Com a barriga cheia, partidos abandonam João ... - Revista Metrópole

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26.04.2013 Views

Segurança Violência dispara e derruba secretário Sucessão Com a barriga cheia, partidos abandonam João Henrique Enchendo o Saco Aproveitamos a quaresma para azucrinar os clérigos

Segurança<br />

Violência dispara e<br />

derruba secretário<br />

Sucessão<br />

<strong>Com</strong> a <strong>barriga</strong> <strong>cheia</strong>, <strong>partidos</strong><br />

<strong>abandonam</strong> <strong>João</strong> Henrique<br />

Enchendo o Saco<br />

Aproveitamos a quaresma<br />

para azucrinar os clérigos


Índice capa<br />

Pagando pra<br />

tocar uma 04<br />

Zona dos prazeres<br />

Prezado editor,<br />

Acabei de ler a vossa edição de n° 8.<br />

Gostei muito de saber que existe<br />

uma revista que fala da cidade onde<br />

praticamente moro (moro em Lauro<br />

de Freitas), das coisas da cidade, da<br />

política, as curiosidades e assim por<br />

diante. Tenho 61 anos de idade, nascido<br />

na Cidade de São Sebastião do Rio<br />

Janeiro. Porém, no começo da década<br />

de 60, meu pai militar veio servir aqui<br />

na Bahia. Em 1964, por exemplo, eu<br />

com 18 anos freqüentei o 63, o 73,<br />

o Tabaris, o Rumba Dancing, todos<br />

os bregas e casas de dança, tipo Boite<br />

Porto (depois Saionara) na Praça Cayrú,<br />

a que a matéria se refere. E havia algo<br />

de particular em mim: eu era - e sou<br />

até hoje - pianista e tocava dando canja<br />

nestas casas todas! Então a vossa matéria<br />

rememorou a excelente música que se<br />

praticava nestas casas.<br />

Antônio A. Andrade Pinto Coelho<br />

Senhor editor,<br />

Lamentável o linguajar da matéria<br />

“Zona dos Prazeres” e “Alô Som”.<br />

Apesar de ser uma revista diferente e<br />

interessante, pecou nesse quesito. E<br />

sem necessidade. Existem termos para<br />

serem usados em conversa de botequim<br />

ou entre amigos, mas nunca em uma<br />

publicação que pretende ser de nível.<br />

Luiz Carrera<br />

especial segurança<br />

Salve-se<br />

quem puder 11<br />

literatura<br />

Picuinha<br />

que rima 20<br />

roda baiana<br />

Carnaval: vagas<br />

impressões 24<br />

Cartas<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />

PDDU<br />

Senhor Editor,<br />

Estive em Salvador nestas férias de<br />

verão e ganhei um exemplar da revista.<br />

Fiquei surpreso. <strong>Com</strong> vários artigos<br />

interessantes e uma linguagem direta<br />

e crítica sobre assuntos de interesse<br />

dos que moram na cidade, como por<br />

exemplo o da aprovação do PDDU<br />

na Câmara. Adicionada de entrevistas<br />

tanto bem-humoradas como mais sérias,<br />

conforme o entrevistado, a revista se<br />

mostra de uma leitura agradabilíssima<br />

e diferente das revistas padrão. Daqui<br />

mando um forte abraço e ficarei<br />

acompanhando as novas edições por<br />

meio digital.<br />

Marcello Abreu<br />

Júri popular<br />

Mário,<br />

Excelente, sob todos os aspectos,<br />

a matéria de Elieser César<br />

(“Ninguém pra julgar”), sobre um<br />

tema tão importante e complexo.<br />

Sem dúvida, após a matéria, com<br />

informações extraordinárias, o Júri<br />

Popular despertará a curiosidade<br />

da população, levando-a a ficar<br />

“atenta” a uma instituição tão antiga<br />

e importantíssima. Eu não sabia, por<br />

exemplo, que só existem duas Varas do<br />

Júri em Salvador. Parabéns!<br />

Verônica Sabat<br />

obras<br />

Emergência? 26<br />

cidade<br />

Paisagem<br />

em ruínas 36<br />

carnaval<br />

R$ 800 mil<br />

jogados no mar 42<br />

sinuca de bico<br />

com Pelegrino 44<br />

Sr. Mário,<br />

Coloque em circulação um Jornal da<br />

<strong>Metrópole</strong>. Sou leitor da revista desde<br />

o número um, textos bons aliados a<br />

diagramação bonita fazem dela uma<br />

ótima opção de leitura. Parabéns a<br />

equipe. Mas o Grupo <strong>Metrópole</strong> pode<br />

ir mais longe, colocando em circulação<br />

um jornal moderno e atrativo. Os jornais<br />

que existem hoje na cidade não dão<br />

nem para ler. Acredito que um Jornal<br />

<strong>Metrópole</strong> poderia ocupar essa lacuna.<br />

Marcelo Campos<br />

Caros,<br />

Estou adorando a revista <strong>Metrópole</strong>. No<br />

seu conjunto, quero dizer, no seu todo,<br />

a proposta é muito legal! O editorial,<br />

totalmente despojado e sem rodeios,<br />

chamou minha atenção. São raros os<br />

periódicos voltados para os assuntos da<br />

cidade, principalmente em Salvador,<br />

não é mesmo? Estive aí no ano passado<br />

e procurei revistas por todo lado, mas<br />

não achei nenhuma revista local de<br />

qualidade. Parabéns.<br />

Virgínia Radon<br />

índigo<br />

Álbum de<br />

família 46<br />

sucessão<br />

Deixando a<br />

boquinha 48<br />

enchendo o saco<br />

Bulimos com os<br />

sacerdotes 52<br />

E-mails com críticas, sugestões e<br />

elogios devem ser encaminhados<br />

para revistametropole@ksz.com.br.<br />

Por questão de espaço,<br />

eventualmente não publicaremos na<br />

íntegra as mensagens recebidas.


metrópole<br />

entrevista<br />

Sidney Quintela 30<br />

fucs fucs<br />

Pingue-pongue<br />

sexual com a<br />

Drª Gilda Fucs 25<br />

olhos da cara<br />

Nossa seção<br />

de consumismo<br />

inútil 47<br />

É a nossa cor?<br />

artigos<br />

Alexandre<br />

Soares Silva<br />

Mal na fita 09<br />

Antonio Risério<br />

Ainda sobre italianos<br />

na Bahia 10<br />

Renato<br />

Pinheiro<br />

Xô, Maracajá!<br />

Desinfeta! 23<br />

Juliana Cunha<br />

<strong>Com</strong>o falar dos livros<br />

que não lemos? 28<br />

Tom Tavares<br />

Acima da lei 39<br />

Paulo Zsazsa<br />

Quem vai morrer<br />

desidratado? 40<br />

Vamos deixar de hipocrisia e encarar um problema que atinge a todos nós, que é a execrável<br />

mentalidade racista e preconceituosa que nos acompanha desde os tempos nefastos da escravidão.<br />

O racismo, por mais que conscientemente o rejeitemos, está arraigado no subconsciente de nosso<br />

povo, seja naqueles que o praticam, seja naqueles que dele são vítimas. Deixemos também de lado<br />

esse papo de que no Brasil existe mais preconceito social que racial e que vivemos uma democracia<br />

racial, linda e feliz. O preconceito racial aqui é cruel, pois é velado. Não se escancara como nos<br />

Estados Unidos, outro país que, como o Brasil, adotou a escravidão de negros até o século 19 e onde<br />

a discriminação era legalizada até pouco mais de 40 anos atrás.<br />

Os jovens negros, passados 120 anos do fim legal da escravidão, ainda hoje figuram nas listas dos<br />

assassinados, dos marginalizados (ver matéria especial sobre segurança pública nesta edição). São<br />

maioria nas prisões, entre os desempregados e entre aqueles que dependem do salário mínimo. No<br />

Brasil, são negros 65% dos pobres e 70% dos indigentes. Esses números bastariam para evidenciar<br />

que alguma coisa ficou errada em toda essa história. Não houve reparação ao mal causado pela<br />

escravidão e seus reflexos se estendem por mais de um século.<br />

Calcado nesses fatos e indicadores e tentando corrigi-los, desde 2000 tramita no Congresso<br />

Nacional o Estatuto da Igualdade Racial, de autoria do senador negro-mestiço gaúcho Paulo Paim<br />

(PT). Já aprovado no Senado, o estatuto aguarda há anos na Câmara pela sua votação definitiva.<br />

Mas seria ele a solução para o racismo que existe no país ou ele seria um fator a ampliá-lo?<br />

Segundo o estatuto, a cor ou raça dos brasileiros deverá aparecer obrigatoriamente em todos os documentos<br />

utilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e em todos os registros administrativos direcionados<br />

aos empregadores e aos trabalhadores do setor privado e do setor público. A definição racial, que há muito<br />

já havia sido riscada do nosso convívio, volta a aparecer com toda a força institucional do estatuto.<br />

Outro ponto polêmico, entre tantos existentes no estatuto, está em seu artigo 27, que afirma ser<br />

permitido aos praticantes de religiões africanas e afro-indígenas ausentar-se do trabalho durante<br />

as celebrações de seus cultos e preceitos. Aos iniciados no candomblé, por exemplo, está liberada a<br />

folga do batente durante o período da camarinha.<br />

Será que essas e outras “compensações” propostas pelo estatuto não ferem a cláusula pétrea de<br />

nossa Constituição, que afirma serem todos iguais perante a lei, independentemente de raça, cor,<br />

opção sexual ou condição social?<br />

Há quem alegue que a aprovação do estatuto seria a transposição para o Brasil - um país eminentemente<br />

mestiço, onde negros puros são tão raros quanto brancos e índios puros - da realidade<br />

vivida nos Estados Unidos, país cujo racismo ainda é prática legalizada e a segregação racial era<br />

institucional até bem pouco tempo. “O problema não está no modo brasileiro de relacionamentos<br />

inter-raciais, mas na ausência de uma política adequada a essa realidade. A luta não pode ser contra<br />

a mestiçagem e seu vigor sociocultural”, define de forma clara e muito bem embasada o nosso conselheiro<br />

editorial, Antonio Risério, em seu mais recente livro, “A utopia brasileira e os movimentos<br />

negros” (Editora 34), leitura obrigatória para quem tem interesse pelo tema.<br />

Seja como for, a discussão sobre o Estatuto da Igualdade Racial e a forma com que esse instrumento<br />

pode interferir no convívio sociocultural da Nação é fundamental, principalmente para os<br />

habitantes de Salvador, cidade conhecida como a “Roma Negra do Ocidente”. E é nessa ferida que a<br />

<strong>Metrópole</strong> pretende meter o dedo em breve. Vamos abordar o racismo, a mestiçagem e o Estatuto da<br />

Igualdade Racial discutindo ao nosso estilo – com franqueza e sem pudores politicamente corretos.<br />

Até lá, divirta-se com mais uma edição de <strong>Metrópole</strong>.<br />

Malu Fontes<br />

Por que o brasileiro<br />

adora a Kombi? 50<br />

Mário Kertész<br />

A grande viagem 54<br />

Expediente<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong><br />

Uma publicação da Editora KSZ<br />

Publisher Mário Kertész<br />

Diretor-Executivo Chico Kertész<br />

Conselho Editorial André Ferraro,<br />

Humberto Sampaio e Marcelo Kertész<br />

Redator-Chefe Humberto Sampaio (RZ<br />

<strong>Com</strong>unicação)<br />

Redação James Martins, <strong>João</strong> Gabriel<br />

Galdea, Luana Rocha e Nardele Gomes<br />

Colaboradores Alexandre Soares Silva,<br />

Antonio Risério, Elieser Cesar, Gabriela de<br />

Paula, Gilda Fucs, José Eduardo Ribeiro,<br />

Juliana Cunha, Luiza Torres, Malu<br />

Fontes, Paulo Zsazsa, Renato Pinheiro,<br />

Tom Tavares e ouvintes da <strong>Metrópole</strong> FM<br />

Projeto Gráfico Marcelo Kertész<br />

Diagramação Dimitri Cerqueira<br />

Ilustrações Allan Sieber, Flávio Luiz,<br />

Guilherme Kramer, Luísa Ritter, Marcelo<br />

d´Salete, Pedro Mariguella, Rômulo<br />

Eduardo e Thiago Queiroz<br />

Produção Marcos Antonio Cruz<br />

Produção Gráfica Evandro Brandão<br />

Fotos Valter Pontes (Coperphoto) e<br />

divulgação<br />

Revisão Marta Escaleira<br />

<strong>Metrópole</strong> - Rua Conde Pereira<br />

Carneiro, 226 - Pernambués<br />

CEP 41.100-010 - Salvador - BA<br />

Tel.: (71) 3460-8500<br />

www.revistametropole.com.br<br />

E-mail: revistametropole@ksz.com.br<br />

Os artigos e matérias assinados não<br />

expressam necessariamente a opinião do<br />

Grupo <strong>Metrópole</strong>.


4<br />

Capa<br />

Pagando pra tocar uma<br />

<strong>Com</strong>um nas rádios, a prática imoral do jabá contribui para o declínio da MPB<br />

Luana Rocha<br />

- O que exatamente você quer, Luana?<br />

- Tocar a música para divulgar o DJ<br />

- respondo naturalmente como se estivesse<br />

solicitando a um garçom<br />

uma cerveja gelada.<br />

- Ah, isso é muito mais fácil,<br />

basta fechar um contrato e eu consigo<br />

pra você.<br />

O diálogo acima foi travado<br />

com Marcelão, coordenador de<br />

programação e apresentador da<br />

Rádio Transamérica FM de Salvador,<br />

e foi resultado de uma tentativa<br />

simples: bastou uma única ida<br />

à rádio e algumas ligações para,<br />

pela considerável quantia de R$<br />

3,5 mil, a Transamérica inserir<br />

na sua programação a faixa musical<br />

“Sometimes”, do fictício DJ<br />

Shadow, duas vezes por dia, de<br />

segunda a sexta, durante um mês<br />

- não sabemos se após a publicação<br />

dessa matéria o nosso sucesso<br />

continuará tocando.<br />

O que Marcelão fez não é exclusividade<br />

da Transamérica. Há<br />

muito a prática é comum na maioria<br />

esmagadora das emissoras de rádio e<br />

TV brasileiras e atende pelo nome de<br />

jabaculê, ou simplesmente jabá.<br />

O jabá é o nome dado ao dinheiro que<br />

as gravadoras ou artistas independentes<br />

pagam às emissoras para que sua música<br />

toque nas rádios e TVs. De acordo com<br />

o radialista, pesquisador, compositor e<br />

professor da Escola de Música da Ufba,<br />

Tom Tavares, a prática, que ele considera<br />

execrável, passou a ganhar maior forma no<br />

Brasil a partir da segunda metade década<br />

Por R$ 3,5 mil mensais,<br />

a Transamérica FM<br />

faz um hit acontecer<br />

de 60. “Isso foi crescendo a ponto de nos<br />

dias de hoje ser quase impossível um artista<br />

ser executado em algum lugar sem o<br />

pagamento”, conta.<br />

A programação da Rádio Transamérica<br />

funciona da seguinte forma: de 9 às 11h<br />

e de 14 às 18h são músicas, grande parte<br />

paga, como o próprio funcionário do setor<br />

financeiro afirmou quando questionei qual<br />

música estava tocando no momento em<br />

que estava lá. “Não sei, essas músicas são<br />

todas pagas mesmo”, disse. A naturalidade<br />

da ação assusta. Basta ter dinheiro que a<br />

música toca na rádio.<br />

Na Transamérica, a inocência<br />

e a inexperiência da reportagem<br />

nesta espécie de transação fizeram<br />

a solicitação ganhar um ar rebuscado<br />

quando, na verdade, tudo<br />

é muito simples. Basta chegar à<br />

emissora e falar: “Quero pagar<br />

para colocar uma música minha no<br />

ar”. Não importa se sua música é<br />

uma porcaria - o que não foi nosso<br />

caso. Aliás, segundo a diretora da<br />

rádio, Inês Almeida, há uma ressalva<br />

de honra: pagode não entra<br />

de jeito nenhum na programação<br />

da emissora.<br />

Inês, braços curtos e sorriso<br />

largo no rosto, tem motivos de<br />

sobra para comemorar os rendimentos<br />

pós-carnavalescos. Durante<br />

o período da folia momesca, a<br />

Transamérica fecha pacotes com<br />

grandes grupos de carnavalescos.<br />

Então, as produtoras que cuidam de vários<br />

artistas garantem que as suas músicas de<br />

seus representado toquem incessantemente<br />

na rádio. Inês contou ainda que, em uma<br />

dessas “levas” de dinheiro do carnaval o<br />

transportador da grana foi assaltado. “Levaram<br />

R$ 50 mil do dinheiro que havíamos<br />

ganhado com as bandas do carnaval”, conta<br />

Coperphoto


notas da <strong>Metrópole</strong><br />

A cultura e a Facom<br />

O secretário da Cultura,<br />

Márcio Meireles, nega o<br />

aparelhamento da Secult por<br />

professores do Programa de<br />

Pós-graduação em Cultura<br />

e Sociedade da Faculdade<br />

de <strong>Com</strong>unicação da UFBa<br />

(Facom), que é comandado<br />

pelo professor Albino Rubin.<br />

Mas Gizele Naussbaumer,<br />

diretora da Fundação<br />

Cultural, e Ângela Andrade,<br />

superintendente de Cultura,<br />

são alguns discípulos de Albino<br />

que atuam na Secult. Agora,<br />

com certo ar de indignação. No carnaval,<br />

bandas novas e pobres, com certeza, não<br />

tiveram espaço nesse mundo dos endinheirados<br />

que rege a rádio que tem como slogan<br />

“Só o que você quer ouvir”.<br />

Ao encontrar com a diretora da rádio<br />

para fechar o negócio, logo na segunda frase<br />

do diálogo, ela já me adiantou que a rádio<br />

trabalhava mediante pagamento adiantado<br />

e à vista, mas alertou, didaticamente, que<br />

isso não poderia ser considerado como<br />

jabá. “Nós estamos divulgando seu produto<br />

para que ele passe a ser conhecido”.<br />

E para o artista “passar a ser conhecido”<br />

basta ter bala na agulha e escolher quantas<br />

vezes a música vai martelar na mente dos<br />

ouvintes. Para uma inserção diária R$ 1.5<br />

mil, duas vezes R$ 3.5mil, três vezes R$ 5<br />

mil e quatro vezes R$ 6.5 mil e ninguém<br />

mais esquece a “melhor canção de todos os<br />

tempos da última semana”.<br />

Concessão pública<br />

A didática apresentada por Inês Almeida<br />

não deve ser tão naturalizada. As<br />

emissoras de rádio e TV são concessões<br />

públicas. Ou seja, para transmitir um<br />

programa as emissoras precisam de uma<br />

autorização do Estado. O artigo 21 da<br />

Constituição Federal confirma isso:<br />

“<strong>Com</strong>pete à União (...) explorar, diretamente<br />

ou mediante autorização, concessão<br />

ou permissão (...) os serviços de<br />

radiodifusão sonora e de sons e imagens”.<br />

As emissoras de rádio recebem concessão<br />

por 10 anos e não prestam contas a ninguém<br />

- nem à população, nem ao Estado<br />

- daquilo que fazem. “Quando alguém<br />

recebe uma concessão pública ele aceita<br />

termos contratuais e para completar o<br />

poder constituído tem medo de enfrentar<br />

a mídia e vira essa bagunça no Brasil”,<br />

afirma Tom Tavares.<br />

o próprio mestre começa a<br />

participar diretamente da<br />

Secult como vice-presidente do<br />

Conselho Estadual de Cultura,<br />

que tem como titular outro<br />

faconiano, o professor e exdeputado<br />

Emiliano José.<br />

Me dê motivo<br />

Se o juiz Cássio Miranda, da 1ª<br />

Vara do Júri de Salvador, ligasse<br />

para a <strong>Metrópole</strong> pedindo para<br />

dedicar uma canção para a<br />

promotora Armênia Cristina,<br />

responsável pelo inquérito que<br />

apura a morte do servidor da<br />

Secretaria Municipal de Saúde,<br />

assassinado nas dependências da<br />

secretaria em janeiro de 2007,<br />

fatalmente escolheria “Me dê<br />

motivo”, de Tim Maia.<br />

Segundo o advogado Rodrigo Moraes,<br />

especialista em direito autoral, o fato das<br />

rádios serem concessões públicas as obrigam<br />

a manter uma função social. “Apesar<br />

de ser uma empresa que tem como objetivo<br />

ganhar dinheiro, tem que existir a função<br />

social do veículo. Não se pode tratar<br />

a rádio como uma loja de departamentos<br />

onde quem paga mais leva”. No Brasil,<br />

ainda de acordo com Moraes, a situação<br />

se agrava porque o processo de concessão<br />

de emissoras de rádio e TV está intrinsecamente<br />

ligada aos políticos. “A forma<br />

como as concessões são feitas é terrível.<br />

Os donos dos meios de comunicação são,<br />

geralmente, igrejas e políticos que exercem<br />

mandato eletivo e no período de renovação<br />

da concessão estão em exercício”.<br />

Um caso clássico jabazeiro aconteceu<br />

com o próprio ministro da Cultura, Gilberto<br />

Gil, que hoje é um ferrenho opo-<br />

Laptop<br />

Pense bem. Se você tem um<br />

laptop com informações sigilosas<br />

que valem bilhões, você o<br />

deixaria sozinho, dentro de um<br />

container de um navio, ou o<br />

carregaria consigo? A resposta<br />

parece óbvia para qualquer<br />

pessoa com pelo menos dois<br />

neurônios ativos. Ao que parece,<br />

a Petrobras não pensa como<br />

qualquer um.<br />

sitor à prática. Na época que Gil era do<br />

casting da gravadora Philips, o principal<br />

executivo da empresa, o francês André<br />

Midani, pagou jabá para as emissoras<br />

de rádio tocar as músicas do baiano. Se<br />

isso foi um fator preponderante para<br />

o sucesso posterior do ministro não se<br />

pode afirmar, mas prova que a prática<br />

é antiga nas terras tupiniquins.<br />

Agora a pergunta: será que a música<br />

brasileira não estaria num patamar de qualidade<br />

bem melhor se o gosto musical fosse<br />

ditado apenas pela opinião dos ouvintes e<br />

não pela cifras pagas às rádios? A resposta<br />

parece óbvia e leva à reflexão sobre quanta<br />

porcaria temos ouvido nos últimos anos e<br />

quanta coisa boa deixamos de escutar por<br />

causa do jabá e dos jabazeiros.<br />

Ainda segundo Tom Tavares, a Lei<br />

Geral das Telecomunicações não cita<br />

nada diretamente sobre o jabá, mas fala<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />

