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Digníssima e caríssima diretora, Irmã Solange Cesca,<br />

Preza<strong>da</strong>s senhoras coordenadoras, Irmã Marly Benachio, <strong>Profa</strong>. Marizil<strong>da</strong> Escudeiro, <strong>Profa</strong><br />

Sílvia Azevedo,<br />

Caros colegas,<br />

Senhores pais destes formandos de 2010,<br />

Meus queridos senhores alunos, pequenos e pequenas pestinhas:<br />

Se me permitirem, começo falando aos pais, <strong>para</strong>benizando-os por mais este diploma <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.<br />

O currículo desta escola começou a ser estu<strong>da</strong>do, sem direito a recuperação <strong>para</strong>lela, na saí<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> materni<strong>da</strong>de e foi sendo enriquecido de todo o tipo de disciplinas nas mais varia<strong>da</strong>s áreas,<br />

não é mesmo? Na área de Línguas, os senhores se lembram falando as palavras mais estranhas<br />

em idioma incerto, em lugares públicos, na frente de pessoas que na<strong>da</strong> compreendiam? Algo<br />

como: “Olha o gardinofo comendo o pititu” (que se traduz em “Olha o gafanhoto comendo o<br />

mosquito”), só <strong>para</strong> que aquela criaturinha adorável comesse a papinha.<br />

Em Ciências Exatas, os senhores também foram ótimos! Como aprenderam rapi<strong>da</strong>mente a<br />

dividir todo o seu tempo entre fral<strong>da</strong>s, mamadeiras, choros, vacinas, fral<strong>da</strong>s, choros, vacinas,<br />

mamadeiras. Ops, isso me parece repetido. E depois entre escola, lancheiras, uniformes<br />

limpos, lição de casa, aula de judô, de balé, de inglês, festinhas temáticas, compra <strong>da</strong><br />

melissinha e do tênis. E como multiplicaram a alegria e o carinho, e também as preocupações.<br />

E como subtraíram dinheiro reservado <strong>para</strong> o carro novo, <strong>para</strong> aquelas férias, <strong>para</strong> somar aos<br />

investimentos no futuro do pimpolho...<br />

Em História, sempre foram PA, porque sabem muitas de cor, e conhecem tantos personagens<br />

de to<strong>da</strong>s as eras, desde os dinossauros que moravam no seu banheiro e eram lavados todos os<br />

dias, passando pela Bela, pela PoKa Hontas, até os mais famosos heróis que às vezes<br />

apareciam vestidos <strong>para</strong> almoçar e os beijavam de máscara: Batman, Homem Aranha e<br />

Superman.<br />

Em Biológicas,bom, aí os senhores foram excepcionais: Conhecedores de to<strong>da</strong>s as doenças<br />

infantis, especialistas em to<strong>da</strong>s as dores, inclusive as do coração, hábeis em retirar tampinhas,<br />

botões, pregos e detergente de lugares acolhedores como ouvido , nariz, garganta. Os<br />

senhores deveriam ser os ministros <strong>da</strong> saúde deste País: vejam o resultado. Como eles estão<br />

lindos, fortes, saudáveis, inteligentes, felizes. E terão um futuro!<br />

Senhores pais, <strong>para</strong>béns por mais este diploma. Aguardem, que outros virão.<br />

Agora, é com vocês, minhas pequenas criaturas, que hoje parecem tão crescidos, vestidos<br />

assim de gente grande. Hoje, um misto dos príncipes e <strong>da</strong>s princesas <strong>da</strong>s antigas histórias e dos<br />

heróis dos tempos que estão por ser construídos. Obriga<strong>da</strong> por me escolherem <strong>para</strong> este<br />

momento de alegria.


E <strong>para</strong>ninfa tem de fazer texto. Que novi<strong>da</strong>de! Pensei logo no tradicional: “Senhoras e<br />

senhores, boa noite! Estamos <strong>aqui</strong> reunidos <strong>para</strong> celebrar o fim de uma etapa...” e quando<br />

escrevi a palavra fim, já percebi que as outras sumiam. Evoquei as regras <strong>da</strong> retórica, <strong>da</strong><br />

dissertação e na<strong>da</strong>. Deletei a palavra fim, mas piorou. Ela havia instalado um vírus chamado<br />

