atualmente é capitaneado apenas<br />

por representantes do ministério<br />

(ministros <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong><br />

e Planejamento) e o presidente<br />

do Banco Central. Sua composição,<br />

que já foi mais ampla<br />

e envolvia a participação<br />

de diversos setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de,<br />

sofreu alterações em 1994,<br />

no início do Plano Real.<br />

Leia artigo sobre o tema à pág. 34 Lançamento <strong>da</strong> campanha no Sindicato: frente ampla<br />

PAULO PEPE<br />

É a promoção “Quem tem amigos<br />

merece prêmios”, que dá<br />

bônus de R$ 500 para abater<br />

do saldo devedor. Caso a pessoa<br />

que indicar não tenha mais<br />

saldo devedor com a Bancoop,<br />

ganha um eletrodoméstico,<br />

mesmo prêmio dos indicados.<br />

Mais informações sobre a campanha<br />

é só entrar em contato<br />

com as uni<strong>da</strong>des de atendimento<br />

<strong>da</strong> cooperativa pelos telefones<br />

3341-1103 (Centro Sul),<br />

6987-3270 (Centro Norte) e<br />

6198-0815 (Centro Leste).<br />

XÔ, IMPOSTO<br />

Os bancários de São Paulo,<br />

Osasco e Região não pagam imposto<br />

sindical há uma déca<strong>da</strong>.<br />

Esse desconto – que corresponde<br />

a um dia de trabalho no ano,<br />

montante que em 2005 atingiria<br />

cerca de R$ 4,8 milhões –<br />

deixou de ocorrer por iniciativa<br />

do próprio Sindicato, que precisou<br />

ir à Justiça para abrir mão<br />

<strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção. Para a enti<strong>da</strong>de,<br />

essa cobrança, cria<strong>da</strong> no governo<br />

Vargas como forma de atrelar<br />

os sindicatos ao Estado apenas<br />

estimula a formação de associações<br />

sem nenhuma representativi<strong>da</strong>de,<br />

que não precisam<br />

nem de filiados para existir. Na<br />

hora de pagar, os sócios do Sindicato<br />

também se beneficiam<br />

quando o assunto é IR, já que<br />

podem deduzir integralmente os<br />

gastos com educação. Essa dedução<br />

é reali<strong>da</strong>de desde 1997,<br />

conquista<strong>da</strong> por intermédio de<br />

sentença judicial obti<strong>da</strong> pelo<br />

Sindicato.<br />

GERARDO LAZZARI


PAREDÃO DO BIG LUCRO<br />

Dentro <strong>da</strong> campanha Contratações<br />

Já, por mais empregos<br />

nos bancos, o Sindicato<br />

promoveu anima<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de<br />

que fez paródia ao programa<br />

Big Brother Brasil, <strong>da</strong> Rede Globo.<br />

Foi o Big Lucro, que levou<br />

os banqueiros ao paredão. Durante<br />

dias, o Sindicato percorreu<br />

locais de trabalho com urnas<br />

para votação, também realiza<strong>da</strong><br />

por e-mail e telefone, via<br />

Central de Atendimento. Ao final,<br />

quem levou foi O Grupo<br />

Santander Banespa, mas todos<br />

os banqueiros puderam se sentir<br />

“contemplados”. Afinal, problemas<br />

como pressão, assédio<br />

moral e más condições de trabalho<br />

são comuns a bancários<br />

de to<strong>da</strong>s as instituições financeiras.<br />

O encerramento <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de<br />

foi realizado na Praça<br />

do Patriarca, com esquete representando<br />

os banqueiros e<br />

sua boa vi<strong>da</strong> e microfone aberto<br />

para que a população também<br />

pudesse opinar sobre o<br />

descaso dos bancos.<br />

EMPREGO E PLR<br />

O Banco do Brasil anunciou<br />

ao movimento sindical que contratará<br />

2.360 funcionários nacionalmente.<br />

A ampliação do<br />

quadro funcional é reivindicação<br />

antiga do Sindicato e <strong>da</strong> Comissão<br />

de Empresa, que há anos<br />

cobram soluções para problemas<br />

oriundos <strong>da</strong> falta de dotação<br />

nos locais de trabalho. O<br />

anúncio de novos bancários responde<br />

também à campanha<br />

Contratações Já, lança<strong>da</strong> neste<br />

ano pelo Sindicato.Ain<strong>da</strong> no BB,<br />

os funcionários aprovaram em<br />

assembléia acordo para o pagamento<br />

<strong>da</strong> Participação nos Lucros<br />

e Resultados (PLR), nos<br />

mesmos moldes <strong>da</strong> Fenaban, de<br />

40% do salário mais R$ 352,50,<br />

limitado a R$ 2.504,72 sobre o<br />

salário base de dezembro passado.<br />

O banco também anunciou<br />

o pagamento do Módulo Bônus<br />

(mínimo de R$ 160), mesmo<br />

não fazendo parte do acordo.<br />

TERCEIRIZAÇÃO<br />

Um dossiê com mais de mil<br />

páginas abor<strong>da</strong>ndo a terceirização<br />

– e contendo denúncias<br />

Banqueiros no Paredão: Grupo Santander Banespa venceu o<br />

Big Brother <strong>da</strong> impopulari<strong>da</strong>de na votação em urna e via internet<br />

de fraudes e irregulari<strong>da</strong>des<br />

promovi<strong>da</strong>s por empresas que<br />

prestam serviços aos bancos –<br />

foi elaborado pelo Sindicato e<br />

pela Confederação Nacional<br />

dos Bancários (CNB/CUT). O<br />

anúncio do documento, encaminhado<br />

ao ministro do Trabalho<br />

e Emprego Ricardo Ber-<br />

SÁBADO NÃO<br />

Uma forte mobilização levou<br />

o HSBC a recuar na<br />

abertura de agências aos sábados.<br />

Com faixas, cartazes<br />

e manifestações, o Sindicato<br />

fez valer a determinação <strong>da</strong><br />

Consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s Leis do<br />

Trabalho (CLT) de “seis ho-<br />

zoini, aconteceu durante seminário<br />

sobre o tema realizado no<br />

Sindicato no final de março. Ele<br />

será mais um dos instrumentos<br />

utilizados pelas enti<strong>da</strong>des<br />

para tentar barrar o crescimento<br />

<strong>da</strong> terceirização, que coloca<br />

em risco o emprego bancário e<br />

a segurança dos clientes.<br />

PAULO PEPE<br />

ras contínuas, de segun<strong>da</strong> a<br />

sexta, com exceção do sábado”<br />

para os empregados em<br />

bancos. A posição do Sindicato<br />

em não negociar o trabalho<br />

regular aos sábados vale<br />

para to<strong>da</strong>s as instituições<br />

financeiras.<br />

PAULO PEPE<br />

ELEIÇÕES NO SINDICATO<br />

O Sindicato chega aos 82<br />

anos em 2005 (16 de abril),<br />

integrado a várias campanhas<br />

para melhoria <strong>da</strong>s condições<br />

de trabalho na categoria – como<br />

a de Contratações Já – e<br />

outras de amplitude nacional,<br />

caso <strong>da</strong> que pede a ampliação<br />

do CMN. Neste abril também<br />

foi defini<strong>da</strong> a comissão eleitoral<br />

que coordenará pleito na<br />

enti<strong>da</strong>de para eleger a diretoria<br />

do triênio 2005/2008. A<br />

chapa vencedora, em assembléia<br />

realiza<strong>da</strong> no dia 5/4, foi<br />

a Chapa 1. Foram escolhidos<br />

Gilmar Carneiro (ex-presidente<br />

do Sindicato e funcionário<br />

do Itaú), Luciano Ramos<br />

<strong>da</strong> Silva (bancário do HSBC),<br />

Pedro Sardi (Bradesco), Solange<br />

Martins (Grupo Santander<br />

Banespa) e Francisvaldo<br />

Mendes (diretor <strong>da</strong> CUT e<br />

funcionário do Bradesco). A<br />

comissão, além <strong>da</strong>s regras, estabelecerá<br />

a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> eleição,<br />

prevista para ocorrer no próximo<br />

mês de junho.<br />

EDUCAÇÃO<br />

COM DESCONTO<br />

As parcerias manti<strong>da</strong>s pelo<br />

Sindicato com mais de 150 instituições<br />

educacionais de todos<br />

os níveis de ensino (desde o<br />

berçário até a pós-graduação)<br />

resultaram em 2004 em benefício<br />

a 5.182 bancários. Estes<br />

sindicalizados ou seus dependentes<br />

diretos puderam usufruir<br />

condições especiais para<br />

estu<strong>da</strong>r, com descontos que vão<br />

de 5% a 30%. A vantagem só<br />

tende a crescer, já que só nestes<br />

primeiros meses de 2005 já<br />

foram efetiva<strong>da</strong>s 8.100 solicitações<br />

de descontos. Além destes<br />

convênios, o próprio Sindicato,<br />

por intermédio de seu Centro<br />

de Formação Profissional,<br />

mantém cursos de especialização<br />

para a área financeira. A relação<br />

de escolas convenia<strong>da</strong>s,<br />

bem como as opções ofereci<strong>da</strong>s<br />

pelo centro de formação,<br />

podem ser conheci<strong>da</strong>s no site<br />

do Sindicato (www.spbancarios.com.br),<br />

publicações <strong>da</strong><br />

enti<strong>da</strong>de ou na Central de<br />

Atendimento, pelo telefone<br />

3188-5200.<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 5


MULHER<br />

6 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

MENINAS<br />

DO BRASIL<br />

Elas são fisicamente mais frágeis, sofrem<br />

mais assédio e às vezes perdem o que lhes restaria<br />

de criança enfrentando uma gravidez. São garotas<br />

brasileiras que trabalham nas ruas, numa<br />

luta desigual desde a infância<br />

Por João Paulo Soares. Fotos de Gerardo Lazzari


Débora fez 18 anos há três meses<br />

e an<strong>da</strong> muito preocupa<strong>da</strong><br />

com esse negócio de envelhecer.<br />

Acredita que seu corpo entrou<br />

em decadência, motivo pelo<br />

qual passou a malhar numa<br />

academia de ginástica <strong>da</strong> rua Augusta. A<br />

manutenção <strong>da</strong> boa forma está diretamente<br />

liga<strong>da</strong> aos maiores projetos de Débora:<br />

ser atriz de novela ou <strong>da</strong>nçarina de axé. Fã<br />

de Cláudia Raia, dorme to<strong>da</strong>s as noites rodea<strong>da</strong><br />

por dezenas de fotos <strong>da</strong> estrela global.<br />

Como, porém, já amadureceu o suficiente<br />

para entender que ninguém vive só<br />

de sonho, traz na manga um segundo plano,<br />

bem menos ambicioso, mas que não lhe<br />

desagra<strong>da</strong> de todo: ganhar a vi<strong>da</strong> limpando<br />

as casas <strong>da</strong> classe média paulistana.<br />

Tornar-se uma emprega<strong>da</strong> doméstica já<br />

seria, na visão dela, um pequeno salto na<br />

escala social. Há quatro anos, Débora mantém<br />

a família vendendo talões de recibos<br />

e chicletes diet na esquina <strong>da</strong>s ruas Caio<br />

Prado e Consolação, no Centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de.<br />

Em 2001, ela era uma <strong>da</strong>s 123 mil meninas<br />

de 10 a 15 anos que, segundo relatório<br />

<strong>da</strong> Unicef, trabalhavam no “comércio<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 7


de mercadorias” em todo o território nacional.<br />

No ano seguinte, com o nascimento<br />

de Maicon Douglas, seu primeiro filho,<br />

passou a integrar uma comuni<strong>da</strong>de estatística<br />

bem maior, a <strong>da</strong>s mães adolescentes.<br />

A ca<strong>da</strong> ano – ain<strong>da</strong> de acordo com a<br />

Unicef, que cruza informações do IBGE e<br />

de outros órgãos oficiais –, 1 milhão de<br />

brasileiras dão à luz antes de entrar na<br />

maiori<strong>da</strong>de, num processo de gravidez precoce<br />

que médicos, autori<strong>da</strong>des, ONGs e especialistas<br />

consideram prejudicial ao desenvolvimento<br />

<strong>da</strong> pessoa e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.<br />

O que levou Débora a se incomo<strong>da</strong>r tão<br />

cedo com o próprio envelhecimento foram<br />

as alterações no corpo provoca<strong>da</strong>s pela segun<strong>da</strong><br />

gravidez, também comum entre as<br />

jovens. O surgimento de Ana Caroline Kerolaine,<br />

há onze meses, colocou a brasileira<br />

<strong>da</strong> Caio Prado no grupo de 30% a 40%<br />

<strong>da</strong>s meninas que voltam a ser gestantes<br />

num prazo de três anos após o primeiro<br />

parto, segundo números <strong>da</strong> Associação<br />

Paulista de Adolescência, enti<strong>da</strong>de que<br />

agrega profissionais de várias áreas médicas.<br />

Essas porcentagens to<strong>da</strong>s, bem como<br />

os debates em torno delas, na<strong>da</strong> dizem a<br />

Débora. Entre um e outro sonho, ela está<br />

mais preocupa<strong>da</strong> em obter os reais necessários<br />

à sobrevivência familiar. Além dos<br />

dois filhos, moram na mesma casa a mãe<br />

e a irmã de 13 anos.<br />

Para pôr comi<strong>da</strong> na mesa, pagar o aluguel<br />

e cobrir outras despesas, Débora levanta<br />

às 4 <strong>da</strong> manhã, vai ao Vale do Anhangabaú<br />

se abastecer de mercadorias, assume<br />

seu posto na esquina de sempre e só retorna<br />

para casa às 9 <strong>da</strong> noite. Cumpre o<br />

ritual de segun<strong>da</strong> a sexta, seja qual for a<br />

intensi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> chuva, do calor ou do frio.<br />

Nos fins de semana, reserva um tempo para<br />

a academia <strong>da</strong> Augusta, que ela freqüenta<br />

sem desembolsar os centavos do semáforo.<br />

“Tem um senhor de 80 anos que quer<br />

casar com minha mãe e paga a academia<br />

pra mim”, explica.<br />

A mãe, de 36 anos, está sempre por perto,<br />

cui<strong>da</strong>ndo para que a filha sonhadora se<br />

concentre na tarefa de oferecer recibos e<br />

chicletes a taxistas e motoristas em geral.<br />

Exigência difícil de ser cumpri<strong>da</strong>, porque<br />

o que não falta são marmanjos querendo<br />

desviá-la de seus afazeres. Quando Débora<br />

afirma que sabe lavar, passar e cozinhar<br />

– credenciais para o trabalho nas “casas de<br />

família” – um homem que passa por ali, e<br />

que aparenta alguma intimi<strong>da</strong>de com a<br />

moça, não perde a oportuni<strong>da</strong>de de sairse<br />

com um gracejo: “Se é assim, vou te levar<br />

lá pra casa!”.<br />

Ela sorri e desconversa. O assédio sexual<br />

é um dos principais incômodos para adolescentes<br />

que trabalham nas ruas, freqüen-<br />

8 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

temente vistas como garotas à disposição<br />

do primeiro que passar. Em locais muito<br />

movimentados isso não chega a ser um<br />

grande problema, já que os próprios colegas<br />

de ponto se encarregam de afastar os<br />

mais insistentes. “Com a gente por aqui, o<br />

povo se intimi<strong>da</strong> um pouco”, comenta um<br />

dos muitos vendedores que disputam com<br />

Débora a atenção <strong>da</strong> freguesia motoriza<strong>da</strong>.<br />