5


6<br />

a respeito da democratização dos meios<br />

de comunicação. “Os veículos de comunicação<br />

têm que divulgar um painel amplo<br />

e devem contemplar todas as tendências<br />

musicais, o que não acontece quando o<br />

jabá entra em ação”.<br />

Ao me apresentar à pessoa responsável<br />

pelo setor financeiro da Transamérica FM,<br />

Inês foi logo demonstrando a intenção de<br />

manter um contrato longo com a “assessora<br />

do DJ”. É o business. Afinal, segundo Inês,<br />

basta fechar um contrato que qualquer um<br />

pode tocar quantas músicas quiser. O contrato<br />

jabazeiro prevê também um “brinde”.<br />

Quando um artista encaixa uma música<br />

na programação da rádio ele tem direito a<br />

gravar uma vinheta de apresentação anunciando<br />

o seu produto.<br />

Segundo Tom Tavares, na Bahia praticamente<br />

todas as rádios aumentam sua renda<br />

com a cobrança de “mídia”. A ação, porque<br />

não dizer descarada, das emissoras de rádio<br />

baianas traz à reflexão um outro assunto:<br />

até que ponto as músicas de axé executadas<br />

até a exaustão no período pré–carnavalesco<br />

equivalem, de fato, ao gosto da população?<br />

De tão massificada, devido ao pagamento<br />

antecipado, as pessoas acabam gostando<br />

“naturalmente” da música. Então, a população<br />

que crê na idoneidade dos meios<br />

de comunicação - pesquisa recente revelou<br />

que 64% dos brasileiros acreditam que a<br />

mídia é a instituição mais confiável - aceita<br />

determinada música como a “canção do<br />

carnaval de 2008” ou “a música mais pedida<br />

por todos os ouvintes”.<br />

Insatisfeita com a facilidade encontrada<br />

na Transamérica, a reportagem procurou<br />

uma outra emissora. Dessa vez, de posse<br />

de um CD de axé music da também fictícia<br />

banda “Água de Cheiro” e a música<br />

“Volta”, fomos verificar a “disponibilidade”<br />

da Rádio Itapuã FM em executar a canção.<br />

Foi muito simples também.<br />

Na Rádio Itapuã, a primeira rádio FM<br />

de Salvador, além do pagamento em dinheiro,<br />

o jabá pode ser cobrado em forma<br />

Dimitri Cerqueira<br />

Nosso fictício DJ<br />

Shadow (na verdade<br />

o estudante <strong>João</strong><br />

Gabriel) está<br />

bombando na rádio<br />

que toca “só o que<br />

você quer ouvir”<br />

de brindes aos ouvintes. Na emissora, o<br />

contato foi feito com Tony Oliveira, responsável<br />

pelo setor de promoções e eventos<br />

da rádio. O preço do jabá na Itapuã é um<br />

pouco mais salgado. Para duas inserções<br />

diárias, durante um mês, o valor cobrado<br />

é R$ 4 mil. Porém, a música tocará todos<br />

os dias da semana. Existe também um pacote<br />

especial para os fins de semana. São<br />

duas execuções no sábado e no domingo,<br />

no período compreendido entre as sete da<br />

manhã e as sete da noite, por R$ 1,5 mil.<br />

Se a grana estiver curta, a Itapuã oferece<br />

um serviço de permuta de acordo com a necessidade<br />

da rádio no momento. Tony exemplificou<br />

para a reportagem um caso de uma<br />

pessoa que produzia VTs, e desejava inserir a<br />

música. Pronto. Uniu-se o útil ao agradável.<br />

A rádio encomendou um VT promocional<br />

e a música passou a ser executada na emissora.<br />

Vale também uma troca de brindes. Se<br />

o “produtor da banda” desejar permutar a<br />

inserção musical por uma geladeira ou um<br />

fogão, por exemplo, também vale. Tudo para<br />

ficar ao gosto do freguês.<br />

Lei antijabá<br />

Existe atualmente um Projeto de Lei<br />

em tramitação no Congresso Nacional -<br />

(PL) nº 1048/03 -, de autoria do deputado<br />

Fernando Ferro (PT-PE), que prevê a<br />

proibição da cobrança do jabá. O PL está<br />

na <strong>Com</strong>issão de Constituição e Justiça da<br />

Câmara dos Deputados. De acordo com o<br />

deputado, existe legislação de outros países<br />

sobre o assunto. “Essa é uma atitude antiética<br />

que mexe com a cultura do País e força<br />

a opinião pública a se comprometer com<br />

um determinado gosto musical”.<br />

Caso seja aprovada, a nova lei deverá dificultar<br />

as execuções de músicas através da<br />

compra de espaço publicitário nos meios de<br />

comunicação. O texto do projeto prevê a detenção<br />

de um a dois anos para os responsáveis<br />

por emissoras de rádio e TV que aceitarem<br />

dinheiro ou qualquer outra vantagem de gravadora,<br />

artista, empresário ou promotor de


notas da <strong>Metrópole</strong><br />

Poluição<br />

Um relatório prévio da<br />

Envirotest/Expetro, empresa<br />

americana contratada pela<br />

Prefeitura de Madre de<br />

Deus para fazer diagnostico<br />

ambiental do impacto da<br />

presença da Petrobras no<br />

município, constatou problemas<br />

de contaminação no solo e na<br />

águia. A divulgação oficial dos<br />

trabalhos é aguardada com<br />

ansiedade pela comunidade<br />

local e por ambientalistas, tal a<br />

extensão dos estudos.<br />

eventos em troca de veiculação de música.<br />

Também estão previstas multas, suspensão<br />

ou cassação da concessão governamental.<br />

Porém, na avaliação de Tom Tavares,<br />

essa lei não vai servir para nada. “Existe<br />

uma série de fatores para serem estudados.<br />

Para começar, é necessário se fazer<br />

cumprir a lei que determina as concessões<br />

de rádios e TVs e, a partir do momento<br />

que se cria uma lei para um determinado<br />

problema, existe um sinal de que está tudo<br />

errado, porque o jabá já deveria ser punido<br />

pelo Ministério das <strong>Com</strong>unicações”.<br />

A opinião é ratificada por Moraes, que<br />

acredita que a lei pode ser mais uma a<br />

ser descumprida. “Eu não tenho muita fé<br />

nesse projeto de lei. No Brasil, nem tudo<br />

pode se tornar crime, a discussão deve ser<br />

mesmo pela concessão”.<br />

Cabo eleitoral<br />

A atuação cada vez mais política<br />

da Petrobras no Recôncavo,<br />

principalmente em São Francisco<br />

do Conde, Candeias e Madre de<br />

Deus, com forte e explícito apoio<br />

aos candidatos do PT nessas<br />

cidades, anda despertando a ira<br />

dos outros <strong>partidos</strong> aliados dos<br />

governos do Estado e Federal.<br />

A atuação da estatal, que se dá<br />

através de empreiteiras e outras<br />

prestadoras de serviços, já está<br />

na mira do Ministério Público,<br />

devendo respingar em muita<br />

gente de grosso calibre.<br />

De acordo com o advogado, não existe<br />

nenhum dispositivo na lei que fale explicitamente<br />

sobre o assunto, mas alguns<br />

princípios da comunicação podem ser<br />

aplicados à prática. “Existe o direito à<br />

informação e à liberdade da expressão. A<br />

gravidade do jabá é que você acaba privilegiando<br />

quem tem dinheiro e a diversidade<br />

musical fica comprometida”.<br />

O jabá, indiscutivelmente, se constitui<br />

com uma prática imoral, antiética e<br />

desrespeitosa com o ouvinte, que garante<br />

audiência para que essas empresas continuem<br />

operando em espectro público<br />

agindo com uma empresa privada que<br />

não deve satisfação a ninguém, e com os<br />

artistas, que vêem o mercado radiofônico<br />

se fechar como um funil para quem não<br />

tem grana para pagar.<br />

Coperphoto<br />

O maestro Tom Tavares classifica o jabá como “prática execrável” e diz que a Lei das Concessões tem que ser cumprida<br />

<strong>Com</strong> os<br />

gringos é<br />

diferente<br />

Na legislação americana, desde os<br />

anos 60, o jabá ou, como eles dizem, o<br />

payola (derivada de payment – pagamento<br />

e victrola – o aparelho toca-discos) é<br />

considerado crime, mas, assim como no<br />

Brasil, a ilegalidade é difícil de detectar.<br />

Porém, a dificuldade de se monitorar a<br />

prática nos EUA não impediu que, recentemente,<br />

as multinacionais Warner<br />

Music e Sony BMG fossem obrigadas a<br />

pagar US$ 5 milhões e US$ 10 milhões,<br />

respectivamente, em multa pela prática,<br />

denunciada numa ação movida pelo Ministério<br />

Público de Nova York.<br />

O procurador-geral do estado norteamericano,<br />

Eliot Spitzer, notificou as<br />

quatro grandes empresas multinacionais<br />

da música (por ordem de faturamento<br />

anual, Universal Music, Sony<br />

Music, Warner Music e EMI Group),<br />

ameaçando-as de processo judicial<br />

caso não concordassem em efetuar o<br />

pagamento de uma soma específica em<br />

dinheiro como forma de multa pelas<br />

irregularidades que haviam sido praticadas.<br />

As quatro empresas concordaram<br />

amigavelmente para não serem alvo de<br />

processos judiciais, que com certeza<br />

prejudicariam os seus negócios, mas até<br />

o momento somente a Sony/BMG e a<br />

Warner Music coçaram o bolso.<br />

O acordo foi o primeiro do gênero<br />

no mundo e na história da indústria<br />

fonográfica. Após a criminalização da<br />

prática com a promulgação da Payola<br />

Law, as gravadoras, para fugir ao cerco<br />

das autoridades, criaram uma espécie<br />

de bypass, contratando profissionais<br />

divulgadores externos, independentes,<br />

que se incumbiam da tarefa de levar<br />

e “negociar” os produtos musicais nas<br />

emissoras de rádio em troca de benefícios<br />

financeiros e materiais. Mas aqui no<br />

Brasil a legislação não aborda o tema, o<br />

que permite a livre atuação. Os executivos<br />

da indústria nacional afirmam que<br />

não existe mais jabá no país, mas sim<br />

contratos lícitos de compra de espaço<br />

publicitário. Então tá.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008 7


Capa<br />

Jabasta<br />

Existe um movimento intitulado “Pelo<br />

fim do Jabá” ou JABÁsta, que possui um<br />

blog na Internet (movimentopelofimdojaba.blogspot.com)<br />

e uma comunidade no<br />

orkut com cerca de 3.500 membros. Mas<br />

a última postagem do blog data de maio<br />

de 2006, com um link de uma entrevista<br />

de B. Negão falando sobre o assunto. Porém,<br />

ao clicar no endereço, o internauta<br />

não vai acessar lugar algum, pois o link<br />

está desativado.<br />

Nas postagens anteriores, a maioria dos<br />

assuntos debatidos na página se refere ao<br />

projeto de lei do deputado Fernando Ferro,<br />

algumas reuniões do movimento e opiniões<br />

de outros artistas sobre o assunto.<br />

No site de relacionamentos tudo muito<br />

parado também. O tópico com maior movimento<br />

de opiniões é o que possui o título<br />

“Qual o artista mais jabazeiro dos últimos<br />

anos?” O assunto rende diversas opiniões.<br />

Entre os adeptos da prática exemplificados<br />

Divulgação<br />

No início da carreira,<br />

o ministro Gilberto<br />

Gil só tocou nas<br />

rádios porque a sua<br />

gravadora pagou jabá<br />

para as emissoras<br />

pelos participantes da comunidade estão:<br />

Ivete Sangalo, Wanessa Camargo, Felipe<br />

Dylon, Armandinho e até Roberto Carlos<br />

“e suas requentadas emoções”, como afirma<br />

um dos membros da JABÁsta. O resto<br />

dos tópicos se resume a spams de festas,<br />

elucubrações teóricas acerca da origem do<br />

termo jabá e o futuro da prática e mais<br />

alguns “manifestos”. Nada além. Pelo visto,<br />

a mídia do jabá é mesmo o rádio. •


Alexandre Soares Silva<br />

Mal na fita<br />

O problema de imagem dos conservadores<br />

Parece um bom dia para falar de um problema de<br />

imagem que os conservadores têm. E nomeando esse<br />

problema de imagem é que parecemos cretinos.<br />

Não, não cretinos – qual a palavra que eu procuro?<br />

Queria uma tradução para uncool, unhip. Percebi isso<br />

claramente pela primeira vez vendo esses programas<br />

americanos de discussão política em que as pessoas<br />

gritam e se esgoelam. Me lembro especialmente de<br />

um em que Frank Zappa, sobrenaturalmente parecido<br />

com Robert L. Stevenson, era acusado de “apologista<br />

do incesto” por um conservador gordinho, grosseiro<br />

e tacanho, cujo cabelo parecia ter sido besuntado na<br />

saliva de uma vaquinha mococa.<br />

Depois vi um programa em que Jon Stewart,<br />

de camiseta e com um bom corte de cabelo, confrontava<br />

um conservador de gravata borboleta. A<br />

certa altura ele disse justamente isso: “Você tem 34<br />

anos e usa gravata borboleta”. E bastou isso. Eu até<br />

concordava com as coisas que o conservador dizia,<br />

mas tive que dar a vitória a Jon Stewart. Ninguém<br />

de gravata borboleta vence discussão alguma.<br />

(Perdão, não tinha visto. Mas você pode.)<br />

Também conheço um apologista católico muito<br />

bom que pinta o cabelo de acaju e se permite ser<br />

fotografado dançando com velhinhas ao som de<br />

banjos - e com meninas de oito anos que sobem<br />

nos sapatos de duas cores dele. Você não vê George<br />

Clooney fazendo essas coisas. Nem usando uma<br />

camisa xadrez de manga curta, e sobretudo não<br />

todo sábado à noite.<br />

Sim, eu sei que há conservadores normais – e<br />

alguns que até chegam perto de um estado de perfeita<br />

coolness –, mas cada conservador que aparece<br />

de gravata borboleta empurra mil adolescentes para<br />

as hostes desgrenhadas do esquerdismo. Se você tem<br />

alguma intenção de convencer alguém, não besunte<br />

o cabelo! É a primeira lei da retórica, estudada e<br />

recomendada por Cícero.<br />

Parte disso vem do fato de que o conservadorismo<br />

é uma defesa consciente de coisas que nunca vão ser<br />

consideradas cool: monogamia, fidelidade, sobriedade,<br />

prudência, formalidade nas relações sociais,<br />

respeito. Além disso há o amor a formas tradicionais<br />

de arte, pela rima e pela melodia e pelo enredo, pelo<br />

figurativismo e por todo tipo de música, dança e<br />

costumes antiquados. E é bom que seja assim.<br />

E no caso de cristãos, bom, usamos uma linguagem<br />

que sempre vai ser ridícula para ateus, que não podem<br />

ouvir a palavra “imoralidade” sem rir. Esse problema<br />

é acentuado pelo fato de que os cristãos que mais fazem<br />

barulho são filisteus; esse tipo de gente que não<br />

compreende que personagens de ficção, ao contrário<br />

de gente de verdade, não têm que ser morais, e que<br />

aparece em programas de tevê reclamando do adultério<br />

que viu na novela.<br />

“Ninguém de gravata<br />

borboleta vence<br />

discussão alguma”<br />

Cristãos que querem fazer a defesa da cristandade<br />

têm que aprender a linguagem dos irreligiosos<br />

como um missionário aprendendo a língua dos<br />

índios. Se você disser “imoralidade”, eles riem.<br />

Sobretudo se fala cuspindo. Se vai falar em imoralidade,<br />

fale de modo urbano, e dê a falsa impressão<br />

de que você é alguém sensato com quem é possível,<br />

e até agradável, conversar. Não chacoalhe o dedo<br />

indicador no rosto da atriz pornô.<br />

Vamos defender coisas que não são cool e não há<br />

solução para isso - mas naquilo que há solução, vamos<br />

mudar algumas coisas de uma vez por todas? <strong>Com</strong>o, e<br />

lamento tocar no assunto, melhores cortes de cabelo?<br />

E vamos aprender a falar de Cuba sem babar? •<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />

9


10<br />

Ant o n i o RiséRio<br />

Ainda sobre italianos na Bahia<br />

No número passado desta revista,<br />

publiquei algumas anotações<br />

sobre a presença italiana<br />

na Bahia. Recebi<br />

os mais diversos<br />

comentários sobre<br />

o assunto. André<br />

Ferraro, por<br />

exemplo, reclamou<br />

da ausência<br />

de sua família e da<br />

família Marconi em<br />

minha listagem. Certo:<br />

não era um rol exaustivo e muitas<br />

outras famílias poderiam<br />

ser incluídas (Pina, Sarno,<br />

Lomanto, Ferrero, etc.).<br />

Já Humberto Sampaio<br />

me falou da colônia de Alagoinhas<br />

que, formada por<br />

descendentes de italianos<br />

que trabalharam na construção<br />

da estrada de ferro<br />

Salvador-Juazeiro, fabrica,<br />

há décadas, o melhor licor<br />

de jenipapo da região. E as-<br />

De todo modo, a<br />

presença italiana na<br />

Bahia ainda não foi<br />

avaliada em toda<br />

a sua extensão<br />

sim por diante. De modo que resolvi avançar<br />

um pouco mais no tema.<br />

Na Bahia da primeira metade do século<br />

20, enquanto a colônia judaica vai se<br />

aproximar, em parte, do comunismo (havia<br />

também os “sionistas”), a colônia italiana<br />

irá se inclinar preferencialmente para o fascismo.<br />

Em nossas regiões interioranas, por<br />

onde os imigrantes italianos se espalharam,<br />

notadamente em lugares como Poções e Jequié,<br />

surgiram coisas como o Bar Fascista e a<br />

Barbearia Fascista... Mais: o fascismo de boa<br />

parte da colônia italiana, segundo Thales de<br />

Azevedo, “favoreceu, em algumas regiões, a<br />

adesão ao e o florescimento do integralismo”.<br />

Mas houve, também, a contrapartida<br />

de esquerda. Além do anarquismo, o comunismo.<br />

Giocondo Gerbasi Dias e Carlos<br />

Marighella (e, mais recentemente, membros<br />

das famílias<br />

Sarno e<br />

Leonelli) que o<br />

digam.<br />

G i o c o n d o<br />

nasceu em Salvador,<br />

no bairro de<br />

Santo Antônio Além<br />

do Carmo, em novembro de 1913, filho do<br />

comerciário Alves Dias e da italiana Ana Maria<br />

Federico Gerbasi. Antes de se converter<br />

ao comunismo, Giocondo foi coroinha no<br />

Convento de São Francisco e na Igreja de<br />

Santana. Entrou para o exército; lutou em<br />

São Paulo na Revolução Constitucionalista;<br />

filiou-se ao PCB; comandou a intentona de<br />

1935, em Natal, implantando um breve Governo<br />

Popular Nacional Revolucionário; etc.<br />

E foi aí, em Natal, para mais incrementar o<br />

jogo das etnias, que o ítalo-baiano Giocondo<br />

se casou com uma cabocla potiguar de 18<br />

anos de idade, Lourdes, filha de indígenas<br />

do norte do Brasil.<br />

Marighella, por sua vez, dificilmente teria<br />

deixado de ser o que foi trazendo nas veias a<br />

fusão de sangues subversivos, rebelionários,<br />

vindos da ascendência ítalo-anarquista e afromalê.<br />

E ainda foi se casar com uma comunista<br />

da colônia judaica, Clara Charf... Difícil saber<br />

em que medida o anarquismo foi injetado em<br />

sua alma. Carlinhos Marighella fala de<br />

uma influência anarquista de seu avô<br />

sobre o velho Carlos. E Jacob Gorender,<br />

em “<strong>Com</strong>bate nas Trevas”,<br />

detecta um cerne anarquista no<br />

pensamento de Marighella: “O<br />

princípio tático da ação direta<br />

militar (incluindo o terrorismo)<br />

e o princípio organizativo do grupismo<br />

permitem caracterizar a<br />

concepção marighellista como<br />

um anarcomilitarismo”.<br />

Marighella passou a sua vida<br />

quase toda na clandestinidade.<br />

Houve a trégua de 1945-1947,<br />

quando o PCB foi legalizado e<br />

ele chegou à Assembléia Constituinte,<br />

eleito deputado<br />

federal pelos baianos.<br />

Mas foi um tempo<br />

muito curto, com<br />

os parlamentares<br />

comunistas cassados<br />

em 1948. Mesmo no<br />

governo de Kubitschek,<br />

quando os comunistas viveram<br />

numa semilegalidade e Marighella voltou a<br />

ter algum cotidiano familiar, não era raro a<br />

polícia invadir sua casa e carregar o gravador<br />

com que ele costumava se divertir, brincando<br />

de ator nas novelas que inventava. A clandestinidade<br />

tensionou suas relações familiares e<br />

seu círculo de amizades.<br />

Raramente ele pôde ter uma casa, um<br />

endereço fixo e conhecido. Daí, aliás, uma<br />

história interessante. Certa vez, uma sobrinha<br />

sua e de Clara, a menina judia Isa<br />

Grinspum (hoje videomaker aplaudida), intrigada,<br />

não resistiu e fez a pergunta: “Meu<br />

tio, onde é que o senhor mora?”. Colhido de<br />

surpresa pela indagação infantil, Carlos não<br />

perdeu o rebolado. Recorreu ao samba de<br />

Caymmi – e saiu dançando e cantando pelo<br />

meio da sala: “Eu não tenho onde morar/<br />

É por isso que moro na areia”...<br />

De todo modo, a presença italiana<br />

na Bahia – assim como a de outras comunidades<br />

imigrantes extralusitanas e<br />

extra-africanas –, para além do estudo<br />

pioneiro de Thales de Azevedo, ainda não<br />

foi avaliada em toda a sua extensão. Da<br />

mesma forma, a longa história dos judeus<br />

na Bahia, desde os tempos dos cristãosnovos<br />

dos primeiros dias coloniais, solicita<br />

uma narrativa que a retrate em sua<br />

inteireza. São temas à espera de nossos<br />

historiadores, acadêmicos ou não. •


Especial de Segurança Pública<br />

Salve-se<br />

quem puder<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />

11


12<br />

Especial de Segurança Pública<br />

O bicho pegou<br />

Criminalidade dispara na Bahia no primeiro ano do governo Wagner<br />

Da redação<br />

Os números oficiais demonstram que<br />

o governo Jaques Wagner foi abalado pela<br />

violência em seu primeiro ano. A onda de<br />

crimes e o crescimento da insegurança<br />

na população, além de abalar o governo,<br />

nocautearam o delegado federal Paulo<br />

Bezerra, ex-titular da pasta de Segurança<br />

Pública, que pediu demissão do cargo no<br />

dia 19 de fevereiro, sendo substituído pelo<br />

também delegado federal César Nunes,<br />

que respondia pela Superintendência da<br />

PF na Bahia.<br />

Em 2007, segundo o Centro de Documentação<br />

e Estatística Policial (Cedep),<br />

da Secretaria da Segurança Pública, foram<br />

registrados, somente em Salvador, 1.337<br />

assassinatos (uma média de 3,66 por dia),<br />

ante 967 (2,64/dia) ocorridos em 2006.<br />

De acordo com o próprio governo, os homicídios<br />

registrados na capital equivalem<br />

a pelo menos 80% das mortes verificadas<br />

em todo o Estado.<br />

Além do crescimento assustador de<br />

38,2% no número de homicídios na capital<br />

baiana, no mesmo período foram<br />

registrados, em Salvador, aumentos de<br />

44% no número de roubos de veículos e<br />

de 25,33% no número de assalto a ônibus<br />

em 2007 com relação aos ocorridos em<br />

2006. O número de pessoas assaltadas nas<br />

ruas, que prestaram queixa nas delegacias<br />

Revoltada com o assassinato de um<br />

adolescente de 16 anos pela PM, a comunidade<br />

do Pela Porco protestou interditando a via<br />

pública e ateando fogo em um ônibus<br />

da capital, subiu de 23.202, em 2006,<br />

para 24.526, em 2007. Pela estatística<br />

oficial, entre as modalidades de crimes<br />

mais comuns, somente os roubos a bancos<br />

tiveram uma queda no ano passado - pas-<br />

arestiDes Baptista/agênCia a tarDe<br />

saram de cinco, em 2006, para quatro<br />

(redução de 20%). O pior é que a onda<br />

de violência não ficou restrita a 2007.<br />

Uma nova comprovação de que viver<br />

na Bahia está cada dia mais perigoso


notas da <strong>Metrópole</strong><br />

Devagar<br />

Parece que os secretários do<br />

governo da Bahia não sabem<br />

o endereço da sede dos<br />

bancos Brasil, Nordeste e<br />

Caixa Econômica Federal.<br />

emanalmente, as diretorias<br />

dessas instituições recebem a<br />

visita de secretários do Ceará<br />

e de Pernambuco, que, com<br />

projetos embaixo do braço e<br />

muita determinação, tentam<br />

arrancar financiamentos para<br />

seus Estados. Já os baianos...<br />

aconteceu no começo de 2008, mais precisamente<br />

nas três primeiras semanas de<br />

janeiro, quando 12 pessoas foram mortas<br />

pela polícia somente em Salvador - para<br />

efeitos comparativos, durante todo o ano<br />

de 2006, quando o carlismo detinha a<br />

hegemonia no Estado, as ações policiais<br />

realizadas na capital baiana provocaram<br />

76 mortes.<br />

“O governador Wagner passou atestado<br />

de omissão ao manter nos postos de<br />

comando da hierarquia policial as mesmas<br />

pessoas que serviram ao governo anterior,<br />

militares e civis formados dentro da lógica<br />

da truculência”, disse o educador Hamilton<br />

Borges, uma das principais lideranças<br />

do MNU (Movimento Negro Unificado)<br />

na Bahia. “Os atores da grande orquestra<br />

da segurança pública da Bahia são os<br />

mesmos de sempre”, resume o educador.<br />

“Reconheço que houve um aumento<br />

da violência durante o primeiro ano do<br />

atual governo, mas o Estado está trabalhando<br />

muito no aprimoramento da inteligência<br />

das polícias civil e militar para<br />

reduzir os índices de criminalidade”, disse<br />

o ex-secretário Paulo Bezerra, durante coletiva<br />

em que apresentou o balanço das<br />

ocorrências policiais registradas no carnaval.<br />

Briga interna<br />

Em meio a toda essa situação caótica,<br />

um complicador: o ex-secretário Paulo<br />

Bezerra e o ex-delegado-chefe da Polícia<br />

Civil, <strong>João</strong> Laranjeira (que caiu junto<br />

com Bezerra), não se entendiam. “Não<br />

existe crise, mas admito que, com alguns<br />

setores, tenho uma identidade maior e<br />

com outros, nem tanto. <strong>Com</strong> ele (<strong>João</strong><br />

Laranjeira) tenho um relacionamento pro-<br />

Quem te viu...<br />

O Democratas, antigo PFL, que<br />

já foi o maior partido da Bahia,<br />

está definhando desde a vitória<br />

do governador Jaques Wagner<br />

nas eleições de 2006. O partido,<br />

que por quase duas décadas<br />

sempre teve a maioria dos<br />

prefeitos, deputados estaduais<br />

e federais, além de deter as três<br />

cadeiras do Senado e eleger<br />

consecutivamente governadores,<br />

está reduzido a dimensões de<br />

siglas menores como PP e PR.<br />

Quem te vê<br />

Para não acabar de vez, o DEM<br />

está apostando todas as fichas nas<br />

eleições municipais de Salvador<br />

e Feira de Santana. <strong>Com</strong><br />

candidatos competitivos nas<br />

duas maiores cidades do Estado<br />

(ACM Neto e Tarcízio Pimenta,<br />

respectivamente), o antigo PFL<br />

espera ressuscitar no pleito de<br />

outubro. Mas se fracassar nos<br />

dois pleitos, o melhor para o<br />

partido é fechar as portas na<br />

Bahia.<br />

fissional”, afirmou Paulo Bezerra, dias<br />

antes de deixar o cargo. “A declaração do<br />

ex-secretário apenas confirmaram o que<br />

todos sabiam. O relacionamento dos dois<br />

era péssimo”, disse Crispiniano Daltro,<br />

presidente do Sindipoc (Sindicato dos<br />

Policiais Civis) do Estado da Bahia.<br />

Segundo Daltro, a desavença entre<br />

ambos começou logo após a nomeação<br />

de Bezerra para ocupar a SSP. “Ele (Paulo<br />

Bezerra) trouxe pessoas de sua confiança<br />

para o órgão, o que é natural, mas <strong>João</strong><br />

Laranjeira não gostou. Além disso, tem<br />

outro fator que os afasta, que é a política<br />

salarial do governo. <strong>Com</strong>o delegado federal,<br />

Paulo Bezerra recebia cerca de R$ 20<br />

mil por mês, enquanto o salário de <strong>João</strong><br />

Laranjeira não passava de R$ 8 mil, sem<br />

perspectiva de aumento”, disse o presidente<br />

do Sindipoc. A vinda de um novo<br />

delegado federal para o cargo de secretário<br />

não deve alterar essa realidade.<br />

Um fato que evidenciou o racha na cú-<br />

Maré Vermelha<br />

Outra Semana Santa se aproxima<br />

e, após um ano, nem Governo do<br />

Estado nem Ibama conseguiram<br />

achar os responsáveis pela Maré<br />

Vermelha – fenômeno provocado<br />

pela proliferação de algas que<br />

retiram o oxigênio da água,<br />

provocando a mortandade dos<br />

peixes. Pior, não fazem idéia de<br />

como evitar que o fenômeno se<br />

repita.<br />

pula da Segurança Pública baiana ocorreu<br />

logo após o Carnaval. As 20 Unidades Prisionais<br />

Móveis (UPM) - containers comprados<br />

por R$1,3 milhões pela SSP para<br />

abrigar presos que estavam custodiados<br />

Fonte: CeDep - ssp/Ba<br />

nas delegacias - resultaram num grande<br />

fiasco. Oito presos fugiram, passando por<br />

baixo das celas improvisadas, e 18 containers<br />

foram incendiados pelos próprios<br />

detentos, que foram transferidos de volta<br />

para as delegacias, após a comprovação da<br />

ineficiência das celas. “O secretário determinou<br />

as diretrizes para a compra dessas<br />

UPMs e à gente coube apenas cumprir<br />

essas diretrizes. Mas, comprovada a fragilidade<br />

dessas Unidades Prisionais Móveis,<br />

tivemos que transferir os presos de volta<br />

as delegacias”, afirmou <strong>João</strong> Laranjeira,<br />

dias antes de ser demitido.<br />

Sobre uma declaração do ex-secretário<br />

Paulo Bezerra, negando a ação do tráfico<br />

de drogas na Bahia, o ex-delgado-chefe<br />

discordou diametralmente: “A situação<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />

13


14<br />

Hamilton (d), do<br />

MNU, e Michel,<br />

do Steve Biko, estão<br />

decepcionados com<br />

a falta de ação do<br />

governo no combate à<br />

violência<br />

do tráfico na Bahia é preocupante. Só no período do<br />

Carnaval foi apreendido mais de um quilo de cocaína<br />

pura na região do Pelourinho. Isso para não falar da<br />

imensa quantidade de maconha e crack apreendida<br />

no local no mesmo período”.<br />

O “inferno astral” da administração petista em<br />

relação à violência começou pouco tempo após a<br />

posse do governador Wagner. No verão do ano pas-<br />

Coperphoto<br />

Coperphoto<br />

sado, uma turista espanhola foi furtada na praia de<br />

Ondina e perdeu sua câmera fotográfica.<br />

Apesar de agirem rapidamente e prenderem o<br />

suspeito, os policiais envolvidos na operação desrespeitaram<br />

as normas mais elementares de cidadania<br />

- o acusado de praticar o delito foi atirado ao chão<br />

e ficou com a cabeça sob o coturno. Um fotógrafo<br />

que estava trabalhando no local registrou a cena e<br />

a imagem foi publicada em vários sites e jornais do<br />

Brasil, causando revolta nas entidades que lutam pela<br />

preservação dos direitos humanos.<br />

O comandante geral da Polícia Militar da Bahia,<br />

coronel Antonio Jorge Ribeiro de Santana, acredita<br />

que a falta de infra-estrutura é um dos fatores que<br />

contribuem para o aumento da violência. “Precisamos<br />

de pelo menos mais 15 mil policiais, mais viaturas,<br />

mais armamentos e de um sistema de comunicação<br />

mais moderno e eficiente”, ressaltou o coronel durante<br />

uma coletiva após o carnaval.<br />

No entanto, o coronel faz questão de dizer que<br />

o governador Jaques Wagner tem tomado todas as<br />

providências para melhorar a PM. “Por decisão do<br />

governo, 150 novas viaturas já foram licitadas e,<br />

durante o carnaval, trabalhamos com aparelhos de<br />

comunicação muito modernos”.<br />

“Estamos empenhados e vamos reduzir a violência<br />

na Bahia para níveis suportáveis. O que precisa ficar<br />

claro é que, para a Polícia Militar, qualquer índice<br />

de violência é preocupante”, acrescentou Antonio<br />

Jorge Ribeiro de Santana, que também comandou a<br />

PM no governo Paulo Souto.<br />

Chacinas<br />

Uma das modalidades de crimes mais freqüentes<br />

no ano passado foram as chacinas. Uma delas, inclusive,<br />

provocou um protesto formal de entidades e<br />

sindicatos baianos ao Centro de Direitos Humanos<br />

da ONU (Organização das Nações Unidas). No dia<br />

21 de maio, policiais militares invadiram a residência<br />

de Aurina Santana, no Calabetão, e torturaram<br />

o seu filho Paulo Rodrigo Santana, 19 anos, e sua<br />

irmã, de 13.<br />

Líder comunitária e integrante do MSTS (Movimento<br />

dos Sem-Teto de Salvador), Aurina, 48 anos,<br />

denunciou a tortura à <strong>Com</strong>issão de Direitos Humanos<br />

da Assembléia Legislativa. No dia 6 de agosto, na<br />

Corregedoria da Polícia, os filhos da líder comunitária<br />

confirmaram que foram torturados e garantiram que<br />

seriam capazes de reconhecer os policiais militares<br />

que invadiram a sua casa.<br />

Oito dias depois (14 de agosto), Aurina, seu filho<br />

Paulo e o companheiro dela, Rodson Rodrigues,<br />

foram mortos. A filha de 13 anos escapou da<br />

morte porque não estava em casa. De acordo com<br />

testemunhas, a residência da líder comunitária foi


manuela CavaDas/agênCia a tarDe<br />

invadida na madrugada - em um dos quartos da casa,<br />

os policiais disseram ter encontrado 30 pedras de crack<br />

e 48 trouxas de maconha.<br />

Na época, a delegada titular da 10ª Central de Polícia,<br />

Laura Maria Argolo, apontou a possibilidade de<br />

que as drogas teriam sido deixadas pelos autores dos<br />

crimes na residência para simular o envolvimento da<br />

família com o tráfico de drogas. De acordo com a PM,<br />

Paulo Roberto tinha envolvimento com o tráfico de<br />

drogas e sua mãe era ex-presidiária.<br />

Os policiais militares denunciados pelos crimes de<br />

tortura contra Paulo Rodrigo e sua irmã adolescente - o<br />

tenente Vítor Luís Maciel Santos e os soldados Ademir<br />

Bispo de Jesus, Antônio Marcos de Jesus e José Silva<br />

Oliveira, da 48ª <strong>Com</strong>panhia Independente<br />

- foram ouvidos pela delegada Laura Maria<br />

Argolo e negaram participação no crime.<br />

Apesar de a assessoria da PM admitir que<br />

o número de chacinas na Bahia é “grande”,<br />

o Cedep (Centro de Documentação<br />

de Estatística Policial) não tem os números<br />

sobre esta modalidade de crime. O órgão<br />

alega que precisa fazer um levantamento de<br />

todas as ocorrências policiais registradas no<br />

Estado para obter esta informação.<br />

“O que mais nos inquieta é o modo de<br />

agir do governador Jaques Wagner. Todos nós acreditamos<br />

na proposta democrática de sua administração, mas<br />

o que estamos vendo é justamente o contrário, porque<br />

as associações, sindicatos e movimentos sociais estão à<br />

margem do governo”, disse Michel Chagas, gestor do<br />

Instituto Steve Biko, uma organização do movimento<br />

negro baiano que surgiu em 1992 por iniciativa de<br />

estudantes e professores com o objetivo de fortalecer a<br />

luta contra o racismo.<br />

Na opinião de Chagas, para demonstrar que está interessado<br />

em combater a violência na Bahia, o governador<br />

Wagner precisa tomar três atitudes: reconhecer que a<br />

polícia é racista, punir os excessos e manter um diálogo<br />

permanente com os movimentos sociais. “Em pouco mais<br />

de um ano de administração, nada disto foi realizado.”<br />

De fato, a constatação do gestor do Steve Biko é<br />

uma realidade. Pesquisa realizada pelo FCCV (Fórum<br />

<strong>Com</strong>unitário de <strong>Com</strong>bate à Violência) indica que a<br />

maioria das vítimas por homicídio em Salvador possui<br />

as mesmas características: são negros, pobres, com baixa<br />

escolaridade, residentes em bairros periféricos e mortos<br />

a tiros durante a noite.<br />

De acordo com a pesquisa, entre 1998 e 2004,<br />

das 6.308 pessoas assassinadas em Salvador, 5.852<br />

(92,7%) eram negras ou pardas. “O mais grave é que<br />

estes índices não foram modificados durante o primeiro<br />

ano do governo Wagner e os negros e pobres<br />

continuam sendo as maiores vítimas da violência”,<br />

disse Hamilton Borges, do MNU.<br />

“O governador Wagner precisa tomar três<br />

atitudes: reconhecer que a polícia é racista,<br />

punir os excessos e manter um diálogo<br />

permanente com os movimentos sociais”<br />

- Michel Chagas, Instituto Steve Biko<br />

Foi o que aconteceu com Luiz Carlos Bonfim da<br />

Silva, 30 anos, em janeiro último, em Porto Seguro<br />

(905 km ao sul de Salvador). Bonfim, que era negro,<br />

e mais dois colegas (ambos negros também) estavam<br />

dentro de uma Mercedes prata, em companhia de<br />

uma mulher branca, nas imediações de uma agência<br />

bancária.<br />

Desconfiado de um eventual seqüestro-relâmpago,<br />

um motorista de táxi acionou a PM. Ao chegar ao local,<br />

a policial Tatiana Vaz não teve calma para abordar<br />

o grupo e atirou. Luiz Carlos Bonfim da Silva, que era<br />

empregado da proprietária do veículo - assim como<br />

os outros dois colegas que estavam no carro - morreu.<br />

Em seu depoimento, a policial disse que Bonfim fez<br />

um gesto “como se fosse pegar uma arma”.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />

15


16<br />

notas da <strong>Metrópole</strong><br />

Rachando a conta<br />

Os deputados <strong>João</strong> Bonfim<br />

e Carlos Gaban, apesar<br />

de ainda pertencerem ao<br />

Democratas, não fazem mais<br />

parte da bancada de oposição<br />

na Assembléia. Os dois<br />

parlamentares só não deixaram<br />

o DEM devido à decisão do<br />

Supremo Tribunal Federal<br />

(STF) que determina que o<br />

mandato pertence ao partido.<br />

Só que o líder da minoria,<br />

Gildásio Penedo (DEM), não<br />

está nem aí para a atual posição<br />

ideológica de seus colegas de<br />

partido e garante que vai cobrar<br />

de ambos a parte deles nas<br />

despesas da bancada, inclusive<br />

os outdoors que o bloco de<br />

oposição colocou nas ruas de<br />

Salvador atacando o Governo<br />

do Estado.<br />

O aumento no número de homicídios em Salvador foi de quase 40% em 2007<br />

Números da violência<br />

Um relatório divulgado no final de<br />

janeiro pela Ritla (Rede de Informação<br />

Tecnológica Latino-Americana) e pelos<br />

ministérios da Justiça e da Saúde revela<br />

que a Bahia é mesmo um Estado violento.<br />

O estudo coloca a capital baiana em<br />

quarto lugar no ranking de homicídios<br />

das capitais brasileiras e a 15ª cidade<br />

mais violenta do País, com 36,2 mortes<br />

por 100 mil habitantes. Levando-se em<br />

consideração os 5.564 municípios brasileiros,<br />

a capital baiana está em 342º no<br />

ranking dos mais violentos. O período da<br />

pesquisa, entretanto, não abrange o início<br />

do governo Jaques Wagner. “<strong>Com</strong>o o<br />

governo mesmo admite que os índices de<br />

violência foram maiores no ano passado,<br />

a nossa situação é mesmo crítica”, afirmou<br />

Hamilton Borges, do MNU.<br />

O relatório da Ritla também apontou<br />

que, entre as cem cidades mais violentas<br />

Coperphoto<br />

do Brasil, quatro estão na Bahia - Porto<br />

Seguro, Simões Filho, Itabuna e Juazeiro.<br />

Em Porto Seguro, onde a policial Tatiana<br />

Vaz matou Luiz Carlos Bonfim da Silva<br />

este ano, o índice de homicídio é elevadíssimo:<br />

85,8 por 100 mil habitantes - a<br />

cidade onde o Brasil começou ocupa o<br />

16º posto no ranking das mais violentas<br />

do País.<br />

Outro corte na pesquisa mostra com<br />

mais precisão a violência na Bahia. Dos<br />

556 municípios brasileiros mais violentos<br />

- cidades que concentram 44% da população<br />

nacional e onde ocorreram 73% dos<br />

homicídios no ano passado -, 25 (6%) estão<br />

na Bahia. “A análise fria dos números<br />

mostra que a violência não começou no<br />

governo Jaques Wagner, mas piorou no<br />

primeiro ano da atual administração. Vamos<br />

torcer para que o governador cumpra<br />

a promessa de fazer da Bahia um Estado<br />

mais seguro”, concluiu Michel Chagas,<br />

gestor do Steve Biko.