Sau<strong>da</strong>des. Não é novo no mercado, mas não há programa que ofereça proteção segura: é dor<br />

na certa.<br />

Bom, troquei de mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de textual. Tentei a dissertação. Introduzi apresentando o tema: a<br />

vi<strong>da</strong> tem muitas etapas, to<strong>da</strong>s igualmente belas, mas importantes, que devem ser<br />

intensamente vivi<strong>da</strong>s. Desenvolveria, defendendo duas hipóteses: construir a felici<strong>da</strong>de ou<br />

deixar-se levar pelo acaso. Argumentaria que o acaso não existe, que a felici<strong>da</strong>de pode ser<br />

construí<strong>da</strong>, apesar de todos os percalços. E concluiria, sem ferir os direitos humanos e em<br />

seguras 28 linhas, que a vi<strong>da</strong> é parti<strong>da</strong>. Inevitável. E aí, o computador travou de novo, agora na<br />

palavra parti<strong>da</strong>. E travou também minha garganta, aperta<strong>da</strong> de novo pela sau<strong>da</strong>de já instala<strong>da</strong>.<br />

A argumentação foi lágrima abaixo. Evitei dizer chuva, porque a ci<strong>da</strong>de não comporta mais<br />

uma...<br />

Tentaria outra opção: a poesia. Agora não haveria erro: poesia combina com emoção, com<br />

alegria ou tristeza. E fazendo inferências poéticas, já apareceram intrometi<strong>da</strong>s as sau<strong>da</strong>des, a<br />

distância, as lembranças vivi<strong>da</strong>s e que se perderiam, os sonhos, as amizades...<br />

Tentando evitar o melodrama, apelei <strong>para</strong> Gonçalves Dias: Canção do exílio. Infalível!<br />

Minha escola tem palmeiras<br />

Onde canta o sabiá<br />

As crianças que em outra estu<strong>da</strong>m<br />

Não são como as de cá.<br />

Minha escola tem primores<br />

Que não se veem acolá<br />

As crianças são uns amores<br />

E sabem tudo do sabiá.<br />

Tudo ia bem, quando começou outro verso:<br />

A cismar sozinha à noite,<br />

Que prazer encontro eu já?


Minha escola perdeu umas crianças<br />

Que não vejo mais por lá...<br />

Suspendi a pena romântica, antes de cair no mal do século e me entristecer vendo que vocês<br />

também ensaiavam a melancolia dos grandes momentos.<br />

Tentei Vinícius de Moraes, Fuvest 2011. Um poema <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> fase:<br />

Meu Deus, eu quero o aluno que passa.<br />

Seu sorriso é distante, um campo de lírios.<br />

Tem sete cores no cabelo<br />

Sete esperanças na boca fresca!<br />

Finalmente, alguém me aju<strong>da</strong>va. Amado Vinícius! Fui em frente:<br />

Meu Deus, quero o aluno que passa.<br />

Que passa no corredor e me diz “oi, prô!”<br />

Que me espera na porta <strong>da</strong> sala dos professores<br />

Que leva meu material,<br />

Que vê meus óculos coloridos,<br />

Que não se conforma com a oração subordina<strong>da</strong> adverbial concessiva,<br />

Que refaz a re<strong>da</strong>ção cinco vezes,<br />

Que rói as unhas com apetite,<br />

Que quer ser piloto, atleta, juiz, viajar pelo mundo,<br />

Que passou de ano, mas tem medo de não passar no vestibular.<br />

Meu Deus, quero o aluno que passa na minha vi<strong>da</strong><br />

Mas não me conformo por que não ficam, ao menos mais um pouco.<br />

Vinícius e eu íamos bem, sem sombra de soneto <strong>da</strong> se<strong>para</strong>ção, quando caiu o verso:<br />

Por que não voltas, aluno que passas?


Por que não enches a minha vi<strong>da</strong>?<br />

Por que não voltas, aluno querido?<br />

E percebendo que as coisas iam piorar, entendi aquele verso <strong>da</strong>nado de bom, de ver<strong>da</strong>deiro e<br />

de cruel: “Que seja infinito enquanto dure.” E acho que foi. Talvez agora, porque o coração de<br />

vocês é tão jovem e florescente, ain<strong>da</strong> não dê <strong>para</strong> perceber o quanto o que vivemos foi<br />

chama de vi<strong>da</strong>, partícula de infinito. Poesia, enfim.<br />

Vi-me, perdi<strong>da</strong>. Tristeza não tem remédio. Pensei em remédio e um link imediato trouxe-me a<br />

mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de textual bula. Ótimo: objetiva e clara. Faria uma bula pequena.<br />

