Com a barriga cheia, partidos abandonam João ... - Revista Metrópole
Com a barriga cheia, partidos abandonam João ... - Revista Metrópole Com a barriga cheia, partidos abandonam João ... - Revista Metrópole
Segurança Violência dispara e derruba secretário Sucessão Com a barriga cheia, partidos abandonam João Henrique Enchendo o Saco Aproveitamos a quaresma para azucrinar os clérigos
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Segurança<br />
Violência dispara e<br />
derruba secretário<br />
Sucessão<br />
<strong>Com</strong> a <strong>barriga</strong> <strong>cheia</strong>, <strong>partidos</strong><br />
<strong>abandonam</strong> <strong>João</strong> Henrique<br />
Enchendo o Saco<br />
Aproveitamos a quaresma<br />
para azucrinar os clérigos
Índice capa<br />
Pagando pra<br />
tocar uma 04<br />
Zona dos prazeres<br />
Prezado editor,<br />
Acabei de ler a vossa edição de n° 8.<br />
Gostei muito de saber que existe<br />
uma revista que fala da cidade onde<br />
praticamente moro (moro em Lauro<br />
de Freitas), das coisas da cidade, da<br />
política, as curiosidades e assim por<br />
diante. Tenho 61 anos de idade, nascido<br />
na Cidade de São Sebastião do Rio<br />
Janeiro. Porém, no começo da década<br />
de 60, meu pai militar veio servir aqui<br />
na Bahia. Em 1964, por exemplo, eu<br />
com 18 anos freqüentei o 63, o 73,<br />
o Tabaris, o Rumba Dancing, todos<br />
os bregas e casas de dança, tipo Boite<br />
Porto (depois Saionara) na Praça Cayrú,<br />
a que a matéria se refere. E havia algo<br />
de particular em mim: eu era - e sou<br />
até hoje - pianista e tocava dando canja<br />
nestas casas todas! Então a vossa matéria<br />
rememorou a excelente música que se<br />
praticava nestas casas.<br />
Antônio A. Andrade Pinto Coelho<br />
Senhor editor,<br />
Lamentável o linguajar da matéria<br />
“Zona dos Prazeres” e “Alô Som”.<br />
Apesar de ser uma revista diferente e<br />
interessante, pecou nesse quesito. E<br />
sem necessidade. Existem termos para<br />
serem usados em conversa de botequim<br />
ou entre amigos, mas nunca em uma<br />
publicação que pretende ser de nível.<br />
Luiz Carrera<br />
especial segurança<br />
Salve-se<br />
quem puder 11<br />
literatura<br />
Picuinha<br />
que rima 20<br />
roda baiana<br />
Carnaval: vagas<br />
impressões 24<br />
Cartas<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />
PDDU<br />
Senhor Editor,<br />
Estive em Salvador nestas férias de<br />
verão e ganhei um exemplar da revista.<br />
Fiquei surpreso. <strong>Com</strong> vários artigos<br />
interessantes e uma linguagem direta<br />
e crítica sobre assuntos de interesse<br />
dos que moram na cidade, como por<br />
exemplo o da aprovação do PDDU<br />
na Câmara. Adicionada de entrevistas<br />
tanto bem-humoradas como mais sérias,<br />
conforme o entrevistado, a revista se<br />
mostra de uma leitura agradabilíssima<br />
e diferente das revistas padrão. Daqui<br />
mando um forte abraço e ficarei<br />
acompanhando as novas edições por<br />
meio digital.<br />
Marcello Abreu<br />
Júri popular<br />
Mário,<br />
Excelente, sob todos os aspectos,<br />
a matéria de Elieser César<br />
(“Ninguém pra julgar”), sobre um<br />
tema tão importante e complexo.<br />
Sem dúvida, após a matéria, com<br />
informações extraordinárias, o Júri<br />
Popular despertará a curiosidade<br />
da população, levando-a a ficar<br />
“atenta” a uma instituição tão antiga<br />
e importantíssima. Eu não sabia, por<br />
exemplo, que só existem duas Varas do<br />
Júri em Salvador. Parabéns!<br />
Verônica Sabat<br />
obras<br />
Emergência? 26<br />
cidade<br />
Paisagem<br />
em ruínas 36<br />
carnaval<br />
R$ 800 mil<br />
jogados no mar 42<br />
sinuca de bico<br />
com Pelegrino 44<br />
Sr. Mário,<br />
Coloque em circulação um Jornal da<br />
<strong>Metrópole</strong>. Sou leitor da revista desde<br />
o número um, textos bons aliados a<br />
diagramação bonita fazem dela uma<br />
ótima opção de leitura. Parabéns a<br />
equipe. Mas o Grupo <strong>Metrópole</strong> pode<br />
ir mais longe, colocando em circulação<br />
um jornal moderno e atrativo. Os jornais<br />
que existem hoje na cidade não dão<br />
nem para ler. Acredito que um Jornal<br />
<strong>Metrópole</strong> poderia ocupar essa lacuna.<br />
Marcelo Campos<br />
Caros,<br />
Estou adorando a revista <strong>Metrópole</strong>. No<br />
seu conjunto, quero dizer, no seu todo,<br />
a proposta é muito legal! O editorial,<br />
totalmente despojado e sem rodeios,<br />
chamou minha atenção. São raros os<br />
periódicos voltados para os assuntos da<br />
cidade, principalmente em Salvador,<br />
não é mesmo? Estive aí no ano passado<br />
e procurei revistas por todo lado, mas<br />
não achei nenhuma revista local de<br />
qualidade. Parabéns.<br />
Virgínia Radon<br />
índigo<br />
Álbum de<br />
família 46<br />
sucessão<br />
Deixando a<br />
boquinha 48<br />
enchendo o saco<br />
Bulimos com os<br />
sacerdotes 52<br />
E-mails com críticas, sugestões e<br />
elogios devem ser encaminhados<br />
para revistametropole@ksz.com.br.<br />
Por questão de espaço,<br />
eventualmente não publicaremos na<br />
íntegra as mensagens recebidas.
metrópole<br />
entrevista<br />
Sidney Quintela 30<br />
fucs fucs<br />
Pingue-pongue<br />
sexual com a<br />
Drª Gilda Fucs 25<br />
olhos da cara<br />
Nossa seção<br />
de consumismo<br />
inútil 47<br />
É a nossa cor?<br />
artigos<br />
Alexandre<br />
Soares Silva<br />
Mal na fita 09<br />
Antonio Risério<br />
Ainda sobre italianos<br />
na Bahia 10<br />
Renato<br />
Pinheiro<br />
Xô, Maracajá!<br />
Desinfeta! 23<br />
Juliana Cunha<br />
<strong>Com</strong>o falar dos livros<br />
que não lemos? 28<br />
Tom Tavares<br />
Acima da lei 39<br />
Paulo Zsazsa<br />
Quem vai morrer<br />
desidratado? 40<br />
Vamos deixar de hipocrisia e encarar um problema que atinge a todos nós, que é a execrável<br />
mentalidade racista e preconceituosa que nos acompanha desde os tempos nefastos da escravidão.<br />
O racismo, por mais que conscientemente o rejeitemos, está arraigado no subconsciente de nosso<br />
povo, seja naqueles que o praticam, seja naqueles que dele são vítimas. Deixemos também de lado<br />
esse papo de que no Brasil existe mais preconceito social que racial e que vivemos uma democracia<br />
racial, linda e feliz. O preconceito racial aqui é cruel, pois é velado. Não se escancara como nos<br />
Estados Unidos, outro país que, como o Brasil, adotou a escravidão de negros até o século 19 e onde<br />
a discriminação era legalizada até pouco mais de 40 anos atrás.<br />
Os jovens negros, passados 120 anos do fim legal da escravidão, ainda hoje figuram nas listas dos<br />
assassinados, dos marginalizados (ver matéria especial sobre segurança pública nesta edição). São<br />
maioria nas prisões, entre os desempregados e entre aqueles que dependem do salário mínimo. No<br />
Brasil, são negros 65% dos pobres e 70% dos indigentes. Esses números bastariam para evidenciar<br />
que alguma coisa ficou errada em toda essa história. Não houve reparação ao mal causado pela<br />
escravidão e seus reflexos se estendem por mais de um século.<br />
Calcado nesses fatos e indicadores e tentando corrigi-los, desde 2000 tramita no Congresso<br />
Nacional o Estatuto da Igualdade Racial, de autoria do senador negro-mestiço gaúcho Paulo Paim<br />
(PT). Já aprovado no Senado, o estatuto aguarda há anos na Câmara pela sua votação definitiva.<br />
Mas seria ele a solução para o racismo que existe no país ou ele seria um fator a ampliá-lo?<br />
Segundo o estatuto, a cor ou raça dos brasileiros deverá aparecer obrigatoriamente em todos os documentos<br />
utilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e em todos os registros administrativos direcionados<br />
aos empregadores e aos trabalhadores do setor privado e do setor público. A definição racial, que há muito<br />
já havia sido riscada do nosso convívio, volta a aparecer com toda a força institucional do estatuto.<br />
Outro ponto polêmico, entre tantos existentes no estatuto, está em seu artigo 27, que afirma ser<br />
permitido aos praticantes de religiões africanas e afro-indígenas ausentar-se do trabalho durante<br />
as celebrações de seus cultos e preceitos. Aos iniciados no candomblé, por exemplo, está liberada a<br />
folga do batente durante o período da camarinha.<br />
Será que essas e outras “compensações” propostas pelo estatuto não ferem a cláusula pétrea de<br />
nossa Constituição, que afirma serem todos iguais perante a lei, independentemente de raça, cor,<br />
opção sexual ou condição social?<br />
Há quem alegue que a aprovação do estatuto seria a transposição para o Brasil - um país eminentemente<br />
mestiço, onde negros puros são tão raros quanto brancos e índios puros - da realidade<br />
vivida nos Estados Unidos, país cujo racismo ainda é prática legalizada e a segregação racial era<br />
institucional até bem pouco tempo. “O problema não está no modo brasileiro de relacionamentos<br />
inter-raciais, mas na ausência de uma política adequada a essa realidade. A luta não pode ser contra<br />
a mestiçagem e seu vigor sociocultural”, define de forma clara e muito bem embasada o nosso conselheiro<br />
editorial, Antonio Risério, em seu mais recente livro, “A utopia brasileira e os movimentos<br />
negros” (Editora 34), leitura obrigatória para quem tem interesse pelo tema.<br />
Seja como for, a discussão sobre o Estatuto da Igualdade Racial e a forma com que esse instrumento<br />
pode interferir no convívio sociocultural da Nação é fundamental, principalmente para os<br />
habitantes de Salvador, cidade conhecida como a “Roma Negra do Ocidente”. E é nessa ferida que a<br />
<strong>Metrópole</strong> pretende meter o dedo em breve. Vamos abordar o racismo, a mestiçagem e o Estatuto da<br />
Igualdade Racial discutindo ao nosso estilo – com franqueza e sem pudores politicamente corretos.<br />
Até lá, divirta-se com mais uma edição de <strong>Metrópole</strong>.<br />
Malu Fontes<br />
Por que o brasileiro<br />
adora a Kombi? 50<br />
Mário Kertész<br />
A grande viagem 54<br />
Expediente<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong><br />
Uma publicação da Editora KSZ<br />
Publisher Mário Kertész<br />
Diretor-Executivo Chico Kertész<br />
Conselho Editorial André Ferraro,<br />
Humberto Sampaio e Marcelo Kertész<br />
Redator-Chefe Humberto Sampaio (RZ<br />
<strong>Com</strong>unicação)<br />
Redação James Martins, <strong>João</strong> Gabriel<br />
Galdea, Luana Rocha e Nardele Gomes<br />
Colaboradores Alexandre Soares Silva,<br />
Antonio Risério, Elieser Cesar, Gabriela de<br />
Paula, Gilda Fucs, José Eduardo Ribeiro,<br />
Juliana Cunha, Luiza Torres, Malu<br />
Fontes, Paulo Zsazsa, Renato Pinheiro,<br />
Tom Tavares e ouvintes da <strong>Metrópole</strong> FM<br />
Projeto Gráfico Marcelo Kertész<br />
Diagramação Dimitri Cerqueira<br />
Ilustrações Allan Sieber, Flávio Luiz,<br />
Guilherme Kramer, Luísa Ritter, Marcelo<br />
d´Salete, Pedro Mariguella, Rômulo<br />
Eduardo e Thiago Queiroz<br />
Produção Marcos Antonio Cruz<br />
Produção Gráfica Evandro Brandão<br />
Fotos Valter Pontes (Coperphoto) e<br />
divulgação<br />
Revisão Marta Escaleira<br />
<strong>Metrópole</strong> - Rua Conde Pereira<br />
Carneiro, 226 - Pernambués<br />
CEP 41.100-010 - Salvador - BA<br />
Tel.: (71) 3460-8500<br />
www.revistametropole.com.br<br />
E-mail: revistametropole@ksz.com.br<br />
Os artigos e matérias assinados não<br />
expressam necessariamente a opinião do<br />
Grupo <strong>Metrópole</strong>.