No ar<br />

O secretário Jorge Solla, além<br />

do péssimo trabalho que vem<br />

fazendo à frente da pasta da<br />

Saúde, mostrou-se ser uma<br />

pessoa de extrema descortesia<br />

e falta de educação. Levando<br />

para o lado pessoal as críticas<br />

à sua gestão, Solla deixou de<br />

mão estendida pelo menos<br />

dois deputados de oposição<br />

que, de forma educada,<br />

tentaram cumprimentá-lo<br />

na solenidade de abertura<br />

dos trabalhos da Assembléia<br />

Legislativa deste ano.<br />

Pelo menos em janeiro deste ano,<br />

a polícia da Bahia não deu nenhuma<br />

demonstração de que os índices de violência<br />

serão menores no segundo ano<br />

da administração do governador Jaques<br />

Wagner. Em apenas 26 dias, 13 pessoas<br />

foram mortas por policiais no Estado,<br />

entre as quais uma criança de quatro<br />

anos, assassinada com um tiro na cabeça<br />

por um sargento reformado.<br />

As mortes que mais causaram revolta<br />

e comoção aconteceram em Salvador.<br />

No dia 11 de janeiro, Lucas<br />

Hungria Trindade Santos, 16 anos,<br />

foi morto pela PM com três tiros no<br />

peito. Em depoimentos, os militares<br />

envolvidos no crime contaram que<br />

Lucas Santos, que não tinha antecedentes<br />

criminais, teria reagido a uma<br />

abordagem e apresentaram um revólver<br />

que seria da vítima.<br />

Na madrugada do dia 15, o estudante<br />

Djair Santana de Jesus, 16<br />

anos, foi morto por integrantes do<br />

Batalhão de Choque da PM pouco<br />

tempo depois de disputar uma partida<br />

de futebol com alguns amigos na invasão<br />

Pela-Porco, onde residia. O menino, que<br />

também não tinha passagem pela polícia e<br />

era chamado de Ronaldinho Gaúcho pelos<br />

colegas, foi baleado pelas costas. Em suas<br />

defesas, os policiais apresentaram uma<br />

arma e drogas que seriam do estudante.<br />

“A polícia da Bahia é assassina, o meu<br />

filho nunca esteve envolvido com a criminalidade”,<br />

disse Djane de Jesus, mãe de Djair.<br />

Jaciara Santana, tia do adolescente, afirmou<br />

que os policiais envolvidos no crime “foram<br />

Cadê?<br />

E por falar em Jorge Solla, que<br />

resultado teve o factóide que<br />

ele criou para desviar a atenção<br />

da denúncia de que ele estava<br />

prestes a se autocontratar<br />

como consultor da Sesab,<br />

recebendo uma boa grana<br />

do Banco Mundial para isso?<br />

Na época da denúncia, Solla<br />

disse que haviam falsificado<br />

documentos dentro da<br />

Secretaria da Saúde do Estado,<br />

deu queixa na Polícia Civil e<br />

abriu inquérito administrativo<br />

na Sesab para apurar a tal<br />

“falsificação”.<br />

Passados cinco meses,<br />

ninguém sabe se alguma das<br />

investigações deu em algo.<br />

Ou será que os resultados<br />

dos inquéritos (policial<br />

e administrativo) foram<br />

escondidos do público?<br />

Especial de Segurança Pública<br />

“Polícia baiana é assassina”<br />

XanDro pereira/Xpimagem<br />

Dajane (d), mãe de Djair, jovem assassinado por PMs, quer justiça<br />

covardes”. No dia 19, Alexandre Macedo<br />

Fraga, 17 anos, foi morto por um PM quando<br />

estava na carona de uma motocicleta. Em<br />

depoimento, o policial alegou que reagiu a<br />

disparos efetuados por um grupo que praticava<br />

assaltos na periferia. Testemunhas, que<br />

negam a versão, disseram que Fraga estava<br />

feliz por ter concluído o ensino médio e<br />

treinava para ser motoboy.<br />

Dois dias depois, uma nova morte envolvendo<br />

policiais. Ricardo Matos dos<br />

Santos, 21 anos, que trabalhava no Le<br />

Cirque, de Belo Horizonte, foi morto com<br />

oito tiros, quando jogava futebol com<br />

amigos na favela Bate-Facho, na Boca<br />

do Rio. O artista circense aproveitava<br />

as férias em Salvador para visitar familiares.<br />

Segundo testemunhas, policiais<br />

civis foram os autores do crime,<br />

mas o inquérito foi instaurado na 9ª<br />

Delegacia diz que o crime não tem<br />

autoria definida.<br />

Ainda em janeiro, o sargento reformado<br />

Pedro Carlos Lucas da Silva, 54<br />

anos, matou com um tiro Samantha<br />

Alves Pereira Baldoíno. A menina, que<br />

tinha apenas quatro anos, estava sentada<br />

à janela de sua casa, brincando com<br />

uma tia. De acordo com testemunhas,<br />

o sargento reformado estaria embriagado.<br />

“Quando ele chegou aqui, nós<br />

só tivemos tempo de ouvir os disparos.<br />

Minha sobrinha estava na janela e foi<br />

atingida. Só sei que ele não gostava<br />

de crianças e estava bêbado”, afirmou<br />

Fernanda Santos, tia de Samantha.<br />

O deputado Paulo Azi (DEM) disse<br />

que os crimes envolvendo policiais<br />

civis e militares demonstram a falta<br />

de gestão na Secretaria da Segurança Pública.<br />

“Isto é reflexo da falta de comando.<br />

Alguns policiais, liberais demais, acham<br />

que podem fazer tudo. Outros, inseguros,<br />

cometem barbaridades”. As mortes dos<br />

quatro adolescentes e da menina geraram<br />

protestos em Salvador, com moradores<br />

interditando ruas e queimando um ônibus.<br />

“Por maiores que sejam os protestos,<br />

o meu filho não volta mais porque foi<br />

assassinado friamente pela polícia”, disse<br />

Djane de Jesus.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />

17


18<br />

Especial de Segurança Pública<br />

“Índices mascarados”<br />

Pré-candidato do PT à sucessão de Salvador,<br />

o secretário Luiz Alberto (Promoção da<br />

Igualdade) disse que os governadores carlistas<br />

sempre “mascararam os índices de violência<br />

na Bahia”. “Antes, eles (os políticos ligados ao<br />

senador Antonio Carlos Magalhães, morto no<br />

ano passado) escondiam os números e não<br />

divulgavam toda a verdade porque detinham o<br />

controle de grande parte da mídia. Agora, com<br />

a liberdade de informação, os crimes aparecem<br />

com mais freqüência nos jornais”, acredita.<br />

Segundo Luiz Alberto e ao contrário do<br />

que diz o relatório da Rtla, que aponta uma<br />

diminuição no número de homicídios no Brasil<br />

entre 2002 e 2006, o aumento da violência é<br />

um “fenômeno nacional” e a Bahia está “inserida<br />

neste contexto”. Apesar de fazer essas<br />

ressalvas, o secretário concorda que houve um<br />

recrudescimento da violência no Estado depois<br />

da posse do governador Jaques Wagner.<br />

“A violência aumentou mesmo, não há<br />

como negar, principalmente envolvendo<br />

jovens e policiais. Infelizmente, o aparelho<br />

policial da Bahia está preparado para agredir<br />

uma parcela da sociedade, justamente os mais<br />

pobres e os negros, moradores das periferias.<br />

No entanto, o governador Wagner tem tomado<br />

todas as medidas para combater este<br />

problema”, afirmou.<br />

De acordo com o petista, “o tecido social<br />

na Bahia está esgarçado”. “Somos a sexta<br />

maior economia do País e, ao mesmo tempo,<br />

o 22º Estado no Índice de Desenvolvimento<br />

Humano. Temos uma cultura racista e excludente,<br />

e toda exclusão provoca violência.” Na<br />

opinião do secretário da Promoção da Igualdade,<br />

“combater a pobreza sem levar em consideração<br />

a exclusão social não resolve”.<br />

Grupos de extermínio<br />

Integrante da <strong>Com</strong>issão de Direitos Humanos<br />

da Assembléia Legislativa, o deputado<br />

Yulo Oiticica (PT) disse que o atual governo<br />

mudou a metodologia de identificação<br />

da criminalidade. “Antes (de o governador<br />

Wagner chegar ao poder), a metodologia era<br />

outra. Acontecia uma chacina, por exemplo,<br />

e o governo contabilizava apenas um crime.<br />

Agora é diferente. Se, por acaso, três pessoas<br />

morrem em uma chacina, são contabilizados<br />

três homicídios”. O que o petista não conseguiu<br />

explicar é por que a responsável pelo<br />

Centro de Documentação e Estatística Policial<br />

– que determina a metodologia de estatística -,<br />

a delegada Emília Blanco, continua sendo a<br />

mesma que respondia pelo setor no governo<br />

Paulo Souto.<br />

Porém, mesmo com este raciocínio, o parlamentar<br />

disse que houve um aumento da violência<br />

no governo Wagner, principalmente envolvendo<br />

grupos de extermínio. “A demonstração<br />

mais cruel do avanço do crime organizado e da<br />

falência da segurança pública são os grupos de<br />

extermínio”, afirmou Yulo Oiticica.<br />

O deputado ressaltou que a polícia precisa<br />

“estar mais preparada” para evitar o aumento<br />

dos índices de violência nos próximos anos.<br />

“A polícia tem de compreender que a sua arma<br />

não é o canhão, é a inteligência”.<br />

Para Yulo Oiticica, os altos índices de violência<br />

registrados na Bahia também podem ser<br />

explicados pela “omissão do Estado”. “<strong>Com</strong> a<br />

falta de políticas públicas, os jovens são presas<br />

fáceis do crime organizado. Na periferia falta<br />

tudo”, finalizou. •


<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008


20<br />

Literatura<br />

Picuinha que rima<br />

Quadrinha feita para esculhambar, o epigrama arrasa reputações na Bahia<br />

Elieser Cesar<br />

Nitroglicerina pura – com potencial<br />

para fazer rir à beça, demolir reputações,<br />

destroçar velhas amizades e até<br />

levar o autor e a vítima às vias de fato<br />

– o epigrama pode ser popularmente<br />

definido como aqueles quatro versinhos<br />

sacanas, uma quadrinha rimada e inspirada<br />

pela musa plebéia do sarcasmo.<br />

Em geral, esse poeminha escroto não é<br />

feito para elogiar, mas para esculhambar<br />

e ridicularizar. Desde Gregório de<br />

Mattos, o patriarca dos epigramistas<br />

baianos, passando por uma geração de<br />

línguas ferinas, como Cristóvão Barreto,<br />

Pinheiro Viegas, Lulu Parola, Pepino<br />

Longo e Lafayete Spínola, até chegar a<br />

Ildásio Tavares, os alvos preferidos dos<br />

epigramas são os políticos, os intelectuais<br />

afetados e as pessoas tolas.<br />

Folgazão e maledicente, o epigrama é<br />

a ovelha negra da poesia. Aparentemente<br />

fácil em sua enganosa simplicidade, requer<br />

engenho e arte, domínio da métrica e da<br />

rima, sobretudo na forma do versinho de<br />

sete sílabas. Embora o autor dessa reportagem<br />

não seja nenhum epigramista, nem<br />

bissexto, nem bi qualquer coisa, vai aqui<br />

um exemplo bem didático desse artefato<br />

singelo:<br />

Ele é muito desbocado,<br />

pois só fala putaria.<br />

Antropólogo albergado,<br />

é Roberto Albergaria.<br />

É por essas e muitas outras que o escritor<br />

Wilson Lins, autor do livro de ensaio<br />

“Musa Vingadora (Crônicas sobre o Epigrama<br />

na Bahia)”, ele também um adepto<br />

do gênero sob o pseudônimo de Rubião<br />

Braz, define o epigramista como um “ferino<br />

rimador de perversidades”. Perversidades<br />

como esta engendrada por Lafayete<br />

Spínola que, nos aos 30, pontificava com<br />

sua lábia venenosa no Café das Meninas e<br />

na Rua Chile, em Salvador: “Pinto Píton,<br />

Píton Pinto,/São dois nomes desiguais:/<br />

Um na frente leva o Pinto/ O outro leva<br />

o Pinto atrás...”<br />

O epigrama enaltece a coincidência<br />

dos nomes dos digníssimos Pinto, o que<br />

recebia pela frente e o que agasalhava o<br />

Pinto atrás. Primeira mulher a ingressar<br />

na Academia de Letras da Bahia e autora<br />

de livros melífluos, a escritora Edith Gama<br />

e Abreu foi brindada com este mimo por<br />

Pepino Longo, pseudônimo debochado do<br />

jornalista Sílvio Valente, que junto a Lafayete<br />

Spínola e Pinheiro Viegas formavam<br />

a “santíssima maldade” dos epigramistas<br />

baianos: “Conselhos ouve quem quer,/mas<br />

lá vai um, dona Edith:/escreva o que lhe<br />

aprouver/ escreva mas não edite”.<br />

Sequer o circunspeto reitor Edgar Santos,<br />

o fundador da Universidade Federal da<br />

Bahia, escapou da sanha dos epigramistas.<br />

O mesmo Pepino Longo, que teve uma<br />

“Um estadista! Que enterro!<br />

Vai como pobre cristão,<br />

Só por caído no erro<br />

De morrer na oposição”<br />

– Roberto Correia<br />

breve vida, pois morreu aos 32 anos de<br />

idade, em 1951, sapecou-lhe o epitáfio:<br />

“Reitor austero, imponente/Teve um prestígio<br />

mirífico:/Desce o caixão, lentamente/<br />

E um verme diz: - Magnífico!”<br />

Flagelo dos governantes, ainda na definição<br />

de Wilson Lins, o epigrama não poupou<br />

nenhum mandatário na Bahia. Quando<br />

Otávio Mangabeira morreu mereceu o<br />

seguinte epitáfio do incorrigível Pepino


notas da <strong>Metrópole</strong><br />

Longo: “Aqui jaz, sob lousa fria,/Pois tudo<br />

no mundo acaba,/Vai fazer falta à Bahia,/<br />

Mas para os vermes: que mangaba!”<br />

Quando Antônio Carlos Magalhães, já<br />

com fama de malvadeza, sucedeu o governador<br />

Luiz Vianna, Rubião Braz ou Wilson<br />

Lins, satirizou, premonitório: “Vai<br />

governar no esporro./O Toninho é um<br />

caso sério!/Audiências: pronto socorro./<br />

Despachos: no cemitério”.<br />

Este, aqui, de autoria Roberto Correia<br />

(1876-1941) e dedicado “a um político<br />

cujo enterro não contou com muitos acompanhantes”,<br />

também caberia como uma<br />

luva a ACM: “Um estadista! Que enterro!/<br />

Vai como pobre cristão,/Só por caído no<br />

erro/De morrer na oposição”.<br />

Até o pai de ACM, o médico Magalhães<br />

Neto, não resistiu à sedução debochada dos<br />

O retorno<br />

Lembra de Severino Cavalcanti?<br />

Aquele do “mensalinho”, que<br />

quando assumiu a Presidência<br />

da Câmara Federal mandou<br />

aumentar o salário dos<br />

deputados? Pois é. Ele afirmou<br />

que está voltando. Severino (PP-<br />

PE), que não conseguiu se eleger<br />

na última eleição, é suplente de<br />

um deputado que mudou de<br />

legenda e aguarda que o TSE<br />

casse o mandato de seu colega<br />

de partido até março, por conta<br />

da infidelidade partidária, para<br />

voltar triunfante.<br />

Ildásio Tavares ainda é um dos poucos epigramistas que mantêm viva a arte milenar de espinafrar os outros em versos<br />

Invisíveis<br />

O ministro da Integração<br />

Nacional, Geddel Vieira Lima<br />

(PMDB), em tom irônico,<br />

afirmou que o movimento de<br />

artistas que estiveram presentes<br />

no Senado defendendo posição<br />

contrária à transposição do<br />

Rio São Francisco nem existe.<br />

“Aqueles dois que estavam lá na<br />

audiência ontem? Eu nem vi”,<br />

disse. “Aqueles dois”, citados pelo<br />

ministro, eram na verdade três, a<br />

atriz Letícia Sabatella e os atores<br />

Osmar Prado e Carlos Vereza.<br />

epigramas e tascou este para o marido de<br />

dona Edith, aquela mesma aconselhada a escrever,<br />

mas não editar: “— <strong>Com</strong>o vai, amigo<br />

Gama?/— Eu passo como Deus quer,/vivendo<br />

sempre da fama,/da minha santa mulher”.<br />

<strong>Com</strong>o o epigrama não prima pelo politicamente<br />

correto, defeitos físicos e “tiros<br />

surdos” (gays enrustidos) também são pratos<br />

cheios para a espinafrada satírica. Para<br />

um pedagogo prognata, Lafayete Spínola<br />

escreveu o epitáfio: “Pois-lhe à morte à<br />

vida fecho,/E o coveiro disse – Diacho!/<br />

Na cova o corpo eu encaixo,/Mas, onde<br />

encaixar o queijo?”<br />

Contra um deputado homossexual,<br />

Clóvis Amorim, falecido em 1970, enfiou<br />

o epitáfio: “Deputado de cartaz/ Na<br />

atual legislatura/ O moço tem por detrás/<br />

Quem lhe faça cobertura”. E impiedoso<br />

Culpado<br />

Quem falou que ninguém seria<br />

punido pelos escândalos que<br />

envolveram o ex-presidente do<br />

Congresso Nacional, Renan<br />

Calheiros (PMDB-AL). O<br />

Senado puniu o ex-subsecretário<br />

geral da Mesa Diretora, Marcos<br />

Santi, por ter acusado Renan<br />

de usar a posição de presidente<br />

da Casa para manipular o<br />

andamento dos processos<br />

que corriam contra o senador<br />

alagoano. Santi recebeu uma<br />

advertência.<br />

Coperphoto<br />

terminou de enterrar o defunto com outra<br />

quadrinha: “Vendo o gajo sepultado/ Um<br />

verme a rir comentou:/- Só para a morte o<br />

safado/ De bruços não se deitou.”<br />

O escritor Hélio Pólvora disse, certa<br />

vez, que “mais importante do que assinar<br />

uma sátira é fazê-la circular, sobretudo se<br />

a pancada dói, se a ferida lateja e custa cicatrizar,<br />

provocando assomos de revide, em<br />

geral sob a forma de agressão física”. Hélio<br />

lembra que alguns epigramistas enfrentam<br />

o perigo, pois preferem perder um amigo<br />

a uma boa quadra. Nos anos 40, tempos<br />

áureos do gênero na Bahia, os epigramas<br />

circulavam pela Rua Chile. “Das três às seis<br />

da tarde, acotovelavam-se na movimentada<br />

rua epigramistas e epigramáveis, na mais<br />

saudável cordialidade”, como anota Wilson<br />

Lins em “Musa Vingadora”.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />

21


22<br />

Musa Capadoçal<br />

Nos dias atuais, o poeta, romancista<br />

e dramaturgo Ildásio Tavares esgrime o<br />

epigrama com a veia satírica dos antepassados<br />

ilustres. Ele escreveu cerca de cem<br />

epigramas, mas diz que a poesia satírica<br />

“é uma coisa episódica” em sua produção<br />

literária. Quando vai publicá-los em livro?<br />

Ciente do poder corrosivo de suas quadrinhas,<br />

Ildásio não é besta e responde:<br />

“Primeiro tenho que comprar um colete<br />

à prova de balas”. Ele não esconde que é<br />

mesmo daqueles que preferem perder a<br />

amizade à piada. Nem o amigo íntimo Jorge<br />

Amado, nem Wilson Lins, que o aponta<br />

como “o único poeta moderno a exercitar,<br />

na Bahia, o epigrama na sua forma consagrada”,<br />

escaparam da “musa capadoçal”<br />

de Ildásio: “Jorge Amado torturado/<strong>Com</strong><br />

seus romances ruins,/Respirou aliviado:/<br />

Meu consolo é Wilson Lins”.<br />

Até este repórter entrou na lista dos<br />

epigramáveis, com versinhos nada amáveis.<br />

Na entrevista, por telefone, o poeta despejou:<br />

“Perguntei ao jornalista:/ - gostas de<br />

homem ou mulher?/ Ele só fez dar a pista,/<br />

veja a rima se quiser”.<br />

Ildásio afirma que o principal alvo da<br />

sátira é o ridículo e que há pessoas que escapam<br />

ao ridículo. “<strong>Com</strong>o é que você vai<br />

satirizar Dom Timóteo Amoroso?”, pergunta<br />

referindo-se ao falecido e admirado abade<br />

do Mosteiro de São Bento, em Salvador.<br />

O escritor diz que também nunca fez<br />

um epigrama para a poeta Myriam Fraga.<br />

Mas Myriam não escapou da quadra<br />

barra-pesada do poeta Zeca de Magalhães,<br />

falecido há um ano, após um acidente doméstico:<br />

“O Prêmio Braskem/É todo de filipeta/Ganha<br />

quem Miriam Fraga indicar/<br />

No fundo é uma grande punheta”. <strong>Com</strong><br />

afagos como “é boiola esse cabra safado”,<br />

“rimo somente com teu cu” e “cumpade<br />

come cumpade, comadre como comadre/<br />

cumpade como comadre”, Zeca esculhambou<br />

meia Bahia literária, não poupando<br />

nomes como Germano Machado, José Inácio<br />

Veira de Mello, Fernando da Rocha<br />

Peres, Cláudio Veiga, Ildásio Tavares, Luís<br />

Antônio Cajazeiras Ramos, Elizeu Paranaguá,<br />

Mayrant Gallo, Aleilton Fonseca e<br />

Ruy Espinheira Filho, dentre outros. Até<br />

o decano dos historiadores baianos Cid<br />

Teixeira foi ridicularizado por ele.<br />

<strong>Com</strong>o o epigrama não poupa os mortos,<br />

um dos epigramados de Zeca apelou para a<br />

“musa vingadora”: “Boquirroto, sempre disse<br />

o quis/Mas foi muito descuidado/Pois a<br />

morte (meretriz)/o derrubou do telhado”.<br />

Na Bahia, os novos cultores do gênero<br />

fundaram a “Musa Desbocada” www.<br />

musadesbocada@yahoo.com.br, cuja versão<br />

eletrônica, conforme o poeta Gustavo Felicíssimo,<br />

foi criada depois que o poeta José<br />

Inácio Vieira de Mello esculhambou, pela<br />

Internet, um artigo dele. José Inácio torce<br />

o nariz para o grupo: “Nunca dei atenção às<br />

bobagens dos ressentidos da musa desdenta-<br />

da, pois tenho muito mais o que fazer”.<br />

Para Ildásio Tavares, os poucos cultores<br />

do gênero, atualmente, na Bahia fazem um<br />

epigrama “tolo e grosseiro”. O ressentimento<br />

é, muitas vezes, o combustível que<br />

alimenta os epigramistas. Num artigo para<br />

um suplemento cultural, Hélio Pólvora observou<br />

que “o epigrama é muitas vezes um<br />

desabafo de um ego machucado”. Porém,<br />

mais do que tudo é prato quente, oferecido<br />

com muito sal e pimenta.<br />

Na Bahia, dá na vista,<br />

Este fato comprovado,<br />

Quem não é epigramista<br />

Tem de ser epigramado<br />

– Carlos Chiacchio<br />

Originado do latim epigramma (“inscrição”)<br />

e do grego epigrapho (“eu inscrevo”),<br />

o epigrama, conforme Wilson Lins,<br />

remonta aos textos recolhidos pelas antologias<br />

gregas e pelos florilégios latinos.<br />

Seu antepassado mais ilustre é o romano<br />

Múcio Valério Marcial, que, no fim do<br />

primeiro século da era cristã, deixou mais<br />

de 1.500 epigramas. Ele foi praticado por<br />

nomes famosos como Voltaire e Rousseau,<br />

na França, e Pope e Swift, na Inglaterra.<br />

Segundo Lins, “o vezo baiano de dizer mal<br />

da Bahia” foi inaugurado por Gonçalo Ravasco<br />

e, com mais relevo, por Gregório de<br />

Mattos, o “Boca do Inferno”. •


Ren A t o PinheiRo<br />

Xô, Maracajá! Desinfeta!<br />

Triste Esporte Clube Bahia, oh quão dessemelhante.<br />

Só mesmo adulterando o famoso<br />

verso seiscentista do poeta baiano Gregório de<br />

Mattos e Guerra, o Boca do Inferno, para sintetizar<br />

a tragédia que vem sendo produzida e<br />

alimentada há muitos anos no maior clube de<br />

futebol do Nordeste, dono de uma das cinco<br />

maiores torcidas do país. Essa tragédia tem<br />

nome: Paulo Maracajá, o porretão, o bambambã,<br />

o cão de calçolão chupando manga do<br />

Esporte Clube Bahia. Ele é o cara que manda<br />

em tudo, o primeiro e único, como os reis<br />

Momos d’antanho (dos velhos tempos em<br />

que os reis Momos eram gordos).<br />

Maracajá, a rigor, não seria tema para se<br />

tratar em espaço sério. Mas, para o bem ou<br />

para o mal, o jornalismo tem dessas coisas e<br />

volta e meia a gente tem que escrever sobre<br />

o que não aprecia. É o caso. A verdade é que<br />

a Bahia e a torcida do Bahia assistem, impotentes,<br />

esse cara e a turma dele conduzirem o<br />

clube ao estado terminal.<br />

<strong>Com</strong> uma dívida inadministrável (inexplicavelmente<br />

construída nos últimos dez anos,<br />

depois de ter sido zerada pelo Banco Opportunity),<br />

sem estádio para mandar seus jogos,<br />

com sua torcida submetida a deslocamentos<br />

quilométricos para poder ver o time (esforçado,<br />

mas limitadíssimo) e com uma gestão<br />

absurdamente incompetente e medíocre, o<br />

Bahia caminha a passos largos para o fim,<br />

para o que os baianos costumam chamar de<br />

“processo de ipiranguização”.<br />

Para que o Bahia não acabe como o Ipiranga<br />

é preciso derrubar Maracajá. <strong>Com</strong>o,<br />

não me perguntem, mas há que se descobrir<br />

um jeito rapidinho, antes que seja tarde. Uma<br />

ação popular, um mandado de segurança, um<br />

golpe de Estado, sei lá o quê, mas alguma<br />

coisa tem que ser feita. Não dá para admitir<br />

um patrimônio do povo baiano como o Bahia<br />

estar entregue a gente como Maracajá.<br />

Para os que estavam esquecidos do seu<br />

estilo carcomido e malandro (vez que, oficialmente,<br />

ele anda escondido, se mexe apenas<br />

nos bastidores), o recente exemplo da aprova-<br />

“Ele já rapou do<br />

Bahia tudo o<br />

que podia rapar.<br />

Ganhou os mandatos<br />

parlamentares que<br />

pôde ganhar<br />

(hoje não se<br />

elegeria síndico de<br />

condomínio)”<br />

ção do novo estatuto do clube é emblemático.<br />

Depois de mandar seu menino de recados<br />

Petrônio Barradão prometer eleições diretas<br />

no Bahia (ao assumir a presidência interina<br />

do clube, em 2005), Maracajá ignorou o<br />

compromisso e comandou a votação do novo<br />

estatuto do seu jeito.<br />

Para tanto, convocou o fajuto Conselho<br />

Deliberativo do Bahia, formado e manipulado<br />

por ele, para uma reunião igualmente fajuta, à<br />

qual compareceram apenas 78 dos 323 conse-<br />

lheiros (menos de um quarto do total). Claro.<br />

Ele marcou a tal reunião para a quinta-feira<br />

de Carnaval e, ainda por cima, no mesmo<br />

horário em que estava sendo transmitido o<br />

jogo do Bahia contra o Ipitanga, em Madre de<br />

Deus. Dos 78 presentes, 75 votaram a favor<br />

do novo estatuto.<br />

A reunião da assembléia geral do Esporte<br />

Clube Bahia para referendar o estatuto foi<br />

outra comédia. Do conjunto de associados<br />

(que ninguém sabe ao certo quantos são),<br />

somente 173 compareceram à sede de praia<br />

do clube. Ou melhor, para lá foram levados<br />

em vários ônibus alugados por alguém, não<br />

se sabe exatamente quem. Resultado da votação?<br />

162 a 11. Verdadeira goleada, típica da<br />

mutreta vergonhosa que marca, há décadas,<br />

todas as eleições, as votações, as reuniões do<br />

Conselho Deliberativo e as assembléias gerais<br />

de sócios do Bahia. Que, aliás, sócios não há,<br />

vez que é praticamente proibido se associar<br />

ao clube – quem quiser que tente.<br />

O que não dá para entender é por que Maracajá<br />

não larga o osso. Ele já rapou do Bahia<br />

tudo o que podia rapar. Ganhou os mandatos<br />

parlamentares que pôde ganhar (hoje não se<br />

elegeria síndico de condomínio), ganhou um<br />

cargo vitalício para o qual não tinha merecimento,<br />

o que mais ele pode querer? O Bahia<br />

não tem mais nada a lhe dar, nem prestígio.<br />

Hoje, a torcida o xinga de termos impublicáveis<br />

a cada jogo do time.<br />

Por tudo isso, é tão urgente enxotar Maracajá<br />

e toda sua turma. Vamos derrubar o<br />

homem. O que não dá mais é para o Bahia<br />

continuar navegando nas águas fétidas por<br />

onde hoje navega.<br />

E juro que não volto mais a este assunto. •<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />

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24<br />

Roda baiana<br />

Carnaval: vagas impressões<br />

Por Fernando Guerreiro<br />

Este ano, devido aos ossos do recémadquirido<br />

ofício de comentarista radiofônico,<br />

me peguei assistindo ao carnaval<br />

supostamente mais participativo do<br />

mundo de camarote. E de lá, da minha<br />

confortável cabine refrigerada - que dividi<br />

com meus colegas do Roda Baiana -,<br />

observei algumas peculiaridades de nossa<br />

consagrada farra carnavalesca:<br />

1. O nosso carnaval está irremediavelmente<br />

chato e repetitivo. Os blocos se<br />

parecem, os abadás se parecem, os cantores<br />

se parecem, as músicas (músicas???)<br />

se parecem. Às vezes me dá uma sensação<br />

de um desfile ininterrupto de uma única<br />

atração. Sai do chão galera!!!! Levanta a<br />

mãozinha!!! Toda boa!!! Sou a gostosa!!!!<br />

Quanta novidade. Da geléia geral empastelada<br />

salvam-se Brown e sua eterna busca<br />

de novidades, a religião Chiclete (religião<br />

pode ser repetitiva), o renascimento dos<br />

Mascarados e a eterna inquietação de Daniela.<br />

Sem falar da musa Ivete, que chegou<br />

num estágio de carisma e popularidade que<br />

pode fazer o que quiser.<br />

2. Pode parecer disco arranhado, mas<br />

o folião-pipoca está com os dias contados.<br />

Só arrisca quem tem culhão para tomar<br />

uns sopapos. De um lado cordas, do outro<br />

camarotes, e haja empurra-empurra.<br />

3. Existe alguma coisa mais chata<br />

no mundo que camarote? Muito bem<br />

organizados, criativos, mas irreversivelmente<br />

desinteressantes. Nego paga<br />

de 200 a 700 contos para ficar num<br />

ambiente indoor (uiiii) e tome-lhe a<br />

beber e comer desesperadamente para<br />

tentar cobrir o que gastou. Resultado,<br />

em quatro horas resta um quadro desolador<br />

de gente embriagada e empanturrada,<br />

sem condições sequer de dar<br />

um beijo na boca. E haja lama!<br />

4. Me expliquem o que são aqueles<br />

seres humanos desanimados em cima<br />

dos famigerados carros de apoio. Uma<br />

desolação absoluta, um quadro triste,<br />

o chamado camarote WC deveria ser<br />

definitivamente extirpado da folia, e<br />

junto com ele aquelas pessoas que se<br />

comprimem nos trios dos famosos tentando<br />

aparecer mais que os ditos-cujos,<br />

gerando situações constrangedoras.<br />

5. É preciso repensar a participação dos<br />

patrocinadores na festa. Longe de mim ser<br />

contra patrocinadores, mais a exposição<br />

de marcas está tão desenfreada e desorganizada<br />

que o carnaval virou uma aula<br />

de antimarketing. Milhares de balões em<br />

cada bloco, trios entupidos de marcas por<br />

todos os lados, mulheres nuas com o corpo<br />

pintado com logotipos, barbas sendo feitas<br />

em camarotes, absorventes fazendo fundo<br />

a fotos lamentáveis. Enfim, perdeu-se a<br />

medida. Cuidado para não matarmos a<br />

galinha dos ovos de ouro.<br />

6. O circuito do Centro está morrendo.<br />

Sou contra a criação de um novo corredor<br />

e a favor da luta pela recriação do nosso<br />

percurso original. Passou do Campo Grande<br />

só porrada e velocidade. O circuito do<br />

Centro está morrendo.<br />

7. Lindos os blocos de samba na avenida.<br />

Um alento de originalidade e criatividade musical.<br />

Belos, muito belos e emocionantes.<br />

8. Vamos repensar com urgência a nossa<br />

grande e querida festa. Concordo com meu<br />

colega André Simões, que propõe a criação<br />

de uma Fundação do Carnaval para se<br />

preocupar o ano todo com nossa esbórnia<br />

maior. Sou e sempre serei um grande folião,<br />

e é como folião que defendo o debate para<br />

que nossa festa recupere sua originalidade,<br />

não repetindo fórmulas do passado como<br />

querem alguns, mas descobrindo novos<br />

formatos, ousadias, se transformando num<br />

espetáculo acima de tudo artístico e solidário,<br />

em que todos possam se divertir com<br />

espaços equilibrados. Só assim Dionísio<br />

voltará a reinar numa terra em que até Rei<br />

Momo pode ser diet. •


Este é um espaço dedicado a quem gosta e a quem tem curiosidade pelo tema “Sexo”. Aqui os leitores podem<br />

tirar suas dúvidas com a sexóloga Gilda Fucs. Basta enviar sua pergunta para revistametropole@ksz.com.br<br />

que nós publicaremos. Não se preocupe se você é broxa ou frígida, sua identidade será mantida em sigilo.<br />

G.A.S. - 24 anos, casada<br />

Estou namorando um cara há 2 meses e acho estranho<br />

porque os outros namorados que eu tive gostavam que eu me<br />

mexesse e esse quer que eu fique imóvel durante a transa, de<br />

olhos fechados, como se eu estivesse morta. Não é estranho,<br />

doutora? A senhora já viu alguém assim ou ele é louco?<br />

Devo topar?<br />

Gilda Fucs – Parece uma forma branda de necrofilia, e ele<br />

precisa se tratar. Há até casos em que o homem pede à mulher<br />

para tomar um banho bem frio para a temperatura do corpo<br />

baixar. A ajuda terapêutica é importante. Isso é um dado de<br />

realidade, agora se você deve ou não topar só depende de você,<br />

que já é adulta e pode decidir.<br />

I.B.F. - 36 anos, casada<br />

Contraí uma DST do meu ex e estou me tratando há<br />

três meses. Conheci um homem maravilhoso, que quis me<br />

namorar. Ele quer fazer sexo oral em mim, mas não quero<br />

passar a doença para ele. Já estou enrolando ele há um mês.<br />

Não posso contar nada, pois tenho medo de perdê-lo e até de<br />

ele ficar com nojo. <strong>Com</strong>o saio dessa situação sem perdê-lo?<br />