Sem infância<br />

Essa rede solidária de proteção é uma<br />

constante nas calça<strong>da</strong>s que abrigam as jovens<br />

vendedoras, mesmo nos lugares onde<br />

a segurança oficial, patrocina<strong>da</strong> pelo Estado,<br />

está ao alcance <strong>da</strong> vista. Para o pessoal<br />

que vende bugigangas na aveni<strong>da</strong> Tiradentes,<br />

a imponente presença do Quartel<br />

Geral <strong>da</strong> Polícia Militar de São Paulo,<br />

a poucos metros <strong>da</strong>li, é um detalhe sem<br />

importância na paisagem barulhenta e poluí<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong>quela região. Quando o assunto é<br />

garantir a integri<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s duas meninas<br />

que se arriscam diariamente entre carros,<br />

ônibus e caminhões, ninguém se lembra<br />

de citar a proximi<strong>da</strong>de de centenas de policiais<br />

como fator positivo. “Aqui não tem<br />

problema. Nós ficamos de olho nelas”, resume<br />

um rapaz de 25 anos que ganha a<br />

vi<strong>da</strong> vendendo réplicas infláveis do Homem<br />

Aranha e do Bob Esponja.<br />

As protegi<strong>da</strong>s são as irmãs Flávia, de 11<br />

anos, e Márcia, de 10, apresenta<strong>da</strong>s aqui<br />

com nomes fictícios. Os heróis de plástico,<br />

comuns naquele ponto, fazem grande<br />

sucesso entre a moleca<strong>da</strong> que passa no banco<br />

traseiro dos carros, mas não despertam<br />

nenhum interesse nas jovens trabalhado-


SONHO E REALIDADE<br />

Débora quer ser atriz. Faz<br />

até academia para manter a<br />

forma. Sustenta a família<br />

vendendo chicletes na rua<br />

ras. Acompanha<strong>da</strong>s de um rapaz de 15<br />

anos, que se apresenta como tio delas, as<br />

irmãs, recém-saí<strong>da</strong>s <strong>da</strong> primeira infância,<br />

já esqueceram o que é ser criança. Questiona<strong>da</strong><br />

se não preferia estar em casa, brincando,<br />

Flávia responde: “Não. Eu queria<br />

estar em casa, mas aju<strong>da</strong>ndo minha mãe”.<br />

As duas moram em Franco <strong>da</strong> Rocha,<br />

município <strong>da</strong> Grande São Paulo que, embora<br />

ostente o dístico “Ci<strong>da</strong>de Ciência e<br />

Ternura”, é mais conhecido por abrigar um<br />

complexo <strong>da</strong> Febem que vive expondo, com<br />

fugas e rebeliões recorrentes, a maneira como<br />

o governo do Estado reeduca crianças<br />

e adolescentes infratores. Flávia e Márcia<br />

passam boa parte do dia longe de tais acontecimentos.<br />

To<strong>da</strong>s as manhãs, elas embarcam<br />

num vagão superlotado <strong>da</strong> CPTM<br />

(Companhia Paulista de Trens Metropolitanos)<br />

e uma hora depois estão na Tiradentes,<br />

a 30 quilômetros de casa. Aos motoristas<br />

barrados pelo infalível sinal vermelho,<br />

oferecem revistas de colorir, as mesmas<br />

que deveriam estar rabiscando, não<br />

vendendo.<br />

Segundo o tio, as pequenas sobrinhas<br />

conseguem arreca<strong>da</strong>r de R$ 20 a R$ 50 por<br />

dia – valores que parecem um padrão para<br />

as pessoas nessa ativi<strong>da</strong>de. Oito entrevistados,<br />

em diferentes pontos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de,<br />

declararam sobreviver com a mesma faixa<br />

de rendimentos, embora o movimento presenciado<br />

pela reportagem, durante to<strong>da</strong>s<br />

as entrevistas, indique pelo menos o dobro.<br />

Seja quanto for, Flávia e Márcia não<br />

ficam com na<strong>da</strong>. O dinheiro é entregue à<br />

mãe, que cui<strong>da</strong> <strong>da</strong> casa, e ao pai, que complementa<br />

a ren<strong>da</strong> familiar vendendo verdura<br />

de porta em porta.<br />

Acostuma<strong>da</strong> à rotina de uma <strong>da</strong>s aveni<strong>da</strong>s<br />

mais movimenta<strong>da</strong>s de São Paulo – ela<br />

freqüenta o mesmo farol desde os 7 anos<br />

–, Flávia diz não se incomo<strong>da</strong>r com o barulho<br />

dos carros, a fumaça e as intempéries<br />

do clima. “Mas as pernas ficam um<br />

pouco cansa<strong>da</strong>s”, relata com um sorriso no<br />

rosto, <strong>da</strong>ndo a entender que, tudo bem, a<br />

vi<strong>da</strong> não será assim para sempre.<br />

Como a Débora <strong>da</strong> Caio Prado, as irmãs<br />

<strong>da</strong> Tiradentes imaginam um futuro de<br />

grandes platéias, em que elas seriam a atração<br />

principal. Influencia<strong>da</strong>s pela opção religiosa<br />

dos pais, querem ser cantoras evangélicas<br />

e fazer tanto sucesso quanto Mara<br />

Maravilha, <strong>da</strong> qual são fãs de carteirinha.<br />

Existe, no entanto, uma importante diferença<br />

em relação a Débora. Enquanto esta<br />

abandonou os estudos antes que pudesse<br />

aprender a ler e escrever, Flávia e Márcia<br />

voltam to<strong>da</strong>s as tardes para Franco <strong>da</strong><br />

Rocha, onde freqüentam uma escola pública.<br />

Dizem estar na 5ª e 4ª séries, respectivamente,<br />

e que pretendem fazer facul<strong>da</strong>-<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 9


de. Mas este é um objetivo secundário,<br />

ofuscado pela determinação do sucesso na<br />

carreira artística.<br />

Mu<strong>da</strong>nças de perfil<br />

A matrícula escolar, entre as vítimas <strong>da</strong><br />

exploração infantil, é mais comum do que<br />

se pensa. Uma pesquisa feita junto a crianças<br />

e adolescentes de rua de Diadema, entre<br />

julho e agosto de 2003, revelou que, de<br />

397 entrevistados, 348 (quase 88%) estavam<br />

matriculados na rede pública de ensino,<br />

o que não significa comparecimento<br />

regular às aulas — 126 deles, por exemplo,<br />

declararam estu<strong>da</strong>r no mesmo período<br />

em que trabalhavam.<br />

O levantamento foi coman<strong>da</strong>do pela<br />

ONG Meninos e Meninas de Rua, com sede<br />

na ci<strong>da</strong>de vizinha de São Bernardo, no<br />

PARA QUEM NÃO ACREDITA EM SINA<br />

Lucinei (acima) e Michele (abaixo ao lado<br />

<strong>da</strong> artesã Rosa) deixaram de fazer parte<br />

<strong>da</strong>s estatísticas de “crianças em situação<br />

de risco”, mas seus filhos são sérios<br />

candi<strong>da</strong>tos a ocupar essa vaga<br />

ABC paulista. Os <strong>da</strong>dos relativos à educação<br />

não surpreenderam os pesquisadores.<br />

“De uns anos para cá, vem aumentando<br />

muito o número de crianças matricula<strong>da</strong>s.<br />

Isso se deve à ação dos conselhos tutelares<br />

e aos programas sociais de distribuição de<br />

ren<strong>da</strong>, que condicionam a liberação do benefício<br />

à freqüência escolar dos filhos”, explica<br />

a educadora Néia Bueno, há nove<br />

anos na enti<strong>da</strong>de.<br />

A pesquisa mostrou ain<strong>da</strong> um aumento<br />

de meninas nas ruas, o que, de acordo com<br />

a educadora, é uma tendência que se generalizou<br />

a partir do final dos anos 90. Até<br />

10 | REVISTA DOS BANCÁRIOS


então, o sexo feminino não ultrapassava<br />

15% do total de crianças e adolescentes<br />

trabalhando em semáforos, calçadões e outros<br />

locais públicos. No levantamento de<br />

Diadema, elas já eram 27%. Proporção pareci<strong>da</strong><br />

é verifica<strong>da</strong> em São Bernardo e Guarulhos,<br />

onde a ONG também atua. “Isso<br />

tem a ver com a emancipação feminina,<br />

que gera maior aceitação de mulheres nos<br />

locais de trabalho. Antigamente, a menina<br />

ia para a rua disfarça<strong>da</strong> de menino, com<br />

camisões largos, cabelos curtos e boné na<br />

cabeça. Hoje, elas se apresentam como são<br />

e ninguém acha estranho”, comenta Néia,<br />

ressalvando que não vê tal mu<strong>da</strong>nça como<br />

um fato positivo: “Seria muito melhor que<br />

elas se beneficiassem <strong>da</strong> emancipação ocupando<br />

outros espaços”.<br />

Na maioria <strong>da</strong>s vezes, a porta dos fundos<br />

é a única que se abre às mulheres pobres<br />

que são leva<strong>da</strong>s a entrar no mundo mítico<br />

<strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de sexual. Lucinei, 21 anos, e Michele,<br />

23, estão no chamado “mercado informal<br />

de trabalho” desde os 14. A primeira<br />

sempre trabalhou com “ven<strong>da</strong>s” e a segun<strong>da</strong><br />

afirma que fez “de tudo um pouco”.<br />

Ambas conseguiram estu<strong>da</strong>r até o segundo<br />

colegial e ain<strong>da</strong> têm esperança de cursar facul<strong>da</strong>des<br />

de Direito e Psicologia.<br />

Maiores de i<strong>da</strong>de, vacina<strong>da</strong>s e casa<strong>da</strong>s,<br />

já não se encaixam na condição de “crianças<br />

em situação de risco”, mas seus filhos<br />

são candi<strong>da</strong>tos em potencial à vaga deixa<strong>da</strong><br />

por elas nas estatísticas. Michele veio<br />

do Ceará há quatros anos e, desde então,<br />

aju<strong>da</strong> o marido Paulo a comercializar CDs<br />

piratas no calçadão <strong>da</strong> rua XV de Novembro.<br />

Nesse meio tempo, nasceu uma menina<br />

batiza<strong>da</strong> de Kerolaine (o mesmo nome<br />

<strong>da</strong> filha de Débora), que Michele não<br />

ALEGRIA QUE SE VAI<br />

Flávia (ao lado) e Márcia (acima) são<br />

as irmãs que vendem gibi no farol. Há<br />

muito não sabem o que é brincar<br />

tem com quem deixar. Com apenas 1 ano<br />

e 10 meses, esta segun<strong>da</strong> Kerolaine já acompanha<br />

a mãe na li<strong>da</strong> diária, faça chuva ou<br />

faça sol, devi<strong>da</strong>mente instala<strong>da</strong> num carrinho<br />

sob a marquise do calçadão.<br />

Se a fiscalização aparece, Michele se aproxima<br />

<strong>da</strong> banca de Rosa, uma vendedora de<br />

artesanato autoriza<strong>da</strong> a trabalhar no local.<br />

A camuflagem aju<strong>da</strong>, mas a experiente Rosa,<br />

de 41 anos, lembra que a estratégia nem<br />

sempre funciona. “Às vezes eles vêm com<br />

uma violência muito grande e, se ficar para<strong>da</strong>,<br />

a gente também apanha”.<br />

A cerca de 200 metros <strong>da</strong>li, Lucinei vive<br />

situação semelhante, com a diferença de<br />

que seu filho ain<strong>da</strong> está na barriga. Grávi<strong>da</strong><br />

de 4 meses, ela se instala quase todos<br />

os dias no Viaduto Santa Ifigênia ao lado<br />

do marido Jonatan, driblando dores, enjôos<br />

e a inevitável perseguição do rapa,<br />

uma constante que coloca em risco a vi<strong>da</strong><br />

do bebê. “Quando ele nascer, quero ficar<br />

uns dois anos sem trabalhar”, sonha a garota,<br />

projetando uma super licença-materni<strong>da</strong>de<br />

que, ela sabe, talvez seja tão difícil<br />

de se concretizar quanto as ambições artísticas<br />

de Débora, Flávia e Márcia.<br />

De repente, os homens <strong>da</strong> Guar<strong>da</strong> Municipal<br />

apontam no outro extremo do viaduto.<br />

Hora de fugir. Lucinei e Jonatan desaparecem<br />

em direção ao Largo de São Benedito,<br />

levando às costas sacos pretos cheios<br />

de dálmatas de brinquedo. O simpático cachorrinho<br />

movido à cor<strong>da</strong>, ganha-pão contrabandeado<br />

do Paraguai, é produzido na<br />

China, muito provavelmente com a mãode-obra<br />

infantil largamente utiliza<strong>da</strong> naquele<br />

canto do mundo. Números apresentados<br />

pelo comitê britânico <strong>da</strong> Unicef, em<br />

fevereiro deste ano, informam que 180 milhões<br />

de crianças, em todo o planeta, estão<br />

envolvi<strong>da</strong>s com as piores formas de trabalho<br />

– o que inclui ativi<strong>da</strong>des perigosas e<br />

ilegais. Deste total, 97% vivem nos chamados<br />

países em desenvolvimento, rótulo do<br />

qual o Brasil, por este e outros motivos, está<br />

longe de se livrar. ❚<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 11


CIDADANIA<br />

Inclusão social<br />

para brasileiros de<br />

baixa ren<strong>da</strong> também<br />

depende de critérios<br />

sociais na cobrança<br />

dos serviços públicos.<br />

A energia elétrica<br />

está no centro<br />

desse debate<br />

Por Pedro Biondi<br />

UM LONGO<br />

APAGÃO<br />

Cinco meses de escuridão. Parece<br />

até nome de livro, mas aconteceu<br />

com Carmem (o nome<br />

ver<strong>da</strong>deiro foi trocado), mãe de<br />

cinco filhos. Depois de nove<br />

anos morando num barraco de<br />

madeira de uma favela na Grande São Paulo,<br />

ela foi contempla<strong>da</strong> por um programa<br />

habitacional, mas já no quarto mês teve a<br />

energia corta<strong>da</strong>. Sem emprego, não conseguiu<br />

quitar as contas. Quando deu à luz o<br />

caçula, não havia luz na casa. Nos dias em<br />

que garimpava trabalho, deixava o bebê<br />

com os irmãos (a mais velha está com 14<br />

anos). O coração também: medo de um<br />

acidente com as velas e as crianças.<br />

A cena pode reacender na memória do<br />

leitor o apagão de 2000, mas para muitos<br />

brasileiros está longe de ser apenas uma<br />

lembrança. Trata-se de mais uma precarie<strong>da</strong>de<br />

cotidiana, que dificulta a inclusão efetiva<br />

de pessoas que passaram <strong>da</strong> informali<strong>da</strong>de<br />

à formali<strong>da</strong>de e leva outras tantas<br />

ao movimento inverso. Em uma perspec-<br />

12 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

tiva relativamente progressiva, existe nos<br />

serviços públicos um patamar tarifário<br />

dentro do qual o consumidor, por sua condição<br />

socioeconômica, fica livre de determinados<br />

encargos. No caso <strong>da</strong> energia elétrica,<br />

quem é enquadrado na subclasse residencial<br />

baixa ren<strong>da</strong> não paga o “seguro<br />

apagão”, entre outros custos.<br />

“O problema é que os critérios são muito<br />

restritivos e deixam de fora muita gente<br />

necessita<strong>da</strong>”, diz a advoga<strong>da</strong> Flávia Lefèvre<br />

Guimarães, do conselho diretor <strong>da</strong><br />

Pro Teste (Associação Brasileira de Defesa<br />

do Consumidor). “A política de tarifas para<br />

a água também é inadequa<strong>da</strong>, mas no<br />

caso <strong>da</strong> luz é pior”. A enti<strong>da</strong>de participou<br />

<strong>da</strong> elaboração de uma proposta para estabelecer<br />

novos critérios tarifários, ao lado<br />

do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo,<br />

do Ilumina (Instituto de Desenvolvimento<br />

de Estratégias para o Setor Elétrico),<br />

<strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Procon e <strong>da</strong> seção paulista<br />

<strong>da</strong> OAB (Ordem dos Advogados do<br />

Brasil). A plataforma foi encaminha<strong>da</strong> ao<br />

Ministério de Minas e Energia, sem resultado,<br />

e encampa<strong>da</strong> pelo deputado federal<br />

Dimas Ramalho (PPS) na forma do projeto<br />

de lei 3.430, de 2004.<br />

“Já existem muitos modelos para tarifas<br />

sociais”, afirma Fernando Passos, presidente<br />

<strong>da</strong> Comissão de Estudos <strong>da</strong> Concorrência<br />

e Regulação Econômica <strong>da</strong> OAB/SP. “O<br />

grande desafio é chegar a critérios universais<br />

que, mesmo que não sejam justos em<br />

100% dos casos, se aproximem <strong>da</strong> maioria<br />

<strong>da</strong> população.” Passos alerta, porém, que<br />

é necessária também uma ênfase no combate<br />

ao desperdício. “Aqui em Araraquara,<br />

quando fui vereador, implantamos uma tarifa<br />

de água perto de zero para a população<br />

de baixa ren<strong>da</strong>. Muita gente deixava as<br />

torneiras abertas o dia inteiro.”<br />

Na preparação de parte <strong>da</strong>s estatais de geração<br />

e distribuição de energia para a privatização,<br />

ao longo <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 90, reduziram-se<br />

radicalmente os subsídios cruzados<br />

(aqueles em que os maiores consumidores<br />

contribuem para baratear o serviço


BRASIL PRIVATIZADO<br />

Terezinha: novela com<br />

extensão e Natal<br />

à luz de velas<br />

aos menores) e os descontos em geral. Em<br />

2002, a lei 10.438 deixou margem menor<br />

ain<strong>da</strong> de negociação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de com as<br />

concessionárias e permissionárias, ao padronizar<br />

nacionalmente tarifas e critérios.<br />

A lei e suas regulamentações – parcialmente<br />

suspensas – enquadram automaticamente<br />

os consumidores residenciais com<br />

consumo mensal de até 80 kWh como de<br />

baixa ren<strong>da</strong>. Daí até um limite que varia<br />

conforme o Estado (em SP esse teto é 220<br />

kWh), estabelece que o consumidor precisa<br />

estar inscrito em programas sociais ou<br />

que a ren<strong>da</strong> per capita em sua família não<br />

passe de meio salário mínimo. “No Norte<br />

e no Nordeste muitas pessoas foram incluí<strong>da</strong>s,<br />

mas, em compensação, uma grande<br />

quanti<strong>da</strong>de no Sul e no Sudeste perdeu o<br />

benefício”, aponta Flávia Lefèvre. “Sem falar<br />

que muitas prefeituras nem estão convenia<strong>da</strong>s<br />

nesses programas.” Para complicar,<br />

o circuito <strong>da</strong> casa precisa ser monofásico<br />

(só 110 V ou só 220 V), o que não acontece<br />

em grande parte <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des paulistas.<br />