4<br />
Capa<br />
Pagando pra tocar uma<br />
<strong>Com</strong>um nas rádios, a prática imoral do jabá contribui para o declínio da MPB<br />
Luana Rocha<br />
- O que exatamente você quer, Luana?<br />
- Tocar a música para divulgar o DJ<br />
- respondo naturalmente como se estivesse<br />
solicitando a um garçom<br />
uma cerveja gelada.<br />
- Ah, isso é muito mais fácil,<br />
basta fechar um contrato e eu consigo<br />
pra você.<br />
O diálogo acima foi travado<br />
com Marcelão, coordenador de<br />
programação e apresentador da<br />
Rádio Transamérica FM de Salvador,<br />
e foi resultado de uma tentativa<br />
simples: bastou uma única ida<br />
à rádio e algumas ligações para,<br />
pela considerável quantia de R$<br />
3,5 mil, a Transamérica inserir<br />
na sua programação a faixa musical<br />
“Sometimes”, do fictício DJ<br />
Shadow, duas vezes por dia, de<br />
segunda a sexta, durante um mês<br />
- não sabemos se após a publicação<br />
dessa matéria o nosso sucesso<br />
continuará tocando.<br />
O que Marcelão fez não é exclusividade<br />
da Transamérica. Há<br />
muito a prática é comum na maioria<br />
esmagadora das emissoras de rádio e<br />
TV brasileiras e atende pelo nome de<br />
jabaculê, ou simplesmente jabá.<br />
O jabá é o nome dado ao dinheiro que<br />
as gravadoras ou artistas independentes<br />
pagam às emissoras para que sua música<br />
toque nas rádios e TVs. De acordo com<br />
o radialista, pesquisador, compositor e<br />
professor da Escola de Música da Ufba,<br />
Tom Tavares, a prática, que ele considera<br />
execrável, passou a ganhar maior forma no<br />
Brasil a partir da segunda metade década<br />
Por R$ 3,5 mil mensais,<br />
a Transamérica FM<br />
faz um hit acontecer<br />
de 60. “Isso foi crescendo a ponto de nos<br />
dias de hoje ser quase impossível um artista<br />
ser executado em algum lugar sem o<br />
pagamento”, conta.<br />
A programação da Rádio Transamérica<br />
funciona da seguinte forma: de 9 às 11h<br />
e de 14 às 18h são músicas, grande parte<br />
paga, como o próprio funcionário do setor<br />
financeiro afirmou quando questionei qual<br />
música estava tocando no momento em<br />
que estava lá. “Não sei, essas músicas são<br />
todas pagas mesmo”, disse. A naturalidade<br />
da ação assusta. Basta ter dinheiro que a<br />
música toca na rádio.<br />
Na Transamérica, a inocência<br />
e a inexperiência da reportagem<br />
nesta espécie de transação fizeram<br />
a solicitação ganhar um ar rebuscado<br />
quando, na verdade, tudo<br />
é muito simples. Basta chegar à<br />
emissora e falar: “Quero pagar<br />
para colocar uma música minha no<br />
ar”. Não importa se sua música é<br />
uma porcaria - o que não foi nosso<br />
caso. Aliás, segundo a diretora da<br />
rádio, Inês Almeida, há uma ressalva<br />
de honra: pagode não entra<br />
de jeito nenhum na programação<br />
da emissora.<br />
Inês, braços curtos e sorriso<br />
largo no rosto, tem motivos de<br />
sobra para comemorar os rendimentos<br />
pós-carnavalescos. Durante<br />
o período da folia momesca, a<br />
Transamérica fecha pacotes com<br />
grandes grupos de carnavalescos.<br />
Então, as produtoras que cuidam de vários<br />
artistas garantem que as suas músicas de<br />
seus representado toquem incessantemente<br />
na rádio. Inês contou ainda que, em uma<br />
dessas “levas” de dinheiro do carnaval o<br />
transportador da grana foi assaltado. “Levaram<br />
R$ 50 mil do dinheiro que havíamos<br />
ganhado com as bandas do carnaval”, conta<br />
Coperphoto
notas da <strong>Metrópole</strong><br />
A cultura e a Facom<br />
O secretário da Cultura,<br />
Márcio Meireles, nega o<br />
aparelhamento da Secult por<br />
professores do Programa de<br />
Pós-graduação em Cultura<br />
e Sociedade da Faculdade<br />
de <strong>Com</strong>unicação da UFBa<br />
(Facom), que é comandado<br />
pelo professor Albino Rubin.<br />
Mas Gizele Naussbaumer,<br />
diretora da Fundação<br />
Cultural, e Ângela Andrade,<br />
superintendente de Cultura,<br />
são alguns discípulos de Albino<br />
que atuam na Secult. Agora,<br />
com certo ar de indignação. No carnaval,<br />
bandas novas e pobres, com certeza, não<br />
tiveram espaço nesse mundo dos endinheirados<br />
que rege a rádio que tem como slogan<br />
“Só o que você quer ouvir”.<br />
Ao encontrar com a diretora da rádio<br />
para fechar o negócio, logo na segunda frase<br />
do diálogo, ela já me adiantou que a rádio<br />
trabalhava mediante pagamento adiantado<br />
e à vista, mas alertou, didaticamente, que<br />
isso não poderia ser considerado como<br />
jabá. “Nós estamos divulgando seu produto<br />
para que ele passe a ser conhecido”.<br />
E para o artista “passar a ser conhecido”<br />
basta ter bala na agulha e escolher quantas<br />
vezes a música vai martelar na mente dos<br />
ouvintes. Para uma inserção diária R$ 1.5<br />
mil, duas vezes R$ 3.5mil, três vezes R$ 5<br />
mil e quatro vezes R$ 6.5 mil e ninguém<br />
mais esquece a “melhor canção de todos os<br />
tempos da última semana”.<br />
Concessão pública<br />
A didática apresentada por Inês Almeida<br />
não deve ser tão naturalizada. As<br />
emissoras de rádio e TV são concessões<br />
públicas. Ou seja, para transmitir um<br />
programa as emissoras precisam de uma<br />
autorização do Estado. O artigo 21 da<br />
Constituição Federal confirma isso:<br />
“<strong>Com</strong>pete à União (...) explorar, diretamente<br />
ou mediante autorização, concessão<br />
ou permissão (...) os serviços de<br />
radiodifusão sonora e de sons e imagens”.<br />
As emissoras de rádio recebem concessão<br />
por 10 anos e não prestam contas a ninguém<br />
- nem à população, nem ao Estado<br />
- daquilo que fazem. “Quando alguém<br />
recebe uma concessão pública ele aceita<br />
termos contratuais e para completar o<br />
poder constituído tem medo de enfrentar<br />
a mídia e vira essa bagunça no Brasil”,<br />
afirma Tom Tavares.<br />
o próprio mestre começa a<br />
participar diretamente da<br />
Secult como vice-presidente do<br />
Conselho Estadual de Cultura,<br />
que tem como titular outro<br />
faconiano, o professor e exdeputado<br />
Emiliano José.<br />
Me dê motivo<br />
Se o juiz Cássio Miranda, da 1ª<br />
Vara do Júri de Salvador, ligasse<br />
para a <strong>Metrópole</strong> pedindo para<br />
dedicar uma canção para a<br />
promotora Armênia Cristina,<br />
responsável pelo inquérito que<br />
apura a morte do servidor da<br />
Secretaria Municipal de Saúde,<br />
assassinado nas dependências da<br />
secretaria em janeiro de 2007,<br />
fatalmente escolheria “Me dê<br />
motivo”, de Tim Maia.<br />
Segundo o advogado Rodrigo Moraes,<br />
especialista em direito autoral, o fato das<br />
rádios serem concessões públicas as obrigam<br />
a manter uma função social. “Apesar<br />
de ser uma empresa que tem como objetivo<br />
ganhar dinheiro, tem que existir a função<br />
social do veículo. Não se pode tratar<br />
a rádio como uma loja de departamentos<br />
onde quem paga mais leva”. No Brasil,<br />
ainda de acordo com Moraes, a situação<br />
se agrava porque o processo de concessão<br />
de emissoras de rádio e TV está intrinsecamente<br />
ligada aos políticos. “A forma<br />
como as concessões são feitas é terrível.<br />
Os donos dos meios de comunicação são,<br />
geralmente, igrejas e políticos que exercem<br />
mandato eletivo e no período de renovação<br />
da concessão estão em exercício”.<br />
Um caso clássico jabazeiro aconteceu<br />
com o próprio ministro da Cultura, Gilberto<br />
Gil, que hoje é um ferrenho opo-<br />
Laptop<br />
Pense bem. Se você tem um<br />
laptop com informações sigilosas<br />
que valem bilhões, você o<br />
deixaria sozinho, dentro de um<br />
container de um navio, ou o<br />
carregaria consigo? A resposta<br />
parece óbvia para qualquer<br />
pessoa com pelo menos dois<br />
neurônios ativos. Ao que parece,<br />
a Petrobras não pensa como<br />
qualquer um.<br />
sitor à prática. Na época que Gil era do<br />
casting da gravadora Philips, o principal<br />
executivo da empresa, o francês André<br />
Midani, pagou jabá para as emissoras<br />
de rádio tocar as músicas do baiano. Se<br />
isso foi um fator preponderante para<br />
o sucesso posterior do ministro não se<br />
pode afirmar, mas prova que a prática<br />
é antiga nas terras tupiniquins.<br />
Agora a pergunta: será que a música<br />
brasileira não estaria num patamar de qualidade<br />
bem melhor se o gosto musical fosse<br />
ditado apenas pela opinião dos ouvintes e<br />
não pela cifras pagas às rádios? A resposta<br />
parece óbvia e leva à reflexão sobre quanta<br />
porcaria temos ouvido nos últimos anos e<br />
quanta coisa boa deixamos de escutar por<br />
causa do jabá e dos jabazeiros.<br />
Ainda segundo Tom Tavares, a Lei<br />
Geral das Telecomunicações não cita<br />
nada diretamente sobre o jabá, mas fala<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />
5
6<br />
a respeito da democratização dos meios<br />
de comunicação. “Os veículos de comunicação<br />
têm que divulgar um painel amplo<br />
e devem contemplar todas as tendências<br />
musicais, o que não acontece quando o<br />
jabá entra em ação”.<br />
Ao me apresentar à pessoa responsável<br />
pelo setor financeiro da Transamérica FM,<br />
Inês foi logo demonstrando a intenção de<br />
manter um contrato longo com a “assessora<br />
do DJ”. É o business. Afinal, segundo Inês,<br />
basta fechar um contrato que qualquer um<br />
pode tocar quantas músicas quiser. O contrato<br />
jabazeiro prevê também um “brinde”.<br />
Quando um artista encaixa uma música<br />
na programação da rádio ele tem direito a<br />
gravar uma vinheta de apresentação anunciando<br />
o seu produto.<br />
Segundo Tom Tavares, na Bahia praticamente<br />
todas as rádios aumentam sua renda<br />
com a cobrança de “mídia”. A ação, porque<br />
não dizer descarada, das emissoras de rádio<br />
baianas traz à reflexão um outro assunto:<br />
até que ponto as músicas de axé executadas<br />
até a exaustão no período pré–carnavalesco<br />
equivalem, de fato, ao gosto da população?<br />
De tão massificada, devido ao pagamento<br />
antecipado, as pessoas acabam gostando<br />
“naturalmente” da música. Então, a população<br />
que crê na idoneidade dos meios<br />
de comunicação - pesquisa recente revelou<br />
que 64% dos brasileiros acreditam que a<br />
mídia é a instituição mais confiável - aceita<br />
determinada música como a “canção do<br />
carnaval de 2008” ou “a música mais pedida<br />
por todos os ouvintes”.<br />
Insatisfeita com a facilidade encontrada<br />
na Transamérica, a reportagem procurou<br />
uma outra emissora. Dessa vez, de posse<br />
de um CD de axé music da também fictícia<br />
banda “Água de Cheiro” e a música<br />
“Volta”, fomos verificar a “disponibilidade”<br />
da Rádio Itapuã FM em executar a canção.<br />
Foi muito simples também.<br />
Na Rádio Itapuã, a primeira rádio FM<br />
de Salvador, além do pagamento em dinheiro,<br />
o jabá pode ser cobrado em forma<br />
Dimitri Cerqueira<br />
Nosso fictício DJ<br />
Shadow (na verdade<br />
o estudante <strong>João</strong><br />
Gabriel) está<br />
bombando na rádio<br />
que toca “só o que<br />
você quer ouvir”<br />
de brindes aos ouvintes. Na emissora, o<br />
contato foi feito com Tony Oliveira, responsável<br />
pelo setor de promoções e eventos<br />
da rádio. O preço do jabá na Itapuã é um<br />
pouco mais salgado. Para duas inserções<br />
diárias, durante um mês, o valor cobrado<br />
é R$ 4 mil. Porém, a música tocará todos<br />
os dias da semana. Existe também um pacote<br />
especial para os fins de semana. São<br />
duas execuções no sábado e no domingo,<br />
no período compreendido entre as sete da<br />
manhã e as sete da noite, por R$ 1,5 mil.<br />
Se a grana estiver curta, a Itapuã oferece<br />
um serviço de permuta de acordo com a necessidade<br />
da rádio no momento. Tony exemplificou<br />
para a reportagem um caso de uma<br />
pessoa que produzia VTs, e desejava inserir a<br />
música. Pronto. Uniu-se o útil ao agradável.<br />
A rádio encomendou um VT promocional<br />
e a música passou a ser executada na emissora.<br />
Vale também uma troca de brindes. Se<br />
o “produtor da banda” desejar permutar a<br />
inserção musical por uma geladeira ou um<br />
fogão, por exemplo, também vale. Tudo para<br />
ficar ao gosto do freguês.<br />
Lei antijabá<br />
Existe atualmente um Projeto de Lei<br />
em tramitação no Congresso Nacional -<br />
(PL) nº 1048/03 -, de autoria do deputado<br />
Fernando Ferro (PT-PE), que prevê a<br />
proibição da cobrança do jabá. O PL está<br />
na <strong>Com</strong>issão de Constituição e Justiça da<br />
Câmara dos Deputados. De acordo com o<br />
deputado, existe legislação de outros países<br />
sobre o assunto. “Essa é uma atitude antiética<br />
que mexe com a cultura do País e força<br />
a opinião pública a se comprometer com<br />
um determinado gosto musical”.<br />
Caso seja aprovada, a nova lei deverá dificultar<br />
as execuções de músicas através da<br />
compra de espaço publicitário nos meios de<br />
comunicação. O texto do projeto prevê a detenção<br />
de um a dois anos para os responsáveis<br />
por emissoras de rádio e TV que aceitarem<br />
dinheiro ou qualquer outra vantagem de gravadora,<br />
artista, empresário ou promotor de
notas da <strong>Metrópole</strong><br />
Poluição<br />
Um relatório prévio da<br />
Envirotest/Expetro, empresa<br />
americana contratada pela<br />
Prefeitura de Madre de<br />
Deus para fazer diagnostico<br />
ambiental do impacto da<br />
presença da Petrobras no<br />
município, constatou problemas<br />
de contaminação no solo e na<br />
águia. A divulgação oficial dos<br />
trabalhos é aguardada com<br />
ansiedade pela comunidade<br />
local e por ambientalistas, tal a<br />
extensão dos estudos.<br />
eventos em troca de veiculação de música.<br />
Também estão previstas multas, suspensão<br />
ou cassação da concessão governamental.<br />
Porém, na avaliação de Tom Tavares,<br />
essa lei não vai servir para nada. “Existe<br />
uma série de fatores para serem estudados.<br />
Para começar, é necessário se fazer<br />
cumprir a lei que determina as concessões<br />
de rádios e TVs e, a partir do momento<br />
que se cria uma lei para um determinado<br />
problema, existe um sinal de que está tudo<br />
errado, porque o jabá já deveria ser punido<br />
pelo Ministério das <strong>Com</strong>unicações”.<br />
A opinião é ratificada por Moraes, que<br />
acredita que a lei pode ser mais uma a<br />
ser descumprida. “Eu não tenho muita fé<br />
nesse projeto de lei. No Brasil, nem tudo<br />
pode se tornar crime, a discussão deve ser<br />
mesmo pela concessão”.<br />
Cabo eleitoral<br />
A atuação cada vez mais política<br />
da Petrobras no Recôncavo,<br />
principalmente em São Francisco<br />
do Conde, Candeias e Madre de<br />
Deus, com forte e explícito apoio<br />
aos candidatos do PT nessas<br />
cidades, anda despertando a ira<br />
dos outros <strong>partidos</strong> aliados dos<br />
governos do Estado e Federal.<br />
A atuação da estatal, que se dá<br />
através de empreiteiras e outras<br />
prestadoras de serviços, já está<br />
na mira do Ministério Público,<br />
devendo respingar em muita<br />
gente de grosso calibre.<br />
De acordo com o advogado, não existe<br />
nenhum dispositivo na lei que fale explicitamente<br />
sobre o assunto, mas alguns<br />
princípios da comunicação podem ser<br />
aplicados à prática. “Existe o direito à<br />
informação e à liberdade da expressão. A<br />
gravidade do jabá é que você acaba privilegiando<br />
quem tem dinheiro e a diversidade<br />
musical fica comprometida”.<br />
O jabá, indiscutivelmente, se constitui<br />
com uma prática imoral, antiética e<br />
desrespeitosa com o ouvinte, que garante<br />
audiência para que essas empresas continuem<br />