Gilda Fucs – Parece que inventar uma história qualquer que<br />

justifique sua abstinência vai ser difícil ele aceitar. O melhor<br />

seria fazer aquilo que você tem evitado, que é contar para ele<br />

a verdade e dizer que você já está em tratamento. Será que ele<br />

sendo um homem maravilhoso, como você diz, não será capaz de<br />

entender? A sua atitude de ser correta e não colocar seu parceiro<br />

em risco de contaminação já demonstra muita responsabilidade.<br />

Nojo e rejeição ele deveria ter se você fosse inconveniente e ir-<br />

responsável de permitir que ele fizesse o sexo oral. Não há nada<br />

mais comum, infelizmente, do que pessoas adultas, com vida<br />

sexual ativa, correrem risco e, em algum momento, pegarem uma<br />

infecção, principalmente se não usarem camisinha.<br />

S.B.S. - 25 anos, solteira<br />

Ouvi falar que a ejaculação dentro da vagina pode provocar<br />

aborto. Estou grávida do meu primeiro filho e desde<br />

aí não permito que meu marido faça dentro. É verdade isso?<br />

Devo voltar a transar naturalmente?<br />

Gilda Fucs – Há uma crença, que muita gente acredita, de<br />

que as substâncias presentes no esperma, como a prostaglandina,<br />

são capazes de causar contrações uterinas e induzir ao aborto. Isso<br />

não ocorre. A quantidade de prostaglandina presente no sêmen é<br />

insuficiente para provocar esse tipo de problema. Para desencadear<br />

contrações capazes de acelerar o parto seriam necessárias, pelo<br />

menos, 15 ejaculações dentro da vagina num período de 1 hora,<br />

o que, diga-se de passagem, é impossível.<br />

A.R.C. - 28 anos, solteira<br />

Qual a diferença entre a camisinha masculina e a feminina?<br />

Quero lhe dizer que gosto e faço muito sexo anal.<br />

Gilda Fucs – A camisinha feminina tem mais lubrificante, o que<br />

facilita mais a penetração, mas ela cobre o canal vaginal e cerca de<br />

2 cm ao redor das bordas da vagina. A masculina cobre todo o pênis,<br />

o que corta o contato das secreções do pênis com qualquer ponto<br />

da região pélvica. Para a penetração anal, só a masculina. •<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />

25


26<br />

Obras<br />

Emergência?<br />

Estado dispensa licitações para gastar mais de R$ 350 milhões<br />

Nardele Gomes<br />

O Aurélio disse, está dito. Emergência<br />

é situação crítica que exige ação imediata.<br />

De posse desse conceito, vamos a<br />

uma rápida reflexão sobre um tema que<br />

ninguém agüenta mais, mas que desta vez<br />

será rápido: o Estádio da Fonte Nova, que<br />

abrigava dezenas de milhares de pessoas<br />

toda semana, pedia pelo-amor-de-Deus<br />

para ser reformado há quanto tempo? Ninguém<br />

reformou, consertou nem remendou<br />

coisa nenhuma. O resultado foi a tragédia<br />

que levou sete torcedores à morte. E agora<br />

que o incidente já ocorreu o Governo do<br />

Estado decide que reformar o Estádio de<br />

Pituaçu é uma obra de emergência. E tudo<br />

por causa de um simples gramado.<br />

É que as melhorias no nobre estádio<br />

começam, como em toda obra, do chão.<br />

E a retirada do gramado tem que ser a primeira<br />

etapa da reforma, para que a obra,<br />

“urgentíssima”, acabe no prazo. Maria<br />

Del Carmen, presidente da <strong>Com</strong>panhia<br />

de Desenvolvimento Urbano do Estado da<br />

Bahia (Conder), explicou que o gramado<br />

tem que ser o ponto de partida porque<br />

enquanto outros serviços vão sendo realizados,<br />

a nova grama vai crescendo verdinha<br />

e a obra termina no prazo estipulado de<br />

seis meses.<br />

Mas qual a real necessidade de um estádio,<br />

há anos abandonado pelo Estado,<br />

ficar plenamente recuperado em apenas<br />

seis meses? Só se for para o governo não<br />

ficar mal com a torcida do Bahia - desabri-<br />

Da reforma de Pituaçu ao<br />

frango congelado da Sesab,<br />

tudo é “emergência”<br />

gada desde a interdição definitiva da Fonte<br />

Nova - justamente num ano eleitoral.<br />

O caráter emergencial da obra dispensa<br />

a “formalidade” (leia-se processo licitatório).<br />

Assim, a Conder, através de sua<br />

presidente, pôde contratar a Campbell<br />

Construções e Terraplenagem, que, entre<br />

as três empresas convidadas a apresentar<br />

Coperphoto<br />

orçamento para a retirada do gramado do<br />

Estádio Roberto Santos (nome de batismo<br />

da praça esportiva de Pituaçu), foi a que<br />

trouxe a melhor proposta. “É R$ 1,00 por<br />

metro quadrado”, alega Del Carmen. São<br />

10.250 m² de área, logo R$ 10,25 mil.<br />

O valor máximo para que a licitação seja<br />

dispensada em obras de engenharia, explica


notas da <strong>Metrópole</strong><br />

ela, é R$ 10,5 mil. Se o valor por metro<br />

quadrado fosse 3 centavos mais caro, a licitação<br />

seria necessária.<br />

Campbell e Del Carmen, assim, repetem<br />

este ano uma parceria de sucesso que vem<br />

desde 2004, quando a empresa doou R$ 30<br />

mil para a campanha vitoriosa da atual presidente<br />

da Conder à Câmara Municipal de<br />

Salvador. Ela não acha constrangedor contratar<br />

uma das principais financiadoras para<br />

sua campanha sem licitação para uma obra<br />

do Estado. “Não existe nada na lei que diga<br />

que ela não pode participar”, argumenta.<br />

Mas esta é só mais uma obra do Governo<br />

da Bahia que, por um motivo ou por<br />

outro, dispensa a concorrência ou licitação.<br />

Só em 2007, o governo fez compras<br />

ou contratou serviços no total de R$ 315<br />

milhões, tudo sem licitação, segundo dados<br />

do site Transparência Bahia, mantido pelo<br />

próprio Governo do Estado. Isso corresponde<br />

a 73% dos investimentos realizados<br />

pelo Estado em 2007 (cerca de R$ 550<br />

milhões). O órgão que mais contratou sem<br />

licitação foi a Secretaria de Saúde, num<br />

total de R$ 125 milhões. Em seguida vêm<br />

as secretarias de Infra-estrutura (R$ 50<br />

milhões) e Educação (R$ 45,7 milhões).<br />

“Na maioria desses casos, quando não se<br />

faz licitação cerceia-se e limita-se o direito<br />

de outras empresas apresentarem suas<br />

propostas, o que possibilitaria preços mais<br />

interessantes para o Estado”, argumenta o<br />

líder da oposição na Assembléia Legislativa,<br />

deputado Gildásio Penedo (DEM).<br />

Entre os valores que mais chamam a<br />

atenção, estão os R$ 46,5 milhões pagos<br />

à Fundação José Silveira e às Obras Sociais<br />

de Irmã Dulce para a contratação de médicos<br />

terceirizados (e quarteirizados).<br />

Até frango congelado entrou na lista<br />

das “emergências” do Estado. Para a Secretaria<br />

de Saúde, compradora do fran-<br />

E agora?<br />

Cansado de ser oposição, o<br />

vereador Palhinha deixou<br />

o PTN, no ano passado,<br />

e migrou para o PSB com<br />

o objetivo de ficar lado a<br />

lado com o prefeito <strong>João</strong><br />

Henrique. O que Palhinha<br />

não contava é que seu novo<br />

partido, que fazia parte da<br />

administração municipal,<br />

abandonasse o prefeito.<br />

go, a aquisição da ave congelada era tão<br />

urgente que não deu para fazer o que a<br />

regra básica da economia preconiza: a<br />

pesquisa de preços.<br />

Para completar, a Superintendência de<br />

Construções Administrativas da Bahia, Sucab,<br />

vai pagar R$ 9 milhões à Construtora<br />

Pablo para construir um presídio em Eunápolis,<br />

também sem licitação. Para quem<br />

não sabe, a Construtora Pablo é uma empresa<br />

que afirma ter 31 anos no mercado<br />

da construção civil. Deve ser pela tradição<br />

no ramo que o próprio site da Pablo ainda<br />

está em construção.<br />

Além dos casos da Sesab, Seinfra e SEC,<br />

existem outros onde os valores dos contratos<br />

fechados sem licitação não foram sequer<br />

“Todos os gastos<br />

foram realizados<br />

porque eram<br />

urgentes”<br />

- Waldenor Pereira,<br />

líder do governo na AL<br />

A deixa<br />

Na primeira sessão da<br />

Assembléia Legislativa deste<br />

ano, o deputado Álvaro Gomes<br />

(PCdoB) fez um relato sobre a<br />

viagem que fez a Cuba durante<br />

o recesso parlamentar. O<br />

comunista saudou os feitos da<br />

revolução cubana e destacou<br />

a importância da liderança<br />

de Fidel Castro para a ilha<br />

caribenha e para o mundo,<br />

afirmando: “Fidel está forte e<br />

certamente dará muitas alegrias<br />

ao mundo no comando dos<br />

destinos do povo cubano”.<br />

divulgados, o que significa que o valor de<br />

R$ 315 milhões pode ser bem maior. Um<br />

exemplo é o da Secretaria de Segurança Pública,<br />

que divulgou no dia 19 de dezembro<br />

no Diário Oficial a aquisição de 100 carabinas<br />

e 200 metralhadoras para a Polícia<br />

Militar, dispensando a licitação e omitindo<br />

os valores pagos à empresa Forjas Taurus<br />

S/A. No mesmo mês, a Bahia Pesca divulgou<br />

a compra de redes na Sansuy S/A Indústria<br />

de Plásticos. O valor mais uma vez foi omitido<br />

pela empresa, órgão da Secretaria do<br />

Trabalho, Emprego, Renda e Esporte.<br />

Foi a deixa. Um dia depois do<br />

discurso, “El <strong>Com</strong>andante”<br />

anunciou sua aposentadoria,<br />

renunciando à presidência de<br />

Cuba.<br />

Contra tudo e contra todos, o líder do<br />

governo na Assembléia, deputado Waldenor<br />

Pereira (PT), alega que todos estes<br />

gastos têm amparo legal, baseando-se na<br />

Lei 8.666, que prevê dispensa de processo<br />

licitatório em casos onde há emergência.<br />

“Todos os gastos foram realizados porque<br />

eram urgentes e havia a emergência do serviço<br />

a ser realizado”, diz.<br />

Quem está preocupado com a falta de<br />

segurança, com a nossa saúde meia-sola<br />

e com o desemprego pode ficar tranqüilo.<br />

Assim que as reais emergências forem<br />

atendidas, o resto virá na seqüência. Só fica<br />

a dúvida sobre quem definiu que as emergências<br />

são o frango congelado, o presídio<br />

de Eunápolis e o gramado de Pituaçu. •<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />

27


28<br />

Jul i A n A Cu n h A<br />

<strong>Com</strong>o falar<br />

dos livros que<br />

não lemos?<br />

Veja bem, tenho algumas coisas desconexas<br />

a dizer. Aparentemente desconexas.<br />

Eu costumo ser boa em encaixar coisas<br />

aparentemente desconexas de uma forma<br />

esteticamente aceitável porque li quase todos<br />

os livros de Milan Kundera, inclusive<br />

“O insustentável peso das pálpebras”, muitas<br />

vezes. Li não, folheei. Na verdade, li. As<br />

coisas que Pierre Bayard diz no livro que<br />

pretendo comentar fazem sentido, mas não<br />

todo sentido. Ele propõe que classifiquemos<br />

Destroçar o próprio<br />

ego em público<br />

é só outra forma de<br />

lustrá-lo<br />

os livros que citamos a partir da intensidade<br />

de contato que tivemos com eles. <strong>Com</strong>o se<br />

os livros fossem ETs. Os níveis de intensidade<br />

de Bayard são: LD (livro desconhecido),<br />

LF (livro folheado), LO (livro de que ouvir<br />

falar) e LE (livro esquecido). Mas o que<br />

Bayard esquece é que, quando um livro te<br />

abduz e faz experiências bizarras com você,<br />

quando você sabe trechos inteiros dele, cita<br />

à exaustão e contamina a lombada com o<br />

cheiro do seu sovaco, aí você realmente leu<br />

e realmente está perdido para a biblioteca,<br />

como diz o bibliotecário de Musil. Dentro<br />

desta classificação altamente sectária, posso<br />

afirmar que li Kundera, Rowling, Salinger e<br />

Dostoievski. Não é uma lista da qual possa<br />

me orgulhar, mas destroçar o próprio ego<br />

em público é só outra forma de lustrá-lo. E<br />

é essa a segunda coisa que Bayard finge não<br />

saber ao assumir não ter lido Joyce e ficar<br />

esperando um high-five.<br />

Pierre Bayard leciona literatura francesa<br />

na Universidade de Paris, é psicanalista e<br />

escreveu um livro chamado “<strong>Com</strong>o falar<br />

dos livros que não lemos?”. A capa, assim<br />

como o título, tem pinta de auto-ajuda pretensamente<br />

engraçadinha. <strong>Com</strong>prei para<br />

presentear minha melhor amiga que, desde<br />

sua inesperada aprovação no vestibular tem<br />

sido atormentada por sua mãe, que acha<br />

que ela deve ler um bom livro e assistir a<br />

um bom filme por dia. “Projeto Virar Pessoa<br />

Interessante”, é como costumo chamar<br />

essa espécie de promessa de fim de ano que<br />

devemos largar na areia da praia, junto com<br />

as rosas e os vômitos, pelo bem da paciência<br />

das pessoas que nos cercam. O último conhecido<br />

que implementou esse projeto foi<br />

um amigo da minha irmã. Freqüentava shows<br />

de Calcinha Preta e gostava de Antes do<br />

pôr-do-sol. Algumas aulas de André Setaro<br />

e muitas idas à locadora pegar a filmografia<br />

dos grandes mestres depois ele pode ser visto<br />

no orkut – de sobretudo e echarpe – na<br />

frente da Torre Eiffel.<br />

O livro de Bayard diz algumas obviedades<br />

necessárias. Basicamente, que as pessoas mentem<br />

demais sobre a quantidade (e qualidade)<br />

dos livros lidos; que a leitura não é o processo<br />

homogêneo de assimilação integral que gostamos<br />

de acreditar; que outras formas de contato<br />

(resenhas, críticas, orelhas, folhear, ouvir<br />

falar...) ocasionalmente podem nos fornecer<br />

tanto ou mais subsídio para falar sobre um<br />

livro do que uma leitura integral relapsa e – aí<br />

entra a parte psicanalítica intragável – você<br />

não deve se sentir inferior por não ter lido<br />

determinados livros porque o conhecimento<br />

é inevitavelmente fragmentado.<br />

O desespero causado pela impossibilidade<br />

de dar conta de todo o material escrito<br />

existente, tal como a mentira sobre o que se<br />

leu ou mesmo o cinismo de assumir julgar<br />

livros sem tê-los lido, não são angústias nem<br />

atitudes novas, embora assumi-las publicamente<br />

permaneça inovador. Zaid, Valéry,<br />

Wilde e tantos outros já trataram do assunto.<br />

Talvez Woody Allen tenha encarnado o trauma<br />

do não-leitor da melhor forma possível<br />

em “Zelig”. Zelig é o “camaleão humano”,<br />

o personagem que absorve as características<br />

de quem o rodeia, numa tentativa desesperada<br />

de ser bem quisto. Os distúrbios de<br />

personalidade de Zelig surgiram na escola,<br />

onde ele dizia ter lido “Moby Dick” porque<br />

as pessoas inteligentes diziam ter lido Moby<br />

Dick. E é isso que nós somos: Zeligs. Antes<br />

e depois do livro de Bayard. •


<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008


“Uma cidade que se<br />

preze tem que ter um<br />

bordel de primeira”<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> – Você se formou em<br />

1998, pela Ufba...<br />

Sidney Quintela – Na verdade quando<br />

faltavam dois anos para me formar eu montei<br />

meu primeiro escritório. Nesse escritório a<br />

gente fazia obra, quase não fazíamos projeto.<br />

A gente fazia obra para vários arquitetos.<br />

Eles faziam o projeto e a gente tinha uma<br />

empresa pequena que executava as obras, e<br />

uma hora ou outra surgia um projeto. Mas<br />

o escritório mesmo, funcionando, foi dois<br />

anos antes de me formar.<br />

M – E acontece o quê?<br />

– Aí me formei, e eu já estava com<br />

este escritório, já tinha estagiário, e<br />

quando me formei eu consegui entrar<br />

na Casa Cor, o que foi um precedente<br />

que eles abriram porque na verdade,<br />

para fazer a Casa Cor, tinha que ter dois<br />

anos de formado, mas como eu já estava<br />

trabalhando, fazendo obras para outros<br />

arquitetos dentro da Casa Cor, abriram<br />

uma exceção e fiz a Casa Cor no ano<br />

seguinte ao que me formei.<br />

M – Onde era a Casa Cor?<br />

– Foi no Porto da Barra, onde é o<br />

Pereira. Então, entrei nessa Casa Cor.<br />

A Casa Cor não me deu um retorno<br />

de clientes, mas me deu um retorno<br />

institucional, porque comecei a<br />

conhecer muitas pessoas, fornecedores,<br />

e esses fornecedores começaram a me<br />

conhecer, o que facilita muito a vida<br />

do profissional. Você conhecer como<br />

funciona, entender o quanto essa<br />

profissão movimenta no mercado e aí<br />

você começa a entender a importância<br />

que tem para esse faturamento financeiro<br />

e o que gasta com obra, com acessórios...<br />

Me deu uma visão empresarial de como<br />

esse meu negócio ia caminhar. E nessa<br />

seqüência eu peguei - o que eu acho que<br />

foi o divisor de águas - a casa de Caetano<br />

Veloso para fazer.<br />

M – Foi Caetano que te procurou?<br />

– Quem me indicou para ele foi Lícia<br />

Fábio. Na verdade, Paulinha (Paula<br />

Lavigne, ex-mulher de Caetano Veloso)<br />

procurou Lícia Fábio para pedir uma<br />

indicação de arquiteto e coincidiu que<br />

eu estava fazendo o projeto do réveillon<br />

dela no Bahia Marina e acho que ela<br />

indicou outras pessoas, mas como era<br />

“O que deixa nossa orla feia<br />

é o uso que é dado a ela”<br />

um dia de domingo e não conseguiu falar<br />

com ninguém, ela falou comigo, eu fui<br />

lá e fechei o negócio. E aí mudou tudo.<br />

Eu não divulguei que estava fazendo a<br />

casa de Caetano, não precisou, foi muito<br />

ligeiro. E você sabe como é, né? As pessoas<br />

começaram a me procurar para fazer<br />

coisas, fazer projetos... Eu acredito que<br />

justamente levado pela coisa de eu estar<br />

fazendo a casa do Caetano. E aí conheci<br />

Almodóvar, Lulu Santos, conheci um<br />

monte de artistas que comecei a fazer<br />

as casas. Aí vai Astrid Fontenelle, José<br />

Simão... E aí foi puxando um monte<br />

de gente e eu passei um tempo assim<br />

colhendo os frutos de estar fazendo<br />

projetos de pessoas conhecidas.<br />

M – Quando você fala em desenvolver<br />

um projeto para Caetano Veloso, José<br />

Simão, a personalidade dessas pessoas<br />

interfere no projeto?<br />

– Não interfere. Muito pelo contrário.<br />

O perfil sempre interfere, porque você tem<br />

que fazer um projeto para quem vai usar.<br />

Mas quanto mais culta a pessoa é, o cliente<br />

é, menos interferência tem, porque ela<br />

tem inteligência suficiente para lhe passar<br />

o que ela quer, lhe dizer as expectativas.<br />

Entende-se melhor as propostas que se faz<br />

e acaba sendo um facilitador.<br />

M – Quando Sidney Quintela começa<br />

aparecer?<br />

– O que aconteceu foi o seguinte:<br />

quando eu surgi no mercado, botei a cara<br />

na tela em 99, nessa Casa Cor, quando<br />

peguei a casa de Caetano foi uma avalanche<br />

de projetos e foi tudo muito rápido. Então<br />

quando eu comecei a aparecer, tinha uma<br />

história que era o seguinte: “O Sidney é<br />

mídia, o Sidney é lobista e tal”. Esse foi o<br />

primeiro rótulo.<br />

M – E te incomoda esse rótulo?<br />

– Não, não me incomoda. E quem me<br />

deu esse rótulo? Outros profissionais, os<br />

lobistas...<br />

M – Já lhe acusaram de cópia?<br />

– Graças a Deus. Que eu saiba, não.<br />

M – Além da casa de Caetano, que<br />

outros projetos você fez?<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008 31