FOTOS: JAILTON GARCIA<br />

Arnaldo Silva Neto, diretor <strong>da</strong> Regional<br />

Centro <strong>da</strong> AES Eletropaulo e responsável<br />

pelo programa de Regularização <strong>da</strong> Rede,<br />

afirma que a inclusão é importante para a<br />

empresa. “Hoje estamos com um programa<br />

agressivo de regularização de ligações<br />

clandestinas. Devemos regularizar a situação<br />

de 40 mil a 50 mil pessoas neste ano”,<br />

prevê. “Como são pessoas que nunca tiveram<br />

um relógio de luz, instituímos um limite<br />

de cobrança e repassamos orientações<br />

até o terceiro mês, só então passando a cobrar<br />

normalmente”. Silva Neto diz que não<br />

lhe compete comentar os critérios que embasam<br />

as tarifas, pois à Eletropaulo só caberia<br />

cumprir as regras, e informa que cerca<br />

de 700 mil consumidores estão ca<strong>da</strong>strados<br />

hoje na subclasse de baixa ren<strong>da</strong>.<br />

Flávia Lefèvre, no entanto, afirma que em<br />

audiências no Procon e no Ministério Público,<br />

no ano passado, a empresa informou<br />

que tal número era de apenas 300 mil.<br />

Gambiarra<br />

Quase 300 reais em contas tirando o sono,<br />

sem geladeira nem TV, Carmem – bebê<br />

já com 2 meses a tiracolo –, decidiu aceitar<br />

aju<strong>da</strong> de um conhecido. Ele subiu no<br />

poste e refez a ligação <strong>da</strong> casa, burlando o<br />

corte de fornecimento (“É rapidinho, nem<br />

precisa de alicate”, garante um morador),<br />

o que pode custar sanções mais severas.<br />

Planos para quitar a dívi<strong>da</strong>: “Vou conseguir,<br />

mas preciso arrumar trabalho quatro<br />

dias por semana, por diária de 30 a 40 reais.”<br />

No mesmo conjunto habitacional de Taboão<br />

<strong>da</strong> Serra, Terezinha <strong>da</strong> Silva, 55 anos,<br />

PROPOSTAS DAS ENTIDADES<br />

não quis a gambiarra e passou três meses<br />

no escuro. Viu boa parte <strong>da</strong> novela “Senhora<br />

do Destino” graças a uma extensão compri<strong>da</strong><br />

e uma toma<strong>da</strong> <strong>da</strong> vizinha de trás. “O<br />

Natal foi à luz de velas”, recor<strong>da</strong>.<br />

As duas não são exceção. Segundo a prefeitura<br />

de Taboão, já se encontram em débito<br />

com a Eletropaulo cerca de 80 <strong>da</strong>s 202<br />

famílias que moram ali, a maioria com ren<strong>da</strong><br />

na faixa de 0 a 3 salários mínimos. As<br />

prestações, quando começarem a ser cobra<strong>da</strong>s,<br />

irão de 16 a 52 reais, e muitas contas<br />

de luz batem bem acima disso.“Vamos conversar<br />

e buscar todos os caminhos para garantir<br />

esse direito, mas sabemos de casos<br />

em que só recorrendo à Justiça isso foi possível”,<br />

aponta Ângela Amaral, secretária de<br />

Desenvolvimento Urbano e Habitação do<br />

município. “É uma incoerência um morador<br />

pagar pela luz cinco vezes mais que a<br />

prestação <strong>da</strong> casa.” Com a Sabesp (Companhia<br />

de Saneamento Básico do Estado de<br />

São Paulo), segundo a secretária, foi mais<br />

fácil fazer valer o benefício, e até se viabilizou<br />

uma campanha para informar a população<br />

a respeito dessa possibili<strong>da</strong>de.<br />

A reportagem <strong>da</strong> RdB procurou também<br />

a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica,<br />

que regula o setor) e o Ministério de<br />

Minas e Energia, mas não conseguiu ouvir<br />

seus representantes para repercutir o<br />

assunto. O projeto de lei para mu<strong>da</strong>r as<br />

regras segue em tramitação na Câmara dos<br />

Deputados. A intenção dos proponentes é<br />

estendê-lo a outros serviços públicos. ❚<br />

colaborou Marcio Kameoka<br />

Além <strong>da</strong> eliminação <strong>da</strong> exigência de ligação monofásica, o projeto de lei 3.430/2004 prevê que sejam<br />

beneficiados consumidores com os seguintes perfis:<br />

■ inscritos em programas sociais dos governos federal, estadual ou municipal<br />

■ que façam parte de ca<strong>da</strong>stros de pobreza dos municípios e morem em favelas, cortiços ou outras<br />

formas de ocupação não regular cuja moradia tenha área construí<strong>da</strong> de até 90 metros quadrados e<br />

padrão de construção médio ou inferior (imóveis usados para veraneio não podem ser beneficiados)<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 13


E NTREVISTA<br />

14 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

TEMPOS<br />

MAIS QUE<br />

MODERNOS<br />

Buscar caminhos para a sobrevivência<br />

do emprego a partir <strong>da</strong>s organizações sociais<br />

está entre as alternativas aponta<strong>da</strong>s pelo<br />

professor <strong>da</strong> PUC Ladislau Dowbor<br />

Por Frédi Vasconcelos<br />

Títulos e trabalhos acadêmicos não faltam<br />

ao polonês radicado no Brasil Ladislau<br />

Dowbor, formado em Economia Política<br />

pela Universi<strong>da</strong>de de Lausanne, Suíça, e<br />

doutor em Ciências Econômicas pela Escola<br />

Central de Planejamento e Estatística<br />

de Varsóvia. Mas é na prática que o atual professor<br />

titular de Economia e Administração na pós-graduação<br />

<strong>da</strong> PUC São Paulo e consultor <strong>da</strong> ONU faz diferença.<br />

Trabalhando para governos locais e como<br />

conselheiro <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Abrinq, do Instituto Polis,<br />

<strong>da</strong> Transparência Brasil e outras instituições, Dowbor<br />

é um entusiasta <strong>da</strong>quilo que chama de “mu<strong>da</strong>nça<br />

pela base”, incluindo aí a geração de empregos por<br />

intermédio de organizações <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil para<br />

fazer frente à estagnação do trabalho formal nesses<br />

tempos modernos. Veja, abaixo, os principais trechos<br />

<strong>da</strong> entrevista exclusiva concedi<strong>da</strong> pelo professor à<br />

RdB, em que também analisa os governos do presidente<br />

Lula e FHC e as alternativas para o País.<br />

Revista dos Bancários – Um dos maiores problemas<br />

mundiais é o desemprego. Como fazer para<br />

resolver isso?<br />

Ladislau Dowbor – Basicamente, estamos bloqueados<br />

num formato institucional em que o emprego é<br />

<strong>da</strong>do por uma empresa priva<strong>da</strong> ou pelo governo. Se<br />

pegarmos como referência os <strong>da</strong>dos do Brasil ano<br />

2000, com 80 milhões de pessoas na população ativa,<br />

temos mais de 120 milhões de pessoas em i<strong>da</strong>de<br />

de trabalho. São apenas 20 milhões com carteira assina<strong>da</strong><br />

no setor privado. Acrescente a isso 7 milhões<br />

no setor público e você vai ver que há um hiato<br />

imenso que é preenchido por to<strong>da</strong> e qualquer ativi<strong>da</strong>de,<br />

dos camelôs aos guar<strong>da</strong>s de rua, às pessoas que<br />

nos aju<strong>da</strong>m a estacionar o carro, ativi<strong>da</strong>des informais,<br />

um grande setor de ativi<strong>da</strong>des ilegais, um setor<br />

importante, de agricultura familiar... No conjunto,<br />

se você calcular a capaci<strong>da</strong>de de expansão do setor<br />

público e aumentar o número de empresas priva<strong>da</strong>s,<br />

mesmo que a taxa de crescimento seja significativa,<br />

e acrescentantdo ao estoque gigantesco de<br />

desemprego a chega<strong>da</strong> ao mercado de trabalho de<br />

mais de 1,5 milhão de pessoas ao ano pelo crescimento<br />

vegetativo, é óbvio que temos de recorrer a<br />

formas complementares de organização social.<br />

RdB – E que formas seriam essas?<br />

Dowbor – Um exemplo é a Pastoral <strong>da</strong> Criança,<br />

que tornou produtivas 180 mil pessoas por meio <strong>da</strong><br />

organização que dá emprego formal a apenas 62.<br />

Atinge atualmente cerca de 3.500 municípios, é res-


GERARDO LAZZARI<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 15


Não há uma<br />

empresa no<br />

Brasil que<br />

tenha a<br />

competitivi<strong>da</strong>de<br />

de uma ONG.<br />

Tanto que hoje<br />

multinacionais<br />

estu<strong>da</strong>m o<br />

sistema de<br />

comunicação e<br />

de organização<br />

<strong>da</strong> Pastoral<br />

<strong>da</strong> Criança<br />

16 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

ponsável por 50% <strong>da</strong>s que<strong>da</strong>s de mortali<strong>da</strong>de infantil<br />

e 80% <strong>da</strong>s hospitalizações. A gente pensa, isso é<br />

trabalho voluntário, não é economia, mas você pode<br />

fazer o seguinte cálculo: quanto economiza a família<br />

que não tem os filhos doentes? Que a mãe não<br />

perde dias de trabalho porque os filhos não estão<br />

doentes? E pense que o custo por criança é de R$<br />

1,15 por mês. Não há uma empresa no Brasil que<br />

tenha a competitivi<strong>da</strong>de de uma ONG. Tanto assim<br />

que hoje multinacionais estu<strong>da</strong>m o sistema de comunicação<br />

e de organização <strong>da</strong> Pastoral <strong>da</strong> Criança.<br />

É baseado numa rede, não tem dezenas de hierarquias,<br />

gerentes, subgerentes, assessoria de O&M, essas<br />

coisas. É uma estrutura enxuta, traz coisas úteis,<br />

realiza grandes economias e, pelo fato de reduzir a<br />

mortali<strong>da</strong>de infantil, está trazendo para o País um<br />

produto significativo.<br />

Isso é um desafio, onde colocamos esse tipo de ativi<strong>da</strong>de.<br />

Pode-se dizer que o trabalho voluntário está<br />

substituindo empregos de médicos, enfermeiros,<br />

que seriam pagos com carteira assina<strong>da</strong> etc... Um<br />

tempo atrás publiquei um artigo sobre promoção de<br />

frentes de trabalho na (revista) Caros Amigos e um<br />

rapaz escreveu dizendo que há tantos anos batalhamos<br />

para que as pessoas tenham carteira assina<strong>da</strong>,<br />

direitos sociais, e agora o senhor propõe uma coisa<br />

de categoria inferior.... Eu disse: se você consegue arrumar<br />

emprego para dezenas de milhões de pessoas<br />

com carteira assina<strong>da</strong> no setor privado eu esqueço<br />

as frentes de trabalho. Mas não é viável.<br />

RdB – Por que não é viável?<br />

Dowbor – O fato é que os países que se desenvolveram<br />

e industrializaram de maneira ampla (ocuparam<br />

espaço no processo industrial que chegou a atingir<br />

40% <strong>da</strong> população ativa), evoluíram hoje para<br />

um conjunto de ativi<strong>da</strong>des que a gente chama de serviços,<br />

mas são muito mais amplos, na área social, na<br />

área de apoio à produção.<br />

Nesses países o apoio à produção é internacional,<br />

eles capitalizam o mercado de trabalho nobre, que<br />

prestam por meio de grandes corporações no planeta<br />

todo, o que gera um nível de emprego relativamente<br />

mais dinâmico. Em publici<strong>da</strong>de, advocacia,<br />

contabili<strong>da</strong>de; um conjunto de serviços que se expandiu<br />

e é concentrado nos países desenvolvidos. Expandiu<br />

muito entre eles também o emprego nas áreas<br />

sociais, educação saúde, essas coisas. O principal setor<br />

econômico dos Estados Unidos hoje é a saúde,<br />

com 15% do PIB, e todos os setores industriais detêm<br />

16% do PIB. E são áreas intensivas em emprego.<br />

É interessante lembrar que 15 milhões de pessoas<br />

nos Estados Unidos trabalham no terceiro setor,<br />

que contribui com cerca de 700 bilhões de dólares<br />

para o PIB norte-americano.<br />

RdB – Em ONGs?<br />

Dowbor – Mais que ONGs, são organizações mais<br />

amplas, organizações <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil. De certa maneira<br />

a proposta é uma reapropriação de um conjunto<br />

de ativi<strong>da</strong>des que não necessariamente precisem<br />

ser presta<strong>da</strong>s por empresas e que são produtivas<br />

quando a população se ocupa delas se associan-<br />

do diretamente. O exemplo que espantou foi o do<br />

microcrédito, de Bangladesh, em que as pessoas viram<br />

que fazendo a intermediação financeira entre<br />

elas, não pagando fábulas aos intermediários financeiros<br />

que terminam por monopolizar esse processo,<br />

a gente pode tornar o crédito muito mais barato<br />

e dinamizar uma série de ativi<strong>da</strong>des. Nós temos<br />

que dinamizar um conjunto de ativi<strong>da</strong>des que são<br />

socialmente úteis por meio de processos associativos.<br />

O que eu digo é que o emprego formal no<br />

setor privado somado ao emprego formal no setor<br />

público são absolutamente insuficientes para<br />

utilizar de maneira adequa<strong>da</strong> o gigantesco estoque<br />

de força de trabalho subutiliza<strong>da</strong> que temos.<br />

RdB – Qual é a alternativa, então?<br />

Dowbor – Uma pessoa que tem trabalhado isso<br />

muitíssimo, em torno do conceito de trabalho<br />

decente, que está se tornando política <strong>da</strong> Organização<br />

Internacional do Trabalho, é Ignacy Sachs.<br />

Não precisa ser necessariamente o trabalho formal,<br />

com carteira assina<strong>da</strong> numa empresa, mas<br />

qualquer ativi<strong>da</strong>de decente na sua forma de organização<br />

e remuneração e socialmente útil. Por<br />

exemplo, você tem problemas de saneamento básico<br />

em praticamente to<strong>da</strong>s as ci<strong>da</strong>des do País. De<br />

ca<strong>da</strong> R$ 1 que você investe em saneamento básico,<br />

são R$ 4 que economiza na Saúde; <strong>da</strong>dos do<br />

SUS. Considere que temos de construir hoje 6,5<br />

milhões de residências populares: em vez de <strong>da</strong>r<br />

isso a uma grande empreiteira que vai fazer aquele<br />

galinheiro fora <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, com sistemas de associação,<br />

mutirões, etc., você gera capital social,<br />

porque as pessoas se organizam para construir;<br />

responde a uma necessi<strong>da</strong>de básica e, ao colocar<br />

adultos e crianças em condições de vi<strong>da</strong> decente,<br />

está reduzindo a criminali<strong>da</strong>de. É o que chamamos<br />

de aumento de produtivi<strong>da</strong>de sistêmica.<br />

RdB – O senhor já chegou a afirmar que o problema<br />

do Brasil não é que falta poupança...<br />

Dowbor – Sim, ela existe, mas é esteriliza<strong>da</strong>. Como<br />

o dinheiro é <strong>da</strong> população, e não dos banqueiros,<br />

a única justificativa econômica <strong>da</strong> intermediação<br />

financeira é tornar produtivo um capital que é<br />

passivo. À medi<strong>da</strong> que todo setor financeiro desvirtuou<br />

sua função, todo processo de automação, de racionalização<br />

interna, se tornou absurdo, porque você<br />

não está organizando essa modernização em função<br />

do uso produtivo <strong>da</strong> poupança existente. Estou<br />

convencido de que o problema no Brasil não é de<br />

falta de recursos, de poupança, é sua má utilização.<br />

Quando você faz uma aplicação em dólar e ele subiu,<br />

aquele que não aplicou ou ´desaplicou´ perdeu.<br />

Uma aplicação é transferência de ren<strong>da</strong>, alguém perdeu,<br />

é uma conta zero, ninguém construiu uma casa<br />

com isso, que não é investimento, é aplicação.<br />

RdB – Essa visão financista vem do governo anterior?<br />

Dowbor – O Fernando Henrique herdou uma dívi<strong>da</strong><br />

de R$ 100 bilhões e a deixou com R$ 800 bilhões,<br />

agora está em R$ 980 bilhões. Chamar isso de


estabili<strong>da</strong>de é de uma má-fé... e todos os jornalistas<br />

chamaram isso de estabili<strong>da</strong>de. Outra coisa interessante<br />

é se você pegar os relatórios do Fundo Monetário<br />

Internacional: lá se vê que as taxas de inflação<br />

<strong>da</strong> América Latina estão em alta em 1993, 1994, e<br />

to<strong>da</strong>s caem. Cerca de quarenta países que tinham inflação<br />

a liqui<strong>da</strong>ram. Caiu por to<strong>da</strong> parte. Aqui se gera<br />

o processo de globalização financeira, todo o sistema<br />

que permite com a ´bitização´ (o dinheiro eletrônico,<br />

feito bit, sem forma física) ganhar no sistema<br />

especulativo internacional, e quem tem moe<strong>da</strong><br />

que não é conversível por excesso de inflação não<br />

entra no jogo. Resultado, os banqueiros de todo o<br />

planeta passaram a apoiar a contenção <strong>da</strong> inflação.<br />

RdB – O governo anterior se diz guardião <strong>da</strong><br />

morali<strong>da</strong>de, mas existe algum corrupto que conseguiria<br />

<strong>da</strong>r um prejuízo desse tamanho, de<br />

R$ 700 bilhões ?<br />

Dowbor – De maneira alguma. Se você ler o livro<br />

do Joseph Stiglitz, Os Malefícios <strong>da</strong> Globalização, ele<br />

mostra o banditismo que isso representa. Você pode<br />

pegar outro livro, do John Perkins, Confessions of<br />

an Economic Hit Man, é muito interessante. Ele trabalhava<br />

para as grandes empresas, era economistachefe,<br />

foi para a Arábia Saudita e disseram: “Você<br />

como economista vai chegar à conclusão que se esse<br />

país investir X bilhões em infra-estrutura energética,<br />

aeroportos, etc., crescerá 12% ao ano”. Ele sabia<br />

que 12% eram irrealistas, mas se tratava de montar<br />

junto com os grandes grupos os projetos, a análise,<br />

torcendo os números para mostrar que isso levaria<br />

a 12% de crescimento; portanto a capaci<strong>da</strong>de<br />

de endivi<strong>da</strong>mento era tanto. Aí o Banco Mundial liberava<br />

os recursos, porque esses grupos têm conexões.<br />

Com isso a Arábia Saudita se endivi<strong>da</strong>va, não<br />

se atingia nem 3%, 4% de crescimento, mas com os<br />

gastos feitos o país fica endivi<strong>da</strong>do e, a partir desse<br />

momento, a dívi<strong>da</strong> se transforma numa alavanca de<br />

outras negociações. Está endivi<strong>da</strong>do, então a gente<br />

renegocia os contratos de petróleo etc.<br />

RdB – Quando se fala que a política econômica<br />

atual é igual à do governo anterior tem lógica?<br />

Dowbor – É uma política em dois tempos. Você<br />

tem uma política basea<strong>da</strong> na visão que não há correlação<br />

de forças para enfrentar o sistema especulativo<br />

nacional e internacional. Eles consideram que<br />

não há como enfrentar os Soros (alusão ao megainvestidor<br />

húngaro George Soros) <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e os especuladores<br />