operando em espectro público<br />
agindo com uma empresa privada que<br />
não deve satisfação a ninguém, e com os<br />
artistas, que vêem o mercado radiofônico<br />
se fechar como um funil para quem não<br />
tem grana para pagar.<br />
Coperphoto<br />
O maestro Tom Tavares classifica o jabá como “prática execrável” e diz que a Lei das Concessões tem que ser cumprida<br />
<strong>Com</strong> os<br />
gringos é<br />
diferente<br />
Na legislação americana, desde os<br />
anos 60, o jabá ou, como eles dizem, o<br />
payola (derivada de payment – pagamento<br />
e victrola – o aparelho toca-discos) é<br />
considerado crime, mas, assim como no<br />
Brasil, a ilegalidade é difícil de detectar.<br />
Porém, a dificuldade de se monitorar a<br />
prática nos EUA não impediu que, recentemente,<br />
as multinacionais Warner<br />
Music e Sony BMG fossem obrigadas a<br />
pagar US$ 5 milhões e US$ 10 milhões,<br />
respectivamente, em multa pela prática,<br />
denunciada numa ação movida pelo Ministério<br />
Público de Nova York.<br />
O procurador-geral do estado norteamericano,<br />
Eliot Spitzer, notificou as<br />
quatro grandes empresas multinacionais<br />
da música (por ordem de faturamento<br />
anual, Universal Music, Sony<br />
Music, Warner Music e EMI Group),<br />
ameaçando-as de processo judicial<br />
caso não concordassem em efetuar o<br />
pagamento de uma soma específica em<br />
dinheiro como forma de multa pelas<br />
irregularidades que haviam sido praticadas.<br />
As quatro empresas concordaram<br />
amigavelmente para não serem alvo de<br />
processos judiciais, que com certeza<br />
prejudicariam os seus negócios, mas até<br />
o momento somente a Sony/BMG e a<br />
Warner Music coçaram o bolso.<br />
O acordo foi o primeiro do gênero<br />
no mundo e na história da indústria<br />
fonográfica. Após a criminalização da<br />
prática com a promulgação da Payola<br />
Law, as gravadoras, para fugir ao cerco<br />
das autoridades, criaram uma espécie<br />
de bypass, contratando profissionais<br />
divulgadores externos, independentes,<br />
que se incumbiam da tarefa de levar<br />
e “negociar” os produtos musicais nas<br />
emissoras de rádio em troca de benefícios<br />
financeiros e materiais. Mas aqui no<br />
Brasil a legislação não aborda o tema, o<br />
que permite a livre atuação. Os executivos<br />
da indústria nacional afirmam que<br />
não existe mais jabá no país, mas sim<br />
contratos lícitos de compra de espaço<br />
publicitário. Então tá.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008 7
Capa<br />
Jabasta<br />
Existe um movimento intitulado “Pelo<br />
fim do Jabá” ou JABÁsta, que possui um<br />
blog na Internet (movimentopelofimdojaba.blogspot.com)<br />
e uma comunidade no<br />
orkut com cerca de 3.500 membros. Mas<br />
a última postagem do blog data de maio<br />
de 2006, com um link de uma entrevista<br />
de B. Negão falando sobre o assunto. Porém,<br />
ao clicar no endereço, o internauta<br />
não vai acessar lugar algum, pois o link<br />
está desativado.<br />
Nas postagens anteriores, a maioria dos<br />
assuntos debatidos na página se refere ao<br />
projeto de lei do deputado Fernando Ferro,<br />
algumas reuniões do movimento e opiniões<br />
de outros artistas sobre o assunto.<br />
No site de relacionamentos tudo muito<br />
parado também. O tópico com maior movimento<br />
de opiniões é o que possui o título<br />
“Qual o artista mais jabazeiro dos últimos<br />
anos?” O assunto rende diversas opiniões.<br />
Entre os adeptos da prática exemplificados<br />
Divulgação<br />
No início da carreira,<br />
o ministro Gilberto<br />
Gil só tocou nas<br />
rádios porque a sua<br />
gravadora pagou jabá<br />
para as emissoras<br />
pelos participantes da comunidade estão:<br />
Ivete Sangalo, Wanessa Camargo, Felipe<br />
Dylon, Armandinho e até Roberto Carlos<br />
“e suas requentadas emoções”, como afirma<br />
um dos membros da JABÁsta. O resto<br />
dos tópicos se resume a spams de festas,<br />
elucubrações teóricas acerca da origem do<br />
termo jabá e o futuro da prática e mais<br />
alguns “manifestos”. Nada além. Pelo visto,<br />
a mídia do jabá é mesmo o rádio. •
Alexandre Soares Silva<br />
Mal na fita<br />
O problema de imagem dos conservadores<br />
Parece um bom dia para falar de um problema de<br />
imagem que os conservadores têm. E nomeando esse<br />
problema de imagem é que parecemos cretinos.<br />
Não, não cretinos – qual a palavra que eu procuro?<br />
Queria uma tradução para uncool, unhip. Percebi isso<br />
claramente pela primeira vez vendo esses programas<br />
americanos de discussão política em que as pessoas<br />
gritam e se esgoelam. Me lembro especialmente de<br />
um em que Frank Zappa, sobrenaturalmente parecido<br />
com Robert L. Stevenson, era acusado de “apologista<br />
do incesto” por um conservador gordinho, grosseiro<br />
e tacanho, cujo cabelo parecia ter sido besuntado na<br />
saliva de uma vaquinha mococa.<br />
Depois vi um programa em que Jon Stewart,<br />
de camiseta e com um bom corte de cabelo, confrontava<br />
um conservador de gravata borboleta. A<br />
certa altura ele disse justamente isso: “Você tem 34<br />
anos e usa gravata borboleta”. E bastou isso. Eu até<br />
concordava com as coisas que o conservador dizia,<br />
mas tive que dar a vitória a Jon Stewart. Ninguém<br />
de gravata borboleta vence discussão alguma.<br />
(Perdão, não tinha visto. Mas você pode.)<br />
Também conheço um apologista católico muito<br />
bom que pinta o cabelo de acaju e se permite ser<br />
fotografado dançando com velhinhas ao som de<br />
banjos - e com meninas de oito anos que sobem<br />
nos sapatos de duas cores dele. Você não vê George<br />
Clooney fazendo essas coisas. Nem usando uma<br />
camisa xadrez de manga curta, e sobretudo não<br />
todo sábado à noite.<br />
Sim, eu sei que há conservadores normais – e<br />
alguns que até chegam perto de um estado de perfeita<br />
coolness –, mas cada conservador que aparece<br />
de gravata borboleta empurra mil adolescentes para<br />
as hostes desgrenhadas do esquerdismo. Se você tem<br />
alguma intenção de convencer alguém, não besunte<br />
o cabelo! É a primeira lei da retórica, estudada e<br />
recomendada por Cícero.<br />
Parte disso vem do fato de que o conservadorismo<br />
é uma defesa consciente de coisas que nunca vão ser<br />
consideradas cool: monogamia, fidelidade, sobriedade,<br />
prudência, formalidade nas relações sociais,<br />
respeito. Além disso há o amor a formas tradicionais<br />
de arte, pela rima e pela melodia e pelo enredo, pelo<br />
figurativismo e por todo tipo de música, dança e<br />
costumes antiquados. E é bom que seja assim.<br />
E no caso de cristãos, bom, usamos uma linguagem<br />
que sempre vai ser ridícula para ateus, que não podem<br />
ouvir a palavra “imoralidade” sem rir. Esse problema<br />
é acentuado pelo fato de que os cristãos que mais fazem<br />
barulho são filisteus; esse tipo de gente que não<br />
compreende que personagens de ficção, ao contrário<br />
de gente de verdade, não têm que ser morais, e que<br />
aparece em programas de tevê reclamando do adultério<br />
que viu na novela.<br />
“Ninguém de gravata<br />
borboleta vence<br />
discussão alguma”<br />
Cristãos que querem fazer a defesa da cristandade<br />
têm que aprender a linguagem dos irreligiosos<br />
como um missionário aprendendo a língua dos<br />
índios. Se você disser “imoralidade”, eles riem.<br />
Sobretudo se fala cuspindo. Se vai falar em imoralidade,<br />
fale de modo urbano, e dê a falsa impressão<br />
de que você é alguém sensato com quem é possível,<br />
e até agradável, conversar. Não chacoalhe o dedo<br />
indicador no rosto da atriz pornô.<br />
Vamos defender coisas que não são cool e não há<br />
solução para isso - mas naquilo que há solução, vamos<br />
mudar algumas coisas de uma vez por todas? <strong>Com</strong>o, e<br />
lamento tocar no assunto, melhores cortes de cabelo?<br />
E vamos aprender a falar de Cuba sem babar? •<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />
9
10<br />
Ant o n i o RiséRio<br />
Ainda sobre italianos na Bahia<br />
No número passado desta revista,<br />
publiquei algumas anotações<br />
sobre a presença italiana<br />
na Bahia. Recebi<br />
os mais diversos<br />
comentários sobre<br />
o assunto. André<br />
Ferraro, por<br />
exemplo, reclamou<br />
da ausência<br />
de sua família e da<br />
família Marconi em<br />
minha listagem. Certo:<br />
não era um rol exaustivo e muitas<br />
outras famílias poderiam<br />
ser incluídas (Pina, Sarno,<br />
Lomanto, Ferrero, etc.).<br />
Já Humberto Sampaio<br />
me falou da colônia de Alagoinhas<br />
que, formada por<br />
descendentes de italianos<br />
que trabalharam na construção<br />
da estrada de ferro<br />
Salvador-Juazeiro, fabrica,<br />
há décadas, o melhor licor<br />
de jenipapo da região. E as-<br />
De todo modo, a<br />
presença italiana na<br />
Bahia ainda não foi<br />
avaliada em toda<br />
a sua extensão<br />
sim por diante. De modo que resolvi avançar<br />
um pouco mais no tema.<br />
Na Bahia da primeira metade do século<br />
20, enquanto a colônia judaica vai se<br />
aproximar, em parte, do comunismo (havia<br />
também os “sionistas”), a colônia italiana<br />
irá se inclinar preferencialmente para o fascismo.<br />
Em nossas regiões interioranas, por<br />
onde os imigrantes italianos se espalharam,<br />
notadamente em lugares como Poções e Jequié,<br />
surgiram coisas como o Bar Fascista e a<br />
Barbearia Fascista... Mais: o fascismo de boa<br />
parte da colônia italiana, segundo Thales de<br />
Azevedo, “favoreceu, em algumas regiões, a<br />
adesão ao e o florescimento do integralismo”.<br />
Mas houve, também, a contrapartida<br />
de esquerda. Além do anarquismo, o comunismo.<br />
Giocondo Gerbasi Dias e Carlos<br />
Marighella (e, mais recentemente, membros<br />
das famílias<br />
Sarno e<br />
Leonelli) que o<br />
digam.<br />
G i o c o n d o<br />
nasceu em Salvador,<br />
no bairro de<br />
Santo Antônio Além<br />
do Carmo, em novembro de 1913, filho do<br />
comerciário Alves Dias e da italiana Ana Maria<br />
Federico Gerbasi. Antes de se converter<br />
ao comunismo, Giocondo foi coroinha no<br />
Convento de São Francisco e na Igreja de<br />
Santana. Entrou para o exército; lutou em<br />
São Paulo na Revolução Constitucionalista;<br />
filiou-se ao PCB; comandou a intentona de<br />
1935, em Natal, implantando um breve Governo<br />
Popular Nacional Revolucionário; etc.<br />
E foi aí, em Natal, para mais incrementar o<br />
jogo das etnias, que o ítalo-baiano Giocondo<br />
se casou com uma cabocla potiguar de 18<br />
anos de idade, Lourdes, filha de indígenas<br />
do norte do Brasil.<br />
Marighella, por sua vez, dificilmente teria<br />
deixado de ser o que foi trazendo nas veias a<br />
fusão de sangues subversivos, rebelionários,<br />
vindos da ascendência ítalo-anarquista e afromalê.<br />
E ainda foi se casar com uma comunista<br />
da colônia judaica, Clara Charf... Difícil saber<br />
em que medida o anarquismo foi injetado em<br />
sua alma. Carlinhos Marighella fala de<br />
uma influência anarquista de seu avô<br />
sobre o velho Carlos. E Jacob Gorender,<br />
em “<strong>Com</strong>bate nas Trevas”,<br />
detecta um cerne anarquista no<br />
pensamento de Marighella: “O<br />
princípio tático da ação direta<br />
militar (incluindo o terrorismo)<br />
e o princípio organizativo do grupismo<br />
permitem caracterizar a<br />
concepção marighellista como<br />
um anarcomilitarismo”.<br />
Marighella passou a sua vida<br />
quase toda na clandestinidade.<br />
Houve a trégua de 1945-1947,<br />
quando o PCB foi legalizado e<br />
ele chegou à Assembléia Constituinte,<br />
eleito deputado<br />
federal pelos baianos.<br />
Mas foi um tempo<br />
muito curto, com<br />
os parlamentares<br />
comunistas cassados<br />
em 1948. Mesmo no<br />
governo de Kubitschek,<br />
quando os comunistas viveram<br />
numa semilegalidade e Marighella voltou a<br />
ter algum cotidiano familiar, não era raro a<br />
polícia invadir sua casa e carregar o gravador<br />
com que ele costumava se divertir, brincando<br />
de ator nas novelas que inventava. A clandestinidade<br />
tensionou suas relações familiares e<br />
seu círculo de amizades.<br />
Raramente ele pôde ter uma casa, um<br />
endereço fixo e conhecido. Daí, aliás, uma<br />
história interessante. Certa vez, uma sobrinha<br />
sua e de Clara, a menina judia Isa<br />
Grinspum (hoje videomaker aplaudida), intrigada,<br />
não resistiu e fez a pergunta: “Meu<br />
tio, onde é que o senhor mora?”. Colhido de<br />
surpresa pela indagação infantil, Carlos não<br />
perdeu o rebolado. Recorreu ao samba de<br />
Caymmi – e saiu dançando e cantando pelo<br />
meio da sala: “Eu não tenho onde morar/<br />
É por isso que moro na areia”...<br />
De todo modo, a presença italiana<br />
na Bahia – assim como a de outras comunidades<br />
imigrantes extralusitanas e<br />
extra-africanas –, para além do estudo<br />
pioneiro de Thales de Azevedo, ainda não<br />
foi avaliada em toda a sua extensão. Da<br />
mesma forma, a longa história dos judeus<br />
na Bahia, desde os tempos dos cristãosnovos<br />
dos primeiros dias coloniais, solicita<br />
uma narrativa que a retrate em sua<br />
inteireza. São temas à espera de nossos<br />
historiadores, acadêmicos ou não. •
Especial de Segurança Pública<br />
Salve-se<br />
quem puder<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />
11
12<br />
Especial de Segurança Pública<br />
O bicho pegou<br />
Criminalidade dispara na Bahia no primeiro ano do governo Wagner<br />
Da redação<br />
Os números oficiais demonstram que<br />
o governo Jaques Wagner foi abalado pela<br />
violência em seu primeiro ano. A onda de<br />
crimes e o crescimento da insegurança<br />
na população, além de abalar o governo,<br />
nocautearam o delegado federal Paulo<br />
Bezerra, ex-titular da pasta de Segurança<br />
Pública, que pediu demissão do cargo no<br />
dia 19 de fevereiro, sendo substituído pelo<br />
também delegado federal César Nunes,<br />
que respondia pela Superintendência da<br />
PF na Bahia.<br />
Em 2007, segundo o Centro de Documentação<br />
e Estatística Policial (Cedep),<br />
da Secretaria da Segurança Pública, foram<br />
registrados, somente em Salvador, 1.337<br />
assassinatos (uma média de 3,66 por dia),<br />
ante 967 (2,64/dia) ocorridos em 2006.<br />
De acordo com o próprio governo, os homicídios<br />
registrados na capital equivalem<br />
a pelo menos 80% das mortes verificadas<br />
em todo o Estado.<br />
Além do crescimento assustador de<br />
38,2% no número de homicídios na capital<br />
baiana, no mesmo período foram<br />
registrados, em Salvador, aumentos de<br />
44% no número de roubos de veículos e<br />
de 25,33% no número de assalto a ônibus<br />
em 2007 com relação aos ocorridos em<br />
2006. O número de pessoas assaltadas nas<br />
ruas, que prestaram queixa nas delegacias<br />
Revoltada com o assassinato de um<br />
adolescente de 16 anos pela PM, a comunidade<br />
do Pela Porco protestou interditando a via<br />
pública e ateando fogo em um ônibus<br />
da capital, subiu de 23.202, em 2006,<br />
para 24.526, em 2007. Pela estatística<br />
oficial, entre as modalidades de crimes<br />
mais comuns, somente os roubos a bancos<br />
tiveram uma queda no ano passado - pas-<br />
arestiDes Baptista/agênCia a tarDe<br />
saram de cinco, em 2006, para quatro<br />
(redução de 20%). O pior é que a onda<br />
de violência não ficou restrita a 2007.<br />
Uma nova comprovação de que viver<br />
na Bahia está cada dia mais perigoso
notas da <strong>Metrópole</strong><br />
Devagar<br />
Parece que os secretários do<br />
governo da Bahia não sabem<br />
o endereço da sede dos<br />
bancos Brasil, Nordeste e<br />
Caixa Econômica Federal.<br />
emanalmente, as diretorias<br />