Indicações: este medicamento – de nome genérico coragem - tem efeito tonificante e<br />

restaurador <strong>da</strong>s forças vitais. É altamente recomen<strong>da</strong>do em crises agu<strong>da</strong>s de decisões, parti<strong>da</strong>s<br />

repentinas, per<strong>da</strong>s emocionais, choro incontrolável e outras manifestações registra<strong>da</strong>s na<br />

literatura médica.<br />

Modo de usar: várias vezes ao dia. O uso prolongado é altamente recomendável, visto que<br />

esta deficiência cardíaca, popularmente conheci<strong>da</strong> como mal <strong>da</strong> sau<strong>da</strong>de, pode ser crônica.<br />

Reações adversas: o paciente pode apresentar desejos de fugir com os amigos <strong>para</strong> uma ilha<br />

<strong>para</strong>disíaca, tirar dez no Enem e no vestibular de medicina, saber de cor todos os personagens<br />

<strong>da</strong>s “Memórias de um sargento de milícias”, fazer mapas conceituais de olhos fechados,<br />

resolver equações em frações de segundo, desviar-se do movimento retilíneo uniformemente<br />

variável, livrar-se dos escravocratas e dos torturadores <strong>da</strong> história, comer um pão de queijo<br />

antes dos pequenos do sexto ano... escrever um texto <strong>para</strong> esta professora.<br />

Joguei a bula fora, tomei um calmante e apelei <strong>para</strong> Deus.<br />

Era isto: um texto milenar, seguro,rápido e objetivo. Os dez man<strong>da</strong>mentos.<br />

Amar a Deus sobre to<strong>da</strong>s as coisas. Certíssimo: Ele os criou e os criou <strong>para</strong> o amor. Para a<br />

plenitude. Não façam menos que isso, não sejam menos que plenos.<br />

Honrar pai e mãe. Certíssimo: eles lhes deram vi<strong>da</strong>, cui<strong>da</strong>ram de sua vi<strong>da</strong>. Tratem de amá-los<br />

com incontido e grato amor.<br />

Não roubar. Certíssimo: não roubem o futuro do mundo, façam um novo futuro <strong>para</strong> ele. De<br />

preferência verde, mas pode ser lilás. Não roubem a esperança de um tempo novo <strong>para</strong> este<br />

País, <strong>para</strong> seus filhotes.<br />

Não cobiçar as coisas alheias. Certíssimo. Vocês são ricos de belezas e talentos. E agora e d<strong>aqui</strong><br />

a pouco, cheios de saberes, competências e habili<strong>da</strong>des, e diplomas e títulos. Façam valer tudo<br />

isso sem esmorecimento, sem dúvi<strong>da</strong>s, sem economias.


Não mentir. Certíssimo. Sejam ver<strong>da</strong>deiros e íntegros, honestos e bons. Vençam esta<br />

mediocri<strong>da</strong>de de início de século, que já vem com ranço de tudo pronto, de na<strong>da</strong> a fazer, do<br />

mais rápido, do descartável, do quero ter mais. Sejam profun<strong>da</strong>mente humanos, não temam<br />

ser felizes, apenas felizes, sem necessi<strong>da</strong>de de ser o mais rico, o mais famoso, o mais<br />

importante. Sejam os mais humanos, os mais felizes. Nós ensinamos isso a vocês. E isso não<br />

impede que vocês sejam incríveis, excelentes, cheios de sucesso. Nós desejamos isso <strong>para</strong><br />

vocês.<br />

Chegando à metade dos man<strong>da</strong>mentos, perguntei a Deus Pai por que Ele, em sua infinita<br />

bon<strong>da</strong>de, deixava os filhos crescerem, os alunos crescerem e, um dia, partirem. Mais do que<br />

depressa a Madre Emilie, minha tia mesmo, interferiu e disse que Deus não deixa ninguém só.<br />

E que, quando vocês saíram <strong>da</strong>quelas salas pela última vez, levariam a marca azul e ficariam<br />

<strong>para</strong> sempre em nosso coração.<br />

Não há texto que resista à sau<strong>da</strong>de, queridos! Me desculpem.<br />

Que Deus os guarde e faça felizes como merecem e nós desejamos.<br />

Muito obriga<strong>da</strong>.<br />

Profª Dra. Patrizia Bergamaschi

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