internos, <strong>da</strong>í a manutenção <strong>da</strong>s taxas de<br />

juros que estão enchendo os bolsos de banqueiros e<br />

de rentistas (os que vivem de ren<strong>da</strong>) que dividem os<br />

spreads (diferença entre o custo de captação de recursos<br />

e o custo <strong>da</strong> taxa de empréstimos) com os<br />

bancos. Mas, por outro lado, trabalha-se numa frente<br />

de países que têm problemas em comum, Índia,<br />

África do Sul, Rússia, para juntar interesses e permitir<br />

uma renegociação desse processo. Além dessa frente<br />

internacional, outra estratégia é <strong>da</strong> diminuição <strong>da</strong><br />

dívi<strong>da</strong> em dólar para reduzir a vulnerabili<strong>da</strong>de externa,<br />

por meio do superávit comercial. No ano passado<br />

foram 32 bilhões de dólares. Essa área não es-<br />

tá imóvel, está preparando uma mu<strong>da</strong>nça na relação<br />

de forças. E há outro eixo, que é a Caixa Econômica<br />

Federal, o BNB, o FAT, o Banco do Brasil, o BNDES,<br />

um conjunto de áreas que aumenta investimentos.<br />

Por exemplo, na área de saneamento, o investimento<br />

foi mais que duplicado, o Pronaf foi mais que duplicado,<br />

atinge 5 milhões de famílias, 30 milhões de<br />

pessoas; a sistematização do Fome Zero etc. Está na<br />

mo<strong>da</strong> desancar o Fome Zero, mas a diferença entre<br />

uma família receber ou não receber 70, 80 reais, é a<br />

diferença entre a criança comer ou não comer. Significa<br />

crianças normais ou com problemas pelo resto<br />

<strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. São 6 milhões de famílias. Aqui não vê<br />

quem não quer.<br />

RdB – Mas há um gargalo no Brasil, que é a má<br />

distribuição de ren<strong>da</strong>... Há saí<strong>da</strong>?<br />

Dowbor – É “O” gargalo. Veja bem, se você pega<br />

o trabalho do Paul Singer com economia solidária,<br />

os avanços que estão se fazendo com as tecnologias<br />

sociais na Fun<strong>da</strong>ção Banco do Brasil; se você pega o<br />

microcrédito do BNB, mu<strong>da</strong>nças organizacionais, como<br />

em Santa Catarina, em que o Estado foi dividido<br />

em 29 regiões e os 293 municípios que estão sendo<br />

administrados por programas integrados regionais,<br />

o dinheiro não passa mais por uma secretaria<br />

de Educação, Saúde, vai direto. E mais, a gestão é<br />

paritária, com prefeitos, representantes de Câmaras<br />

e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil. Na base do País parece que o<br />

povo cansou de esperar. Eu acho que a joga<strong>da</strong> mais<br />

importante é conseguir conectar essa faixa aqui, BNB,<br />

BNDES etc., não presa ao acordo geral <strong>da</strong> área financeira,<br />

para dinamizar essas ativi<strong>da</strong>des na base <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de. Isso envolve tanto coisas do tipo Fome<br />

Zero como Frentes de Trabalho e programas <strong>da</strong>s tecnologias<br />

sociais To<strong>da</strong>s essas coisas estão gerando uma<br />

transformação que a meu ver é estrutural. Não acho<br />

que haverá redistribuição de ren<strong>da</strong> no País simplesmente<br />

por boa vontade <strong>da</strong>s elites. As ativi<strong>da</strong>des que<br />

estruturam a população mu<strong>da</strong>m a relação de força.<br />

RdB – A estratégia clássica de aumentar salário,<br />

transferir ren<strong>da</strong> do setor financeiro, cortando<br />

juros, para o setor produtivo... esses caminhos estão<br />

travados?<br />

Dowbor – A concentração de ren<strong>da</strong> não é her<strong>da</strong><strong>da</strong><br />

apenas, ela se reproduz diariamente porque existe<br />

uma relação de forças que, concretamente, o Lula<br />

está sentindo. É necessário reequilibrar o sistema<br />

de poder. Eu estou batalhando muito, por exemplo,<br />

para a introdução nas escolas municipais do estudo<br />

do próprio município, para gerar gente que saiba<br />

quanta terra para<strong>da</strong> há, quais são os recursos subutilizados,<br />

a quem pertence o quê, to<strong>da</strong>s essas coisas,<br />

para criar ci<strong>da</strong>dão. Eu vejo muito que é uma construção<br />

política pela base <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de para reequilibrar<br />

o poder... É necessário esse reequilíbrio e uma<br />

articulação internacional, a redução <strong>da</strong> vulnerabili<strong>da</strong>de<br />

externa, tudo isso converge para a possibili<strong>da</strong>de<br />

de transformações. Possibili<strong>da</strong>de apenas, porque<br />

política é trapézio sem rede de proteção. ❚<br />

Leia íntegra <strong>da</strong> entrevista no www.spbancarios.com.br/rb<br />

FOTOS: GERARDO LAZZARI<br />

Está na mo<strong>da</strong><br />

desancar<br />

o Fome Zero,<br />

mas a<br />

diferença entre<br />

uma família<br />

receber ou<br />

não receber<br />

70, 80 reais,<br />

é a diferença<br />

entre a<br />

criança<br />

comer ou<br />

não comer<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 17


CAPA<br />

SOBERANO NA PAISAGEM<br />

Quando foi concluído, o Martinelli era o<br />

prédio mais alto <strong>da</strong> América Latina, um marco<br />

digno de ser sobrevoado pelo Hindemburg<br />

em sua passagem pelo Brasil nos anos 30<br />

O Edifício Martinelli<br />

mantém sua arquitetura<br />

e charme sonhados<br />

nos anos 20<br />

e continua a pulsar<br />

e surpreender no<br />

cotidiano do<br />

Centro Velho<br />

Por Jair Rosa<br />

VOVÔ DOS<br />

ARRANHA-CÉUS<br />

Uma grande leva de imigrantes<br />

italianos tinha plantado definitivamente<br />

suas raízes em<br />

São Paulo nos anos 20 quando<br />

um deles, já entrado na casa<br />

dos 50, ousou sonhar para<br />

a ci<strong>da</strong>de o primeiro arranha-céu. Depois<br />

de pronto, o arrojado projeto arquitetônico<br />

não admitiria comparações nacionalmente<br />

nem em to<strong>da</strong> a América Latina. Até<br />

chegar lá, seu idealizador teve de levar<br />

18 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

REPRODUÇÃO REPRODUÇÃO<br />

adiante uma empreita<strong>da</strong> longa e cerca<strong>da</strong><br />

de situações polêmicas, mas se teve motivos<br />

para arrependimento é porque não pôde<br />

vislumbrar o alcance de sua obra: ain<strong>da</strong><br />

hoje, esse respeitável vovô dos espigões,<br />

o edifício Martinelli, continua a fascinar<br />

por sua história e arquitetura e surpreende<br />

a ca<strong>da</strong> nova reforma (veja destaque na<br />

página 19).<br />

Nascido em Lucca, uma <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des medievais<br />

<strong>da</strong> região <strong>da</strong> Toscana, na Itália, Giu-<br />

seppe Martinelli, o imigrante que morreu<br />

comen<strong>da</strong>dor, mandou construir seu palacete<br />

no alto do edifício de 25 an<strong>da</strong>res (inicialmente<br />

seriam modestos 14) batizado<br />

com seu sobrenome. Ali, conta-se, realizava<br />

grandes festas <strong>da</strong>s quais se podiam ver<br />

as belas noites de uma São Paulo ain<strong>da</strong><br />

despoluí<strong>da</strong>. A fama <strong>da</strong> obra correu mundo,<br />

não apenas pelo tamanho (considerado<br />

o maior edifício em concreto armado<br />

do planeta), mas pela luxuosa ornamenta-


MEDO Reza a len<strong>da</strong> que o Conde mandou contruir sua casa no alto do prédio, e nela foi morar,<br />

só para provar aos incrédulos que uma construção tão alta era segura. Na ver<strong>da</strong>de ele morou<br />

inicialmente no 9º an<strong>da</strong>r enquanto a obra aguar<strong>da</strong>va autorização para pular de 24 para 25 an<strong>da</strong>res<br />

TUDO DE BOM E DO MELHOR<br />

Martinelli não poupou despesas.<br />

Mandou trazer vidros e espelhos <strong>da</strong><br />

Bélgica e mármore de Carrara<br />

ção e rico acabamento: portas de pinho,<br />

esca<strong>da</strong>s de mármore de Carrara, vidros e<br />

espelhos belgas, na<strong>da</strong> menos que 40 quilômetros<br />

de molduras em gesso e revestimento<br />

em três tons de rosa.<br />

A localização do palacete também teria<br />

como finali<strong>da</strong>de calar a boca dos incrédulos,<br />

que duvi<strong>da</strong>vam <strong>da</strong> segurança de prédio<br />

tão espigado. Sob a batuta do arquiteto<br />

húngaro Willian Fillinger, 600 operários<br />

começaram a erguer as paredes do<br />

edifício naquela que era a região mais valoriza<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, entre as ruas São Bento,<br />

Libero Ba<strong>da</strong>ró e a Aveni<strong>da</strong> São João.<br />

Mais de 90 artesãos passaram a <strong>da</strong>r<br />

forma à rica facha<strong>da</strong> desenha<strong>da</strong> pelos<br />

irmãos Lacombe (que depois<br />

seriam também responsáveis pelo<br />

túnel <strong>da</strong> Aveni<strong>da</strong> 9 de Julho),<br />

e as projeções eram tão complexas<br />

que foi necessário importar<br />

<strong>da</strong> Alemanha uma máquina de calcular.<br />

Detalhe: todo o cimento para<br />

a construção veio <strong>da</strong> Suécia e Noruega<br />

por meio <strong>da</strong> empresa importadora<br />

de Martinelli.<br />

Estimulado pelos amigos, o italiano<br />

acrescentava ca<strong>da</strong> vez mais an<strong>da</strong>res à obra.<br />

Quando chegou ao 20º, assumiu pessoalmente<br />

o projeto, e não foram raras as vezes<br />

que trabalhou como pedreiro – ofício<br />

que exercera em Lucca quando sonhava ser<br />

arquiteto. Ao chegar no 24º an<strong>da</strong>r a obra<br />

foi embarga<strong>da</strong> e se abriu grande debate em<br />

torno de a ci<strong>da</strong>de possuir edifício tão elevado.<br />

Quem colocou lenha na fogueira foram<br />

os próprios arquitetos que iniciaram<br />

a obra – depois substituídos –, ao decla-<br />

FOTOS DE PAULO PEPE<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 19


DETALHES PRECIOSOS<br />

Obras de restauro na sobreloja do Sindicato (acima e foto maior) vão aos poucos recuperando o<br />

esplendor de parte do Salão Verde, que recebia convi<strong>da</strong>dos para bailes memoráveis<br />

rarem à grande imprensa, em 1928, que<br />

“como presentemente estão elevando 24<br />

an<strong>da</strong>res sobre as mesmas fun<strong>da</strong>ções por<br />

nós executa<strong>da</strong>s para 14 an<strong>da</strong>res, as quais<br />

não foram nem poderiam ser modifica<strong>da</strong>s,<br />

é evidente que, levando-se em conta a quali<strong>da</strong>de<br />

do terreno, a altura excepcional do<br />

prédio e as normas, especificações e regulamentos<br />

usuais, tal prédio não oferece segurança...”.<br />

Foi em função desse tipo de declaração<br />

que muitos evitavam passar próximo ao<br />

edifício. A resposta do comen<strong>da</strong>dor não<br />

veio apenas em laudos técnicos. Ele mobiliou<br />

ricamente o 9º an<strong>da</strong>r do edifício em<br />

construção e lá passou a residir. E, ao seu<br />

lado na defesa <strong>da</strong> obra, se posicionaram<br />

integrantes do movimento modernista, como<br />

Oswald e Mário de Andrade. A jornalista<br />

e escritora Patrícia Galvão, a Pagu,<br />

também emprestou seu talento ao Martinelli,<br />

registrando-o em quadro e poema.<br />

Finalmente, depois de muita discussão<br />

na Justiça, a construção do 25º acabou autoriza<strong>da</strong>.<br />

Mas o italiano queria mais: na<strong>da</strong><br />

abaixo de 30 an<strong>da</strong>res (ao final, a construção<br />

atingiu 105,65 metros). Para quem chegara<br />

ao país aos 19 anos e sobrevivera trabalhando<br />

como mascate, açougueiro, importador<br />

e representante comercial até se<br />

tornar um armador dono de frota com 22<br />

navios (transformados um a um em tijolo,<br />

cimento, areia, cal...), além de manter<br />

participação em diversos negócios, não era<br />

afinal uma luta assim tão difícil.<br />

Abalo<br />

Ao término <strong>da</strong> empreita<strong>da</strong>, com a inauguração<br />

do prédio em 1930, Martinelli acabou<br />

ficando mais tempo como proprietário<br />

durante a construção do que com ele<br />

pronto. A obra teria lhe causado problemas<br />

financeiros – além <strong>da</strong> polêmica sobre<br />

a altura enfrentou outros obstáculos, co-<br />

20 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

mo por exemplo a descoberta de um rio<br />

subterrâneo e o abalo de um prédio vizinho.<br />

A crise econômica de 1929, com a<br />

quebra na bolsa de Nova Iorque, também<br />

abalou as finanças do italiano. Depois de<br />

recorrer sem sucesso aos bancos nacionais,<br />

pediu socorro ao governo <strong>da</strong> Itália – por<br />

possuir relações estreitas – e obteve o empréstimo<br />

de dez mil contos de réis por<br />

meio do Istituto Nazionale di Credito per<br />

il Lavoro all Estero (ICLE) que, mais tarde,<br />

passaria a ser o novo proprietário do<br />

edifício.<br />

As dívi<strong>da</strong>s do comen<strong>da</strong>dor chegaram a<br />

tal ponto que ele não teve outra alternativa<br />

a não ser se desfazer do prédio. Voltou<br />

para o Rio de Janeiro, onde passou a reconstruir<br />

sua fortuna – nas vezes em que<br />

vinha a São Paulo, fazia com que seu motorista<br />

desse voltas para não passar defronte<br />

ao prédio.<br />

Fases<br />

Na revolução de 1932, o terraço do edifício<br />

serviu de barrica<strong>da</strong> e ponto de ataque<br />

na briga de São Paulo para garantir o<br />

respeito à Constituição e a derroca<strong>da</strong> de<br />

Getúlio Vargas. Devido à altura e privilegia<strong>da</strong><br />

localização, ali foram instala<strong>da</strong>s baterias<br />

de metralhadoras antiaéreas para defender<br />

a ci<strong>da</strong>de dos chamados “vermelhinhos”,<br />

os aviões do governo federal que<br />

ameaçavam bombardeá-la. O dirigível<br />

Hindenburg sobrevoou-o no início dos<br />

anos 30, o que rendeu até uma crônica de<br />

Mário de Andrade: “E o Zeppelin veio provar<br />

pra São Tomé o sofisma gracioso de<br />

que uma casa de um an<strong>da</strong>r (altura do dirigível)<br />

pode ser mais alta que o Martinelli”,<br />

escreveu.<br />

O edifício voltaria a ser envolvido numa<br />

crise anos mais tarde, quando o País decidiu<br />

apoiar os aliados na Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial.<br />

Todos os negócios pertencentes ou li-<br />

gados aos países do Eixo foram confiscados.<br />

Com o rompimento do Brasil com a Itália,<br />

o prédio passou então às mãos <strong>da</strong> União.<br />

“O Martinelli teve três fases: o auge, a<br />

decadência e a recuperação. No início tinha<br />

até um cassino, freqüentado pela alta<br />

socie<strong>da</strong>de. E funcionava também o Cine<br />

Rosário, na época em que era obrigatório<br />

o uso de terno e gravata para entrar”, lembra<br />

o bancário aposentado Nelson Silva. O<br />

Cine Rosário, por exemplo, o mais luxuoso<br />

de uma época – pois contava com poltronas<br />

estofa<strong>da</strong>s e às sextas-feiras abria apenas<br />

para a alta elite paulistana – funcionou<br />

até o início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1940. Em<br />

1945, parte <strong>da</strong> estrutura do prédio foi remodela<strong>da</strong><br />

para a instalação dos bancos<br />

América e Bandeirantes. Os tetos foram rebaixados,<br />

cobrindo-se os trabalhos originais<br />

de artesanato – recentemente descobertos<br />

durante a reforma que o Sindicato<br />

vem fazendo em sua sede – e tanto o Rosário<br />

quanto o Salão Verde, um dos pontos<br />

de destaque do prédio, desapareceram.