dessas instituições recebem a<br />
visita de secretários do Ceará<br />
e de Pernambuco, que, com<br />
projetos embaixo do braço e<br />
muita determinação, tentam<br />
arrancar financiamentos para<br />
seus Estados. Já os baianos...<br />
aconteceu no começo de 2008, mais precisamente<br />
nas três primeiras semanas de<br />
janeiro, quando 12 pessoas foram mortas<br />
pela polícia somente em Salvador - para<br />
efeitos comparativos, durante todo o ano<br />
de 2006, quando o carlismo detinha a<br />
hegemonia no Estado, as ações policiais<br />
realizadas na capital baiana provocaram<br />
76 mortes.<br />
“O governador Wagner passou atestado<br />
de omissão ao manter nos postos de<br />
comando da hierarquia policial as mesmas<br />
pessoas que serviram ao governo anterior,<br />
militares e civis formados dentro da lógica<br />
da truculência”, disse o educador Hamilton<br />
Borges, uma das principais lideranças<br />
do MNU (Movimento Negro Unificado)<br />
na Bahia. “Os atores da grande orquestra<br />
da segurança pública da Bahia são os<br />
mesmos de sempre”, resume o educador.<br />
“Reconheço que houve um aumento<br />
da violência durante o primeiro ano do<br />
atual governo, mas o Estado está trabalhando<br />
muito no aprimoramento da inteligência<br />
das polícias civil e militar para<br />
reduzir os índices de criminalidade”, disse<br />
o ex-secretário Paulo Bezerra, durante coletiva<br />
em que apresentou o balanço das<br />
ocorrências policiais registradas no carnaval.<br />
Briga interna<br />
Em meio a toda essa situação caótica,<br />
um complicador: o ex-secretário Paulo<br />
Bezerra e o ex-delegado-chefe da Polícia<br />
Civil, <strong>João</strong> Laranjeira (que caiu junto<br />
com Bezerra), não se entendiam. “Não<br />
existe crise, mas admito que, com alguns<br />
setores, tenho uma identidade maior e<br />
com outros, nem tanto. <strong>Com</strong> ele (<strong>João</strong><br />
Laranjeira) tenho um relacionamento pro-<br />
Quem te viu...<br />
O Democratas, antigo PFL, que<br />
já foi o maior partido da Bahia,<br />
está definhando desde a vitória<br />
do governador Jaques Wagner<br />
nas eleições de 2006. O partido,<br />
que por quase duas décadas<br />
sempre teve a maioria dos<br />
prefeitos, deputados estaduais<br />
e federais, além de deter as três<br />
cadeiras do Senado e eleger<br />
consecutivamente governadores,<br />
está reduzido a dimensões de<br />
siglas menores como PP e PR.<br />
Quem te vê<br />
Para não acabar de vez, o DEM<br />
está apostando todas as fichas nas<br />
eleições municipais de Salvador<br />
e Feira de Santana. <strong>Com</strong><br />
candidatos competitivos nas<br />
duas maiores cidades do Estado<br />
(ACM Neto e Tarcízio Pimenta,<br />
respectivamente), o antigo PFL<br />
espera ressuscitar no pleito de<br />
outubro. Mas se fracassar nos<br />
dois pleitos, o melhor para o<br />
partido é fechar as portas na<br />
Bahia.<br />
fissional”, afirmou Paulo Bezerra, dias<br />
antes de deixar o cargo. “A declaração do<br />
ex-secretário apenas confirmaram o que<br />
todos sabiam. O relacionamento dos dois<br />
era péssimo”, disse Crispiniano Daltro,<br />
presidente do Sindipoc (Sindicato dos<br />
Policiais Civis) do Estado da Bahia.<br />
Segundo Daltro, a desavença entre<br />
ambos começou logo após a nomeação<br />
de Bezerra para ocupar a SSP. “Ele (Paulo<br />
Bezerra) trouxe pessoas de sua confiança<br />
para o órgão, o que é natural, mas <strong>João</strong><br />
Laranjeira não gostou. Além disso, tem<br />
outro fator que os afasta, que é a política<br />
salarial do governo. <strong>Com</strong>o delegado federal,<br />
Paulo Bezerra recebia cerca de R$ 20<br />
mil por mês, enquanto o salário de <strong>João</strong><br />
Laranjeira não passava de R$ 8 mil, sem<br />
perspectiva de aumento”, disse o presidente<br />
do Sindipoc. A vinda de um novo<br />
delegado federal para o cargo de secretário<br />
não deve alterar essa realidade.<br />
Um fato que evidenciou o racha na cú-<br />
Maré Vermelha<br />
Outra Semana Santa se aproxima<br />
e, após um ano, nem Governo do<br />
Estado nem Ibama conseguiram<br />
achar os responsáveis pela Maré<br />
Vermelha – fenômeno provocado<br />
pela proliferação de algas que<br />
retiram o oxigênio da água,<br />
provocando a mortandade dos<br />
peixes. Pior, não fazem idéia de<br />
como evitar que o fenômeno se<br />
repita.<br />
pula da Segurança Pública baiana ocorreu<br />
logo após o Carnaval. As 20 Unidades Prisionais<br />
Móveis (UPM) - containers comprados<br />
por R$1,3 milhões pela SSP para<br />
abrigar presos que estavam custodiados<br />
Fonte: CeDep - ssp/Ba<br />
nas delegacias - resultaram num grande<br />
fiasco. Oito presos fugiram, passando por<br />
baixo das celas improvisadas, e 18 containers<br />
foram incendiados pelos próprios<br />
detentos, que foram transferidos de volta<br />
para as delegacias, após a comprovação da<br />
ineficiência das celas. “O secretário determinou<br />
as diretrizes para a compra dessas<br />
UPMs e à gente coube apenas cumprir<br />
essas diretrizes. Mas, comprovada a fragilidade<br />
dessas Unidades Prisionais Móveis,<br />
tivemos que transferir os presos de volta<br />
as delegacias”, afirmou <strong>João</strong> Laranjeira,<br />
dias antes de ser demitido.<br />
Sobre uma declaração do ex-secretário<br />
Paulo Bezerra, negando a ação do tráfico<br />
de drogas na Bahia, o ex-delgado-chefe<br />
discordou diametralmente: “A situação<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />
13
14<br />
Hamilton (d), do<br />
MNU, e Michel,<br />
do Steve Biko, estão<br />
decepcionados com<br />
a falta de ação do<br />
governo no combate à<br />
violência<br />
do tráfico na Bahia é preocupante. Só no período do<br />
Carnaval foi apreendido mais de um quilo de cocaína<br />
pura na região do Pelourinho. Isso para não falar da<br />
imensa quantidade de maconha e crack apreendida<br />
no local no mesmo período”.<br />
O “inferno astral” da administração petista em<br />
relação à violência começou pouco tempo após a<br />
posse do governador Wagner. No verão do ano pas-<br />
Coperphoto<br />
Coperphoto<br />
sado, uma turista espanhola foi furtada na praia de<br />
Ondina e perdeu sua câmera fotográfica.<br />
Apesar de agirem rapidamente e prenderem o<br />
suspeito, os policiais envolvidos na operação desrespeitaram<br />
as normas mais elementares de cidadania<br />
- o acusado de praticar o delito foi atirado ao chão<br />
e ficou com a cabeça sob o coturno. Um fotógrafo<br />
que estava trabalhando no local registrou a cena e<br />
a imagem foi publicada em vários sites e jornais do<br />
Brasil, causando revolta nas entidades que lutam pela<br />
preservação dos direitos humanos.<br />
O comandante geral da Polícia Militar da Bahia,<br />
coronel Antonio Jorge Ribeiro de Santana, acredita<br />
que a falta de infra-estrutura é um dos fatores que<br />
contribuem para o aumento da violência. “Precisamos<br />
de pelo menos mais 15 mil policiais, mais viaturas,<br />
mais armamentos e de um sistema de comunicação<br />
mais moderno e eficiente”, ressaltou o coronel durante<br />
uma coletiva após o carnaval.<br />
No entanto, o coronel faz questão de dizer que<br />
o governador Jaques Wagner tem tomado todas as<br />
providências para melhorar a PM. “Por decisão do<br />
governo, 150 novas viaturas já foram licitadas e,<br />
durante o carnaval, trabalhamos com aparelhos de<br />
comunicação muito modernos”.<br />
“Estamos empenhados e vamos reduzir a violência<br />
na Bahia para níveis suportáveis. O que precisa ficar<br />
claro é que, para a Polícia Militar, qualquer índice<br />
de violência é preocupante”, acrescentou Antonio<br />
Jorge Ribeiro de Santana, que também comandou a<br />
PM no governo Paulo Souto.<br />
Chacinas<br />
Uma das modalidades de crimes mais freqüentes<br />
no ano passado foram as chacinas. Uma delas, inclusive,<br />
provocou um protesto formal de entidades e<br />
sindicatos baianos ao Centro de Direitos Humanos<br />
da ONU (Organização das Nações Unidas). No dia<br />
21 de maio, policiais militares invadiram a residência<br />
de Aurina Santana, no Calabetão, e torturaram<br />
o seu filho Paulo Rodrigo Santana, 19 anos, e sua<br />
irmã, de 13.<br />
Líder comunitária e integrante do MSTS (Movimento<br />
dos Sem-Teto de Salvador), Aurina, 48 anos,<br />
denunciou a tortura à <strong>Com</strong>issão de Direitos Humanos<br />
da Assembléia Legislativa. No dia 6 de agosto, na<br />
Corregedoria da Polícia, os filhos da líder comunitária<br />
confirmaram que foram torturados e garantiram que<br />
seriam capazes de reconhecer os policiais militares<br />
que invadiram a sua casa.<br />
Oito dias depois (14 de agosto), Aurina, seu filho<br />
Paulo e o companheiro dela, Rodson Rodrigues,<br />
foram mortos. A filha de 13 anos escapou da<br />
morte porque não estava em casa. De acordo com<br />
testemunhas, a residência da líder comunitária foi
manuela CavaDas/agênCia a tarDe<br />
invadida na madrugada - em um dos quartos da casa,<br />
os policiais disseram ter encontrado 30 pedras de crack<br />
e 48 trouxas de maconha.<br />
Na época, a delegada titular da 10ª Central de Polícia,<br />
Laura Maria Argolo, apontou a possibilidade de<br />
que as drogas teriam sido deixadas pelos autores dos<br />
crimes na residência para simular o envolvimento da<br />
família com o tráfico de drogas. De acordo com a PM,<br />
Paulo Roberto tinha envolvimento com o tráfico de<br />
drogas e sua mãe era ex-presidiária.<br />
Os policiais militares denunciados pelos crimes de<br />
tortura contra Paulo Rodrigo e sua irmã adolescente - o<br />
tenente Vítor Luís Maciel Santos e os soldados Ademir<br />
Bispo de Jesus, Antônio Marcos de Jesus e José Silva<br />
Oliveira, da 48ª <strong>Com</strong>panhia Independente<br />
- foram ouvidos pela delegada Laura Maria<br />
Argolo e negaram participação no crime.<br />
Apesar de a assessoria da PM admitir que<br />
o número de chacinas na Bahia é “grande”,<br />
o Cedep (Centro de Documentação<br />
de Estatística Policial) não tem os números<br />
sobre esta modalidade de crime. O órgão<br />
alega que precisa fazer um levantamento de<br />
todas as ocorrências policiais registradas no<br />
Estado para obter esta informação.<br />
“O que mais nos inquieta é o modo de<br />
agir do governador Jaques Wagner. Todos nós acreditamos<br />
na proposta democrática de sua administração, mas<br />
o que estamos vendo é justamente o contrário, porque<br />
as associações, sindicatos e movimentos sociais estão à<br />
margem do governo”, disse Michel Chagas, gestor do<br />
Instituto Steve Biko, uma organização do movimento<br />
negro baiano que surgiu em 1992 por iniciativa de<br />
estudantes e professores com o objetivo de fortalecer a<br />
luta contra o racismo.<br />
Na opinião de Chagas, para demonstrar que está interessado<br />
em combater a violência na Bahia, o governador<br />
Wagner precisa tomar três atitudes: reconhecer que a<br />
polícia é racista, punir os excessos e manter um diálogo<br />
permanente com os movimentos sociais. “Em pouco mais<br />
de um ano de administração, nada disto foi realizado.”<br />
De fato, a constatação do gestor do Steve Biko é<br />
uma realidade. Pesquisa realizada pelo FCCV (Fórum<br />
<strong>Com</strong>unitário de <strong>Com</strong>bate à Violência) indica que a<br />
maioria das vítimas por homicídio em Salvador possui<br />
as mesmas características: são negros, pobres, com baixa<br />
escolaridade, residentes em bairros periféricos e mortos<br />
a tiros durante a noite.<br />
De acordo com a pesquisa, entre 1998 e 2004,<br />
das 6.308 pessoas assassinadas em Salvador, 5.852<br />
(92,7%) eram negras ou pardas. “O mais grave é que<br />
estes índices não foram modificados durante o primeiro<br />
ano do governo Wagner e os negros e pobres<br />
continuam sendo as maiores vítimas da violência”,<br />
disse Hamilton Borges, do MNU.<br />
“O governador Wagner precisa tomar três<br />
atitudes: reconhecer que a polícia é racista,<br />
punir os excessos e manter um diálogo<br />
permanente com os movimentos sociais”<br />
- Michel Chagas, Instituto Steve Biko<br />
Foi o que aconteceu com Luiz Carlos Bonfim da<br />
Silva, 30 anos, em janeiro último, em Porto Seguro<br />
(905 km ao sul de Salvador). Bonfim, que era negro,<br />
e mais dois colegas (ambos negros também) estavam<br />
dentro de uma Mercedes prata, em companhia de<br />
uma mulher branca, nas imediações de uma agência<br />
bancária.<br />
Desconfiado de um eventual seqüestro-relâmpago,<br />
um motorista de táxi acionou a PM. Ao chegar ao local,<br />
a policial Tatiana Vaz não teve calma para abordar<br />
o grupo e atirou. Luiz Carlos Bonfim da Silva, que era<br />
empregado da proprietária do veículo - assim como<br />
os outros dois colegas que estavam no carro - morreu.<br />
Em seu depoimento, a policial disse que Bonfim fez<br />
um gesto “como se fosse pegar uma arma”.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />
15
16<br />
notas da <strong>Metrópole</strong><br />
Rachando a conta<br />
Os deputados <strong>João</strong> Bonfim<br />
e Carlos Gaban, apesar<br />
de ainda pertencerem ao<br />
Democratas, não fazem mais<br />
parte da bancada de oposição<br />
na Assembléia. Os dois<br />
parlamentares só não deixaram<br />
o DEM devido à decisão do<br />
Supremo Tribunal Federal<br />
(STF) que determina que o<br />
mandato pertence ao partido.<br />
Só que o líder da minoria,<br />
Gildásio Penedo (DEM), não<br />
está nem aí para a atual posição<br />
ideológica de seus colegas de<br />
partido e garante que vai cobrar<br />
de ambos a parte deles nas<br />
despesas da bancada, inclusive<br />
os outdoors que o bloco de<br />
oposição colocou nas ruas de<br />
Salvador atacando o Governo<br />
do Estado.<br />
O aumento no número de homicídios em Salvador foi de quase 40% em 2007<br />
Números da violência<br />
Um relatório divulgado no final de<br />
janeiro pela Ritla (Rede de Informação<br />
Tecnológica Latino-Americana) e pelos<br />
ministérios da Justiça e da Saúde revela<br />
que a Bahia é mesmo um Estado violento.<br />
O estudo coloca a capital baiana em<br />
quarto lugar no ranking de homicídios<br />
das capitais brasileiras e a 15ª cidade<br />
mais violenta do País, com 36,2 mortes<br />
por 100 mil habitantes. Levando-se em<br />
consideração os 5.564 municípios brasileiros,<br />
a capital baiana está em 342º no<br />
ranking dos mais violentos. O período da<br />
pesquisa, entretanto, não abrange o início<br />
do governo Jaques Wagner. “<strong>Com</strong>o o<br />
governo mesmo admite que os índices de<br />
violência foram maiores no ano passado,<br />
a nossa situação é mesmo crítica”, afirmou<br />
Hamilton Borges, do MNU.<br />
O relatório da Ritla também apontou<br />
que, entre as cem cidades mais violentas<br />
Coperphoto<br />
do Brasil, quatro estão na Bahia - Porto<br />
Seguro, Simões Filho, Itabuna e Juazeiro.<br />
Em Porto Seguro, onde a policial Tatiana<br />
Vaz matou Luiz Carlos Bonfim da Silva<br />
este ano, o índice de homicídio é elevadíssimo:<br />
85,8 por 100 mil habitantes - a<br />
cidade onde o Brasil começou ocupa o<br />
16º posto no ranking das mais violentas<br />
do País.<br />
Outro corte na pesquisa mostra com<br />
mais precisão a violência na Bahia. Dos<br />
556 municípios brasileiros mais violentos<br />
- cidades que concentram 44% da população<br />
nacional e onde ocorreram 73% dos<br />
homicídios no ano passado -, 25 (6%) estão<br />
na Bahia. “A análise fria dos números<br />
mostra que a violência não começou no<br />
governo Jaques Wagner, mas piorou no<br />
primeiro ano da atual administração. Vamos<br />
torcer para que o governador cumpra<br />
a promessa de fazer da Bahia um Estado<br />
mais seguro”, concluiu Michel Chagas,<br />
gestor do Steve Biko.