32<br />

– Eu fiz a casa de Caetano, na seqüência<br />

fiz a casa de Astrid Fontenelle, depois<br />

fiz a casa de Luciana Melo, filha de Jair<br />

Rodrigues, fiz Zé Simão, Macaco Simão,<br />

aqui em Salvador, fiz Tuca do Jammil e<br />

estou fazendo Cláudia Leitte.<br />

M – É complicado você escolher o<br />

“filho” melhor. Desses projetos, quais<br />

você destaca?<br />

– Rapaz... Por exemplo, sempre você<br />

está evoluindo, o projeto vai melhorando,<br />

então acho que são os últimos. Então o que<br />

tenho agora de muito bom: tá saindo um<br />

projeto que a gente fez em Angra dos Reis,<br />

um complexo hoteleiro muito grande, uma<br />

ilha particular de um grupo mexicano,<br />

com apartamentos, casas, marinas, muito<br />

grande, que eu acho que vai dar um porte<br />

grande ao escritório. Estamos fazendo um<br />

complexo hoteleiro em Paimogo, na costa<br />

oeste de Portugal, fica no Atlântico, que<br />

é um projeto muito grande que dá um<br />

valor final de venda de 300 milhões de<br />

euros é um negócio de um volume muito<br />

grande e vai ser incorporado por um grupo<br />

financeiro de Dubai.<br />

M – <strong>Com</strong>o você chegou em Portugal?<br />

– Quando surgiram esses empreendimentos<br />

imobiliários eu já tinha o<br />

Lumiere (edifício projetado por Quintela,<br />

localizado no Horto Florestal) na manga,<br />

e começaram a chegar aqui no Brasil<br />

vários grupos de investidores, portugueses<br />

e espanhóis, para comprar terrenos, fazer<br />

empreendimentos, porque na Europa não<br />

tem mais o que fazer, não tem terreno e<br />

as pessoas não compram porque não têm<br />

uma defasagem habitacional que nós temos,<br />

gente morando de aluguel, que não tem<br />

casa própria. E os estrangeiros têm dinheiro<br />

barato, coisa que nós não temos aqui, juros<br />

baixos, para tomar o dinheiro para fazer<br />

empreendimentos. Então agora que está<br />

bom nós temos 9% a 10% ao ano os caras<br />

lá trabalham com 3% ao ano e isso em R$1<br />

bilhão é muita coisa, muito dinheiro. Eles<br />

começaram a vir e começaram a procurar,<br />

conhecer arquitetos até para definir com<br />

quem vai trabalhar, quem vai contratar...<br />

E eu sempre tive uma relação muito boa<br />

com todo mundo. Não tenho inimigos.<br />

Então, começaram a me procurar, assim<br />

como outros arquitetos daqui de Salvador,<br />

e começaram a escolher. Eles dividiram e<br />

sobrou uma fatia pra mim. Eu peguei esses<br />

clientes e comecei a fazer um trabalho sério,<br />

que é uma característica minha, de sempre ter<br />

a estrutura para poder desenvolver. Não vou<br />

pegar 10, 11 projetos, se eu não tiver uma<br />

estrutura compatível com essa demanda,<br />

porque eu entrego no prazo o meu projeto,<br />

eu acompanho... E os primeiros projetos<br />

que fizemos para esses grupos correram bem<br />

e um desses empresários, um português,<br />

chegou pra mim e disse: “Eu acho que você<br />

deveria ir a Portugal para dar uma olhada”.<br />

Eu aí fui e passei uma semana, nessa semana<br />

“Esse PDDU é fundamental<br />

para o crescimento da cidade”<br />

eu tive umas oito reuniões com grupos<br />

grandes de Portugal, como o Imocom,<br />

que está fazendo o Hilton do <strong>Com</strong>ércio,<br />

como o Grupo Lena... E eu fui conhecendo<br />

essas pessoas, ouvindo-as, juntei com os<br />

que já eram meus clientes e eles disseram<br />

que era bom eu montar um escritório lá<br />

para atendê-los melhor. Por exemplo,<br />

Fotos: Coperphoto


todas essas decisões são tomadas lá, eles<br />

têm escritórios aqui com executivos que<br />

ajudam, desenvolvem e tal, mas a decisão é<br />

tomada na sede, que é onde está o dono, o<br />

cara que paga a conta. E no momento que<br />

eu cheguei lá e que disse vou montar meu<br />

escritório aqui, contratei uma arquiteta<br />

portuguesa, peguei uma arquiteta minha<br />

do meu escritório, montei uma estrutura,<br />

as coisas cresceram muito rapidamente,<br />

eu tenho o escritório de São Paulo há<br />

quatro anos e o de Lisboa tem dez meses<br />

e eu já faturei nesses dez meses mais<br />

do que quatro anos em São Paulo. Por<br />

conta da carência que há, porque todos<br />

os investimentos estão sendo feitos fora<br />

de Portugal, fora da Espanha...<br />

M – Mas a arquitetura lá não é forte?<br />

– Não, não é. A Europa é pequena e<br />

tem alguns arquitetos que são “os caras”<br />

– Norman Foster, Calatrava, etc. – e<br />

eles estão atuando ali, então você pega<br />

dez arquitetos que estão atuando na<br />

Europa inteira e aqui em Salvador tem<br />

uns 30, 30 bons. Então o que acontece,<br />

sem contar que eu chego lá com uma<br />

“Eu sempre tive uma relação<br />

muito boa com todo mundo.<br />

Eu não tenho inimigos”<br />

linguagem totalmente diferente da<br />

deles, o que é uma novidade, você<br />

se diferencia, não tem aquela coisa<br />

massificada que já está entranhada na<br />

mentalidade dos caras. Então quando<br />

eu monto a estrutura lá e chego pro<br />

cara e digo que minha estrutura já está<br />

operando e estou desenvolvendo um<br />

projeto para eles aqui no Brasil, fazendo<br />

um hotel como o Hilton, eu já tive mais<br />

reuniões no escritório deles de Lisboa<br />

do que aqui, então isso é um facilitador<br />

para o empresário.<br />

M – Você acompanhou as discussões do<br />

novo Plano Diretor de Desenvolvimento<br />

Urbano (PDDU)? <strong>Com</strong>o você está vendo<br />

isso? A quebra do gabarito da orla já<br />

está definida...<br />

– Está definida, mas de forma consciente<br />

eu acho que esse PDDU é fundamental para<br />

o crescimento da cidade. Por que a nossa<br />

orla não é bonita arquitetonicamente? Não<br />

é bonita porque não tinha viabilidade para<br />

os empreendimentos por conta da legislação<br />

que travava todo o desenvolvimento da orla.<br />

Então, a partir do momento que a iniciativa<br />

privada não consegue obter retorno ela<br />

não vai comprar nem desenvolver aquela<br />

área, o poder público não tem condições<br />

e nem tem dinheiro para fazer isso, quem<br />

tem que fazer é a iniciativa privada. Então<br />

que se dê à iniciativa privada condições de<br />

viabilidade do negócio, obviamente com<br />

controle, com parâmetros urbanísticos<br />

que não prejudiquem. Agora é um absurdo<br />

você ter o Porto da Barra e a própria Barra<br />

do jeito que estão hoje, com borracharia,<br />

puteiro, muquifo. É um absurdo.<br />

M – Em Amaralina você tem tudo isso<br />

também. Qual o significado pra você de<br />

uma orla bonita?<br />

– A orla de Salvador já existe, já está<br />

aí com as nossas praias e tal, o que eu<br />

vejo é que a gente não pode deixar nossa<br />

orla como a orla do Rio de Janeiro. É<br />

impossível, ninguém vai construir na<br />

areia, aumentar calçadão. O que deixa<br />

nossa orla feia é o uso que é dado a ela.<br />

Então se você não tem desenvolvimento<br />

você não tem segurança. Então você<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />

33


34<br />

anda ali no Porto da Barra e vê os meninos<br />

vendendo cola, maconha, um monte de<br />

prostitutas, nada contra as prostitutas, eu<br />

até sou a favor de se devolver os bordéis na<br />

cidade de Salvador - foi até um projeto meu<br />

de faculdade, “A revitalização da Ladeira<br />

da Montanha”, devolver os motéis com<br />

classe, com gás, com prostituas bonitas,<br />

saudáveis, ambiente agradável, uma<br />

cidade que se preze tem que ter bordel de<br />

primeira, é entretenimento, é um nicho de<br />

mercado fantástico, legalizado, bonitinho<br />

é uma maravilha. Enfim, o problema<br />

todo, a orla, pelo fato de não se justificar<br />

o investimento por não conseguir obter<br />

retorno, ela começa a entrar num processo<br />

de degradação e que chega aonde chegou<br />

porque o cara que está ocupando ali não<br />

tem dinheiro para fazer a manutenção<br />

do negócio e, por mais que ele invista,<br />

hoje não vai rodar, a não ser que haja um<br />

consenso e se reforme tudo, o que só a<br />

iniciativa privada tem poder de fazer.<br />

M – Você acha que a soliticitação do<br />

governador Jaques Wagner para que Oscar<br />

Niemeyer fizesse um projeto para uma nova<br />

Fonte Nova foi uma atitude política?<br />

– Eu acho que não é política, não.<br />

Eu acho que qualquer pessoa, qualquer<br />

governante, tem exatamente a noção da<br />

importância que é ter um projeto de um<br />

arquiteto como o Oscar Niemeyer, que já<br />

tá com 100 anos e que tá mais pra lá do<br />

que pra cá, mas que tá aí, vivo, talvez um<br />

dos últimos arquitetos dos modernistas<br />

vivo, brasileiro, e que pode fazer. Eu, por<br />

exemplo, adoraria fazer o projeto da Fonte<br />

Nova, inclusive estou atrás de saber como<br />

está isso, mas, por exemplo, no caso de<br />

o Niemeyer fazer, eu acredito que todos<br />

os outros arquitetos que querem fazer<br />

abririam mão para ter um equipamento<br />

do porte da Fonte Nova com a assinatura<br />

de Oscar Niemeyer. Isso vira ponto de<br />

visitação turística e isso está acima da<br />

manobra política, óbvio que vai tirar<br />

proveito disso, mas se trouxer um projeto<br />

de Niemeyer do tamanho que é a Fonte<br />

Nova a gente só tem a ganhar com isso.<br />

M – “A decoração entra quando a<br />

arquitetura falha”. Você falou essa frase?<br />

– É, falei (risos). Essa frase não é da<br />

minha autoria, quem falava isso era Lina<br />

Bo Bardi, se eu não me engano, que fez o<br />

Solar do Unhão, o Masp, a Casa do Benin,<br />

e eu concordo com isso. Quando se tem<br />

um projeto arquitetônico bem resolvido,<br />

inclusive eu uso isso nos meus projetos, se<br />

está bem resolvido não é a cor do sofá que<br />

vai deixar a casa bonita.<br />

M – Quais obras daqui de Salvador<br />

você acha que não cabe mais?<br />

– Eu acho que uma cidade do porte<br />

de Salvador tem que ter um Centro de<br />

Convenções bem estruturado até porque<br />

um nicho de mercado muito grande é o de<br />

turismo de negócio, e acho que o Centro de<br />

Convenções da Bahia é subdimensionado<br />

Divulgação<br />

A casa Quinta da Lagoa, no Condomínio Guarajuba, é uma das centenas que Quintela projetou nos últimos dez anos<br />

e subutilizado, o que não quer dizer que<br />

não é necessário. Eu acho que o Centro<br />

de Convenções não é bem resolvido<br />

arquitetonicamente, mas ele é necessário,<br />

então acho que merecia ter um Centro de<br />

Convenções melhor, um lugar para fazer<br />

eventos como tem que ser. Mas o poder<br />

público e a iniciativa privada deveriam dar<br />

um melhor uso a ele. Acabou virando um<br />

local para formatura, que agora nem isso<br />

pode mais. Então tem que se fazer um Centro<br />

de Convenções que atenda as demandas da<br />

vida moderna, que são feiras imobiliárias, de<br />

serviço, eventos turísticos. Agora, que é um<br />

equipamento ultrapassado, isso é.<br />

M – Fora a Fonte Nova, qual o projeto<br />

que você gostaria de fazer aqui em<br />

Salvador? Wagner falou que vai fazer um<br />

oceanário na região do Clube Português,<br />

que foi derrubado...<br />

– Pra mim é um absurdo não derrubar<br />

aquilo ali. Eu acho que é o que vai acontecer<br />

nas docas, eu queria fazer o projeto das<br />

docas, a Fonte Nova, a Copa do Mundo vem<br />

aí e vem o negócio do marketing, mídia...<br />

Além disso, eu gostaria de fazer uma igreja<br />

católica, eu fiz a revitalização do Gantois. •


<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008


36<br />

Cidade<br />

Paisagem em ruínas<br />

Briga entre poder público e mercado imobiliário prejudica a cidade<br />

Gabriela de Paula<br />

Dizem que gosto não se discute. Verdade.<br />

Mas mau gosto se lamenta, e muito.<br />

A preservação de verdadeiros monumentos<br />

à feiúra e à decadência e idéias de<br />

jerico para piorar o que já não é bonito<br />

tem sido motivo para muitas lamúrias<br />

dos soteropolitanos.<br />

Que o digam os moradores da Pituba<br />

e todos aqueles que foram obrigados<br />

a contemplar diariamente, por quatro<br />

anos, as ruínas do Clube Português com<br />

a bandeira do Movimento dos Sem-Teto<br />

flamejando. Inaugurada em 1963, a<br />

sede era freqüentada pela elite baiana,<br />

abrigando famosos bailes de carnaval.<br />

Nos anos 80, afundado em dívidas que<br />

passavam dos R$ 7 milhões, o clube iniciou<br />

sua decadência até fechar a portaria<br />

em 2001. O imóvel, um dos mais bem<br />

localizados de Salvador, passou para a<br />

Prefeitura como pagamento de impostos<br />

municipais pendurados.<br />

Hoje, não há nada de concreto por lá,<br />

nem do edifício, que virou pó, nem do que<br />

virá a ser o espaço, que ainda está no campo<br />

das idéias. O que há de mais objetivo é a<br />

definição de que, na área, a ciclovia vai passar<br />

pelo lado de dentro, perto do mar. E só.<br />

Pelo menos a idéia estapafúrdia de<br />

destinar o terreno de 22 mil m² para a<br />

construção de um hotel foi descartada<br />

depois de choro e ranger de dentes da<br />

opinião pública. No auge dos devaneios,<br />

a secretária de Planejamento de Salva-<br />

Em meio a entulhos de obras embargadas e o vazio de áreas urbanas abandonadas, Salvador perde sua beleza<br />

dor, Kátia Carmelo, chegou a falar que<br />

o edifício de 18 andares seria um marco<br />

arquitetônico para a orla de Salvador,<br />

com direito à realização de um concurso<br />

internacional para a escolha do monumento<br />

que estragaria a paisagem. Agora,<br />

é ponto pacífico que a área será destinada<br />

a um equipamento público, seja este<br />

uma praça de esportes ou um oceanário.<br />

A segunda proposta foi anunciada pelo<br />

governador Jaques Wagner, que quer um<br />

projeto do centenário arquiteto Oscar<br />

Niemeyer para o aquarião.<br />

A idéia agradou à Prefeitura. “Todos<br />

somos apaixonados pelas obras de Nie-<br />

Fotos: Coperphoto<br />

meyer e uma obra dele é um ganho arquitetônico<br />

para a cidade”, alegra-se Kátia<br />

Carmelo, que frisa que o lado arquiteta<br />

fala alto nessas horas.<br />

A secretária, que acumula o controle<br />

da Superintendência de Ordenamento e<br />

Controle do Uso do Solo (Sucom), reconhece<br />

que a implantação e, sobretudo, a<br />

manutenção de um oceanário está além<br />

do fôlego asmático dos cofres municipais.<br />

Por isso, afirma, não é possível discutir o<br />

projeto antes de conhecer os valores para<br />

contratação de biólogos e veterinários<br />

para tomarem conta de baleias, golfinhos,<br />

tubarões e tartarugas, além de toda


notas da <strong>Metrópole</strong><br />

a parafernália necessária para manter um<br />

oceanário em funcionamento.<br />

Para a secretária, uma das saídas seria<br />

tornar o equipamento auto-sustentável,<br />

com o aluguel de lojas, vendas de suvenires<br />

ou outras fontes de receita. Mas isso<br />

nem o Sea World, um dos maiores oceanários<br />

do mundo, localizado em San Diego,<br />

na Califórnia, consegue. Pra não entrar<br />

água na idéia do governador, espera-se<br />

agregar recursos da iniciativa privada<br />

àqueles vindos dos cofres estaduais e de<br />

organismos internacionais. Mas tudo isso,<br />

como já foi dito, está apenas no campo<br />

das idéias e, enquanto não se decide, a<br />

cidade continua vivendo com mais uma<br />

ruína a manchar a sua orla marítima.<br />

Arrogância<br />

O vice-presidente de futebol do<br />

Bahia, Rui Aciolli, com o espírito<br />

esportivo que o caracteriza, ainda<br />

no Barradão, após o Bavi que<br />

o Bahia bateu o Vitória por 2<br />

a 0, achincalhou o adversário,<br />

chamando o estádio rubronegro<br />

de “recreio dos tricolores”.<br />

Depois não sabe por que o<br />

Vitória se recusa a deixar que<br />

‘ex-quadrão’ de aço mande seus<br />

jogos no local, fazendo a torcida<br />

tricolor viajar mais de 100<br />

quilômetros até Feira de Santana<br />

para ver o time de maior torcida<br />

do estado jogar.<br />

Outro exemplo<br />

Inércia<br />

A diretoria do Bahia ainda não<br />

se mexeu, e ninguém sabe se vai<br />

se mexer, para tentar reduzir a<br />

punição imposta pelo STJD, que<br />

lhe tirou sete mandos de campo<br />

no Campeonato Brasileiro da<br />

Série B e ainda aplicou pesada<br />

multa em dinheiro. No final das<br />

contas, apenas o Bahia terminou<br />

sendo punido pelo episódio da<br />

Fonte Nova. <strong>Com</strong>o competência<br />

e agilidade não existem nas<br />

imediações do Fazendão (e<br />

parece que departamento<br />

jurídico também não), só o Bahia<br />

pagou o pato.<br />

Sem qualquer valor histórico, cultural,<br />

arquitetônico e muito menos estético,<br />

a antiga casa da família Wildberger é<br />

outro exemplo de desperdício. Construída<br />

na década de 30 do século passado,<br />

a mansão possui, segundo um parecer<br />

do historiador Cid Teixeira, um estilo<br />

colonial mexicano. Para os professores<br />

da Ufba Alejandra Muñoz e Luiz Alberto<br />

Ribeiro Freire, a construção é “inspirada<br />

na arquitetura medieval alemã, com exteriores<br />

evocando um jardim inglês”.<br />

Estilos à parte, o imóvel era um verdadeiro<br />

horror, pelo menos para quem o observava.<br />

Localizado nos fundos da Igreja da<br />

Por cima<br />

Bem ao seu estilo, o todopoderoso<br />

do Esporte Clube<br />

Bahia, Paulo Maracajá Pereira,<br />

tentou costurar, por cima, a<br />

liberação do Barradão para<br />

o tricolor (time sem-teto do<br />

futebol baiano) mandar seus<br />

jogos. Sem sequer comunicar<br />

aos diretores do Bahia, o<br />

“eterno” procurou o presidente<br />

do Conselho Deliberativo do<br />

Vitória, o deputado federal<br />

José Rocha (PR), e propôs um<br />

acordo. <strong>Com</strong>o, ao contrário de<br />

Maracajá, Rocha não responde<br />

sozinho pelo rubro-negro, teve<br />

que submeter a proposta aos<br />

demais dirigentes do Leão, que<br />

rejeitaram o acordo.<br />

Depois que<br />

os sem-teto<br />

saíram, nem<br />

prefeitura nem<br />

Estado sabem<br />

o que fazer<br />

com o Clube<br />

Português<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />

37


38<br />

Vitória, a casa era cercada por um muro alto<br />

de pedras, revestido por trepadeiras, sobre<br />

o qual só aparecia um telhado circular, qual<br />

uma torre baixa, que mais se assemelhava a<br />

um pombal. Sua muralha vegetal, além da<br />

feiúra da mansão, escondia também a vista<br />

para a Baía de Todos os Santos.<br />

A mansão, que já abrigou o Consulado<br />

da Áustria, vinha sendo alugada para<br />

festas, até que, em abril de 2003, foi<br />

vendida para as empresas MRM e Frank<br />

Empreendimentos, que apresentaram<br />

um projeto para a construção, no local,<br />

de duas torres gêmeas de trinta andares<br />

cada, que abrigariam apartamentos de<br />

alto luxo. Não deu pé.<br />

Assim que a idéia da construção dos<br />

arranha-céus surgiu, uma guerra jurídica,<br />

que colocou em lados opostos empresários<br />

e poderes públicos, começou. O Instituto<br />

do Patrimônio Histórico e Artístico<br />

Nacional (Iphan) acelerou o processo<br />

de Tombamento da Igreja da Vitória, que<br />

já havia sido indeferido em outras duas<br />

ocasiões: em 1950 e em 1989.<br />

Em 2005, o Iphan, conseguiu o tombamento<br />

provisório da igreja. “Em todos<br />

os casos de tombamento é definida uma<br />

área de entorno que fica protegida. A<br />

Mansão Wildberger inclusive”, explica<br />

Leonardo Falangola.<br />

Mas o que tombou mesmo foi a mansão.<br />

No dia 27 de janeiro de 2007, munidos<br />

de um alvará de demolição junto à<br />

Sucon, os empresários passaram o trator<br />

sobre a casa. “A mansão foi demolida<br />

ainda com todos os bens dentro, sem planejamento<br />

e de forma truculenta, num<br />

fim de semana”, afirma Falangola.<br />

Segundo ele, o “ato arbitrário das<br />

construtoras” é o principal motivo da<br />

suspensão das negociações entre os atuais<br />

proprietários do imóvel e o Iphan. O<br />

Fotos: Coperphoto<br />

Enquanto o<br />

Iphan briga com<br />

construtoras, os<br />

moradores da Vitória<br />

convivem com as<br />

ruínas da Mansão<br />

Wildberger<br />

grupo de empresários, entretanto, afirma<br />

que sempre agiu dentro da lei e que a<br />

demolição foi iniciada porque estavam<br />

calçados em documentos válidos.<br />

Enquanto segue a pendenga, os empresários<br />

pagam caro. O prejuízo é de<br />

milhões de reais (as cifras não são reveladas<br />

com exatidão), gastos com advogados<br />

e custos para refazer o projeto a fim de<br />

que o Iphan libere as empresas para que<br />

possam construir no local. Além disso, os<br />

quatro herdeiros da família Wildberger<br />

são sustentados pelo consórcio até que o<br />

prédio seja entregue, já que aquele era o<br />

último bem do antes abastado clã. O prejuízo<br />

indireto é inestimável com o atraso<br />

nas vendas. O primeiro desenho foi protocolado<br />

nos órgãos públicos na mesma<br />

época dos também luxuosos Morada dos<br />

Cardeais e Mansão Margarida Costa Pinto,<br />

ambos na Vitória e já habitados. Os<br />

empresários confessam que os pedidos de<br />

reserva já garantem 100% das vendas.<br />

O Iphan reconhece que o projeto atual,<br />

de uma torre com apartamentos de<br />

800 m2, já é um grande avanço em relação<br />

aos arranha-céus do projeto inicial,<br />

mas que os técnicos do órgão precisam<br />

avaliar se o empreendimento vai qualificar<br />

e valorizar o bem tombado e não<br />

competir visualmente com ele.<br />

Por outro lado, as duas empresas prometem<br />

uma série de benefícios em contrapartida<br />

à obra. Para poder vender cada<br />

um dos 35 apartamentos, elas propõem<br />

construir um centro social para a comunidade<br />

de Vila Brandão – invasão vizinha ao<br />

empreendimento –, um estacionamento e<br />

um pátio português ao lado da paróquia,<br />

melhorias no Largo da Vitória, além de<br />

doar 10% da área privada para a construção<br />

de um mirante público com vista para<br />

a Baía de Todos os Santos.<br />

Enquanto a pendenga perdura, o Largo<br />

da Vitória continua feio e decadente,<br />

com as ruínas da antiga mansão encoberta<br />

por tapumes. Da mesma forma,<br />

enquanto não se decide o que fazer com<br />

o terreno do antigo Clube Português, o<br />

local permanece como um grande descampado<br />

amorfo. E a cidade espera, inerte,<br />

por uma solução. •


Tom Tavares<br />

Acima da lei<br />

Um dos fenômenos mais irritantes, cotidianamente repetidos<br />

em solo brasileiro nos últimos anos, é o surgimento de uma nova<br />

categoria do Direito que coloca os praticantes de atos contra a ordem<br />

pública no rol dos inimputáveis. Assim, o noticiário se farta<br />

de informações sobre uma invasão aqui, um seqüestro acolá, um<br />

desrespeito às regras jurídicas mais adiante... Ou tudo isso conjuntamente.<br />