Em seus anos dourados, o prédio também<br />

sediou clubes como o Palmeiras, Portuguesa<br />

e Satélite (Associação de Funcionários<br />

do Banco do Brasil); re<strong>da</strong>ção de jornais,<br />

partidos políticos e restaurantes. Ao<br />

passar para a União, teve início o período<br />

<strong>da</strong> decadência, consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> déca<strong>da</strong>s mais<br />

tarde pela transformação em um ver<strong>da</strong>deiro<br />

cortiço. Nos anos 60, o prédio foi palco<br />

de crimes de grande repercussão. Entre<br />

eles o do garoto Davilson, violentado, estrangulado<br />

e jogado no poço do elevador.<br />

O criminoso jamais foi encontrado.<br />

O edifício voltou a ser valorizado após<br />

grande reforma em meados <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de<br />

70. O “velho” Martinelli de novo passou a<br />

ser uma <strong>da</strong>s referências de conservação<br />

histórica de São Paulo e teve seus an<strong>da</strong>res<br />

ocupados por diversas repartições públicas<br />

e enti<strong>da</strong>des. Alguns deles foram adquiridos<br />

pelo Sindicato dos Bancários de São<br />

Paulo, Osasco e Região para abrigar sua<br />

sede central. O Sindicato já funcionara ali<br />

no sétimo an<strong>da</strong>r, recor<strong>da</strong> o bancário Sil-<br />

va. “Eram promovi<strong>da</strong>s as `domingueiras´,<br />

bailes para a categoria se divertir”, conta.<br />

O mesmo an<strong>da</strong>r também foi sede <strong>da</strong> Central<br />

Única dos Trabalhadores. Atualmente,<br />

o Martinelli possui mais de 1.200 dependências<br />

e 16 elevadores, com três entra<strong>da</strong>s<br />

– a do Sindicato, independente, é<br />

pelo 413 <strong>da</strong> rua São Bento, onde funciona<br />

a Central de Atendimento e o Café dos<br />

Bancários.<br />

E possui também muitas histórias, <strong>da</strong>s<br />

reais às sobrenaturais – destas últimas a<br />

mais conheci<strong>da</strong> é a <strong>da</strong> ´loira-fantasma´, mulher<br />

sem rosto que circularia nos vários an<strong>da</strong>res<br />

do prédio. Ou aquela que dá conta<br />

de que alguém <strong>da</strong> época <strong>da</strong> construção <strong>da</strong><br />

mansão caminha ain<strong>da</strong> pelo 25º an<strong>da</strong>r...<br />

São histórias saborosas, dignas de um sonho<br />

do porte do edifício, que por quase<br />

duas déca<strong>da</strong>s manteve-se como o maior <strong>da</strong><br />

ci<strong>da</strong>de, desbancado apenas em 1947 pela<br />

construção do prédio do Banespa, com seus<br />

35 an<strong>da</strong>res e 161,22 metros de altura – mas<br />

essa, claro, já é uma outra história... ❚<br />

FOTOS DE PAULO PEPE<br />

PASSADO VIVO<br />

Foi por mero acaso que um pouco <strong>da</strong> história<br />

<strong>da</strong> construção do Martinelli foi recentemente<br />

revela<strong>da</strong>. No início do ano passado, o Sindicato<br />

iniciou uma grande reforma em sua sede,<br />

começando pelo saguão para a adequação<br />

<strong>da</strong> atual Central de Atendimento e do Café dos<br />

Bancários – que já estão em funcionamento.<br />

Na segun<strong>da</strong> parte <strong>da</strong> reforma, no mezanino,<br />

quando eram feitos estudos para readequação<br />

<strong>da</strong>s tubulações do ar condicionado,<br />

foram descobertos debaixo do gesso vários<br />

afrescos originais <strong>da</strong> época <strong>da</strong> construção,<br />

provavelmente encobertos na reforma de<br />

1945. Não apenas nos tetos – com três cama<strong>da</strong>s<br />

emoldura<strong>da</strong>s de gesso – mas também pinturas<br />

originais <strong>da</strong>s paredes laterais, cobertas<br />

por “folhas de ouro”, denotando o requinte e<br />

o cui<strong>da</strong>do do acabamento <strong>da</strong> construção.<br />

A diretoria do Sindicato optou pelo restauro<br />

dos aspectos do ambiente não apenas para<br />

preservar mas também resgatar um pouco<br />

<strong>da</strong> história de uma época. Para coman<strong>da</strong>r<br />

os trabalhos de restauração – possíveis graças<br />

a uma parceria com a Cooperativa Habitacional<br />

dos Bancários (Bancoop) – foi chamado<br />

o artista plástico e restaurador Luis<br />

Martin Sarasá. Entre outras obras, ele foi o<br />

responsável pela restauração dos vitrais <strong>da</strong><br />

Catedral <strong>da</strong> Sé, de parte do Mercado Municipal<br />

e do Teatro São Pedro.<br />

“Os trabalhos devem demorar cerca de seis<br />

meses, pois são puramente artesanais. Além<br />

<strong>da</strong> reconstituição de cores e materiais <strong>da</strong> época,<br />

existem aspectos ambientais que pretendemos<br />

resgatar. No salão onde foram encontrados<br />

os afrescos, nas colunas de sustentação,<br />

havia o que chamamos de ‘pata de onça’,<br />

uma ornamentação que, felizmente, foi encontra<strong>da</strong><br />

intacta no 10º an<strong>da</strong>r do prédio e será<br />

um dos objetos que restauraremos”, explica.<br />

De acordo com o presidente do Sindicato,<br />

Luiz Cláudio Marcolino, a restauração é um desafio,<br />

mas servirá para manter vivos um pouco<br />

<strong>da</strong> história não apenas do prédio como <strong>da</strong><br />

própria ci<strong>da</strong>de. “O Martinelli é uma <strong>da</strong>s grandes<br />

referências <strong>da</strong> história recente de São Paulo,<br />

e por isso tem de haver todo o empenho<br />

para recuperá-lo. A parceria com a Bancoop,<br />

que patrocinará a restauração, está sendo fun<strong>da</strong>mental<br />

para que isso ocorra”, destaca.<br />

Luis Sarasá: “trabalho puramente artesanal”<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 21


CULTURA<br />

HERÓIS NÃO MORREM<br />

Projetista acompanha o funcionamento<br />

do aparelho de 16 milímetros responsável<br />

pelas noites de pipoca do Cineclube Ipiranga.<br />

Na tela um velho sucesso de Charles Bronson<br />

Após uma déca<strong>da</strong> de abandono,<br />

cineclubes tentam rearticulação no<br />

País; movimento, que já foi fonte de<br />

resistência e gerou bons cineastas,<br />

é contraponto ao cinema comercial<br />

Por Moacir Assunção<br />

Fotos de Jailton Garcia<br />

NO ESCURINHO DO<br />

CINECLUBE<br />

Aos poucos, depois de uma déca<strong>da</strong><br />

de total paralisação, eles<br />

voltam, ain<strong>da</strong> que timi<strong>da</strong>mente,<br />

à cena cultural brasileira.<br />

Sensação do cinema alternativo<br />

até a déca<strong>da</strong> de 90,<br />

bairro do mesmo nome; as sessões no<br />

Sesc Itaquera; o Assunção Hernandes, em<br />

Diadema, e o I<strong>da</strong>de do Ouro, em Osasco,<br />

são provas <strong>da</strong> revitalização destes espaços<br />

culturais voltados à formação de<br />

público para o cinema e à divulgação de<br />

mais de 30 anos com certeza vai se lembrar<br />

dos cineclubes do Bixiga, na Bela Vista;<br />

Oscarito, na Praça Rooselvet, e o do<br />

Sindicato dos Jornalistas – considerado<br />

uma espécie de ‘pai´ de todos eles e que<br />

deve retornar à ativi<strong>da</strong>de no segundo se-<br />

quando foram quase extintos em pleno produções de quali<strong>da</strong>de em contraponto mestre. Nestes espaços era possível assis-<br />

governo Collor (que também acabou com às comerciais.<br />

tir a clássicos como Ben Hur e, entre mui-<br />

a Empresa Brasileira de Filmes, a Embra- Se hoje paulistanos mais jovens só potos outros, aos politizados Greve e O Hofilme),<br />

os cineclubes começaram nos úldem conviver com as caras e padronizamem que virou Suco, ambos de autoria<br />

timos meses a recuperar ao menos par<strong>da</strong>s salas dos shoppings e com ca<strong>da</strong> vez do cineasta João Batista de Andrade,<br />

te do terreno perdido. O Ipiranga, no mais raros cinemas de rua, quem tem oriundo do movimento cineclubista. Ou-<br />

22 | REVISTA DOS BANCÁRIOS


trora uma forma de resistência à ditadura<br />

militar, os cineclubes são agora trincheira<br />

contra o cinema enlatado de Hollywood<br />

e de prestígio à produção nacional.<br />

E, para os aficionados pela telona, já é<br />

possível até tentar construir um pequeno<br />

roteiro - ain<strong>da</strong> em formação – com estas<br />

novas opções.<br />

“Os cineclubes estão se organizando espontaneamente,<br />

praticamente sem apoio<br />

governamental. Este é um trabalho superdemocrático<br />

de difusão do cinema a to<strong>da</strong>s<br />

as pessoas, não somente a quem pode<br />

pagar até R$ 15 por um ingresso no<br />

shopping”, explica o presidente do Centro<br />

Cineclubista de São Paulo, Jeosafá Fernandez<br />

Gomes. Os cineclubes não cobram<br />

ingresso, somente taxa de manutenção,<br />

em geral de R$ 3. Mas será que há espaço<br />

para o crescimento do movimento? No<br />

Brasil, garante o representante dos cine-<br />

clubes no Conselho Nacional de Cinema,<br />

Diogo Gomes dos Santos, 90% <strong>da</strong> produção<br />

cinematográfica não chega nunca às<br />

telas. Os filmes, muitas vezes de quali<strong>da</strong>de,<br />

circulam somente pelos festivais. No<br />

País inteiro há somente 1.800 salas, número<br />

irrisório perto <strong>da</strong> população de 170<br />

milhões de pessoas. “Cerca de 20 mil seria<br />

um número razoável”, avalia Santos.<br />

Na tentativa de rearticulação em nível<br />

nacional, a restaura<strong>da</strong> Galeria Olido, no<br />

centro de São Paulo, sediou em novembro<br />

passado a 25ª Jorna<strong>da</strong> Nacional de<br />

Cineclubes. O encontro reuniu uma centena<br />

de cineclubes de todo o País, muitos<br />

ain<strong>da</strong> em fase de organização e ativi<strong>da</strong>de,<br />

e observadores internacionais, para<br />

os quais a revitalização não é um fenômeno<br />

isolado, mas tendência continental.<br />

No Brasil, só para citar dois exemplos,<br />

Rio Grande do Sul e Ceará já con-<br />

tam com um movimento relativamente<br />

organizado. Embora não ofereça o apoio<br />

desejado pelos cineclubistas, o governo<br />

federal mantém o programa Pontos de<br />

Cultura, em que kits com projetores e telas<br />

são repassados, via leis de incentivos<br />

fiscais, às enti<strong>da</strong>des culturais para implantação<br />

de cineclubes.<br />

Atualmente, São Paulo tem 217 salas<br />

comerciais de cinema e 22 cineclubes empresariais,<br />

como o Espaço Unibanco, o<br />

Centro Cultural Banco do Brasil e o Cineclube<br />

DirectTV. Mas não são considerados<br />

cineclubes dentro dos princípios do<br />

movimento, já que em geral não promovem<br />

debates e discussões sobre cinema e<br />

produção. Além disso, contam com o<br />

apoio de grandes empresas.<br />

Endereço certo<br />

O Cineclube Ipiranga, que funciona na<br />

biblioteca do bairro, na Rua Cisplatina,<br />

505, é endereço certo para quem curte<br />

filmes de quali<strong>da</strong>de, de todos os gêneros,<br />

em películas de 16 milímetros. Tem<br />

clima de cinema do interior e promove<br />

debates com gente como o crítico de cinema<br />

Rubens Ewald Filho. Todos os sábados<br />

à noite, pelo menos 30 apaixonados<br />

por cinema se reúnem para assistir<br />

a clássicos do bangue-bangue, policiais<br />

e filmes nacionais antigos. Mantido pela<br />

Associação Brasileira de Colecionadores<br />

de Filmes em 16 Milímetros, o Ipiranga<br />

guar<strong>da</strong> histórias curiosas também<br />

fora <strong>da</strong>s projeções. “Uma vez, passamos<br />

El Dia que me Quieras, com Carlos Gardel,<br />

para um grupo de argentinos. Eles<br />

ficaram emocionados, choravam e cantavam<br />

junto com os artistas do filme”,<br />

conta o responsável pelo espaço, Archimedes<br />

Lombardi.<br />

Noutra ocasião, relata, um homem de<br />

quase 70 anos, já doente e desenganado<br />

pelos médicos, pediu para ver um faroeste<br />

que lembrava sua infância - uma espécie<br />

de último pedido. Atendido, ficou<br />

emocionado e sobreviveu ain<strong>da</strong> mais<br />

dois anos. “Como ele estava na cama e<br />

não podia vir, levamos a fita e o equipamento<br />

na casa. A família achou que<br />

ele viveu mais e melhor por causa, em<br />

parte, do filme que adorava”, afirma<br />

Lombardi. Também na capital, o veterano<br />

cineclubista João Luiz de Brito exibe,<br />

às sextas-feiras, filmes nacionais no<br />

Sesc Itaquera. “Até dezembro, passava os<br />

filmes na Casa de Cultura de Itaquera,<br />

liga<strong>da</strong> à Prefeitura. Com a mu<strong>da</strong>nça de<br />

administração, a situação ain<strong>da</strong> está indefini<strong>da</strong>”,<br />

informa.<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 23


Já o Cineclube Assunção Hernandes, em<br />

Diadema, no Grande ABC, é tocado por<br />

um grupo de jovens cineastas formados<br />

nos cursos promovidos nos centros culturais<br />

municipais, sob a coordenação de Diogo<br />

Gomes dos Santos. Na equipe estão um<br />

pedreiro, um caminhoneiro e estu<strong>da</strong>ntes<br />

universitários de áreas como Rádio e TV<br />

e Jornalismo (veja destaque). A ci<strong>da</strong>de, dirigi<strong>da</strong><br />

há seis administrações por prefeitos<br />

de esquer<strong>da</strong>, tem a particulari<strong>da</strong>de de contar<br />

com dez centros culturais em uma área<br />

de 30 quilômetros quadrados, um a ca<strong>da</strong><br />

3 quilômetros, média bem superior à <strong>da</strong><br />

capital. O espaço promove suas sessões aos<br />

sábados.<br />

Além de exibir, os cineclubistas do Assunção<br />

Hernandes também produzem os<br />

próprios filmes. Para este ano está programado<br />

o primeiro longa-metragem que<br />

contará a história de Zequinha Barreto,<br />

guerrilheiro que acompanhou o capitão<br />

Carlos Lamarca quando ele se refugiou na<br />

Bahia, morrendo ao seu lado. “Apesar de<br />

ter muitos centros culturais, Diadema nunca<br />

teve um cinema comercial bem-sucedido.<br />

Queremos criar nas pessoas o hábito<br />

de assistir aos filmes e garantir aos estu<strong>da</strong>ntes<br />

<strong>da</strong>s oficinas a oportuni<strong>da</strong>de de se<br />

exercitar na linguagem do cinema”, explica<br />

uma <strong>da</strong>s coordenadoras, Josiane Alfer.<br />

Também na Grande São Paulo, Osasco<br />

LONGE DOS SHOPPINGS<br />

Apesar <strong>da</strong> precarie<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s salas de<br />

projeção, como a do Cineclube I<strong>da</strong>de do Ouro,<br />

o público demonstra interesse pelo circuito<br />

alternativo. Diogo Gomes (acima) aponta outro<br />

fator para a volta do movimento cineclubista:<br />

o Brasil tem poucos cinemas e a produção<br />

nacional não tem lugar para ser exibi<strong>da</strong><br />

24 | REVISTA DOS BANCÁRIOS


CINEMA NA VEIA<br />

Archimedes Lombardi em<br />

sua filmoteca com a lata de<br />

The Taxi Boys, relíquia de 1914<br />

CINEMA CONCRETO<br />

Cineasta diletante, Miguel Batista,<br />

56 anos, dono de mãos calosas<br />

e voz grave, deve ser o primeiro<br />

cineasta-pedreiro <strong>da</strong> história<br />

do Brasil. Rosto emoldurado<br />

por espessa barba com muitos<br />

fios grisalhos, Miguel, que atua<br />

no Cineclube Assunção Hernandes,<br />

em Diadema, também faz literatura<br />

de cordel. Mas ganha a<br />

vi<strong>da</strong> mesmo mexendo com pás de<br />

pedreiro e cimento em construções<br />

na periferia de Diadema. “Digo<br />

que o meu hobby é ser pedreiro,<br />

mas não é ver<strong>da</strong>de. Dependo<br />

disso para viver”, afirma. Em parceria<br />

com o também também ci-<br />

contabiliza, desde o ano passado, a criação<br />

de quatro cineclubes, cujas sessões atraem<br />

público de to<strong>da</strong>s as i<strong>da</strong>des. “O pessoal (em<br />

geral moradores simples do próprio bairro,<br />

Vila Quitaúna) fica encantado em ver<br />

filmes a que dificilmente teria acesso”,<br />

aponta o professor Rui de Souza, um dos<br />

responsáveis pelo Cineclube Alto do Farol,<br />

que dirige junto com João Martinho Lúcio.<br />

Na ci<strong>da</strong>de há ain<strong>da</strong> os cineclubes I<strong>da</strong>de<br />