No ar<br />
O secretário Jorge Solla, além<br />
do péssimo trabalho que vem<br />
fazendo à frente da pasta da<br />
Saúde, mostrou-se ser uma<br />
pessoa de extrema descortesia<br />
e falta de educação. Levando<br />
para o lado pessoal as críticas<br />
à sua gestão, Solla deixou de<br />
mão estendida pelo menos<br />
dois deputados de oposição<br />
que, de forma educada,<br />
tentaram cumprimentá-lo<br />
na solenidade de abertura<br />
dos trabalhos da Assembléia<br />
Legislativa deste ano.<br />
Pelo menos em janeiro deste ano,<br />
a polícia da Bahia não deu nenhuma<br />
demonstração de que os índices de violência<br />
serão menores no segundo ano<br />
da administração do governador Jaques<br />
Wagner. Em apenas 26 dias, 13 pessoas<br />
foram mortas por policiais no Estado,<br />
entre as quais uma criança de quatro<br />
anos, assassinada com um tiro na cabeça<br />
por um sargento reformado.<br />
As mortes que mais causaram revolta<br />
e comoção aconteceram em Salvador.<br />
No dia 11 de janeiro, Lucas<br />
Hungria Trindade Santos, 16 anos,<br />
foi morto pela PM com três tiros no<br />
peito. Em depoimentos, os militares<br />
envolvidos no crime contaram que<br />
Lucas Santos, que não tinha antecedentes<br />
criminais, teria reagido a uma<br />
abordagem e apresentaram um revólver<br />
que seria da vítima.<br />
Na madrugada do dia 15, o estudante<br />
Djair Santana de Jesus, 16<br />
anos, foi morto por integrantes do<br />
Batalhão de Choque da PM pouco<br />
tempo depois de disputar uma partida<br />
de futebol com alguns amigos na invasão<br />
Pela-Porco, onde residia. O menino, que<br />
também não tinha passagem pela polícia e<br />
era chamado de Ronaldinho Gaúcho pelos<br />
colegas, foi baleado pelas costas. Em suas<br />
defesas, os policiais apresentaram uma<br />
arma e drogas que seriam do estudante.<br />
“A polícia da Bahia é assassina, o meu<br />
filho nunca esteve envolvido com a criminalidade”,<br />
disse Djane de Jesus, mãe de Djair.<br />
Jaciara Santana, tia do adolescente, afirmou<br />
que os policiais envolvidos no crime “foram<br />
Cadê?<br />
E por falar em Jorge Solla, que<br />
resultado teve o factóide que<br />
ele criou para desviar a atenção<br />
da denúncia de que ele estava<br />
prestes a se autocontratar<br />
como consultor da Sesab,<br />
recebendo uma boa grana<br />
do Banco Mundial para isso?<br />
Na época da denúncia, Solla<br />
disse que haviam falsificado<br />
documentos dentro da<br />
Secretaria da Saúde do Estado,<br />
deu queixa na Polícia Civil e<br />
abriu inquérito administrativo<br />
na Sesab para apurar a tal<br />
“falsificação”.<br />
Passados cinco meses,<br />
ninguém sabe se alguma das<br />
investigações deu em algo.<br />
Ou será que os resultados<br />
dos inquéritos (policial<br />
e administrativo) foram<br />
escondidos do público?<br />
Especial de Segurança Pública<br />
“Polícia baiana é assassina”<br />
XanDro pereira/Xpimagem<br />
Dajane (d), mãe de Djair, jovem assassinado por PMs, quer justiça<br />
covardes”. No dia 19, Alexandre Macedo<br />
Fraga, 17 anos, foi morto por um PM quando<br />
estava na carona de uma motocicleta. Em<br />
depoimento, o policial alegou que reagiu a<br />
disparos efetuados por um grupo que praticava<br />
assaltos na periferia. Testemunhas, que<br />
negam a versão, disseram que Fraga estava<br />
feliz por ter concluído o ensino médio e<br />
treinava para ser motoboy.<br />
Dois dias depois, uma nova morte envolvendo<br />
policiais. Ricardo Matos dos<br />
Santos, 21 anos, que trabalhava no Le<br />
Cirque, de Belo Horizonte, foi morto com<br />
oito tiros, quando jogava futebol com<br />
amigos na favela Bate-Facho, na Boca<br />
do Rio. O artista circense aproveitava<br />
as férias em Salvador para visitar familiares.<br />
Segundo testemunhas, policiais<br />
civis foram os autores do crime,<br />
mas o inquérito foi instaurado na 9ª<br />
Delegacia diz que o crime não tem<br />
autoria definida.<br />
Ainda em janeiro, o sargento reformado<br />
Pedro Carlos Lucas da Silva, 54<br />
anos, matou com um tiro Samantha<br />
Alves Pereira Baldoíno. A menina, que<br />
tinha apenas quatro anos, estava sentada<br />
à janela de sua casa, brincando com<br />
uma tia. De acordo com testemunhas,<br />
o sargento reformado estaria embriagado.<br />
“Quando ele chegou aqui, nós<br />
só tivemos tempo de ouvir os disparos.<br />
Minha sobrinha estava na janela e foi<br />
atingida. Só sei que ele não gostava<br />
de crianças e estava bêbado”, afirmou<br />
Fernanda Santos, tia de Samantha.<br />
O deputado Paulo Azi (DEM) disse<br />
que os crimes envolvendo policiais<br />
civis e militares demonstram a falta<br />
de gestão na Secretaria da Segurança Pública.<br />
“Isto é reflexo da falta de comando.<br />
Alguns policiais, liberais demais, acham<br />
que podem fazer tudo. Outros, inseguros,<br />
cometem barbaridades”. As mortes dos<br />
quatro adolescentes e da menina geraram<br />
protestos em Salvador, com moradores<br />
interditando ruas e queimando um ônibus.<br />
“Por maiores que sejam os protestos,<br />
o meu filho não volta mais porque foi<br />
assassinado friamente pela polícia”, disse<br />
Djane de Jesus.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />
17
18<br />
Especial de Segurança Pública<br />
“Índices mascarados”<br />
Pré-candidato do PT à sucessão de Salvador,<br />
o secretário Luiz Alberto (Promoção da<br />
Igualdade) disse que os governadores carlistas<br />
sempre “mascararam os índices de violência<br />
na Bahia”. “Antes, eles (os políticos ligados ao<br />
senador Antonio Carlos Magalhães, morto no<br />
ano passado) escondiam os números e não<br />
divulgavam toda a verdade porque detinham o<br />
controle de grande parte da mídia. Agora, com<br />
a liberdade de informação, os crimes aparecem<br />
com mais freqüência nos jornais”, acredita.<br />
Segundo Luiz Alberto e ao contrário do<br />
que diz o relatório da Rtla, que aponta uma<br />
diminuição no número de homicídios no Brasil<br />
entre 2002 e 2006, o aumento da violência é<br />
um “fenômeno nacional” e a Bahia está “inserida<br />
neste contexto”. Apesar de fazer essas<br />
ressalvas, o secretário concorda que houve um<br />
recrudescimento da violência no Estado depois<br />
da posse do governador Jaques Wagner.<br />
“A violência aumentou mesmo, não há<br />
como negar, principalmente envolvendo<br />
jovens e policiais. Infelizmente, o aparelho<br />
policial da Bahia está preparado para agredir<br />
uma parcela da sociedade, justamente os mais<br />
pobres e os negros, moradores das periferias.<br />
No entanto, o governador Wagner tem tomado<br />
todas as medidas para combater este<br />
problema”, afirmou.<br />
De acordo com o petista, “o tecido social<br />
na Bahia está esgarçado”. “Somos a sexta<br />
maior economia do País e, ao mesmo tempo,<br />
o 22º Estado no Índice de Desenvolvimento<br />
Humano. Temos uma cultura racista e excludente,<br />
e toda exclusão provoca violência.” Na<br />
opinião do secretário da Promoção da Igualdade,<br />
“combater a pobreza sem levar em consideração<br />
a exclusão social não resolve”.<br />
Grupos de extermínio<br />
Integrante da <strong>Com</strong>issão de Direitos Humanos<br />
da Assembléia Legislativa, o deputado<br />
Yulo Oiticica (PT) disse que o atual governo<br />
mudou a metodologia de identificação<br />
da criminalidade. “Antes (de o governador<br />
Wagner chegar ao poder), a metodologia era<br />
outra. Acontecia uma chacina, por exemplo,<br />
e o governo contabilizava apenas um crime.<br />
Agora é diferente. Se, por acaso, três pessoas<br />
morrem em uma chacina, são contabilizados<br />
três homicídios”. O que o petista não conseguiu<br />
explicar é por que a responsável pelo<br />
Centro de Documentação e Estatística Policial<br />
– que determina a metodologia de estatística -,<br />
a delegada Emília Blanco, continua sendo a<br />
mesma que respondia pelo setor no governo<br />
Paulo Souto.<br />
Porém, mesmo com este raciocínio, o parlamentar<br />
disse que houve um aumento da violência<br />
no governo Wagner, principalmente envolvendo<br />
grupos de extermínio. “A demonstração<br />
mais cruel do avanço do crime organizado e da<br />
falência da segurança pública são os grupos de<br />
extermínio”, afirmou Yulo Oiticica.<br />
O deputado ressaltou que a polícia precisa<br />
“estar mais preparada” para evitar o aumento<br />
dos índices de violência nos próximos anos.<br />
“A polícia tem de compreender que a sua arma<br />
não é o canhão, é a inteligência”.<br />
Para Yulo Oiticica, os altos índices de violência<br />
registrados na Bahia também podem ser<br />
explicados pela “omissão do Estado”. “<strong>Com</strong> a<br />
falta de políticas públicas, os jovens são presas<br />
fáceis do crime organizado. Na periferia falta<br />
tudo”, finalizou. •
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008
20<br />
Literatura<br />
Picuinha que rima<br />
Quadrinha feita para esculhambar, o epigrama arrasa reputações na Bahia<br />
Elieser Cesar<br />
Nitroglicerina pura – com potencial<br />
para fazer rir à beça, demolir reputações,<br />
destroçar velhas amizades e até<br />
levar o autor e a vítima às vias de fato<br />
– o epigrama pode ser popularmente<br />
definido como aqueles quatro versinhos<br />
sacanas, uma quadrinha rimada e inspirada<br />
pela musa plebéia do sarcasmo.<br />
Em geral, esse poeminha escroto não é<br />
feito para elogiar, mas para esculhambar<br />
e ridicularizar. Desde Gregório de<br />
Mattos, o patriarca dos epigramistas<br />
baianos, passando por uma geração de<br />
línguas ferinas, como Cristóvão Barreto,<br />
Pinheiro Viegas, Lulu Parola, Pepino<br />
Longo e Lafayete Spínola, até chegar a<br />
Ildásio Tavares, os alvos preferidos dos<br />
epigramas são os políticos, os intelectuais<br />
afetados e as pessoas tolas.<br />
Folgazão e maledicente, o epigrama é<br />
a ovelha negra da poesia. Aparentemente<br />
fácil em sua enganosa simplicidade, requer<br />
engenho e arte, domínio da métrica e da<br />
rima, sobretudo na forma do versinho de<br />
sete sílabas. Embora o autor dessa reportagem<br />
não seja nenhum epigramista, nem<br />
bissexto, nem bi qualquer coisa, vai aqui<br />
um exemplo bem didático desse artefato<br />
singelo:<br />
Ele é muito desbocado,<br />
pois só fala putaria.<br />
Antropólogo albergado,<br />
é Roberto Albergaria.<br />
É por essas e muitas outras que o escritor<br />
Wilson Lins, autor do livro de ensaio<br />
“Musa Vingadora (Crônicas sobre o Epigrama<br />
na Bahia)”, ele também um adepto<br />
do gênero sob o pseudônimo de Rubião<br />
Braz, define o epigramista como um “ferino<br />
rimador de perversidades”. Perversidades<br />
como esta engendrada por Lafayete<br />
Spínola que, nos aos 30, pontificava com<br />
sua lábia venenosa no Café das Meninas e<br />
na Rua Chile, em Salvador: “Pinto Píton,<br />
Píton Pinto,/São dois nomes desiguais:/<br />
Um na frente leva o Pinto/ O outro leva<br />
o Pinto atrás...”<br />
O epigrama enaltece a coincidência<br />
dos nomes dos digníssimos Pinto, o que<br />
recebia pela frente e o que agasalhava o<br />
Pinto atrás. Primeira mulher a ingressar<br />
na Academia de Letras da Bahia e autora<br />
de livros melífluos, a escritora Edith Gama<br />
e Abreu foi brindada com este mimo por<br />
Pepino Longo, pseudônimo debochado do<br />
jornalista Sílvio Valente, que junto a Lafayete<br />
Spínola e Pinheiro Viegas formavam<br />
a “santíssima maldade” dos epigramistas<br />
baianos: “Conselhos ouve quem quer,/mas<br />
lá vai um, dona Edith:/escreva o que lhe<br />
aprouver/ escreva mas não edite”.<br />
Sequer o circunspeto reitor Edgar Santos,<br />
o fundador da Universidade Federal da<br />
Bahia, escapou da sanha dos epigramistas.<br />
O mesmo Pepino Longo, que teve uma<br />
“Um estadista! Que enterro!<br />
Vai como pobre cristão,<br />
Só por caído no erro<br />
De morrer na oposição”<br />
– Roberto Correia<br />
breve vida, pois morreu aos 32 anos de<br />
idade, em 1951, sapecou-lhe o epitáfio:<br />
“Reitor austero, imponente/Teve um prestígio<br />
mirífico:/Desce o caixão, lentamente/<br />
E um verme diz: - Magnífico!”<br />
Flagelo dos governantes, ainda na definição<br />
de Wilson Lins, o epigrama não poupou<br />
nenhum mandatário na Bahia. Quando<br />
Otávio Mangabeira morreu mereceu o<br />
seguinte epitáfio do incorrigível Pepino
notas da <strong>Metrópole</strong><br />
Longo: “Aqui jaz, sob lousa fria,/Pois tudo<br />
no mundo acaba,/Vai fazer falta à Bahia,/<br />
Mas para os vermes: que mangaba!”<br />
Quando Antônio Carlos Magalhães, já<br />
com fama de malvadeza, sucedeu o governador<br />
Luiz Vianna, Rubião Braz ou Wilson<br />
Lins, satirizou, premonitório: “Vai<br />
governar no esporro./O Toninho é um<br />