E a lei parece que não tá nem aí.<br />

No Pará, em 1992, o índio Paulinho Paiakan, com o prestimoso<br />

auxílio da sua mulher Irekran, estuprou uma cidadã brasileira,<br />

voltou para a sua tribo e lá ficou sem ser incomodado pela justiça.<br />

Está lá até hoje, livre e fagueiro. Em direção<br />

inversa, os bem-formados brasilienses<br />

assassinos do índio Galdino já estão gozando<br />

da mais ampla liberdade e bons empregos<br />

públicos. O juiz Lalau, que roubou<br />

o dinheiro da construção de um fórum,<br />

não ficou na cadeia. O jornalista Pimenta<br />

Neves, que assassinou covardemente a<br />

sua namorada com dois tiros pelas costas,<br />

nem lá chegou. Tudo vigora como se nada<br />

tivesse acontecido.<br />

As inúmeras invasões praticadas por<br />

diversos segmentos organizados em torno<br />

de ideários que, sempre, passam ao largo<br />

da jurisprudência proliferam de norte a<br />

sul. Promoveram até quebra-quebra no<br />

Congresso Nacional sem que um sequer<br />

dos que praticaram tal delinqüência tivesse<br />

recebido qualquer punição.<br />

No Rio Grande do Sul, uma empresa<br />

que desenvolve estudos no campo do agronegócio<br />

foi invadida e teve suas dependências<br />

depredadas, resultando numa baixa<br />

geral em todas as suas pesquisas. Quem<br />

pagou pelo crime? Ninguém.<br />

Há poucos dias, em Rondônia, os<br />

índios cintas-largas mantiveram em cárcere<br />

privado cinco pessoas - dentre elas<br />

um comissário da ONU - sob ameaça de morte caso não fossem<br />

atendidas as suas reivindicações. Ainda que a motivação pudesse<br />

ser considerada justa, o meio utilizado para atingir os objetivos,<br />

entretanto, se encontra no mesmo - ou pior - patamar dos procedimentos<br />

de gangues paramilitares, milícias criadas extra-oficialmente<br />

“para a manutenção da ordem”, e caçadores que fazem justiça com<br />

as próprias mãos. Não é muito diferente, também, da prática de<br />

alguns credores ao contratarem cobradores armados para ameaçar<br />

aqueles que se atrasam na quitação das suas dívidas.<br />

E o desrespeito não pára aí. Não adianta conseguir ordem de<br />

reintegração de posse. Eles - os novos<br />

inimputáveis - assenhoreiam-se e batem<br />

estaca, dando uma banana para os homens<br />

da lei.<br />

Que mistério será esse que os mantêm<br />

incólumes, ilesos, inatingíveis? Não estará<br />

no poder constituído alguma responsabilidade?<br />

Há pertinência nesta hipótese,<br />

sim. Afinal, nunca é demais lembrar que<br />

a mulher de um dos nossos ministros,<br />

depois de seqüestrada e roubada, cunhou<br />

a célebre descrição da personalidade dos<br />

marginais autores daquele crime: “Eles<br />

são gente fina!”. Entenderam bem? É isso<br />

aí: bandido é gente fina!<br />

Tudo isso vem acontecendo dia após<br />

dia, mês após mês, ao longo dos últimos<br />

anos no Brasil. O pacato cidadão desta<br />

terra está, cada vez mais, sujeito a ameaças,<br />

imposições, ações de determinados<br />

grupos que procedem de acordo com<br />

as suas próprias regras, agindo livre e<br />

impunemente, com a devida conivência<br />

das autoridades.<br />

Não nos enganemos. Lamentavelmente,<br />

prolifera uma nova casta na sociedade<br />

brasileira: a resoluta classe dos<br />

acima da lei. •<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008 39


40<br />

Paulo Zsazsa<br />

Quem vai morrer desidratado?<br />

Alguém vai morrer desidratado até o<br />

final do verão. Só resta adivinhar quem:<br />

Varela, ACM Neto, Imbassahy ou <strong>João</strong><br />

Henrique? Pode parecer trama de Sylvio<br />

de Abreu ou obsessão minha em falar do<br />

verão - muito compreensível pra quem<br />

está passando frio em Seattle. O fato,<br />

porém, é que nunca tivemos uma précampanha<br />

tão embolada, com quatro candidatos<br />

tecnicamente empatados: Varela,<br />

19%; <strong>João</strong> Henrique, 16%; ACM Neto,<br />

15%; Imbassahy, 12%.<br />

A pesquisa é antiga, feita pelo Instituto<br />

Datafolha em 26 e 29 de novembro<br />

de 2007. Na ocasião, os tucanos disseram<br />

que os números estavam errados e<br />

divulgaram o resultado de um tal Instituto<br />

Babesp. Imbassahy aparecia um pouco<br />

melhor, mas continuava todo mundo<br />

emboladinho. Não me recordo de uma<br />

pré-campanha tão acirrada em Salvador.<br />

Um empate técnico quádruplo.<br />

Alguém vai morrer desidratado até<br />

o final do verão. Só não me atrevo a<br />

dizer quem. Imbassahy ou ACM Neto?<br />

Varela ou <strong>João</strong> Henrique? A tendência<br />

é que um ou dois deles fique no meio<br />

do caminho. Afinal, ACM Neto e Imbassahy<br />

são da mesma costela carlista e<br />

teoricamente dividem boa parte desse<br />

capital. Já Varela e <strong>João</strong> Henrique seguem<br />

uma linha populista. O prefeito<br />

perdeu densidade na classe média e<br />

agora disputa o eleitorado de baixa<br />

renda com Varela.<br />

Na rabeira do Datafolha aparecem<br />

Nelson Pelegrino (3%) e Olívia Santana<br />

(1%), mais do que desidratados. E Lídice<br />

da Mata (9%) no seu patamar histórico.<br />

Na última edição da <strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong>,<br />

fiz o perfil de Lídice. Neste número,<br />

analiso o significado da derrota para cada<br />

candidato. Mais do que a perspectiva de<br />

vitória, cada um deles deve pensar bastante<br />

nos riscos que vai correr. Afinal,<br />

apenas um será eleito.<br />

<strong>João</strong> Henrique (risco alto) – Quem<br />

está no poder, com a caneta na mão, tem<br />

a obrigação de ir para o segundo turno.<br />

Por isso, apesar de todo o desgaste, <strong>João</strong><br />

Henrique é o principal favorito dessa eleição.<br />

E é com essa perspectiva que ele joga.<br />

Disputar um segundo turno, de preferência<br />

com ACM Neto, e aglutinar todos os demais<br />

<strong>partidos</strong> ao seu redor. Reeditar o tal<br />

“amplo arco de alianças”.<br />

O prefeito deve se pelar de medo de<br />

virar um novo Fernando José. Não ir<br />

para o segundo turno é o maior desastre.<br />

Perder a eleição, muito ruim também.<br />

Ele pode até se eleger deputado<br />

em 2010, mas dificilmente vai conseguir<br />

reeleger a mulher, o concunhado, o periquito<br />

e o papagaio.<br />

Raimundo Varela (risco altíssimo)<br />

– Por enquanto, falta a ele estrutura<br />

partidária e, conseqüentemente, tempo<br />

de TV e rádio na campanha. Se ganhar,<br />

Varela vira um novo Fernando José. Se<br />

perder, pode virar um desempregado.<br />

<strong>Com</strong> a saúde frágil, o apresentador da<br />

Rede Record pode sair da campanha<br />

“Quem está no poder, com a<br />

caneta na mão, tem a obrigação<br />

de ir para o segundo turno”<br />

eleitoral com a imagem bastante arranhada.<br />

Será que Bocão está disposto a<br />

guardar o lugar dele na TV Itapoan? Ou<br />

a cadeira de principal apresentador da<br />

casa vai estar ocupada?<br />

Antonio Imbassahy (risco alto) –<br />

O ex-prefeito de Salvador dava como<br />

certa a sua eleição para o Senado. Ficou<br />

em terceiro lugar. Agora, é um dos<br />

favoritos para o Thomé de Souza. Passou<br />

os últimos quatro anos preparando<br />

a grande volta. Se perder novamente<br />

poderá dar adeus à carreira política. É<br />

claro que pode tentar eleger-se deputado<br />

na próxima eleição, mas não será<br />

uma tarefa fácil. Vai ficar mais dois<br />

anos sem trabalhar?


notas da <strong>Metrópole</strong><br />

Exposição<br />

Reformado para abrigar o<br />

Museu Rodin, o Palacete<br />

Martins Catharino, na<br />

Graça, foi transformado pelo<br />

secretário da Cultura, Márcio<br />

Meireles, em outro museu.<br />

A obra acima, exposta bem<br />

na entrada do palacete, é um<br />

legítimo Chevrolet, da fase<br />

Corsa, assinado pelo grande<br />

artista GM.<br />

ACM Neto (risco calculado) - É um<br />

dos poucos que, mesmo perdendo a eleição,<br />

pode sair vitorioso. A candidatura<br />

do neto de ACM é uma questão de sobrevivência<br />

para o Democratas. Se tiver<br />

sangue frio, ACM Neto aproveitará a<br />

campanha para tirar o ranço de arrogância<br />

e velhice da sua imagem. <strong>Com</strong> certeza<br />

vai tomar muita porrada dos adversários.<br />

Se perder a cabeça, Neto pode piorar a<br />

sua imagem. Se mantiver a calma, tentará<br />

repetir a trajetória dos governadores Aécio<br />

Neves e Eduardo Campos, herdeiros<br />

de Tancredo e Miguel Arraes que, depois<br />

Superior?<br />

Quando começaram, as mais<br />

recentes faculdades particulares<br />

de Salvador agiram igual.<br />

Contrataram um sem número<br />

de mestres e doutores para que<br />

o Ministério da Educação visse<br />

nelas verdadeiros centros de<br />

excelência no ensino superior.<br />

Depois de estabelecidas e com<br />

os cursos reconhecidos pelo<br />

MEC, elas passaram o rodo em<br />

todo pessoal melhor qualificado.<br />

Jorge Amado, Fabac, FIB e FTC<br />

juntas demitiram mais de 400<br />

mestres e doutores nos últimos<br />

dois semestres, substituindoos<br />

por meros especialistas. O<br />

Ministério Público do Trabalho<br />

apura o caso.<br />

Ensinando<br />

Não é só a SET que dá mau<br />

exemplo, quando o assunto<br />

é trânsito. No Corredor da<br />

Vitória, o carro da auto-escola<br />

parou, sem qualquer cerimônia,<br />

em cima do passeio, que, a<br />

princípio, deveria ser exclusivo<br />

para os pedestres. O professor<br />

deixou o pisca-pisca ligado,<br />

como se isso aliviasse a infração<br />

cometida.<br />

de perderem a eleição para prefeito, conseguiram<br />

dar a volta por cima.<br />

Lídice da Mata (risco calculadíssimo) -<br />

Esta só tem a ganhar. Na pior das hipóteses,<br />

trabalha o nome para reeleição a deputada.<br />

Numa hipótese melhor, faz algum acordo<br />

que garanta apoio para uma candidatura ao<br />

Senado em 2010 e, de quebra, tenta eleger<br />

Domingos Leonelli deputado federal.<br />

Nelson Pelegrino (risco insistente)<br />

– Está forçando a barra para ser o<br />

candidato do PT. O grande prejuízo de<br />

uma derrota para Nelson Pelegrino é<br />

emocional. Ele não perde o mandato<br />

e pode se reeleger deputado federal na<br />

próxima eleição, mas vai sepultar o sonho<br />

de ser prefeito de Salvador.<br />

Olívia Santana (risco mais ou menos<br />

calculado) - A vereadora do PCdoB<br />

pode estar jogando fora a reeleição para<br />

a Câmara Municipal, mas certamente<br />

está de olho em 2010, quando pode<br />

herdar os eleitores do atual secretário<br />

estadual de Promoção da Igualdade, deputado<br />

federal Luiz Alberto. •<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />

41


42<br />

Carnaval<br />

R$ 800 mil jogados no mar<br />

O dia em que o prefeito evangélico proclamou seu amor a Iemanjá<br />

José Eduardo Ribeiro<br />

A Prefeitura de Salvador, através da Emtursa<br />

– Empresa de Turismo S/A, torrou R$ 800<br />

mil para uma festa de Iemanjá da qual pouca<br />

gente participou. A coincidência do carnaval<br />

com os festejos da Rainha do Mar, no dia 2 de<br />

fevereiro, resultou em uma programação especial<br />

desde a véspera (1º) até o dia seguinte (3).<br />

Cinco palcos alternativos foram montados<br />

em diferentes pontos do bairro com diversas<br />

atrações musicais, inclusive vertentes do axé,<br />

além de rock, samba e chorinho. Mas nesses<br />

locais o público foi mínimo em comparação<br />

com o alto investimento oficial.<br />

Enquanto se esbanjava com dinheiro público,<br />

fazendo uma decoração um tanto quanto<br />

bizarra – a escultura de metal do peixe pela<br />

metade é de um mal gosto assombroso, além<br />

da colocação de pequenos barcos em toscos pedaços<br />

de madeira – faltou dinheiro (minguados<br />

R$ 15 mil) para que os pescadores cumprissem<br />

o ritual de todos os anos para o presente a Iemanjá.<br />

O presidente da Colônia Z-1, Eulírio<br />

Menezes, diz que o orçamento da festa chega<br />

a R$ 45 mil, mas a Emtursa comprometeu-se<br />

a contribuir com R$ 15 mil.<br />

Os representantes da Colônia, responsáveis<br />

pelo presente, tiveram de penar, denunciar na<br />

imprensa e implorar para receber tal migalha.<br />

Sem o dinheiro para a festa, gestores da Colônia<br />

tiraram do próprio bolso o custeio dos<br />

300 balaios para abrigar as oferendas antes de<br />

partirem para o mar. Apesar disso, o próprio<br />

prefeito <strong>João</strong> Henrique, de profissão evangélica,<br />

entusiasmou-se com o que falaram alguns asses-<br />

Sobrou dinheiro para decoração, mas faltou para os pescadores levarem os presentes de Iemanjá<br />

sores, inclusive o presidente da Emtursa, Misael<br />

Tavares, sobre a grandiosidade (sic) desse evento,<br />

garantindo que no próximo ano tem mais.<br />

Abre-se uma polêmica: a coincidência de festa<br />

de Iemanjá com o carnaval, agora, só daqui há<br />

50 anos. <strong>Com</strong>o cumprir tal promessa?<br />

<strong>Com</strong> o intuito de revitalizar as manifestações<br />

culturais das festas populares de Salvador,<br />

o projeto da Emtursa para o Rio Vermelho<br />

ganhou até curadoria do compositor Carlinhos<br />

Brown, ele que protagonizou um dos<br />

caríssimos shows para um considerado público<br />

inexpressivo. Claro que com o timbaleiro<br />

havia mais gente, inclusive mais estrelas<br />

musicais no palco. O que não aconteceu,<br />

contudo, em apresentações como o desfile<br />

da Fobica em cima de um caminhão, acom-<br />

Dimitri Cerqueira<br />

panhada por menos de mil pessoas. À frente<br />

dessa pândega, o diretor de Festas Populares<br />

da Emtursa, Paulo Roberto Carvalho, era um<br />

dos mais animados foliões, puxando o cordão<br />

escatológico de uma festa grandiosa apenas na<br />

sua imaginação.Nesse delírio, a companhia<br />

constante do próprio presidente da Emtursa,<br />

Misael Tavares que deixou, inclusive o comando<br />

do Carnaval oficial, para brincar de<br />

devoto de Iemanjá.<br />

O grande público do Rio Vermelho no 2<br />

de fevereiro foi até ali, como faz todos os anos,<br />

para levar o presente a Iemanjá. Nunca para<br />

acompanhar os mais de 60 shows, arrastões<br />

e batucadas chancelados pelo dinheiro público.<br />

Pagou-se um preço muito alto para muito<br />

pouca repercussão. O presidente da Colônia


de Pescadores, Eulírio Menezes, diz que essa<br />

coincidência da festa com o carnaval é “um acidente”.<br />

Na opinião dele “não acontecerá mais, a<br />

não ser que seja o desejo do povo”. Para Eulírio,<br />

“Iemanjá é uma festa tradicional de respeito,<br />

conhecida no mundo todo. Este ano aceitamos<br />

porque foi feito pela liturgia”, assegura.<br />

A idéia de revitalizar as festas populares é<br />

boa. Em decadência estão as de Santa Bárbara,<br />

Santa Luzia, Conceição da Praia e Ribeira.<br />

Além da Lavagem do Bonfim e de festas pontuais,<br />

como a de Itapuã, as chamadas ”festas<br />

de largo” vêm sendo esvaziadas pela falta de<br />

segurança e pela total incompetência dos gestores<br />

públicos. No Rio Vermelho, as oferendas<br />

para Iemanjá – manifestação unicamente dos<br />

seguidores da religião afro-brasileira – sempre<br />

arrebanharam multidões. Baianos e turistas se<br />

juntam na reverência que os terreiros e casas<br />

de santo fazem à Rainha do Mar.<br />

Sempre houve muita festa, com a diversidade<br />

musical que só a criatividade baiana<br />

é capaz de criar. Isso, sem que uma prefeitura<br />

- que se diz sem grana e numa cidade<br />

onde falta quase tudo para a população mais<br />

pobre - investisse tantos recursos públicos<br />

numa farra sem público. •<br />

“A escultura de metal do<br />

peixe pela metade é de um<br />

mal gosto assombroso”<br />

evanDro BranDão<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />

43


44<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> – Tão dizendo por aí<br />

que o senhor está para mudar de sobrenome, de<br />

Pelegrino para Peregrino. Já que faz tempo que<br />

o senhor peregrina no caminho para a prefeitura<br />

de Salvador e nunca chega. É verdade?<br />

Nelson Pelegrino – Olha, eu acho que a<br />

persistência faz parte de uma das qualidades<br />

dos seres humanos. O presidente Lula foi<br />

eleito na quarta e eu estou nessa mesma<br />

esperança. E, como ele, esta será a minha<br />

quarta vez. O povo de Salvador vai reconhecer<br />

que o nosso projeto é o melhor para cidade.<br />

E se tiver que aplicar o termo andarilho para<br />

chegar à Prefeitura, estou disposto a andar<br />

para chegar ao Palácio Thomé de Souza.<br />

M – É verdade que, no Natal, o senhor<br />

não colocou o Pinheiro na sala?<br />

– Não, pelo contrário, eu sou um cara<br />

cristão. E como o Cristão, agente arruma o<br />

pinheiro, bota as bolinhas, bota os enfeites,<br />

bota as estrelinhas piscando, entendeu? E,<br />

no dia seguinte, a gente vai lá pra poder<br />

esperar o presente. Então eu estou esperando<br />

até agora o presente do Pinheiro.<br />

M – Qual a barba mais bem-feita: a do<br />

senhor, a do Pinheiro, a do Wagner, a do<br />

Lula ou a de Imbassahy?<br />

– Bom aí tem que ser por ordem de<br />

importância. Certamente a barba do<br />

presidente é a mais bem-feita, depois a do<br />

governador e depois a minha.<br />

M – Todo mundo fazendo barba, cabelo<br />

e bigode...<br />

– Claro, como está na moda agora...<br />

Aliás, eu estava vendo umas fotos minhas<br />

antigas, do tempo do momento estudantil,<br />

depois deputado estadual. Eu tinha uma<br />

barba muito malfeita, era uma barba grande,<br />

preta. Do preto eu ainda tenho saudade.<br />

Sinuca<br />

de bico<br />

com Nelson Pelegrino<br />

O importunado da vez foi o deputado federal Nelson Pelegrino, do PT. “Pelego”, como é carinhosamente chamado<br />

por amigos e jocosamente por adversários, respondeu as nossas perguntinhas espinhosas “de boa”. Dentre vários<br />

assuntos, o prefeiturável respondeu a questionamentos sobre sua insistência em chegar ao Palácio Thomé de Souza,<br />

as obras do metrô e o gosto pela bebedeira do governador do Estado e do presidente da República. Depois de<br />

dizer que Lula e Wagner não bebem muito, e que nunca os viu bêbados, Pelego ainda teve tempo de contar como<br />

perdeu sua virgindade: como a maioria dos jovens de sua época, com uma prostituta, nos bancos de um Chevette.<br />

M – Pelego na gíria política significa<br />

capacho de alguém ou de algum grupo político.<br />

É coincidência o senhor ter esse apelido?<br />

– Mas não é nesse sentido. Esta é a forma<br />

que alguns poucos carinhosamente me<br />

chamam. Mas todo mundo sabe que eu tenho<br />

uma tradição grande de combatividade, de<br />

advogado de sindicato, de militante político.<br />

Aí nesse caso o apelido não se aplica, não faz<br />

jus à personalidade.<br />

M – Nós sabemos que o senhor aprontou<br />

muito na época da faculdade, na juventude...<br />

– Está tudo prescrito, tudo prescrito. Eu<br />

sou um homem regenerado e o passado está<br />

todo prescrito.<br />

M – O senhor chegou a fumar maconha<br />

na época da faculdade?<br />

– Não, é claro que não.<br />

M – E o que o senhor acha da<br />

descriminalização das drogas?<br />

– Depende do que você chame de<br />

drogas...<br />

M – Maconha, no caso...<br />

– Eu acho que é um debate que se faz<br />

hoje na sociedade. Eu não tenho uma posição<br />

fechada sobre isso. É aquela discussão do<br />

álcool. O álcool na minha opinião faz mais<br />

mal do que a maconha. Incapacita, mata,<br />

gera impotência, é fonte de desagregação, faz<br />

com que as pessoas pratiquem acidentes de<br />

trabalho... E é uma droga lícita.<br />

M – Mas falando em álcool, o senhor faz<br />

parte do campo majoritário do PT, ou seja, da<br />

ala cachacista, ou é do campo minoritário?<br />

– Rapaz, eu até admiro, mas eu tenho<br />

um problema grave, eu tenho pouca<br />

tolerância a álcool.<br />

M – O senhor que conhece de perto,<br />

quem é que bebe mais, o presidente Lula ou<br />

o governador Wagner?<br />

– Essa é uma matéria que eu sou um<br />

desconhecedor.<br />

M – Mas pela convivência não dá pra<br />

perceber quem é que gosta mais de um goró?<br />

– Eu conheço os dois há muitos anos,<br />

há quase trinta anos, e eu nunca vi os dois<br />

exagerar.<br />

M – Quando o senhor perdeu a virgindade?<br />

Foi com uma namorada, ou já foi quando<br />

casou?<br />

– <strong>Com</strong>o todos da minha época, foi com<br />

uma das moças que faziam as “caridades”...<br />

M – O senhor lembra em que brega foi?<br />

– Não, não foi nesses estabelecimentos,<br />

não. Foi no Chevette mesmo.<br />

M – Quanto foi que o senhor pagou, lembra?<br />

– Nem lembro qual foi a moeda da<br />

época. E eu era estudante, apresentei até<br />

carteirinha.<br />

M - Pagou meia, então?<br />

– (risos) •<br />

Divulgação


<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008


46<br />

Índ i g o<br />

Álbum de<br />

família<br />

– Quem é essa?<br />

– Sei lá...<br />

– Parece a tia Nazareth.<br />

– Nada a ver...<br />

– Então, deve ser a Neide.<br />

– Mas a Neide nunca foi magra...<br />

Ô mãããe! Vem cá!<br />

– Mãe, quem é essa moça?<br />

– Eu...<br />

– A senhora?!<br />

– Eu tinha dezoito anos.<br />

– Sério?<br />

– Tem certeza, mãe?<br />

– Claro que tenho! Sou eu. Perguntem pro<br />

seu pai, se não acreditam...<br />

– Ô paaai!<br />

– Pai, quem é essa moça loira aqui do seu<br />

lado?<br />

– Ô louco! Onde vocês encontraram isso?<br />

– Quem é, pai?<br />

– Não lembro...<br />

– É a mãe?<br />

– Não... Não é sua mãe, não...<br />

– Ô mãããe! O pai falou que não é a<br />

senhora, não!<br />

– Me dá isso aqui!<br />

– Calma, mãe...<br />

– Zé, olha direito! Quem é essa?<br />

– Ah, bem... Não lembro...<br />

– Sou eu!<br />

– Você?! Acho que não, querida...<br />

– Chega! Me dá esse negócio aqui!<br />

– Ah, lembrei! Aquela lá era a Berenice...<br />

– Que Berenice, pai?<br />

– A Berenice. Foi uma namorada. Linda!<br />

Um estouro! Morreu novinha. Acidente<br />

de carro... Até me lembro do enterro. Eu<br />

era muito amigo do irmão dela...<br />

– Que Berenice, Zé!? Sou eu!!!<br />

–Filha, pega lá o álbum de novo, por<br />

favor.<br />

– Olha aí, Zé! Era a varanda lá de casa...<br />

Olha aqui o vô Eurico...<br />

– Que esse é o vô Eurico eu tô vendo...<br />

– Então! Só pode ser eu...<br />

– Tá, mãe... A gente acredita...<br />

– Deixa pra lá, mãe...<br />

– É, meninas. Melhor guardar esse<br />

negócio...<br />

– É, mãe, esquece. Foi mal.<br />

– Desculpa, mãe...<br />

– Ô, mãe... Também não precisa ficar com<br />

essa cara, né? •


<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008 47


48<br />

Cagadas da SET<br />

A SET, definitivamente, não<br />

tem critérios na condução<br />

do tumultuado trânsito de<br />

Salvador. Veja alguns exemplos:<br />

Passarela<br />

Essa não é nem culpa da SET,<br />

mas é ela quem está pagando<br />

o pato pela incapacidade<br />

da Prefeitura de recuperar<br />

um pedaço da passarela que<br />

liga o G Barbosa ao Detran,<br />

na Avenida Antônio Carlos<br />

Magalhães. Interditada desde<br />

que um caminhão guincho<br />

atingiu parte de sua estrutura,<br />

há mais de um mês, a passarela<br />

até hoje não foi recuperada.<br />

Uma sinaleira foi instalada<br />

no local “provisoriamente”, o<br />

que está provocando imensos<br />

engarrafamentos que têm início<br />

ainda na Avenida Mário Leal<br />

Ferreira, a popular Bonocô.<br />

Sucessão<br />

Deixando a boquinha<br />

<strong>Com</strong> a aproximação da eleição, <strong>João</strong> Henrique perde aliados<br />