do Ouro, ligado à associação dos aposentados<br />

local, e outros dois mantidos pela<br />

Facul<strong>da</strong>de Fernão Dias.<br />

No Interior, mais especificamente na ci<strong>da</strong>de<br />

de Americana, até uma antiga estação<br />

de trem desativa<strong>da</strong> virou cineclube. É<br />

o Cineclube Estação. “Vêm de 25 a 30 pessoas<br />

em média. Passamos até um documentário<br />

sobre a revolução ´bolivariana´<br />

de Hugo Chávez,” conta o coordenador<br />

Eduardo Minatel.<br />

Aficionados<br />

Muitas vezes, são os cineclubistas a alma<br />

e motor destes espaços. Com sua paixão<br />

pela chama<strong>da</strong> “sétima arte”, tocam<br />

adiante a empreita<strong>da</strong> e, aficionados assumidos,<br />

resgatam as produções tornandose<br />

colecionadores. Archimedes Lombardi,<br />

que mantém há 13 anos o Cineclube Ipiranga,<br />

“sem falhar um só sábado”, como<br />

faz questão de frisar, tem uma história de<br />

vi<strong>da</strong> pareci<strong>da</strong> com a do garoto do filme<br />

Cinema Paradiso (do italiano Giuseppe<br />

Tornatore), pois também aprendeu a gostar<br />

de cinema manejando os equipamentos<br />

de projeção. Aos 16 anos, em Santo<br />

Anastácio, interior de São Paulo, aju<strong>da</strong>va<br />

o padre a fazer exibições no salão paroquial.<br />

Depois, mudou-se para São Paulo e<br />

recebeu convite para exibir os filmes no<br />

Clube Atlético Ypiranga. Levar seu acervo<br />

neasta amador Arnaldo Malta, ele<br />

já lançou o curta Pisa<strong>da</strong>s Marcantes.<br />

A dupla ganhou o terceiro lugar<br />

no Prêmio Plínio Marcos, um<br />

dos principais do circuito do cinema<br />

alternativo.<br />

Natural de Limoeiro do Norte,<br />

no Ceará, Miguel chegou em São<br />

Paulo há duas déca<strong>da</strong>s, transferindo-se<br />

depois para a ci<strong>da</strong>de do<br />

ABC. Há alguns anos, fez curso<br />

de roteiro em um dos centros culturais<br />

de Diadema, o que lhe deu<br />

base para preparar o curta. Em<br />

outro filme, lançado por colegas<br />

do curso, ele, humilde pedreiro<br />

<strong>da</strong> periferia <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, fez o pa-<br />

pel de um rico empresário. “Ao<br />

chegar em casa, perguntei para<br />

minha mulher se era aquilo mesmo<br />

que ia comer. Já estava quase<br />

me acostumando com a vi<strong>da</strong><br />

de rico”, brinca. No Ceará, os parentes<br />

se encarregam de divulgar<br />

seu trabalho. A divulgação<br />

chegou a tal ponto que uma prima<br />

veio do Nordeste a São Paulo,<br />

enfrentando enormes dificul<strong>da</strong>des,<br />

só para conhecer o parente<br />

famoso, “que faz cinema em<br />

São Paulo”. A Miguel, restou sorrir,<br />

como faz durante quase todo<br />

o tempo. “Não é fácil tocar os filmes,<br />

mas adoro essa vi<strong>da</strong> e gos-<br />

e dos outros integrantes <strong>da</strong> Associação Brasileira<br />

de Colecionadores de Filmes 16 Milímetros<br />

para a biblioteca foi um passo.<br />

“Temos muitos filmes antigos, mas o<br />

mais velho que há no meu acervo é Os<br />

Garotos do Táxi, de 1914”, revela. Durante<br />

as sessões, os saudosistas têm até a possibili<strong>da</strong>de<br />

de ouvir o barulho do antigo<br />

projetor de 16 mm, iguais àqueles usados<br />

até hoje em alguns poucos cinemas interioranos.<br />

Outros colecionadores têm filmes<br />

até mais antigos que o de Archimedes,<br />

como alguns mudos de Charlie Chaplin,<br />

além de preciosi<strong>da</strong>des como O Vigilante<br />

Rodoviário, seriado brasileiro dos<br />

anos 40, Bonanza e Tarzan. O engenheiro<br />

Hamílton Fonseca de Castro, um dos mais<br />

assíduos freqüentadores do cineclube, tem<br />

100 filmes, quase todos de humor como<br />

O Gordo e o Magro, Os Três Patetas e Carlitos.<br />

Castro, 52 anos, resume em poucas<br />

palavras a sua paixão pelo cinema: “Tenho<br />

também filmes em vídeo e DVD, mas na<strong>da</strong><br />

se compara à emoção de ver a película<br />

projeta<strong>da</strong> na telona. O cinema nunca<br />

vai morrer, mesmo com to<strong>da</strong> a tecnologia,<br />

porque as pessoas precisam dessa sensação<br />

inigualável”. ❚<br />

FAÇA SEU ROTEIRO<br />

Cineclube Ipiranga – Biblioteca Genésio de Almei<strong>da</strong><br />

Moura. Rua Cisplatina, 505, Ipiranga. Fone: 273-<br />

2390. Sessões aos sábados às 19h. Entra<strong>da</strong> Franca<br />

Cineclube Sesc Itaquera – Rua Projeta<strong>da</strong>, 1000, Itaquera.<br />

Fone: 6523-9200. Sessões aos sábados às<br />

19h. As sessões são gratuitas, mas o Sesc cobra o<br />

acesso às dependências com preço variável (visitante,<br />

comerciário etc).<br />

Cineclube I<strong>da</strong>de do Ouro – Rua Minas Bogasian,<br />

97, Centro, Osasco. Fone: 3682-9895. Sessões às<br />

quintas-feiras às 15h. Entra<strong>da</strong> Franca<br />

Cineclube Assunção Hernandes – Rua Ari Barroso,<br />

549. Centro, Diadema. Fone: 3425-0060. Sessões<br />

aos sábados, às 19h. Entra<strong>da</strong>: R$ 2<br />

Miguel é pedreiro; Rubeílton, motorista de caminhão. Juntos na ONG Com Olhar, produzem seus próprios filmes<br />

to muito do grupo também”, afirma<br />

ele, um dos mais ativos membros<br />

<strong>da</strong> ONG Com Olhar, que toca<br />

o cineclube.<br />

Mas Miguel não é o único trabalhador<br />

de profissão modesta<br />

que atua na produção de filmes.<br />

Outro integrante, Rubeílton Moraes,<br />

é caminhoneiro. Fez o curso<br />

de cenografia e se tornou fotógrafo<br />

e cineasta, como todos os<br />

colegas do grupo, não há um que<br />

não tenha dirigido ao menos um<br />

filme. “Como motorista de caminhão,<br />

descubro belos visuais, o<br />

que ajudou muito no meu olhar<br />

cinematográfico”, explica.<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 25


PERFIL<br />

Ilo Krugli,<br />

artista<br />

argentino<br />

à frente do<br />

Ventoforte,<br />

um dos<br />

mais<br />

premiados<br />

grupos<br />

de teatro do<br />

Brasil, vê na<br />

manifestação<br />

artística<br />

a melhor<br />

pe<strong>da</strong>gogia<br />

Por<br />

Gel Geraldo<br />

26 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

ARTE PARA FAZER<br />

ESCOLA<br />

Pouco tempo antes de ser assassinado pelo<br />

franquismo, em agosto de 1936, o poeta<br />

espanhol Federico García Lorca passou<br />

vários meses em Buenos Aires. Levou sua<br />

poesia expressa em música, desenho e dramaturgia<br />

para os salões portenhos e plantou<br />

ali um movimento de teatro de bonecos que,<br />

quase 70 anos depois, continuaria a influenciar a vi<strong>da</strong><br />

e carreira do menino argentino Elias Kruglianski,<br />

ou Ilo Krugli, artista plástico, dramaturgo, ator,<br />

letrista e um dos precursores <strong>da</strong> arte-educação no<br />

Brasil, país que escolheu para viver e onde desde a<br />

déca<strong>da</strong> de 70 dirige um de seus mais premiados grupos<br />

culturais, o Teatro Ventoforte.<br />

O garoto Elias não teve a chance de assistir às apresentações<br />

de Lorca. Filho de judeus poloneses, tinha<br />

pouco mais de 4 anos quando <strong>da</strong> visita a seu país,<br />

mas pôde se beneficiar dessa efervescência cultural<br />

já nos primeiros anos de escola, quando a professora<br />

lhe deu de presente um livro de Javier Villafãne<br />

Ilo à frente do elenco do<br />

Ventoforte: influência de<br />

García Lorca<br />

(1909-1996), considerado o pioneiro dos titereiros<br />

argentinos e também admirador confesso do poeta<br />

espanhol. Para Elias, o presente foi um tesouro de<br />

vali<strong>da</strong>de inesgotável. “Lorca é sempre uma referência.<br />

Que pena que não teve ninguém para segurá-lo<br />

e dizer: Não volta! Alguém que gostasse tanto dele<br />

que não o deixasse sair de Buenos Aires, porque logo<br />

depois foi fuzilado”, lamenta.<br />

Com o impulso do grande poeta, a contribuição<br />

de Villafãne e – por que não? – o empenho <strong>da</strong> professora<br />

Helena nos primeiros passos do que um dia<br />

viria a se chamar arte-educação, trabalho que déca<strong>da</strong>s<br />

depois Krugli desenvolveria de forma pioneira<br />

com a equipe <strong>da</strong> Escolinha de Artes do Brasil, o menino<br />

atravessou a primeira infância influenciado ain<strong>da</strong><br />

pela empolgação dos pais pelos palcos e a lógica<br />

<strong>da</strong> representação em nome <strong>da</strong> sobrevivência. Ligados<br />

a uma organização de esquer<strong>da</strong>, os Kruglianski<br />

faziam teatro amador. Mas as encenações valiam também<br />

para o dia a dia. “Se a polícia estava no pré-<br />

FOTOS: GERARDO LAZZARI


dio vizinho minha mãe dizia: ´vai brincar, fica rindo.<br />

Enquanto isso, queimava folhetos na cozinha....-<br />

Acho que essa é uma história que não acaba nunca”,<br />

afirma.<br />

Arte e política<br />

Assim como a arte, portanto, a política marcava definitivamente<br />

a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> família. Sem formação acadêmica<br />

– depois do ensino primário estudou artes gráficas<br />

por dois anos e começou a trabalhar –, Elias continuou<br />

a fazer bonecos por to<strong>da</strong> a adolescência, até<br />

formar um grupo que “andou e desandou” pelas periferias,<br />

centros culturais e comuni<strong>da</strong>des ju<strong>da</strong>icas de<br />

esquer<strong>da</strong>. Embora tenha pertencido à juventude do<br />

Partido Comunista, não resistiu à camisa-de-força dos<br />

extremos. Decidiu então tratar de realizar seu grande<br />

sonho, que era o mesmo que unia pensadores, intelectuais<br />

e artistas <strong>da</strong> primeira metade do século passado:<br />

a busca <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de latino-americana.<br />

A idéia era chegar até o México, mas, por sorte ou<br />

destino, no meio do caminho havia o Brasil. “No filme<br />

do Walter Salles (Diários de Motocicleta) Che Guevara<br />

e o colega an<strong>da</strong>m de moto pelos países latinos<br />

e passam pelos mesmos lugares que a gente passou,<br />

só que três anos antes. Havia então essa mística de<br />

encontrar a identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> América Latina... Cuzco e<br />

Machu Pichu foram lugares definitivos para mim como<br />

experiência”, conta. Quando Krugli decidiu mu<strong>da</strong>r<br />

a rota e partir para o Brasil, a bordo do trem <strong>da</strong><br />

morte boliviano, veio com a orientação de procurar<br />

no Rio o artista Augusto Rodrigues (1913-1993).<br />

Era 1961 e seu grupo <strong>original</strong>, Ta-Te-Ti (jogo <strong>da</strong> velha)<br />

já mu<strong>da</strong>ra de nome e ganhara identi<strong>da</strong>de. Os<br />

bonecos tinham personali<strong>da</strong>de própria, distinta dos<br />

mamulengos manejados apenas com as mãos. Rodrigues,<br />

por sua vez, fun<strong>da</strong>ra há pouco mais de uma<br />

déca<strong>da</strong> a Escolinha de Arte do Brasil, apostando na<br />

idéia de ensino <strong>da</strong> arte como parte fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong><br />

educação. “Fiquei 11 anos na escolinha. Fazíamos espetáculos<br />

e um trabalho muito rico com crianças,<br />

não era só o teatro”, relembra.<br />

A arte como fonte de educação e base do processo<br />

de crescimento e mu<strong>da</strong>nça encantava Rodrigues,<br />

Krugli e mais de uma dezena de profissionais. Anízio<br />

Teixeira, com suas escolas-parque (embrião dos<br />

CEUs), o sociólogo Darcy Ribeiro, a educadora Helena<br />

Antipoff e a psiquiatra Nise <strong>da</strong> Silveira, criadora<br />

do Museu do Inconsciente, estavam entre eles.<br />

Com Nise, cuja atuação marcou a luta pelo tratamento<br />

de doentes mentais sem o recurso do eletrochoque<br />

e métodos próximos <strong>da</strong> tortura, Ilo Krugli<br />

descobriu Jung; mais tarde, o filho de pai ateu se<br />

renderia também ao misticismo afro-brasileiro do<br />

candomblé. A intensi<strong>da</strong>de do trabalho no Brasil vingou<br />

rapi<strong>da</strong>mente: dois anos após sua chega<strong>da</strong>, nascia<br />

na Escolinha de Artes A História do Barquinho,<br />

um dos espetáculos mais premiados de Krugli e até<br />

hoje apresentado.<br />

“Trabalhar com Ilo e Pedro (Turón Domingues,<br />

artista argentino que estava com Krugli no início <strong>da</strong><br />

carreira no Brasil) foi o privilégio de estar entre gênios.<br />

Gênios podem ser centralizadores, problemáticos,<br />

muitas coisas, mas são acima de tudo brilhan-<br />

tes. Eu tive essa grande alegria, que transformou minha<br />

vi<strong>da</strong>”, afirma a artista Silvia Aderne, do grupo<br />

de teatro carioca Hombu, formado quando Krugli<br />

decidiu seguir para São Paulo com o Ventoforte. As<br />

múltiplas artes ensina<strong>da</strong>s na escolinha, os bonecos<br />

que fugiam do convencional, eram iniciativas criativas<br />

que apontavam o surgimento de uma nova linguagem<br />

artística e didática, mas por muito pouco o<br />

artista não zarpa definitivamente do Brasil: seguindo<br />

seu coração, foi morar no Chile de Allende em<br />

pleno golpe militar. “O amor também estimula certas<br />

rupturas, não é?”, diz, sorrindo.<br />

Assustado com as atroci<strong>da</strong>des <strong>da</strong> ditadura, conseguiu<br />

fugir dos chilenos, mas não escapou dos militares<br />

brasileiros: durante anos, colecionou histórias<br />

com a repressão e a censura. Algumas trágicas, como<br />

a perseguição de que foi vítima durante anos e<br />

o assassinato do colega de trabalho Luiz Martins.<br />

Outras quase cômicas, como a <strong>da</strong> caderneta do araponga<br />

que a amiga Dulce Maia (irmã de Carlito<br />

Maia)“seqüestrou” numa noite de prêmio Molière,<br />

só descobrindo mais tarde que se tratavam <strong>da</strong>s anotações<br />

de um espião.<br />

Vento firme<br />

Com o Ventoforte, criado há 31 anos e desde 1981<br />

em São Paulo, Krugli já acumulou quase cinco dezenas<br />

de prêmios – os mais recentes são dois Shell<br />

de Teatro 2004, pela música e cenário de Bo<strong>da</strong>s de<br />

Sangue, do poeta espanhol, a quem dedicava espetáculos<br />

a ca<strong>da</strong> déca<strong>da</strong> e, hoje, a qualquer tempo,<br />

como homenagem atemporal. O fato de ser um dos<br />

mais antigos e premiados do País, afirma, não lhe<br />

traz privilégios ao disputar aju<strong>da</strong> financeira. Inserido<br />

na lei de fomento municipal (um dos novos<br />

projetos deve ser o que resgata o trabalho de Nise<br />

<strong>da</strong> Silveira), um dos poucos senões admitidos pelo<br />

artista surge quando pensa em quanto poderia colaborar<br />

com as novas gerações, em especial num<br />

país em que a educação infantil é tão ruim, e começa<br />

a se sentir “um pouco jogado fora”. Não se<br />

parece com um lamento, mas vontade de ir adiante.<br />

Gosto de ensinar e a arte é a melhor pe<strong>da</strong>gogia”,<br />

lembra.<br />

Há alguns anos, Krugli ficou muito doente. Descobriu,<br />

com déca<strong>da</strong>s de atraso, que tem alergia ao<br />

glúten. Começou a se cui<strong>da</strong>r e hoje dificilmente alguém<br />

<strong>da</strong>ria os 74 anos que tem ao vê-lo atuar. Ilo<br />

Krugli não se casou nem teve filhos. Mas vê nos amigos<br />

que o acompanham uma forma de família. E,<br />

mesmo sem herdeiros formais, tem garanti<strong>da</strong> a continui<strong>da</strong>de<br />