caso sério!/Audiências: pronto socorro./<br />
Despachos: no cemitério”.<br />
Este, aqui, de autoria Roberto Correia<br />
(1876-1941) e dedicado “a um político<br />
cujo enterro não contou com muitos acompanhantes”,<br />
também caberia como uma<br />
luva a ACM: “Um estadista! Que enterro!/<br />
Vai como pobre cristão,/Só por caído no<br />
erro/De morrer na oposição”.<br />
Até o pai de ACM, o médico Magalhães<br />
Neto, não resistiu à sedução debochada dos<br />
O retorno<br />
Lembra de Severino Cavalcanti?<br />
Aquele do “mensalinho”, que<br />
quando assumiu a Presidência<br />
da Câmara Federal mandou<br />
aumentar o salário dos<br />
deputados? Pois é. Ele afirmou<br />
que está voltando. Severino (PP-<br />
PE), que não conseguiu se eleger<br />
na última eleição, é suplente de<br />
um deputado que mudou de<br />
legenda e aguarda que o TSE<br />
casse o mandato de seu colega<br />
de partido até março, por conta<br />
da infidelidade partidária, para<br />
voltar triunfante.<br />
Ildásio Tavares ainda é um dos poucos epigramistas que mantêm viva a arte milenar de espinafrar os outros em versos<br />
Invisíveis<br />
O ministro da Integração<br />
Nacional, Geddel Vieira Lima<br />
(PMDB), em tom irônico,<br />
afirmou que o movimento de<br />
artistas que estiveram presentes<br />
no Senado defendendo posição<br />
contrária à transposição do<br />
Rio São Francisco nem existe.<br />
“Aqueles dois que estavam lá na<br />
audiência ontem? Eu nem vi”,<br />
disse. “Aqueles dois”, citados pelo<br />
ministro, eram na verdade três, a<br />
atriz Letícia Sabatella e os atores<br />
Osmar Prado e Carlos Vereza.<br />
epigramas e tascou este para o marido de<br />
dona Edith, aquela mesma aconselhada a escrever,<br />
mas não editar: “— <strong>Com</strong>o vai, amigo<br />
Gama?/— Eu passo como Deus quer,/vivendo<br />
sempre da fama,/da minha santa mulher”.<br />
<strong>Com</strong>o o epigrama não prima pelo politicamente<br />
correto, defeitos físicos e “tiros<br />
surdos” (gays enrustidos) também são pratos<br />
cheios para a espinafrada satírica. Para<br />
um pedagogo prognata, Lafayete Spínola<br />
escreveu o epitáfio: “Pois-lhe à morte à<br />
vida fecho,/E o coveiro disse – Diacho!/<br />
Na cova o corpo eu encaixo,/Mas, onde<br />
encaixar o queijo?”<br />
Contra um deputado homossexual,<br />
Clóvis Amorim, falecido em 1970, enfiou<br />
o epitáfio: “Deputado de cartaz/ Na<br />
atual legislatura/ O moço tem por detrás/<br />
Quem lhe faça cobertura”. E impiedoso<br />
Culpado<br />
Quem falou que ninguém seria<br />
punido pelos escândalos que<br />
envolveram o ex-presidente do<br />
Congresso Nacional, Renan<br />
Calheiros (PMDB-AL). O<br />
Senado puniu o ex-subsecretário<br />
geral da Mesa Diretora, Marcos<br />
Santi, por ter acusado Renan<br />
de usar a posição de presidente<br />
da Casa para manipular o<br />
andamento dos processos<br />
que corriam contra o senador<br />
alagoano. Santi recebeu uma<br />
advertência.<br />
Coperphoto<br />
terminou de enterrar o defunto com outra<br />
quadrinha: “Vendo o gajo sepultado/ Um<br />
verme a rir comentou:/- Só para a morte o<br />
safado/ De bruços não se deitou.”<br />
O escritor Hélio Pólvora disse, certa<br />
vez, que “mais importante do que assinar<br />
uma sátira é fazê-la circular, sobretudo se<br />
a pancada dói, se a ferida lateja e custa cicatrizar,<br />
provocando assomos de revide, em<br />
geral sob a forma de agressão física”. Hélio<br />
lembra que alguns epigramistas enfrentam<br />
o perigo, pois preferem perder um amigo<br />
a uma boa quadra. Nos anos 40, tempos<br />
áureos do gênero na Bahia, os epigramas<br />
circulavam pela Rua Chile. “Das três às seis<br />
da tarde, acotovelavam-se na movimentada<br />
rua epigramistas e epigramáveis, na mais<br />
saudável cordialidade”, como anota Wilson<br />
Lins em “Musa Vingadora”.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />
21
22<br />
Musa Capadoçal<br />
Nos dias atuais, o poeta, romancista<br />
e dramaturgo Ildásio Tavares esgrime o<br />
epigrama com a veia satírica dos antepassados<br />
ilustres. Ele escreveu cerca de cem<br />
epigramas, mas diz que a poesia satírica<br />
“é uma coisa episódica” em sua produção<br />
literária. Quando vai publicá-los em livro?<br />
Ciente do poder corrosivo de suas quadrinhas,<br />
Ildásio não é besta e responde:<br />
“Primeiro tenho que comprar um colete<br />
à prova de balas”. Ele não esconde que é<br />
mesmo daqueles que preferem perder a<br />
amizade à piada. Nem o amigo íntimo Jorge<br />
Amado, nem Wilson Lins, que o aponta<br />
como “o único poeta moderno a exercitar,<br />
na Bahia, o epigrama na sua forma consagrada”,<br />
escaparam da “musa capadoçal”<br />
de Ildásio: “Jorge Amado torturado/<strong>Com</strong><br />
seus romances ruins,/Respirou aliviado:/<br />
Meu consolo é Wilson Lins”.<br />
Até este repórter entrou na lista dos<br />
epigramáveis, com versinhos nada amáveis.<br />
Na entrevista, por telefone, o poeta despejou:<br />
“Perguntei ao jornalista:/ - gostas de<br />
homem ou mulher?/ Ele só fez dar a pista,/<br />
veja a rima se quiser”.<br />
Ildásio afirma que o principal alvo da<br />
sátira é o ridículo e que há pessoas que escapam<br />
ao ridículo. “<strong>Com</strong>o é que você vai<br />
satirizar Dom Timóteo Amoroso?”, pergunta<br />
referindo-se ao falecido e admirado abade<br />
do Mosteiro de São Bento, em Salvador.<br />
O escritor diz que também nunca fez<br />
um epigrama para a poeta Myriam Fraga.<br />
Mas Myriam não escapou da quadra<br />
barra-pesada do poeta Zeca de Magalhães,<br />
falecido há um ano, após um acidente doméstico:<br />
“O Prêmio Braskem/É todo de filipeta/Ganha<br />
quem Miriam Fraga indicar/<br />
No fundo é uma grande punheta”. <strong>Com</strong><br />
afagos como “é boiola esse cabra safado”,<br />
“rimo somente com teu cu” e “cumpade<br />
come cumpade, comadre como comadre/<br />
cumpade como comadre”, Zeca esculhambou<br />
meia Bahia literária, não poupando<br />
nomes como Germano Machado, José Inácio<br />
Veira de Mello, Fernando da Rocha<br />
Peres, Cláudio Veiga, Ildásio Tavares, Luís<br />
Antônio Cajazeiras Ramos, Elizeu Paranaguá,<br />
Mayrant Gallo, Aleilton Fonseca e<br />
Ruy Espinheira Filho, dentre outros. Até<br />
o decano dos historiadores baianos Cid<br />
Teixeira foi ridicularizado por ele.<br />
<strong>Com</strong>o o epigrama não poupa os mortos,<br />
um dos epigramados de Zeca apelou para a<br />
“musa vingadora”: “Boquirroto, sempre disse<br />
o quis/Mas foi muito descuidado/Pois a<br />
morte (meretriz)/o derrubou do telhado”.<br />
Na Bahia, os novos cultores do gênero<br />
fundaram a “Musa Desbocada” www.<br />
musadesbocada@yahoo.com.br, cuja versão<br />
eletrônica, conforme o poeta Gustavo Felicíssimo,<br />
foi criada depois que o poeta José<br />
Inácio Vieira de Mello esculhambou, pela<br />
Internet, um artigo dele. José Inácio torce<br />
o nariz para o grupo: “Nunca dei atenção às<br />
bobagens dos ressentidos da musa desdenta-<br />
da, pois tenho muito mais o que fazer”.<br />
Para Ildásio Tavares, os poucos cultores<br />
do gênero, atualmente, na Bahia fazem um<br />
epigrama “tolo e grosseiro”. O ressentimento<br />
é, muitas vezes, o combustível que<br />
alimenta os epigramistas. Num artigo para<br />
um suplemento cultural, Hélio Pólvora observou<br />
que “o epigrama é muitas vezes um<br />
desabafo de um ego machucado”. Porém,<br />
mais do que tudo é prato quente, oferecido<br />
com muito sal e pimenta.<br />
Na Bahia, dá na vista,<br />
Este fato comprovado,<br />
Quem não é epigramista<br />
Tem de ser epigramado<br />
– Carlos Chiacchio<br />
Originado do latim epigramma (“inscrição”)<br />
e do grego epigrapho (“eu inscrevo”),<br />
o epigrama, conforme Wilson Lins,<br />
remonta aos textos recolhidos pelas antologias<br />
gregas e pelos florilégios latinos.<br />
Seu antepassado mais ilustre é o romano<br />
Múcio Valério Marcial, que, no fim do<br />
primeiro século da era cristã, deixou mais<br />
de 1.500 epigramas. Ele foi praticado por<br />
nomes famosos como Voltaire e Rousseau,<br />
na França, e Pope e Swift, na Inglaterra.<br />
Segundo Lins, “o vezo baiano de dizer mal<br />
da Bahia” foi inaugurado por Gonçalo Ravasco<br />
e, com mais relevo, por Gregório de<br />
Mattos, o “Boca do Inferno”. •
Ren A t o PinheiRo<br />
Xô, Maracajá! Desinfeta!<br />
Triste Esporte Clube Bahia, oh quão dessemelhante.<br />
Só mesmo adulterando o famoso<br />
verso seiscentista do poeta baiano Gregório de<br />
Mattos e Guerra, o Boca do Inferno, para sintetizar<br />
a tragédia que vem sendo produzida e<br />
alimentada há muitos anos no maior clube de<br />
futebol do Nordeste, dono de uma das cinco<br />
maiores torcidas do país. Essa tragédia tem<br />
nome: Paulo Maracajá, o porretão, o bambambã,<br />
o cão de calçolão chupando manga do<br />
Esporte Clube Bahia. Ele é o cara que manda<br />
em tudo, o primeiro e único, como os reis<br />
Momos d’antanho (dos velhos tempos em<br />
que os reis Momos eram gordos).<br />
Maracajá, a rigor, não seria tema para se<br />
tratar em espaço sério. Mas, para o bem ou<br />
para o mal, o jornalismo tem dessas coisas e<br />
volta e meia a gente tem que escrever sobre<br />
o que não aprecia. É o caso. A verdade é que<br />
a Bahia e a torcida do Bahia assistem, impotentes,<br />
esse cara e a turma dele conduzirem o<br />
clube ao estado terminal.<br />
<strong>Com</strong> uma dívida inadministrável (inexplicavelmente<br />
construída nos últimos dez anos,<br />
depois de ter sido zerada pelo Banco Opportunity),<br />
sem estádio para mandar seus jogos,<br />
com sua torcida submetida a deslocamentos<br />
quilométricos para poder ver o time (esforçado,<br />
mas limitadíssimo) e com uma gestão<br />
absurdamente incompetente e medíocre, o<br />
Bahia caminha a passos largos para o fim,<br />
para o que os baianos costumam chamar de<br />
“processo de ipiranguização”.<br />
Para que o Bahia não acabe como o Ipiranga<br />
é preciso derrubar Maracajá. <strong>Com</strong>o,<br />
não me perguntem, mas há que se descobrir<br />
um jeito rapidinho, antes que seja tarde. Uma<br />
ação popular, um mandado de segurança, um<br />
golpe de Estado, sei lá o quê, mas alguma<br />
coisa tem que ser feita. Não dá para admitir<br />
um patrimônio do povo baiano como o Bahia<br />
estar entregue a gente como Maracajá.<br />
Para os que estavam esquecidos do seu<br />
estilo carcomido e malandro (vez que, oficialmente,<br />
ele anda escondido, se mexe apenas<br />
nos bastidores), o recente exemplo da aprova-<br />
“Ele já rapou do<br />
Bahia tudo o<br />
que podia rapar.<br />
Ganhou os mandatos<br />
parlamentares que<br />
pôde ganhar<br />
(hoje não se<br />
elegeria síndico de<br />
condomínio)”<br />
ção do novo estatuto do clube é emblemático.<br />
Depois de mandar seu menino de recados<br />
Petrônio Barradão prometer eleições diretas<br />
no Bahia (ao assumir a presidência interina<br />
do clube, em 2005), Maracajá ignorou o<br />
compromisso e comandou a votação do novo<br />
estatuto do seu jeito.<br />
Para tanto, convocou o fajuto Conselho<br />
Deliberativo do Bahia, formado e manipulado<br />
por ele, para uma reunião igualmente fajuta, à<br />
qual compareceram apenas 78 dos 323 conse-<br />
lheiros (menos de um quarto do total). Claro.<br />
Ele marcou a tal reunião para a quinta-feira<br />
de Carnaval e, ainda por cima, no mesmo<br />
horário em que estava sendo transmitido o<br />
jogo do Bahia contra o Ipitanga, em Madre de<br />
Deus. Dos 78 presentes, 75 votaram a favor<br />
do novo estatuto.<br />
A reunião da assembléia geral do Esporte<br />
Clube Bahia para referendar o estatuto foi<br />
outra comédia. Do conjunto de associados<br />
(que ninguém sabe ao certo quantos são),<br />
somente 173 compareceram à sede de praia<br />
do clube. Ou melhor, para lá foram levados<br />
em vários ônibus alugados por alguém, não<br />
se sabe exatamente quem. Resultado da votação?<br />
162 a 11. Verdadeira goleada, típica da<br />
mutreta vergonhosa que marca, há décadas,<br />
todas as eleições, as votações, as reuniões do<br />
Conselho Deliberativo e as assembléias gerais<br />
de sócios do Bahia. Que, aliás, sócios não há,<br />
vez que é praticamente proibido se associar<br />
ao clube – quem quiser que tente.<br />
O que não dá para entender é por que Maracajá<br />
não larga o osso. Ele já rapou do Bahia<br />
tudo o que podia rapar. Ganhou os mandatos<br />
parlamentares que pôde ganhar (hoje não se<br />
elegeria síndico de condomínio), ganhou um<br />
cargo vitalício para o qual não tinha merecimento,<br />
o que mais ele pode querer? O Bahia<br />
não tem mais nada a lhe dar, nem prestígio.<br />
Hoje, a torcida o xinga de termos impublicáveis<br />
a cada jogo do time.<br />
Por tudo isso, é tão urgente enxotar Maracajá<br />