Luíza Torres<br />

A sucessão de Salvador está cada vez<br />

mais confusa e <strong>João</strong> Henrique (PMDB),<br />

que pretende se reeleger, está cada dia com<br />

menos apoio político. Após chegar à prefeitura<br />

com mais de 70% dos votos e de ter<br />

ao seu lado mais de dez <strong>partidos</strong>, o prefeito<br />

assiste, à medida que se aproxima o fim de<br />

seu mandato, seus aliados debandarem da<br />

administração municipal. O primeiro foi<br />

o PCdoB, que lançou a vereadora Olívia<br />

Santana como candidata a prefeita, quando<br />

a sigla ainda fazia parte da gestão do município<br />

e comandava a Secretaria Educação.<br />

Logo depois foi a vez do PDT, partido que<br />

elegeu o prefeito e que estava insatisfeito<br />

com a forma que estava sendo tratado por<br />

<strong>João</strong> Henrique – no último dia 13, o partido<br />

foi obrigado pela executiva nacional a voltar<br />

para a base de apoio ao prefeito.<br />

Outras legendas, como o PSDB (partido<br />

que indicou o vice na chapa que elegeu<br />

<strong>João</strong> Henrique, mas que depois da adesão<br />

do ex-carlista Antônio Imbassahy passou<br />

a acreditar que pode conquistar a cadeira<br />

do prefeito neste ano) e o PV também<br />

pularam do barco. O PT, apesar de indeciso,<br />

é o único que ainda não abandonou<br />

o prefeito, mas pode se mandar também a<br />

qualquer momento, pois quadros importantes<br />

do partido, como o deputado federal<br />

Nelson Pelegrino e o secretário estadual de<br />

Promoção da Igualdade, Luiz Alberto, já<br />

anunciaram que têm o desejo de concorrer<br />

ao Thomé de Souza este ano.<br />

Cada vez mais isolado,<br />

<strong>João</strong> pode ficar apenas com<br />

um jegue por companhia<br />

O mais novo partido a deixar a administração<br />

foi PSB, partido da deputada federal<br />

e ex-prefeita de Salvador Lídice da Mata,<br />

que também pretende se lançar candidata<br />

à prefeitura concorrendo diretamente contra<br />

o ex-aliado <strong>João</strong> Henrique. Depois de<br />

1.138 dias participando da administração<br />

municipal, onde comandava secretarias e<br />

FernanDo vivas/agênCia a tarDe<br />

órgãos, os socialistas tomaram a decisão<br />

de abandonar a prefeitura no dia 12 de<br />

fevereiro, após uma plenária no Hotel da<br />

Bahia que reuniu integrantes dos diretórios<br />

Municipal e Estadual da legenda. Por 33<br />

votos a favor e 12 contra, os socialistas<br />

aprovaram a saída da gestão municipal.<br />

Segundo Lídice, o motivo maior do rom-


Alô, alô<br />

O serviço de teleatendimento<br />

da SET, que pode ser acionado<br />

através do telefone 118, até<br />

que funciona. Sempre solícitos,<br />

os atendentes tomam nota<br />

das queixas dos usuários e<br />

prometem encaminhar as<br />

reclamações. É exatamente<br />

neste ponto que a coisa<br />

emperra. Um pedido feito,<br />

ainda no período das férias<br />

escolares, pela direção da Escola<br />

Pequenópolis (Graça), para que<br />

fosse substituída uma placa de<br />

trânsito quebrada, localizada<br />

em frente ao estabelecimento de<br />

ensino, até o fechamento desta<br />

edição não havia sido atendido.<br />

pimento foi a maneira pouco democrática<br />

com que o prefeito tem conduzido a cidade,<br />

a exemplo da aprovação do Plano Diretor<br />

de Desenvolvimento Urbano (PDDU). “O<br />

prefeito é um homem honrado, mas temos<br />

projetos políticos diferentes”.<br />

O secretário Estadual de Turismo, Domingos<br />

Leonelli, que durante dois anos foi<br />

secretário de Emprego e Renda de <strong>João</strong><br />

Henrique, foi mais duro ao falar da relação<br />

do PSB com a prefeitura. “Não fomos<br />

nós que rompemos, o prefeito rompeu primeiro<br />

conosco quando nos convidou para<br />

sair porque éramos contra ao PDDU”. De<br />

acordo com ele, o partido agora assumirá<br />

uma posição independente. Não fará oposição<br />

radicalizada.<br />

Antes da reunião que decidiu pela saída<br />

do PSB da gestão municipal os ânimos<br />

estavam acirrados entre os integrantes da<br />

legenda. Alguns até chegaram a acusar a<br />

deputada Lídice da Mata de impor a sua<br />

opinião, exigindo que votassem a favor<br />

da saída. Um dos membros da Executiva<br />

Municipal dos socialistas, Elísio Santana,<br />

afirmou que por apoiar a continuidade no<br />

governo municipal estava sendo acusado de<br />

estar interessado em cargos. “Eu só acho que<br />

não podemos tomar decisões precipitadas.<br />

Este é um momento delicado e deveríamos<br />

dialogar mais com o prefeito <strong>João</strong> Henrique.<br />

Agora, após três anos, iremos sair? Por que<br />

estas situações não foram revistas antes?”<br />

O secretário municipal de Emprego<br />

e Renda, Paulo Mascarenhas, presidente<br />

municipal do PSB, também defendia<br />

a manutenção do apoio. De acordo com<br />

ele, mesmo após o partido ter votado na<br />

Câmara Municipal contra o PDDU e de<br />

ter anunciado que teria candidato próprio,<br />

a relação com o prefeito era a melhor possível.<br />

Mascarenhas afirmou que era a favor<br />

da continuidade com o governo municipal<br />

De novo!<br />

Na edição passada publicamos a<br />

foto da viatura 046 da SET, onde<br />

o agente trafegava com o braço<br />

para fora do carro. O alerta sobre<br />

o desrespeito à Lei do Trânsito<br />

por quem deveria fiscalizá-la<br />

não surtiu efeito na autarquia<br />

municipal. No dia 26 de janeiro,<br />

às 15h41, esse agente foi flagrado,<br />

no Vale dos Barris, cometendo a<br />

mesma infração, que aos mortais<br />

custa multa de R$ 85,13 e quatro<br />

pontos na carteira de motorista.<br />

porque o PSB havia assumido um compromisso<br />

com a administração e que por isso<br />

tinha que permanecer.<br />

Agora, Paulo Mascarenhas e os demais<br />

integrantes do PSB que ocupam algum cargo<br />

na prefeitura serão obrigados a devolvêlos.<br />

O secretário pediu demissão ao prefeito<br />

assim que saiu o resultado da votação, entregando<br />

ao gestor um documento explicando<br />

a sua saída. “Infelizmente não era o que eu<br />

queria, mas tenho que seguir a decisão do<br />

meu partido”, explica Mascarenhas.<br />

Acusações<br />

Coperphoto<br />

Depois de 1.138 dias, o PSB de Lídice foi para a oposição<br />

O vereador Celso Cotrim, líder do PSB<br />

na Câmara Municipal, foi o que mais demonstrou<br />

insatisfação com a gestão de <strong>João</strong><br />

Henrique. Ele acusou o prefeito de tentar<br />

cooptar integrantes da legenda prometendo<br />

cargos na prefeitura para que o PSB<br />

não deixasse de apoiar a administração.<br />

“Frustraram-se todas as possibilidades de<br />

Blitz<br />

Que as blitze que a SET<br />

promove na cidade, são mais<br />

do que necessárias para tirar de<br />

circulação veículos irregulares.<br />

O que é perfeitamento<br />

dispensável é provocar<br />

engarrafamentos, como o<br />

que aconteceu no último dia<br />

16 na Avenida Centenário,<br />

quando a SET resolveu fechar<br />

metade pista, no sentido Barra,<br />

para proceder o trabalho de<br />

fiscalização. Menos de 10<br />

metros antes da barreira, existe<br />

a entrada da Rua Professor<br />

Martagão Gesteira, que corre<br />

paralela à avenida e para onde<br />

poderiam ter sido direcionados<br />

os veículos a serem fiscalizados.<br />

que este governo seja realmente de participação<br />

popular. O PDDU é um exemplo do<br />

descaso com o pobre e com a classe média.<br />

<strong>João</strong> Henrique passou por cima de todos<br />

para aprovar este projeto”, revolta-se.<br />

Na avaliação de Cotrim, que até a tramitação<br />

da matéria do PDDU sempre<br />

esteve ao lado do prefeito, as políticas sociais<br />

de <strong>João</strong> Henrique são um fracasso.<br />

“Este governo não tem nada de bom. Até<br />

os programas sociais que eles encontraram<br />

destruíram, foi o caso do Cidade Mãe. <strong>João</strong><br />

Henrique está destruindo a cidade e causando<br />

prejuízo aos cidadãos. Ou JH está<br />

sendo enganado pelo seu secretariado ou<br />

está enganando o povo e fechando os olhos<br />

para a sua administração fracassada”.<br />

O vereador também foi enfático ao falar<br />

da relação do prefeito com lideranças<br />

políticas e com o próprio secretariado. De<br />

acordo com ele, <strong>João</strong> Henrique não costuma<br />

conversar com os seus aliados e exonera<br />

secretários de forma desrespeitosa. “Uma<br />

pessoa dessa é perigosíssima. Se ele trata<br />

as pessoas que o apóiam desta maneira,<br />

restando apenas oito meses para as eleições,<br />

imagine o que não fará se for reeleito. Será<br />

um déspota [tirano, opressor, que governa<br />

com autoridade absoluta]. Se eu fosse<br />

Geddel [ministro da Integração Nacional]<br />

teria cuidado com <strong>João</strong> Henrique, porque<br />

se o prefeito se reeleger tentará passar por<br />

cima dele”, previne.<br />

Rancores de neo-opositores à parte,<br />

o fato é que o prefeito está cada vez<br />

mais isolado em seu próprio partido, o<br />

PMDB, para disputar a reeleição. Resta<br />

saber se os <strong>partidos</strong> que até recentemente<br />

faziam parte da base do prefeito farão<br />

campanha espinafrando a administração<br />

municipal que eles próprios ajudaram a<br />

fazer e se a população saberá identificar<br />

isso no dia da eleição. •<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />

49


50<br />

Malu Fontes<br />

Por que o brasileiro adora a Kombi?<br />

O sonho de consumo de qualquer brasileiro<br />

que não tenha tido a sorte de nascer<br />

economicamente privilegiado continua sendo<br />

a dobradinha casa própria e carro. Há alguns<br />

anos, antes da privatização das teles, o kit incluía<br />

também um telefone residencial fixo.<br />

Hoje ninguém de bom senso sai por aí dizendo<br />

que sonha com um telefone. Já o sonho da<br />

casa e do carro permanece.<br />

Entretanto, coisa rara deve ser encontrar<br />

um sujeito que deseje que esse veículo sonhado,<br />

quando se materializar, venha sob a<br />

forma de uma Kombi. Quem já foi obrigado a<br />

fazer um trajeto um pouco mais compridinho<br />

numa delas, sobretudo se usou os bancos mais<br />

ao fundo, deve saber que mais desconfortável<br />

que isso só mesmo andar sobre um jegue abaixo<br />

do sol do meio-dia na caatinga.<br />

Mas o fato é que a Kombi é um case de sucesso<br />

absoluto no Brasil. A Volkswagen anuncia<br />

aos quatro ventos o privilégio dado aos brasileiros:<br />

o Brasil é o único país do mundo que<br />

ainda fabrica o modelo. Ao falar do assunto, a<br />

direção da montadora no Brasil adota aquelas<br />

estratégias de marketing capazes de transformar<br />

merda em ouro, com o perdão da escatologia.<br />

Fala-se do assunto como se o resto do mundo<br />

que não tem mais o “privilégio” de comprar<br />

um exemplar do veículo não soubesse o que<br />

está perdendo.<br />

Recentemente, em um dos programas<br />

clássicos do colunismo social televisivo, o de<br />

Amaury Júnior, um dos managers da VW<br />

anunciava com sotaque alemão e ar solene<br />

o quanto é impressionante “o caso de amor<br />

que o brasileiro tem com a Kombi”. Num<br />

arroubo, anunciou: “o brasileiro ADORA<br />

Kombi”. Pena o brasileiro não ter pelas pes-<br />

Ao falar sobre a<br />

Kombi, a Volkswagen<br />

adota aquelas<br />

estratégias de<br />

marketing capazes de<br />

transformar merda<br />

em ouro<br />

quisas ignóbeis o mesmo pendor que têm os<br />

americanos, que fazem centenas delas até mesmo<br />

para descobrir o impacto dos perfumes<br />

femininos sobre o comportamento sexual dos<br />

besouros de médio porte na primavera do<br />

hemisfério norte. A montadora vai além e diz<br />

que já tentou de tudo para parar de produzir<br />

o carro aqui, mas o mercado e o consumidor<br />

brasileiros não deixam.<br />

Ao se ouvir os elogios da VW ao veículo<br />

e aos brasileiros por gostarem tanto dele, é<br />

impossível não lembrar outro caso típico de<br />

transformação de merda em ouro. Há algum<br />

tempo a revista “Carta Capital” fez uma matéria<br />

de capa contrapondo o império econômico<br />

do clã dos Sarney no Maranhão e os miseráveis<br />

indicadores sociais e de renda da população<br />

maranhense, sobretudo nas zonas rurais.<br />

Questionado sobre a desigualdade social<br />

que leva cerca de 80% dos moradores rurais<br />

a ainda viverem em casas cobertas de palha e<br />

muitas vezes feitas de pau-a-pique, o senador<br />

José Sarney, sempre com aquele cavalheirismo<br />

bigodudo tranqüilo de quem toma um chá<br />

na Academia Brasileira de Letras, não pensou<br />

duas vezes e justificou essa modalidade de<br />

moradia com algo do tipo: meu filho, morar<br />

nessas casas cobertas de palha não é uma questão<br />

de pobreza, é uma questão de costume da<br />

população. Ou seja, os maranhenses pobres da<br />

zona rural moram mal, infestados por barbeiros<br />

e morcegos, por uma simples questão de<br />

apego a aspectos culturais. Vivem assim, em<br />

outras palavras, porque gostam.<br />

Em vez de se dizer que os níveis de exigência<br />

do consumidor brasileiro são tão medianos<br />

e frouxos que fazem com que ele seja o único<br />

povo do mundo a comprar uma Kombi,<br />

anuncia-se o inverso: o veículo só é produzido<br />

aqui para atender um desejo da população,<br />

que, por razões culturais, como o pendor dos<br />

maranhenses pelas casas de taipa e palha, adoram<br />

a geringonça. •


<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008


52<br />

Enchendo<br />

Mãe Stella<br />

candomblé<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> – A senhora que combate o sincretismo religioso,<br />

confesse para a gente: em época de Páscoa a senhora não dá nem uma<br />

beliscadinha num ovo de chocolate?<br />

– Meu filho, se isso acontece, eu sou a última.<br />

Toda religião tem sincretismo. Não existe aquela<br />

religião pura, que só professa aquilo. Mesmo<br />

porque, na hora de todo mundo organizar sua<br />

casa pra saber o que deve fazer de mais concreto,<br />

evidente que viu que na casa do vizinho botam<br />

a roseira do lado esquerdo, eu acho que fica boa ali também, eu<br />

ponho ali... Isso não que dizer quer não estou tomando a idéia do<br />

vizinho, nem tô absorvendo pra mim. Estou fazendo uma coisa<br />

que junta as outras, só faz crescer, entendeu? Percebeu? (E você,<br />

leitor, entendeu?)<br />

M – <strong>Com</strong> tanta gente ruim comandando a nossa política, a senhora<br />

colocaria o nome de quem na boca do sapo?<br />

– Rapaz, isso não. Sabe o que eu faria? Eu botava os bons<br />

e os ruins todos e pedia inspiração ao orixá que eles dessem<br />

pensamentos positivos e idéias maravilhosas pra deixar todos<br />

felizes e eles também ficarem felizes.<br />

M – A senhora, como filha de Oxóssi, o orixá caçador, já fez muitas<br />

caçadas na juventude?<br />

– (risos) Ó rapaz, todo ser quando está moço, não é? Quando<br />

está na juventude faz mil caçadas, não é isso?<br />

M – A senhora se divertiu muito então, não é?<br />

– Bastante. Não tenho arrependimento. Por isso que eu não<br />

sou essas velhas <strong>cheia</strong>s de complexo, nem nada disso. Porque tudo<br />

que o jovem poderia fazer eu fiz! E não fui prejudicada com nada,<br />

nem prejudiquei ninguém.<br />

José Medrado<br />

kardecista<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> – Você se parece muito com<br />

Marcos Medrado, vocês são irmãos?<br />

– Não, Marcos Medrado é primo de meu<br />

pai. É meu parente, mas não próximo. A família<br />

Medrado é uma família só. Meu bisavô teve 48<br />

filhos.<br />

M – <strong>Com</strong>o médium, e tendo uma visão além das pessoas normais,<br />

você consegue enxergar muita coisa com o seu terceiro olho?<br />

– Não, não existe terceiro olho, não. Você poderia falar do<br />

shakra frontal. Então a gente pode ver uma visão normal, além do<br />

que é comum.<br />

M – <strong>Com</strong>o funciona o repasse dos direitos autorais para espíritos<br />

desencarnados? O Lucius, pelo que eu sei, nunca recebeu nem um<br />

centavo de Zíbia Gasparetto.<br />

– Olha, no caso de Zíbia, a família dela tem recebido todos,<br />

porque ela não tem nem obra social. Mas já houve uma ação da<br />

família de Humberto de Campos contra Chico Xavier querendo<br />

os direitos autorais das obras de Humberto de Campos que ele<br />

recebeu. Houve isso na década de 40 e terminou não dando em<br />

nada e o espírito deixou de psicografar com o nome Humberto de<br />

Campos pra utilizar o nome de Irmão X.<br />

*Enchemos o saco também de Frei Ronaldo, pároco da<br />

Igreja de Santo Antônio Além do Carmo, mas o clérigo não<br />

compareceu ao encontro marcado com o nosso fotógrafo e,<br />

nesta coluna, sem foto não existe opinião.


o saco<br />

Shaunaka<br />

hare krishna<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> – Os hare krishnas crêem<br />

que todos podem reencarnar como seres mais<br />

evoluídos ou menos evoluídos. Podemos até<br />

voltar à vida como insetos ou outros animais.<br />

Se o Lula morresse hoje, o senhor acha que ele<br />

reencarnaria em que animal?<br />

– Eu acho que ele nasceria como uma<br />

águia, viu? Por que ele voa bem alto, ele voa bastante e gosta de<br />

voar muito. Acho que ainda está pra nascer um presidente que voe<br />

mais do que o Lula.<br />

M – Ser vegetariano (os hare não comem carne) não equivale a<br />

levar a namorada para trás da moita e comer a moita?<br />

– <strong>Com</strong>er a moita? Não, porque os vegetarianos também<br />

comem a namorada, né? (risos) E comem a moita também (mais<br />

risos). Nós também fazemos... Krishna diz que ele é o “sexo<br />

autorizado”, né? O problema é a gente saber lidar. A questão é<br />

essa, nós praticamos o princípio do vegetarianismo pra adquirir<br />

uma qualidade chamada misericórdia. É uma orientação védica<br />

pra nós.<br />

M – A gente tem o hábito de matar insetos. Se você visse uma<br />

barata na sua casa e soubesse, por alguma revelação, que se trata de<br />

uma figura do tipo Adolf Hitler, você não dava uma olhadinha pro<br />

lado pra ver se Krishna tava distraído e dava um pisão na danada?<br />

– Tem um ditado que diz assim, na cultura védica: “Não pise<br />

nessa mosca que ela pode ser a alma da sua avó”. Então nós temos<br />

um grande problema com isso mesmo. Mas na Índia, no geral<br />

o hindu é a favor da pena de morte, então a gente condenaria o<br />

Hitler à pena de morte sem vacilar, né? Porque nós acreditamos<br />

que ele vai nascer barata muitas vezes (risos).<br />

<strong>Com</strong> a Páscoa se aproximando,<br />

resolvemos mexer no sagrado e<br />

fomos buscar respostas para as<br />

nossas perguntas mais cretinas<br />

ouvindo os representantes das<br />

religiões praticadas por aqui.<br />

Antes que você bote o ovo na<br />

boca, reflita sobre o que diz seu<br />

guia espiritual. *<br />

Dom Roberto<br />

Igreja Católica<br />

do Brasil<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> – O Papa Bento XVI<br />

veste Prada. É a marca do sapato dele. O senhor<br />

considera o papa um homem de bom gosto?<br />

– Eita pergunta capciosa danada, rapaz.<br />

Se eu lhe disser que até o diabo veste Prada,<br />

não é?... Não tem um filme que diz assim?<br />

Pois é. Não, eu acho que usar Prada é um<br />

sinal de bom gosto, né?<br />

M – O diabo tem bom gosto também?<br />

– Eu acredito que sim. (risos)<br />

M – O fogão tem quatro bocas, mas não vai a Roma. O senhor se<br />

considera com gás suficiente para viver independentemente de Bento<br />

XVI?<br />

– <strong>Com</strong> certeza. Olhe, Bento XVI é o chefe de uma Igreja,<br />

e nós vivemos numa outra Igreja, que é também católica, pois<br />

conserva a fé católica, mas tem ritos e pensamentos diferentes.<br />

Não é a mesma coisa. Se fosse, não tinha necessidade de existir.<br />

Porque pra nós o celibato não é obrigatório. Pra nós o casamento<br />

não é indissolúvel. Há uma segunda oportunidade. Desfeito um<br />

casamento, você pode celebrar um outro. Não mais do que outro,<br />

porque senão vai ficar parecendo Elizabeth Taylor, casando e<br />

descasando toda hora. (risos)<br />

M – Mário Kertész, por exemplo, casou várias vezes. Ele seria<br />

aceito na Igreja Católica Independente?<br />

– Veja só, se meu amigo Mário Kertész não casou apenas por<br />

casar, mas casou na busca de encontrar uma companheira pra<br />

ele, e não a encontrou nunca, tudo bem. Agora eu não acho bom<br />

assim casar muitas vezes. Senão cai na graça. Não dizem que a<br />

primeira é graça, a segunda é chalaça e a terceira é desgraça? Pois<br />

é. Eu acho que exagerar, não. Hoje eu celebro muito casamento<br />

de solteiros, mas também celebro, de quando em vez, casamento<br />

de divorciados. E faria o casamento de meu amigo Mário Kertész<br />

sim, se ele me garantisse que essa seria a última (risos). •<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - janeiro de 2008<br />

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Má R i o Ke R t é s z<br />

A grande<br />

viagem<br />

<strong>Com</strong>ecei a trabalhar em um livro sobre<br />

momentos e coisas que tenho vivido.<br />

Não sei nem se o publicarei. Não vejo<br />

nenhuma importância em experiências<br />

vividas por mim, iguais às de milhões<br />

de outras pessoas. Agora, confesso que<br />

o ato de escrevê-las está sendo uma experiência<br />

deliciosa. Voltar no tempo,<br />

lembrar de coisas esquecidas, momentos<br />

bons e ruins é uma viagem.<br />

E que viagem!<br />

Esta viagem não tem um roteiro<br />

definido. A memória vai e vem. Uma<br />

lembrança puxa outra. Um momento<br />

se relaciona com outro. Parece aquela<br />

história que, dizem, quando estamos<br />

morrendo a vida passa como um filme<br />

projetado em nossas mentes nos<br />

momentos finais. Aqui o filme é um<br />

longuíssima-metragem.<br />

Voltei à casa dos meus pais. A escola<br />

primária na Sociedade Israelita<br />

da Bahia, e depois no Colégio Dois<br />

de Julho, onde segui até a faculdade.<br />

Amigos daquela época, muitos<br />

dos quais são amigos até hoje.<br />

Minha mãe, Violeta, falecida precocemente<br />

aos 49 anos, doce, delicada, a<br />

pessoa que mais amou a vida que eu<br />

conheci. Meu pai, Jorge, inteligente,<br />

educador rígido e carinhoso, de quem<br />

herdei a cabeça complicada. Minha avó<br />

Raquel, figura incrível e avançadíssima<br />

para sua época. Fumava, jogava pôquer<br />

com meu pai e seus amigos, falava palavrão<br />

e era de uma sinceridade desconcertante.<br />

Minhas primas Pérola e Judith, meu<br />

tio Solon, meus primos Fernando, Janos<br />

e Peter. Tias Elvira e Clara. Meus amores.<br />

Quantas paixões eu vivi. Poxa, quantas<br />

mulheres eu amei e por elas fui amado.<br />

Outras vezes abandonado, traído, assim<br />

como abandonei e traí. Alzira, mãe de<br />

meu filho Sérgio, e Eliana, companheira<br />

de 18 anos e mãe de quatro dos meus<br />

filhos. Meus irmãos Carlos e Eduardo.<br />

Grandes amigos e parceiros. Eduardo<br />

se foi prematuramente e a saudade é<br />

enorme. <strong>Com</strong>o eles foram importantes<br />

para mim. Carlos até hoje é. Depois<br />

apareceram Valter, irmão de criação e<br />

um enorme amor. Gilberto e Geraldo<br />

foram revelados como irmãos depois,<br />

mas sempre estiveram próximos.<br />

Meus filhos. Ah, estes - Sergio, Maria<br />

Eduarda, Marcelo, Mariana e Chico -<br />

são a verdadeira razão da minha vida.<br />

Agora os netos. Eduardo, que leva o<br />

nome do meu irmão, Carolina, Ana e<br />

Maria. São meus filhos renovados, meu<br />

amor também renovado. Que sensação<br />

maravilhosa! Estive presente em cada<br />

parto dos meus filhos e dos meus netos.<br />

Montanhas de lágrimas de alegria e de<br />

emoção derramadas.<br />

Meus trabalhos: com que alegria,<br />

vigor, luta e desgastes eu os enfrentei,<br />

sorvi e aprendi. Meu mestre Luís Sande,<br />

minha experiência rica ao lado de<br />

Antonio Carlos Magalhães, muitas vezes<br />

amigo, muitas vezes feroz inimigo. As<br />

viagens, morar no exterior. Buscar guardar<br />

na cabeça aquilo que nunca poderia<br />

ser arrancado de você, como me ensinou<br />

meu pai, estimulando-me a estudar<br />

sempre e mais.<br />

Quanta lembrança, quanta saudade e<br />

quanta alegria por ter vivido esta vida!<br />

Em cada momento destes, uma música e<br />

um perfume. O aqui e agora também são<br />

revisados. Amo meu trabalho. Às vezes<br />

exagero na força da minha luta. Sou um<br />

combatente. Nem sempre da melhor forma<br />

ou mesmo na melhor luta. Procuro<br />

reconhecer meus erros. Não é fácil, mas<br />

tento. Vou levando. Momentos bons e<br />

ruins se alternam. É assim para todos.<br />

Então, esta história de escrever um livro<br />

está servindo para esta viagem. É como<br />

se eu pudesse reviver, literalmente, tantos<br />

e tantos momentos.<br />

E, acreditem, estou conseguindo. •


<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008

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