do projeto que marca sua trajetória. “A primeira<br />

vez que o vi, em ‘A História do Barquinho’, fiquei<br />

fascinado. Ele se tornou referência de um bom<br />

trabalho e hoje é mais que isso. Sua relação com a<br />

arte é um exemplo que procuro seguir, porque existe<br />

respeito. Para ele, primeiro vem o trabalho artístico,<br />

depois o resto. E sabe que desde que comecei a<br />

pensar assim fiquei mais feliz? Menos preocupado<br />

com o mercado, a mídia; tem <strong>da</strong>do muito mais certo<br />

assim”, revela Henrique Sitchin, diretor <strong>da</strong> Cia.<br />

Truks que, como Krugli, desenvolve trabalho com<br />

teatro de animação em São Paulo. ❚<br />

ESPAÇO ABERTO<br />

Situado em terreno <strong>da</strong> Caixa<br />

Econômica Federal, anexo<br />

ao Parque do Povo, no<br />

Itaim Bibi, a área física do<br />

Ventoforte lembra um<br />

quintal antigo. Desde que<br />

o grupo a ocupou, foram<br />

planta<strong>da</strong>s árvores e construídos<br />

os palcos e demais<br />

acomo<strong>da</strong>ções, entre elas a<br />

casa onde vive atualmente<br />

o diretor. Ali, não há sofisticação.<br />

O Ventoforte é espaço<br />

aberto, no qual artistas<br />

e público convivem com<br />

plantas e bichos como passarinhos<br />

e os cachorros de<br />

raça indefini<strong>da</strong> que lá encontram<br />

refúgio. Em seu<br />

entorno, estão moradias<br />

de famílias pobres, cujas<br />

crianças entram sem cerimônia<br />

na casa cultural. Algumas<br />

sabem de cor as falas<br />

e participam de oficinas,<br />

como a de bor<strong>da</strong>do. “-<br />

Elas aju<strong>da</strong>m no espetáculo<br />

<strong>da</strong>ndo dicas que despistam<br />

o público”, explica o<br />

dramaturgo.<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 27


COMPORTAMENTO<br />

MSN,<br />

BLOG,<br />

ORKUT...<br />

VC<br />

AINDA<br />

NAUM<br />

TEM?<br />

Esqueça o telefone,<br />

o bom papo a dois<br />

ou a ro<strong>da</strong> de amigos:<br />

ca<strong>da</strong> vez mais<br />

adolescentes (e até<br />

adultos) optam por<br />

ficar em frente ao<br />

computador pelo<br />

prazer de se comunicar<br />

via internet<br />

Por Ci<strong>da</strong> Oliveira<br />

Fotos de Paulo Pepe<br />

Viviane Marcionila de Lira, 13<br />

anos, aluna <strong>da</strong> 6ª série de uma<br />

escola pública do Morro Doce,<br />

periferia de São Paulo, está longe<br />

<strong>da</strong>s classes A e B, nas quais<br />

estão concentrados 91% de todos<br />

os internautas brasileiros. Mas mesmo<br />

não tendo computador em casa como os<br />

adolescentes de classe média não se sente<br />

uma excluí<strong>da</strong> digital. Usa parte do dinheiro<br />

que ganha como manicure e com a ven<strong>da</strong><br />

de cosméticos para pagar as horas que<br />

gosta de passar numa lan house no bairro<br />

onde mora. “Tem semana em que vou lá<br />

todos os dias. Mas tem outras em que não<br />

dá para ir nenhuma vez”, conta. “Depois<br />

que a hora aumentou para R$ 2,50, ficou<br />

mais difícil. O jeito é ir aos domingos, lá<br />

28 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

pelo horário do almoço, quando custa R$<br />

1,80”.<br />

Dizendo-se vicia<strong>da</strong> em MSN Messenger<br />

– um dos programas que possibilitam a<br />

comunicação em tempo real entre duas ou<br />

mais pessoas conheci<strong>da</strong>s de qualquer parte<br />

do planeta, a partir de um computador<br />

ligado à internet –, Viviane diz que tomou<br />

contato com a rede mundial de computadores<br />

no ano passado, quando freqüentou<br />

um curso de informática oferecido por um<br />

telecentro do bairro. Desde então, não consegue<br />

mais ficar longe do equipamento. Ela<br />

revela que fez cerca de 80 amigos por meio<br />

do messenger. São adolescentes <strong>da</strong> vizinhança<br />

e até de outros estados brasileiros.<br />

Aos poucos, ela começa a se a<strong>da</strong>ptar ao<br />

Orkut, Gazzag e Beltrano, ferramentas de-<br />

senvolvi<strong>da</strong>s para contatar, encontrar e reconectar<br />

velhos amigos, compartilhar álbuns<br />

de fotos e diários com comuni<strong>da</strong>des<br />

que têm as mesmas afini<strong>da</strong>des. Aos poucos<br />

também começa a se interessar pela<br />

leitura de weblogs, ou simplesmente blogs,<br />

que são uma espécie de jornal pessoal online,<br />

com toque informal, atualizado com<br />

freqüência e direcionado ao público em geral.<br />

“Meu sonho é ter um computador em<br />

casa e poder ficar no messenger o dia todo”,<br />

admite.<br />

As declarações de Viviane têm muito em<br />

comum com os resultados de uma pesquisa<br />

do Laboratório de Novas Tecnologias do<br />

Centro de Ciências <strong>da</strong> Educação <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />

Federal de Santa Catarina, que<br />

entre 2002 e 2003 ouviu alunos de escolas


públicas e particulares de Florianópolis para<br />

saber como eles se relacionam com a<br />

internet. De acordo com a professora Maria<br />

Luiza Belloni, coordenadora do estudo,<br />

73% dos adolescentes ouvidos dizem já ter<br />

usado a rede várias vezes. O índice é maior<br />

que a média de 71% dos países europeus.<br />

Entre os que acessam diariamente estão os<br />

que freqüentam a escola priva<strong>da</strong>. Parte <strong>da</strong><br />

pesquisa mostrou também que crianças e<br />

adolescentes em situação de risco, ou seja,<br />

muito carentes, têm como maior desejo<br />

operar um computador, mesmo sem internet.<br />

Para 58% dos entrevistados, é mais fácil<br />

aprender utilizando esse recurso do que<br />

com livros, e 81% disseram que é fácil<br />

aprender a utilizar a rede. “No geral, 46%,<br />

a maioria, disseram usá-la para se comu-<br />

INCLUSÃO VIRTUAL<br />

Viviane não tem computador<br />

em casa. Gasta parte de seu<br />

salário numa lan house<br />

nicar com os amigos”, afirma a coordenadora<br />

do estudo.<br />

Os resultados <strong>da</strong> pesquisa <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de<br />

catarinense refletem parte de um universo<br />

formado por adolescentes e jovens<br />

de praticamente todo o mundo, que dedicam<br />

as principais horas de seu tempo à<br />

conversa com a turma por meio <strong>da</strong> internet,<br />

à leitura e re<strong>da</strong>ção de blogs e também<br />

a conhecer ou localizar na rede pessoas<br />

com as mesmas afini<strong>da</strong>des. Para terror <strong>da</strong><br />

maioria dos pais, muitos deixam de fazer<br />

as refeições na hora certa, adiam o banho,<br />

vão dormir só de madruga<strong>da</strong> e, pior, ‘esquecem´<br />

de estu<strong>da</strong>r para ficar diante do<br />

computador. O técnico de informática André<br />

Campos Lorente, 19 anos, estu<strong>da</strong>nte<br />

do curso de Rádio e TV, foi um desses ado-<br />

lescentes. Hoje, mesmo trabalhando o dia<br />

todo e estu<strong>da</strong>ndo à noite, mantém seu<br />

computador pessoal ligado sempre que está<br />

em casa. “Quando chego <strong>da</strong> rua ou logo<br />

quando acordo a primeira coisa que faço<br />

é ligá-lo”, explica. Ele conta que há anos<br />

utiliza a internet para estu<strong>da</strong>r, jogar, ler revistas<br />

e jornais e, principalmente, para papear.<br />

Essa tecnologia, aliás, substituiu o uso<br />

do telefone, que agora só é necessário quando<br />

André está em trânsito: se tem que falar<br />

com a namora<strong>da</strong>, amigos ou com os<br />

integrantes de sua ban<strong>da</strong>, só utiliza o messenger.<br />

Família online<br />

Há casos em que essa espécie de dependência<br />

<strong>da</strong> internet não se limita aos jovens<br />

e adolescentes, mas envolve to<strong>da</strong>s as pessoas<br />

<strong>da</strong> casa. Foi o que aconteceu com a<br />

analista de sistemas Adriana Manetti. Mãe<br />

de dois adolescentes, ela mantém quatro<br />

computadores em casa, todos ligados em<br />

rede à internet, apesar de a família ser reduzi<strong>da</strong>.<br />

“Dois computadores ficam no meu<br />

quarto, ligados ao mesmo tempo. Em um,<br />

jogo RPG e, no outro, converso com meus<br />

amigos. Só desligo os dois quando vou à<br />

escola ou saio para passear”, afirma Alexandre<br />

Manetti, 13 anos. No quarto ao lado,<br />

a irmã Mariana, 15 anos, lê e-mails e<br />

blogs e conversa com sua turma, tudo ao<br />

mesmo tempo. Como o irmão e a mãe,<br />

mantém o computador ligado todo o tempo<br />

em que está em casa. “Como ficamos<br />

plugados, o jeito é avisar que o jantar já<br />

está pronto usando o messenger”, revela<br />

Adriana. O uso dessa tecnologia está tão<br />

arraigado em sua casa que, em janeiro passado,<br />

quando esteve nos Estados Unidos a<br />

trabalho, sua emprega<strong>da</strong> usou o mesmo<br />

artifício para conversar com ela sobre problemas<br />

que surgiram no encanamento <strong>da</strong><br />

cozinha. Além disso, os filhos só concor<strong>da</strong>m<br />

em ir para a chácara <strong>da</strong> família aos<br />

fins de semana se puderem levar junto um<br />

notebook.<br />

Ler e escrever blogs, outra mania mundial<br />

– principalmente entre os adolescentes,<br />

mas que a ca<strong>da</strong> dia conquista celebri<strong>da</strong>des,<br />

intelectuais e políticos – é hábito<br />

que não pára de crescer. Nos Estados Unidos,<br />

o número desses leitores subiu 58%<br />

só no ano passado, somando 32 milhões<br />

de pessoas. Desse total, 8 milhões criaram<br />

seus diários online e 14 milhões contribuem<br />

com avaliações e comentários. “O<br />

buraco <strong>da</strong> fechadura sempre atrai, mesmo<br />

quando é uma coisa consenti<strong>da</strong>. Há quem<br />

acompanhe weblogs como se fossem telenovelas,<br />

querendo saber ansiosamente se<br />

a autora vai reatar aquele velho namoro<br />

ou não”, avalia Nemo Nox, pseudônimo<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 29


de um publicitário brasileiro de 42 anos<br />

que vive nos Estados Unidos como produtor<br />

e diretor de comerciais de TV e desde<br />

1995 trabalha com a internet. Em dezembro<br />

passado, ele teve seu blog, Por um<br />

Punhado de Pixels (www.nemonox.com/ppp),<br />

eleito como o melhor do<br />

mundo <strong>da</strong>quele ano por uma rede de televisão<br />

alemã, a Deustche Welle. No seu<br />

site em estilo blog, ele comenta principalmente<br />

literatura e cinema. Segundo o site<br />

<strong>da</strong> rede alemã, cerca de um terço dos<br />

mais de 60 mil usuários que elegeram seus<br />

weblogs favoritos votaram a partir do Brasil.<br />

A predominância dos brasileiros foi nota<strong>da</strong><br />

nos resultados: dos quatro prêmios<br />

concedidos, levaram dois.<br />

Os <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> pesquisa norte-americana<br />

revelam também que os blogs tornaramse<br />

importantes fontes de informação para<br />

os internautas. Aliás, um outro estudo concluído<br />

recentemente por um instituto vinculado<br />

à Universi<strong>da</strong>de de Colúmbia, nos<br />

Estados Unidos, revelou que essas ferramentas<br />

estão roubando a audiência de noticiários<br />

por serem ferramentas mais rápi<strong>da</strong>s<br />

e baratas. Os resultados sugerem que<br />

as organizações noticiosas mudem seus padrões<br />

para passar a competir com as mesmas<br />

armas <strong>da</strong> nova concorrência.<br />

Polêmica à parte, os blogs têm também<br />

uma função social e ci<strong>da</strong>dã. As idéias de<br />

dois blogueiros brasileiros, Hernani Dimantas<br />

(marketinghacker.com.br) e Felipe<br />

Fonseca (fff.hipercortex.com) influenciaram<br />

várias discussões por e-mail em<br />

2002 e levaram à criação do projeto metareciclagem.com.br,<br />

de repercussão internacional,<br />

que recicla computadores<br />

considerados obsoletos e os distribui para<br />

diversas ONGs. Outra iniciativa, o recicle1politico.tk,<br />

do projetometafora.org,<br />

mobilizou blogueiros a recolher e reciclar<br />

plásticos e papéis usados em propagan<strong>da</strong>s<br />

políticas nas duas últimas eleições. Além<br />

de bom de blog, o Brasil é também o país<br />

com a maior comuni<strong>da</strong>de no Orkut. No<br />

dia do fechamento desta reportagem, o<br />

País liderava o ranking, à frente dos Estados<br />

Unidos, segundo o próprio site do serviço<br />

de comuni<strong>da</strong>des.<br />

Aceitação e linguagem<br />

Para diversos especialistas, esses números<br />

todos confirmam que ca<strong>da</strong> vez mais a<br />

internet faz parte <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas de<br />

uma maneira em geral. “Para os adultos,<br />

ela é uma importante ferramenta de trabalho.<br />

Para crianças e adolescentes, um instrumento<br />

de pesquisas escolares, de contatos<br />

com amigos e um meio de di<strong>versão</strong><br />

e lazer, onde podem questionar idéias, partilhar<br />

sua vi<strong>da</strong> e ain<strong>da</strong>, de alguma forma,<br />

30 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

FULL TIME Adriana, a mãe, com Mariana e Alexandre: “Como ficamos plugados, o jeito é avisar<br />

que o jantar já está pronto usando o messenger”<br />

desafiar os padrões <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de convencional”,<br />

aponta a psicóloga Luciana Ruffo,<br />

do Núcleo de Pesquisa <strong>da</strong> Psicologia em<br />

Informática <strong>da</strong> Pontifícia Universi<strong>da</strong>de Católica<br />

de São Paulo. O setor é responsável<br />

pela publicação do livro “Psicologia e Informática:<br />

O ser humano diante <strong>da</strong>s novas<br />

tecnologias”.<br />

Segundo a psicóloga, os adolescentes exploram<br />

bem as novas tecnologias porque<br />

as dominam bem. “Afinal, quando nasce-<br />

ram, esse canal de comunicação já estava<br />

à disposição deles, diferentemente <strong>da</strong>s gerações<br />

anteriores, que estão tendo que se<br />

a<strong>da</strong>ptar ao uso desses recursos.” Esse domínio<br />

pelos mais jovens, afirma, explica os<br />

temores de muitos pais quanto a esse canal<br />

de comunicação que já não é tão novo<br />

assim. “No início, qualquer forma de<br />

interação gera polêmica e desconfianças em<br />

relação ao futuro”, explica.“Um bom exemplo<br />

desse processo é o surgimento <strong>da</strong> te-


VÍCIO HIGHTECH André, de pijama: “Quando chego <strong>da</strong> rua ou logo quando acordo a primeira coisa que faço é ligar o computador”<br />

levisão e do telefone, que em seus primórdios<br />

também foram considerados instrumentos<br />

maléficos”.<br />

A especialista lembra que os flogs, blogs<br />

e os recados (testemunials ou scraps) do<br />

Orkut permitem mais que rever amigos e<br />

saber como an<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> deles: gera uma<br />

sensação confortadora nas pessoas, que<br />

passam a se sentir incluí<strong>da</strong>s numa comuni<strong>da</strong>de<br />

e deixam de estar só. São, também,<br />

uma roupagem nova de costumes muito<br />

comuns na adolescência de quem hoje está<br />

na casa dos 30 anos: o de fazer circular<br />

diários e agen<strong>da</strong>s nas quais os amigos registravam<br />

declarações de carinho e amizade<br />

que eram guar<strong>da</strong><strong>da</strong>s como recor<strong>da</strong>ção,<br />

ou mesmo a troca de bilhetinhos anônimos<br />

em que se declarava a atração por alguém<br />

<strong>da</strong> turma. “São uma forma de expressar<br />

idéias e sentimentos. A diferença é<br />

a abrangência desse novo canal de trocas,<br />

que não se restringe mais ao nosso pequeno<br />

mundo cotidiano, mas que atinge um<br />

universo maior de interlocutores.”<br />

Luciana Ruffo lembra que ficar o dia todo<br />

na internet, como acontece no período<br />

<strong>da</strong>s férias escolares, é principalmente um<br />

reflexo <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de atual. A violência nos<br />

grandes centros urbanos ca<strong>da</strong> vez mais leva<br />

o jovem a buscar segurança dentro de<br />

casa, onde os atrativos são ver televisão, ler<br />

(infelizmente algo ain<strong>da</strong> raro entre os jovens),<br />

falar por telefone e usar a internet.<br />

“Como a rede mundial de computadores<br />

é tudo isso ao mesmo tempo, fica fácil entender<br />

por que essa opção se torna tão interessante”,<br />

compara. A relação do jovem<br />

com a internet, segundo a psicóloga, torna-se<br />

doentia quando ele prefere ficar em<br />

casa, diante do computador, mesmo se tem<br />

um convite para sair de casa e passear com<br />

os amigos.<br />

Sebastião Carlos de Morais Squirra, diretor<br />

<strong>da</strong> facul<strong>da</strong>de de Comunicação Multimídia<br />

<strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Metodista de São<br />

Paulo, de São Bernardo do Campo, concebe<br />

essas ferramentas virtuais como uma<br />

evolução de tecnologias mais antigas, que<br />

certamente serão troca<strong>da</strong>s por outras mais<br />

avança<strong>da</strong>s num futuro próximo. Mas, apesar<br />

de facilitadoras do processo de comunicação<br />

e de formação cultural, jamais<br />

substituirão a mídia tradicional. “É uma<br />

bobagem pensar que os blogs, por exemplo,<br />

substituirão jornais e revistas. O que<br />

entra em jogo não é o formato, e sim a<br />

credibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> notícia”, destaca. “Além<br />

disso, no Brasil, quem tem acesso à internet<br />

e lê blogs é o mesmo ci<strong>da</strong>dão que já<br />

compra jornais e assiste à TV”.<br />

Os códigos utilizados pelos usuários dessas<br />

ferramentas de comunicação instantânea,<br />

blogs ou de comuni<strong>da</strong>des, não preocupam<br />

a lingüista Denise Bértoli Braga,<br />

professora e pesquisadora do departamento<br />

de Lingüística aplica<strong>da</strong> do Instituto de<br />

Estudos <strong>da</strong> Linguagem <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Estadual<br />