e toda sua turma. Vamos derrubar o<br />
homem. O que não dá mais é para o Bahia<br />
continuar navegando nas águas fétidas por<br />
onde hoje navega.<br />
E juro que não volto mais a este assunto. •<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />
23
24<br />
Roda baiana<br />
Carnaval: vagas impressões<br />
Por Fernando Guerreiro<br />
Este ano, devido aos ossos do recémadquirido<br />
ofício de comentarista radiofônico,<br />
me peguei assistindo ao carnaval<br />
supostamente mais participativo do<br />
mundo de camarote. E de lá, da minha<br />
confortável cabine refrigerada - que dividi<br />
com meus colegas do Roda Baiana -,<br />
observei algumas peculiaridades de nossa<br />
consagrada farra carnavalesca:<br />
1. O nosso carnaval está irremediavelmente<br />
chato e repetitivo. Os blocos se<br />
parecem, os abadás se parecem, os cantores<br />
se parecem, as músicas (músicas???)<br />
se parecem. Às vezes me dá uma sensação<br />
de um desfile ininterrupto de uma única<br />
atração. Sai do chão galera!!!! Levanta a<br />
mãozinha!!! Toda boa!!! Sou a gostosa!!!!<br />
Quanta novidade. Da geléia geral empastelada<br />
salvam-se Brown e sua eterna busca<br />
de novidades, a religião Chiclete (religião<br />
pode ser repetitiva), o renascimento dos<br />
Mascarados e a eterna inquietação de Daniela.<br />
Sem falar da musa Ivete, que chegou<br />
num estágio de carisma e popularidade que<br />
pode fazer o que quiser.<br />
2. Pode parecer disco arranhado, mas<br />
o folião-pipoca está com os dias contados.<br />
Só arrisca quem tem culhão para tomar<br />
uns sopapos. De um lado cordas, do outro<br />
camarotes, e haja empurra-empurra.<br />
3. Existe alguma coisa mais chata<br />
no mundo que camarote? Muito bem<br />
organizados, criativos, mas irreversivelmente<br />
desinteressantes. Nego paga<br />
de 200 a 700 contos para ficar num<br />
ambiente indoor (uiiii) e tome-lhe a<br />
beber e comer desesperadamente para<br />
tentar cobrir o que gastou. Resultado,<br />
em quatro horas resta um quadro desolador<br />
de gente embriagada e empanturrada,<br />
sem condições sequer de dar<br />
um beijo na boca. E haja lama!<br />
4. Me expliquem o que são aqueles<br />
seres humanos desanimados em cima<br />
dos famigerados carros de apoio. Uma<br />
desolação absoluta, um quadro triste,<br />
o chamado camarote WC deveria ser<br />
definitivamente extirpado da folia, e<br />
junto com ele aquelas pessoas que se<br />
comprimem nos trios dos famosos tentando<br />
aparecer mais que os ditos-cujos,<br />
gerando situações constrangedoras.<br />
5. É preciso repensar a participação dos<br />
patrocinadores na festa. Longe de mim ser<br />
contra patrocinadores, mais a exposição<br />
de marcas está tão desenfreada e desorganizada<br />
que o carnaval virou uma aula<br />
de antimarketing. Milhares de balões em<br />
cada bloco, trios entupidos de marcas por<br />
todos os lados, mulheres nuas com o corpo<br />
pintado com logotipos, barbas sendo feitas<br />
em camarotes, absorventes fazendo fundo<br />
a fotos lamentáveis. Enfim, perdeu-se a<br />
medida. Cuidado para não matarmos a<br />
galinha dos ovos de ouro.<br />
6. O circuito do Centro está morrendo.<br />
Sou contra a criação de um novo corredor<br />
e a favor da luta pela recriação do nosso<br />
percurso original. Passou do Campo Grande<br />
só porrada e velocidade. O circuito do<br />
Centro está morrendo.<br />
7. Lindos os blocos de samba na avenida.<br />
Um alento de originalidade e criatividade musical.<br />
Belos, muito belos e emocionantes.<br />
8. Vamos repensar com urgência a nossa<br />
grande e querida festa. Concordo com meu<br />
colega André Simões, que propõe a criação<br />
de uma Fundação do Carnaval para se<br />
preocupar o ano todo com nossa esbórnia<br />
maior. Sou e sempre serei um grande folião,<br />
e é como folião que defendo o debate para<br />
que nossa festa recupere sua originalidade,<br />
não repetindo fórmulas do passado como<br />
querem alguns, mas descobrindo novos<br />
formatos, ousadias, se transformando num<br />
espetáculo acima de tudo artístico e solidário,<br />
em que todos possam se divertir com<br />
espaços equilibrados. Só assim Dionísio<br />
voltará a reinar numa terra em que até Rei<br />
Momo pode ser diet. •
Este é um espaço dedicado a quem gosta e a quem tem curiosidade pelo tema “Sexo”. Aqui os leitores podem<br />
tirar suas dúvidas com a sexóloga Gilda Fucs. Basta enviar sua pergunta para revistametropole@ksz.com.br<br />
que nós publicaremos. Não se preocupe se você é broxa ou frígida, sua identidade será mantida em sigilo.<br />
G.A.S. - 24 anos, casada<br />
Estou namorando um cara há 2 meses e acho estranho<br />
porque os outros namorados que eu tive gostavam que eu me<br />
mexesse e esse quer que eu fique imóvel durante a transa, de<br />
olhos fechados, como se eu estivesse morta. Não é estranho,<br />
doutora? A senhora já viu alguém assim ou ele é louco?<br />
Devo topar?<br />
Gilda Fucs – Parece uma forma branda de necrofilia, e ele<br />
precisa se tratar. Há até casos em que o homem pede à mulher<br />
para tomar um banho bem frio para a temperatura do corpo<br />
baixar. A ajuda terapêutica é importante. Isso é um dado de<br />
realidade, agora se você deve ou não topar só depende de você,<br />
que já é adulta e pode decidir.<br />
I.B.F. - 36 anos, casada<br />
Contraí uma DST do meu ex e estou me tratando há<br />
três meses. Conheci um homem maravilhoso, que quis me<br />
namorar. Ele quer fazer sexo oral em mim, mas não quero<br />
passar a doença para ele. Já estou enrolando ele há um mês.<br />
Não posso contar nada, pois tenho medo de perdê-lo e até de<br />
ele ficar com nojo. <strong>Com</strong>o saio dessa situação sem perdê-lo?<br />
Gilda Fucs – Parece que inventar uma história qualquer que<br />
justifique sua abstinência vai ser difícil ele aceitar. O melhor<br />
seria fazer aquilo que você tem evitado, que é contar para ele<br />
a verdade e dizer que você já está em tratamento. Será que ele<br />
sendo um homem maravilhoso, como você diz, não será capaz de<br />
entender? A sua atitude de ser correta e não colocar seu parceiro<br />
em risco de contaminação já demonstra muita responsabilidade.<br />
Nojo e rejeição ele deveria ter se você fosse inconveniente e ir-<br />
responsável de permitir que ele fizesse o sexo oral. Não há nada<br />
mais comum, infelizmente, do que pessoas adultas, com vida<br />
sexual ativa, correrem risco e, em algum momento, pegarem uma<br />
infecção, principalmente se não usarem camisinha.<br />
S.B.S. - 25 anos, solteira<br />
Ouvi falar que a ejaculação dentro da vagina pode provocar<br />
aborto. Estou grávida do meu primeiro filho e desde<br />
aí não permito que meu marido faça dentro. É verdade isso?<br />
Devo voltar a transar naturalmente?<br />
Gilda Fucs – Há uma crença, que muita gente acredita, de<br />
que as substâncias presentes no esperma, como a prostaglandina,<br />
são capazes de causar contrações uterinas e induzir ao aborto. Isso<br />
não ocorre. A quantidade de prostaglandina presente no sêmen é<br />
insuficiente para provocar esse tipo de problema. Para desencadear<br />
contrações capazes de acelerar o parto seriam necessárias, pelo<br />
menos, 15 ejaculações dentro da vagina num período de 1 hora,<br />
o que, diga-se de passagem, é impossível.<br />
A.R.C. - 28 anos, solteira<br />
Qual a diferença entre a camisinha masculina e a feminina?<br />
Quero lhe dizer que gosto e faço muito sexo anal.<br />
Gilda Fucs – A camisinha feminina tem mais lubrificante, o que<br />
facilita mais a penetração, mas ela cobre o canal vaginal e cerca de<br />
2 cm ao redor das bordas da vagina. A masculina cobre todo o pênis,<br />
o que corta o contato das secreções do pênis com qualquer ponto<br />
da região pélvica. Para a penetração anal, só a masculina. •<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />
25
26<br />
Obras<br />
Emergência?<br />
Estado dispensa licitações para gastar mais de R$ 350 milhões<br />
Nardele Gomes<br />
O Aurélio disse, está dito. Emergência<br />
é situação crítica que exige ação imediata.<br />
De posse desse conceito, vamos a<br />
uma rápida reflexão sobre um tema que<br />
ninguém agüenta mais, mas que desta vez<br />
será rápido: o Estádio da Fonte Nova, que<br />
abrigava dezenas de milhares de pessoas<br />
toda semana, pedia pelo-amor-de-Deus<br />
para ser reformado há quanto tempo? Ninguém<br />
reformou, consertou nem remendou<br />
coisa nenhuma. O resultado foi a tragédia<br />
que levou sete torcedores à morte. E agora<br />
que o incidente já ocorreu o Governo do<br />
Estado decide que reformar o Estádio de<br />
Pituaçu é uma obra de emergência. E tudo<br />
por causa de um simples gramado.<br />
É que as melhorias no nobre estádio<br />
começam, como em toda obra, do chão.<br />
E a retirada do gramado tem que ser a primeira<br />
etapa da reforma, para que a obra,<br />
“urgentíssima”, acabe no prazo. Maria<br />
Del Carmen, presidente da <strong>Com</strong>panhia<br />
de Desenvolvimento Urbano do Estado da<br />
Bahia (Conder), explicou que o gramado<br />
tem que ser o ponto de partida porque<br />
enquanto outros serviços vão sendo realizados,<br />
a nova grama vai crescendo verdinha<br />
e a obra termina no prazo estipulado de<br />
seis meses.<br />
Mas qual a real necessidade de um estádio,<br />
há anos abandonado pelo Estado,<br />
ficar plenamente recuperado em apenas<br />
seis meses? Só se for para o governo não<br />
ficar mal com a torcida do Bahia - desabri-<br />
Da reforma de Pituaçu ao<br />
frango congelado da Sesab,<br />
tudo é “emergência”<br />
gada desde a interdição definitiva da Fonte<br />
Nova - justamente num ano eleitoral.<br />
O caráter emergencial da obra dispensa<br />
a “formalidade” (leia-se processo licitatório).<br />
Assim, a Conder, através de sua<br />
presidente, pôde contratar a Campbell<br />
Construções e Terraplenagem, que, entre<br />
as três empresas convidadas a apresentar<br />
Coperphoto<br />
orçamento para a retirada do gramado do<br />
Estádio Roberto Santos (nome de batismo<br />
da praça esportiva de Pituaçu), foi a que<br />
trouxe a melhor proposta. “É R$ 1,00 por<br />
metro quadrado”, alega Del Carmen. São<br />
10.250 m² de área, logo R$ 10,25 mil.<br />
O valor máximo para que a licitação seja<br />
dispensada em obras de engenharia, explica
notas da <strong>Metrópole</strong><br />
ela, é R$ 10,5 mil. Se o valor por metro<br />
quadrado fosse 3 centavos mais caro, a licitação<br />
seria necessária.<br />
Campbell e Del Carmen, assim, repetem<br />
este ano uma parceria de sucesso que vem<br />
desde 2004, quando a empresa doou R$ 30<br />
mil para a campanha vitoriosa da atual presidente<br />
da Conder à Câmara Municipal de<br />
Salvador. Ela não acha constrangedor contratar<br />
uma das principais financiadoras para<br />
sua campanha sem licitação para uma obra<br />
do Estado. “Não existe nada na lei que diga<br />
que ela não pode participar”, argumenta.<br />
Mas esta é só mais uma obra do Governo<br />
da Bahia que, por um motivo ou por<br />
outro, dispensa a concorrência ou licitação.<br />
Só em 2007, o governo fez compras<br />
ou contratou serviços no total de R$ 315<br />
milhões, tudo sem licitação, segundo dados<br />
do site Transparência Bahia, mantido pelo<br />
próprio Governo do Estado. Isso corresponde<br />
a 73% dos investimentos realizados<br />
pelo Estado em 2007 (cerca de R$ 550<br />
milhões). O órgão que mais contratou sem<br />
licitação foi a Secretaria de Saúde, num<br />
total de R$ 125 milhões. Em seguida vêm<br />
as secretarias de Infra-estrutura (R$ 50<br />
milhões) e Educação (R$ 45,7 milhões).<br />
“Na maioria desses casos, quando não se<br />
faz licitação cerceia-se e limita-se o direito<br />
de outras empresas apresentarem suas<br />
propostas, o que possibilitaria preços mais<br />
interessantes para o Estado”, argumenta o<br />
líder da oposição na Assembléia Legislativa,<br />
deputado Gildásio Penedo (DEM).<br />
Entre os valores que mais chamam a<br />
atenção, estão os R$ 46,5 milhões pagos<br />
à Fundação José Silveira e às Obras Sociais<br />
de Irmã Dulce para a contratação de médicos<br />
terceirizados (e quarteirizados).<br />
Até frango congelado entrou na lista<br />
das “emergências” do Estado. Para a Secretaria<br />
de Saúde, compradora do fran-<br />
E agora?<br />
Cansado de ser oposição, o<br />
vereador Palhinha deixou<br />
o PTN, no ano passado,<br />
e migrou para o PSB com<br />
o objetivo de ficar lado a<br />
lado com o prefeito <strong>João</strong><br />
Henrique. O que Palhinha<br />
não contava é que seu novo<br />
partido, que fazia parte da<br />
administração municipal,<br />
abandonasse o prefeito.<br />
go, a aquisição da ave congelada era tão<br />
urgente que não deu para fazer o que a<br />