de Campinas, a Unicamp. “Escrever<br />

naummmm em vez não, vc ou vx no lugar<br />

de você amplia os gêneros de escrita<br />

em situações informais e nas quais é preciso<br />

agilizar a comunicação”, avalia. De<br />

acordo com a especialista, essas linguagens<br />

são como jargões usados apenas no contexto<br />

de algumas profissões. Advogados,<br />

por exemplo, não usam uma linguagem forense<br />

durante uma conversa informal com<br />

seus amigos. No entanto, ela ressalta que<br />

é preciso tomar cui<strong>da</strong>do para que os adolescentes,<br />

em especial, dominem a linguagem<br />

padrão e apren<strong>da</strong>m a limitar o uso<br />

desses códigos escritos apenas ao contexto<br />

online. E a escola tem papel fun<strong>da</strong>mental<br />

nesse processo. ❚<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 31


VIAGEM<br />

Situa<strong>da</strong> estrategicamente entre<br />

duas capitais (distante cerca de<br />

100 quilômetros de Goiânia e<br />

Brasília), a pequena ci<strong>da</strong>de de<br />

Pirenópolis, na Serra dos Pirineus,<br />

vive o seu auge durante a<br />

Festa do Divino – que acontece todos os<br />

anos no mês de maio, durante o Pentecostes.<br />

É nesta época que são realiza<strong>da</strong>s as Cavalha<strong>da</strong>s,<br />

encenação <strong>da</strong>s batalhas lidera<strong>da</strong>s<br />

pelo rei cristão Carlos Magno contra os<br />

mouros que se instalaram na Península<br />

Ibérica, numa história que remonta ao século<br />

6. Com pouco mais de 2 mil km 2 e<br />

uma população de 21.245 habitantes (censo<br />

2000 do IBGE), o município, que já seduzia<br />

turistas <strong>da</strong> região, começa agora a<br />

encantar também visitantes de outros estados<br />

brasileiros.<br />

As Cavalha<strong>da</strong>s são apenas uma <strong>da</strong>s muitas<br />

atrações locais: a festa está de tal forma<br />

arraiga<strong>da</strong> entre a população pirenopolina<br />

que a ci<strong>da</strong>de ganhou recentemente<br />

uma espécie de “cavalhódromo”, o Campo<br />

<strong>da</strong>s Cavalha<strong>da</strong>s. É lá que ocorrem anualmente<br />

as batalhas entre os doze cavalheiros<br />

cristãos, garbosamente vestidos de azul,<br />

32 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

e os doze cavalheiros mouros, também elegantemente<br />

vestidos de vermelho.<br />

Aos turistas, quase sempre resta a oportuni<strong>da</strong>de<br />

de assistir à encenação no Campo<br />

<strong>da</strong>s Cavalha<strong>da</strong>s, brincar com os mascarados<br />

que tomam conta <strong>da</strong>s ruas de Pirenópolis<br />

e participar <strong>da</strong>s quermesses que<br />

acontecem nas igrejas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de – os rituais<br />

preparatórios são mais reservados,<br />

nas casas e fazen<strong>da</strong>s e, como to<strong>da</strong> boa festa<br />

popular que sobrevive aos séculos, imbuídos<br />

de grande devoção religiosa.<br />

Assistir ao espetáculo <strong>da</strong>s Cavalha<strong>da</strong>s é<br />

algo inesquecível para um visitante atento<br />

às belezas <strong>da</strong> cultura e tradição do povo<br />

brasileiro. Mas esta ci<strong>da</strong>de, tomba<strong>da</strong> como<br />

Patrimônio Histórico e Cultural Brasileiro<br />

em 1989, tem muito a oferecer ao turista<br />

em qualquer época do ano, começando pelo<br />

centro histórico, menos imponente do<br />

que o de ci<strong>da</strong>des como Ouro Preto e Olin<strong>da</strong>,<br />

mas igualmente gracioso e interessante.<br />

É ali que fica a Igreja Matriz de Nossa<br />

Senhora do Rosário, construí<strong>da</strong> em 1732<br />

e parcialmente destruí<strong>da</strong> por um incêndio<br />

– até hoje mal explicado, diga-se de passagem<br />

– ocorrido em 2002.<br />

Cachoeira<br />

Santa Maria<br />

PÉROLA DO CERRADO<br />

A pequena e acolhedora Pirenópolis, no coração de Goiás,<br />

conquista visitantes com suas tradições, festas e belezas ecológicas<br />

Por Luciana Bento. Fotos de Nivaldo <strong>da</strong> Trin<strong>da</strong>de<br />

As ruas de Pirenópolis convi<strong>da</strong>m para<br />

passeios a pé, entre casarões do século 18,<br />

igrejas centenárias, lojas e feiras de artesanato,<br />

restaurantes populares, cafés sofisticados<br />

e pousa<strong>da</strong>s elegantes. Sempre regados<br />

a sorrisos distribuídos pelos moradores<br />

calmamente sentados na frente <strong>da</strong>s casas<br />

ao entardecer. Para encontrá-los à noite,<br />

em programas familiares, fique de olho<br />

na programação do Theatro Municipal de<br />

Pirenópolis, construído em 1899 – onde<br />

artistas locais e de outros estados se apresentam<br />

periodicamente em espetáculos<br />

sempre bem freqüentados pela elite local.<br />

Santuário ecológico<br />

A ci<strong>da</strong>de é corta<strong>da</strong> pelo Rio <strong>da</strong>s Almas,<br />

límpido e repleto de pedras e que<strong>da</strong>s<br />

d´água que fazem a alegria <strong>da</strong>s crianças em<br />

dias mais quentes. Poucos turistas se aventuram<br />

a banhar-se em plena rua, à vista<br />

dos transeuntes: preferem optar por uma<br />

<strong>da</strong>s dezenas de cachoeiras que circun<strong>da</strong>m<br />

a região e que, aliás, são o principal cartão<br />

de visitas de Pirenópolis. Muitas delas<br />

ficam em proprie<strong>da</strong>des particulares e<br />

são cobra<strong>da</strong>s taxas de entra<strong>da</strong> e manuten-


Casario<br />

colonial<br />

ção que variam entre R$ 5 e R$ 15. Outras<br />

são públicas, de acesso livre. Como o<br />

cardápio é amplo, o mais sensato é descobrir<br />

as que mais agra<strong>da</strong>m numa conversa<br />

com moradores ou visita ao serviço de<br />

atendimento ao turista. O risco de errar é<br />

pequeno, pois praticamente to<strong>da</strong>s as cachoeiras<br />

têm águas cristalinas, são seguras<br />

e estão rodea<strong>da</strong>s pela delica<strong>da</strong> beleza do<br />

cerrado.<br />

As cascatas e rios de Pirenópolis são velhos<br />

conhecidos <strong>da</strong>s centenas de visitantes<br />

que a ci<strong>da</strong>de recebe todos os finais de semana<br />

e feriados, oriundos principalmente<br />

de Brasília e Goiânia. Mas, para quem acha-<br />

va que conhecia tudo, a região guardou um<br />

tesouro que surpreendeu até mesmo os velhos<br />

moradores, que não esperavam tamanha<br />

relíquia a apenas 51 quilômetros de<br />

distância: a Ci<strong>da</strong>de de Pedra, descoberta há<br />

poucos anos.<br />

O local reúne um conjunto rochoso imponente,<br />

que abriga gigantescas colunas,<br />

capitéis, arcos, paredões, grutas e cânions<br />

a 1.200 metros de altitude. O curioso é que<br />

o lugar sempre foi menosprezado pelos fazendeiros,<br />

pois o terreno é acidentado e a<br />

terra, cheia de rochas e sem vegetação rasteira,<br />

considera<strong>da</strong> fraca. A região ficou esqueci<strong>da</strong><br />

por anos a fio, e o que antes era<br />

uma pedraria sem fim, hoje é considerado<br />

uma <strong>da</strong>s maiores descobertas geológicas<br />

<strong>da</strong> atuali<strong>da</strong>de. Isto sem contar o imensurável<br />

valor ecológico e botânico do lugar,<br />

que abriga inúmeras espécies de plantas<br />

nativas do cerrado e animais silvestres.<br />

Outro passeio imperdível, mais light e<br />

gastronômico, é ao santuário ecológico Vagafogo<br />

– lugar ideal para passar uma ma-<br />

Cachoeira do<br />

Bom Sucesso<br />

nhã inteira degustando o delicioso brunch<br />

servido no salão principal, com uma enorme<br />

varie<strong>da</strong>de de sucos, geléias e chutneys<br />

de fabricação própria e orgânica, com frutas<br />

<strong>da</strong> estação. Ao final, uma caminha<strong>da</strong><br />

leve entre as árvores aju<strong>da</strong> a fazer a digestão.<br />

E, por falar em boa comi<strong>da</strong>, outra ótima<br />

época para visitar Pirenópolis é durante<br />

o Festival Gastronômico, que neste<br />

ano acontece entre 16 e 19 de junho. Na<br />

ocasião, praticamente todos os restaurantes<br />

<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de se desdobram para criar receitas<br />

deliciosas e originais, utilizando ingredientes<br />

típicos do cerrado, como o pequi<br />

e o baru.<br />

O belo artesanato é outro atrativo para<br />

quem visita Pirenópolis. Prepare o bolso e<br />

separe pelo menos uma tarde para bater<br />

pernas entre as lojas do centro histórico e<br />

conhecer o trabalho <strong>da</strong>s fiandeiras, <strong>da</strong>s doceiras<br />

e dos artesãos <strong>da</strong> região. Se estiver<br />

à procura de algo realmente diferente, não<br />

deixe de fazer uma visita à Tissume, lugar<br />

onde retalhos e sobras de tecidos viram<br />

bolsas, tapetes, xales, almofa<strong>da</strong>s e luminárias<br />

pelas mãos <strong>da</strong> carioca Mercedes Montero,<br />

que mora em Pirenópolis há 17 anos.<br />

A técnica utiliza<strong>da</strong>, a tecelagem, é milenar.<br />

Mas as texturas e cores <strong>da</strong>s peças<br />

que saem de seus teares são únicas. O interessante<br />

é que, além de reciclar as sobras<br />

de panos, Mercedes emprega mulheres<br />

fiandeiras <strong>da</strong> região. As belas peças estão<br />

à ven<strong>da</strong> em várias ci<strong>da</strong>des, inclusive<br />

em São Paulo.<br />

Os forasteiros, aliás, fazem parte do cenário<br />

social de Pirenópolis. A partir do início<br />

dos anos 80, sobretudo depois do asfaltamento<br />

<strong>da</strong> rodovia de acesso à ci<strong>da</strong>de,<br />

muitos estrangeiros e brasileiros de outros<br />

estados se mu<strong>da</strong>ram para lá. Foi nesta época<br />

também que comuni<strong>da</strong>des alternativas<br />

foram monta<strong>da</strong>s na ci<strong>da</strong>de, conheci<strong>da</strong> por<br />

seus tratamentos e hospe<strong>da</strong>gens não convencionais.<br />

Assim, quem se interessa por<br />

massagens, acupuntura, terapias com florais<br />

e plantas medicinais do cerrado, iridologia,<br />

yoga, tai chi e alimentação natural,<br />

deve incluir Pirenópolis em seu próximo<br />

roteiro de viagem.<br />

Pensando bem, esta pequena pérola, escondi<strong>da</strong><br />

em uma <strong>da</strong>s raras cadeias montanhosas<br />

do Planalto Central, é mesmo um<br />

achado, principalmente para quem prefere<br />

destinos menos óbvios e mais originais.<br />

Um lugar onde cultura popular e turismo<br />

parecem (ain<strong>da</strong>) conseguir caminhar em<br />

deliciosa harmonia. ❚<br />

SERVIÇO<br />

Cavalha<strong>da</strong>s<br />

Guias turísticos: Mauro Cruz, (62) 331-1097/ 8119-<br />

0291 e Lucio Filho, (62) 9107-0812. Pacotes e passeios:<br />

Drena Ecoturismo e Aventura, (62) 331-3336,<br />

www.drena.tur.br. Tissume Tecelagem Ambiental –<br />

São Paulo: (11) 3038-7360. Pirenópolis: (62) 331-1721<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 33


ARTIGO<br />

34 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

CMN MAIS<br />

DEMOCRÁTICO<br />

O Conselho Monetário Nacional, cujas<br />

decisões são determinantes para a economia<br />

brasileira, deve ter sua constituição amplia<strong>da</strong><br />

Por Antonio Saboia Barros Jr.<br />

Antonio Saboia<br />

Barros Jr. é secretário<br />

de Estudos Sócio-<br />

Econômicos do<br />

Sindicato e bancário<br />

<strong>da</strong> Nossa Caixa.<br />

JAILTON GARCIA<br />

Ademocracia é um regime que tem por<br />

base a garantia de espaços públicos de<br />

discussão. Assim, a heterogenei<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de deve estar refleti<strong>da</strong> em esferas<br />

de decisão, por meio <strong>da</strong> participação dos<br />

representantes de ca<strong>da</strong> segmento social.<br />

Desta forma, faz-se necessário rediscutir a participação<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira em órgãos decisórios<br />

fun<strong>da</strong>mentais, como o Conselho Monetário Nacional<br />

(CMN).<br />

O CMN é um importante órgão <strong>da</strong> economia<br />

brasileira. Na estrutura do Sistema Financeiro Nacional,<br />

situa-se como o órgão normativo máximo.<br />

Criado em 1964 pela Lei 4.595, é o colegiado responsável<br />

pelas normas de regulação do sistema financeiro.<br />

Suas deliberações são de fun<strong>da</strong>mental importância<br />

para a socie<strong>da</strong>de. Apenas para citar algumas<br />

<strong>da</strong>s definições de políticas que cabem ao CMN:<br />

a fixação, desde 1999, <strong>da</strong> meta de inflação anual do<br />

País; o estabelecimento, a ca<strong>da</strong> três meses, <strong>da</strong> Taxa<br />

de Juros de Longo Prazo (TJLP), que é cobra<strong>da</strong> pelo<br />

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico<br />

e Social (BNDES) em suas operações de financiamento;<br />

a fixação <strong>da</strong>s diretrizes e normas <strong>da</strong> política<br />

cambial; a regulamentação de diversas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des<br />

e formas de crédito e a determinação <strong>da</strong>s<br />

taxas de recolhimento compulsório <strong>da</strong>s instituições<br />

financeiras.<br />

Cabe ressaltar que várias resoluções instituí<strong>da</strong>s<br />

pelo Conselho (executa<strong>da</strong>s pelo Banco Central) visaram<br />

flexibilizar e internacionalizar o Sistema Financeiro<br />

Nacional. Entre as principais estão: resolução<br />

do CMN 2.099, de 94 (enquadra o SFN aos<br />

princípios <strong>da</strong> Basiléia); resolução 2.211, de 95 (Fundo<br />

Garantidor de Créditos até R$ 20 mil); resolução<br />

2.303, de 95 (cobrança de tarifas pela prestação<br />

de serviços); resolução 2.301 (sobre horário de<br />

atendimento bancário). E ain<strong>da</strong> as resoluções do<br />

CMN que tratam dos correspondentes bancários:<br />

em 1999, a resolução 2.640: correspondentes bancários<br />

- exclusivamente em praças desassisti<strong>da</strong>s de<br />

agência bancária, PAB, PAA; em 2000, resolução<br />

2.707: cai a limitação em relação ‘a praças desassisti<strong>da</strong>s´;<br />

em 2003, resolução 3.110: contratação de cor-<br />

respondentes por outros tipos de instituição financeira<br />

que não bancos. To<strong>da</strong>s indicam que o CMN<br />

tem amplos poderes, não só para regulamentar como<br />

também flexibilizar o modo de operação <strong>da</strong>s<br />

instituições financeiras e a política de crédito.<br />

Em 1994, pela medi<strong>da</strong> provisória que instituiu o<br />

Plano Real, o CMN passou a ser constituído por 3<br />

membros: o ministro <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> (que preside o<br />

Conselho), o do Planejamento e o presidente do<br />

Banco Central. Essa reduzi<strong>da</strong> composição permanece<br />

até hoje. Entretanto, quando resgata<strong>da</strong> a composição<br />

do Conselho em diferentes momentos <strong>da</strong> história<br />

brasileira, observa-se que esse órgão já foi bem<br />

amplo, chegando a ser composto por 27 membros<br />

em meados <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 80. O CMN já abrigou representantes<br />

de vários segmentos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Portanto,<br />

é importante destacar a participação de ministros<br />

não somente <strong>da</strong> área econômica, mas também,<br />

entre outros, do Trabalho, <strong>da</strong> Agricultura, do<br />

Desenvolvimento, do Meio Ambiente, de presidentes<br />

de bancos públicos federais (que possuem inserção<br />

muito significativa em regiões do Nordeste com<br />

políticas de crédito direciona<strong>da</strong>s) e de um representante<br />

dos trabalhadores. O CMN, portanto, já teve<br />

composição mais ampla do que a de hoje. Mesmo<br />

no período ditatorial, verificava-se a presença de “representantes<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de”, ao lado de membros do<br />

governo, não apenas <strong>da</strong> área monetária.<br />

Assim, o Sindicato, em conjunto com a CUT, apóia<br />

a ampliação e democratização do CMN para um total<br />

de 9 membros (contra 3 existentes atualmente).<br />

O novo conselho seria composto por 5 representantes<br />

do governo (os três atuais acrescidos do ministro<br />

do Trabalho e de um assessor especial <strong>da</strong> Presidência<br />

<strong>da</strong> República, que desempenharia a função<br />

de secretário-executivo) e 4 <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil (duas<br />

vagas seriam dirigi<strong>da</strong>s para a classe empresarial e as<br />

outras duas para representantes dos trabalhadores).<br />

Trata-se de uma proposta de ampliação e democratização<br />

do Poder Público, sem prejudicar a necessária<br />

eficiência técnica <strong>da</strong> instituição. ❚<br />

Colaboraram as economistas Ana Carolina Tosetti e Yoná<br />

Santos, do Dieese-Rede Bancários.

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