regra básica da economia preconiza: a<br />
pesquisa de preços.<br />
Para completar, a Superintendência de<br />
Construções Administrativas da Bahia, Sucab,<br />
vai pagar R$ 9 milhões à Construtora<br />
Pablo para construir um presídio em Eunápolis,<br />
também sem licitação. Para quem<br />
não sabe, a Construtora Pablo é uma empresa<br />
que afirma ter 31 anos no mercado<br />
da construção civil. Deve ser pela tradição<br />
no ramo que o próprio site da Pablo ainda<br />
está em construção.<br />
Além dos casos da Sesab, Seinfra e SEC,<br />
existem outros onde os valores dos contratos<br />
fechados sem licitação não foram sequer<br />
“Todos os gastos<br />
foram realizados<br />
porque eram<br />
urgentes”<br />
- Waldenor Pereira,<br />
líder do governo na AL<br />
A deixa<br />
Na primeira sessão da<br />
Assembléia Legislativa deste<br />
ano, o deputado Álvaro Gomes<br />
(PCdoB) fez um relato sobre a<br />
viagem que fez a Cuba durante<br />
o recesso parlamentar. O<br />
comunista saudou os feitos da<br />
revolução cubana e destacou<br />
a importância da liderança<br />
de Fidel Castro para a ilha<br />
caribenha e para o mundo,<br />
afirmando: “Fidel está forte e<br />
certamente dará muitas alegrias<br />
ao mundo no comando dos<br />
destinos do povo cubano”.<br />
divulgados, o que significa que o valor de<br />
R$ 315 milhões pode ser bem maior. Um<br />
exemplo é o da Secretaria de Segurança Pública,<br />
que divulgou no dia 19 de dezembro<br />
no Diário Oficial a aquisição de 100 carabinas<br />
e 200 metralhadoras para a Polícia<br />
Militar, dispensando a licitação e omitindo<br />
os valores pagos à empresa Forjas Taurus<br />
S/A. No mesmo mês, a Bahia Pesca divulgou<br />
a compra de redes na Sansuy S/A Indústria<br />
de Plásticos. O valor mais uma vez foi omitido<br />
pela empresa, órgão da Secretaria do<br />
Trabalho, Emprego, Renda e Esporte.<br />
Foi a deixa. Um dia depois do<br />
discurso, “El <strong>Com</strong>andante”<br />
anunciou sua aposentadoria,<br />
renunciando à presidência de<br />
Cuba.<br />
Contra tudo e contra todos, o líder do<br />
governo na Assembléia, deputado Waldenor<br />
Pereira (PT), alega que todos estes<br />
gastos têm amparo legal, baseando-se na<br />
Lei 8.666, que prevê dispensa de processo<br />
licitatório em casos onde há emergência.<br />
“Todos os gastos foram realizados porque<br />
eram urgentes e havia a emergência do serviço<br />
a ser realizado”, diz.<br />
Quem está preocupado com a falta de<br />
segurança, com a nossa saúde meia-sola<br />
e com o desemprego pode ficar tranqüilo.<br />
Assim que as reais emergências forem<br />
atendidas, o resto virá na seqüência. Só fica<br />
a dúvida sobre quem definiu que as emergências<br />
são o frango congelado, o presídio<br />
de Eunápolis e o gramado de Pituaçu. •<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />
27
28<br />
Jul i A n A Cu n h A<br />
<strong>Com</strong>o falar<br />
dos livros que<br />
não lemos?<br />
Veja bem, tenho algumas coisas desconexas<br />
a dizer. Aparentemente desconexas.<br />
Eu costumo ser boa em encaixar coisas<br />
aparentemente desconexas de uma forma<br />
esteticamente aceitável porque li quase todos<br />
os livros de Milan Kundera, inclusive<br />
“O insustentável peso das pálpebras”, muitas<br />
vezes. Li não, folheei. Na verdade, li. As<br />
coisas que Pierre Bayard diz no livro que<br />
pretendo comentar fazem sentido, mas não<br />
todo sentido. Ele propõe que classifiquemos<br />
Destroçar o próprio<br />
ego em público<br />
é só outra forma de<br />
lustrá-lo<br />
os livros que citamos a partir da intensidade<br />
de contato que tivemos com eles. <strong>Com</strong>o se<br />
os livros fossem ETs. Os níveis de intensidade<br />
de Bayard são: LD (livro desconhecido),<br />
LF (livro folheado), LO (livro de que ouvir<br />
falar) e LE (livro esquecido). Mas o que<br />
Bayard esquece é que, quando um livro te<br />
abduz e faz experiências bizarras com você,<br />
quando você sabe trechos inteiros dele, cita<br />
à exaustão e contamina a lombada com o<br />
cheiro do seu sovaco, aí você realmente leu<br />
e realmente está perdido para a biblioteca,<br />
como diz o bibliotecário de Musil. Dentro<br />
desta classificação altamente sectária, posso<br />
afirmar que li Kundera, Rowling, Salinger e<br />
Dostoievski. Não é uma lista da qual possa<br />
me orgulhar, mas destroçar o próprio ego<br />
em público é só outra forma de lustrá-lo. E<br />
é essa a segunda coisa que Bayard finge não<br />
saber ao assumir não ter lido Joyce e ficar<br />
esperando um high-five.<br />
Pierre Bayard leciona literatura francesa<br />
na Universidade de Paris, é psicanalista e<br />
escreveu um livro chamado “<strong>Com</strong>o falar<br />
dos livros que não lemos?”. A capa, assim<br />
como o título, tem pinta de auto-ajuda pretensamente<br />
engraçadinha. <strong>Com</strong>prei para<br />
presentear minha melhor amiga que, desde<br />
sua inesperada aprovação no vestibular tem<br />
sido atormentada por sua mãe, que acha<br />
que ela deve ler um bom livro e assistir a<br />
um bom filme por dia. “Projeto Virar Pessoa<br />
Interessante”, é como costumo chamar<br />
essa espécie de promessa de fim de ano que<br />
devemos largar na areia da praia, junto com<br />
as rosas e os vômitos, pelo bem da paciência<br />
das pessoas que nos cercam. O último conhecido<br />
que implementou esse projeto foi<br />
um amigo da minha irmã. Freqüentava shows<br />
de Calcinha Preta e gostava de Antes do<br />
pôr-do-sol. Algumas aulas de André Setaro<br />
e muitas idas à locadora pegar a filmografia<br />
dos grandes mestres depois ele pode ser visto<br />
no orkut – de sobretudo e echarpe – na<br />
frente da Torre Eiffel.<br />
O livro de Bayard diz algumas obviedades<br />
necessárias. Basicamente, que as pessoas mentem<br />
demais sobre a quantidade (e qualidade)<br />
dos livros lidos; que a leitura não é o processo<br />
homogêneo de assimilação integral que gostamos<br />
de acreditar; que outras formas de contato<br />
(resenhas, críticas, orelhas, folhear, ouvir<br />
falar...) ocasionalmente podem nos fornecer<br />
tanto ou mais subsídio para falar sobre um<br />
livro do que uma leitura integral relapsa e – aí<br />
entra a parte psicanalítica intragável – você<br />
não deve se sentir inferior por não ter lido<br />
determinados livros porque o conhecimento<br />
é inevitavelmente fragmentado.<br />
O desespero causado pela impossibilidade<br />
de dar conta de todo o material escrito<br />
existente, tal como a mentira sobre o que se<br />
leu ou mesmo o cinismo de assumir julgar<br />
livros sem tê-los lido, não são angústias nem<br />
atitudes novas, embora assumi-las publicamente<br />
permaneça inovador. Zaid, Valéry,<br />
Wilde e tantos outros já trataram do assunto.<br />
Talvez Woody Allen tenha encarnado o trauma<br />
do não-leitor da melhor forma possível<br />
em “Zelig”. Zelig é o “camaleão humano”,<br />
o personagem que absorve as características<br />
de quem o rodeia, numa tentativa desesperada<br />
de ser bem quisto. Os distúrbios de<br />
personalidade de Zelig surgiram na escola,<br />
onde ele dizia ter lido “Moby Dick” porque<br />
as pessoas inteligentes diziam ter lido Moby<br />
Dick. E é isso que nós somos: Zeligs. Antes<br />
e depois do livro de Bayard. •
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008
“Uma cidade que se<br />
preze tem que ter um<br />
bordel de primeira”<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> – Você se formou em<br />
1998, pela Ufba...<br />
Sidney Quintela – Na verdade quando<br />
faltavam dois anos para me formar eu montei<br />
meu primeiro escritório. Nesse escritório a<br />
gente fazia obra, quase não fazíamos projeto.<br />
A gente fazia obra para vários arquitetos.<br />
Eles faziam o projeto e a gente tinha uma<br />
empresa pequena que executava as obras, e<br />
uma hora ou outra surgia um projeto. Mas<br />
o escritório mesmo, funcionando, foi dois<br />
anos antes de me formar.<br />
M – E acontece o quê?<br />
– Aí me formei, e eu já estava com<br />
este escritório, já tinha estagiário, e<br />
quando me formei eu consegui entrar<br />
na Casa Cor, o que foi um precedente<br />
que eles abriram porque na verdade,<br />
para fazer a Casa Cor, tinha que ter dois<br />
anos de formado, mas como eu já estava<br />
trabalhando, fazendo obras para outros<br />
arquitetos dentro da Casa Cor, abriram<br />
uma exceção e fiz a Casa Cor no ano<br />
seguinte ao que me formei.<br />
M – Onde era a Casa Cor?<br />
– Foi no Porto da Barra, onde é o<br />
Pereira. Então, entrei nessa Casa Cor.<br />
A Casa Cor não me deu um retorno<br />
de clientes, mas me deu um retorno<br />
institucional, porque comecei a<br />
conhecer muitas pessoas, fornecedores,<br />
e esses fornecedores começaram a me<br />
conhecer, o que facilita muito a vida<br />
do profissional. Você conhecer como<br />
funciona, entender o quanto essa<br />
profissão movimenta no mercado e aí<br />
você começa a entender a importância<br />
que tem para esse faturamento financeiro<br />
e o que gasta com obra, com acessórios...<br />
Me deu uma visão empresarial de como<br />
esse meu negócio ia caminhar. E nessa<br />
seqüência eu peguei - o que eu acho que<br />
foi o divisor de águas - a casa de Caetano<br />
Veloso para fazer.<br />
M – Foi Caetano que te procurou?<br />
– Quem me indicou para ele foi Lícia<br />
Fábio. Na verdade, Paulinha (Paula<br />
Lavigne, ex-mulher de Caetano Veloso)<br />
procurou Lícia Fábio para pedir uma<br />
indicação de arquiteto e coincidiu que<br />
eu estava fazendo o projeto do réveillon<br />
dela no Bahia Marina e acho que ela<br />
indicou outras pessoas, mas como era<br />
“O que deixa nossa orla feia<br />
é o uso que é dado a ela”<br />
um dia de domingo e não conseguiu falar<br />
com ninguém, ela falou comigo, eu fui<br />
lá e fechei o negócio. E aí mudou tudo.<br />
Eu não divulguei que estava fazendo a<br />
casa de Caetano, não precisou, foi muito<br />
ligeiro. E você sabe como é, né? As pessoas<br />
começaram a me procurar para fazer<br />
coisas, fazer projetos... Eu acredito que<br />
justamente levado pela coisa de eu estar<br />
fazendo a casa do Caetano. E aí conheci<br />
Almodóvar, Lulu Santos, conheci um<br />
monte de artistas que comecei a fazer<br />
as casas. Aí vai Astrid Fontenelle, José<br />
Simão... E aí foi puxando um monte<br />
de gente e eu passei um tempo assim<br />
colhendo os frutos de estar fazendo<br />
projetos de pessoas conhecidas.<br />
M – Quando você fala em desenvolver<br />
um projeto para Caetano Veloso, José<br />
Simão, a personalidade dessas pessoas<br />
interfere no projeto?<br />
– Não interfere. Muito pelo contrário.<br />
O perfil sempre interfere, porque você tem<br />
que fazer um projeto para quem vai usar.<br />
Mas quanto mais culta a pessoa é, o cliente<br />
é, menos interferência tem, porque ela<br />
tem inteligência suficiente para lhe passar<br />
o que ela quer, lhe dizer as expectativas.<br />
Entende-se melhor as propostas que se faz<br />
e acaba sendo um facilitador.<br />
M – Quando Sidney Quintela começa<br />
aparecer?<br />
– O que aconteceu foi o seguinte:<br />
quando eu surgi no mercado, botei a cara<br />
na tela em 99, nessa Casa Cor, quando<br />
peguei a casa de Caetano foi uma avalanche<br />
de projetos e foi tudo muito rápido. Então<br />
quando eu comecei a aparecer, tinha uma<br />
história que era o seguinte: “O Sidney é<br />
mídia, o Sidney é lobista e tal”. Esse foi o<br />
primeiro rótulo.<br />
M – E te incomoda esse rótulo?<br />
– Não, não me incomoda. E quem me<br />
deu esse rótulo? Outros profissionais, os<br />
lobistas...<br />
M – Já lhe acusaram de cópia?<br />
– Graças a Deus. Que eu saiba, não.<br />
M – Além da casa de Caetano, que<br />
outros projetos você fez?<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008 31
32<br />
– Eu fiz a casa de Caetano, na seqüência<br />
fiz a casa de Astrid Fontenelle, depois<br />
fiz a casa de Luciana Melo, filha de Jair<br />
Rodrigues, fiz Zé Simão, Macaco Simão,<br />
aqui em Salvador, fiz Tuca do Jammil e<br />
estou fazendo Cláudia Leitte.<br />
M – É complicado você escolher o<br />
“filho” melhor. Desses projetos, quais<br />
você destaca?<br />
– Rapaz... Por exemplo, sempre você<br />
está evoluindo, o projeto vai melhorando,<br />
então acho que são os últimos. Então o que<br />
tenho agora de muito bom: tá saindo um<br />
projeto que a gente fez em Angra dos Reis,<br />
um complexo hoteleiro muito grande, uma<br />
ilha particular de um grupo mexicano,<br />
com apartamentos, casas, marinas, muito<br />
grande, que eu acho que vai dar um porte<br />
grande ao escritório. Estamos fazendo um<br />
complexo hoteleiro em Paimogo, na costa<br />
oeste de Portugal, fica no Atlântico, que<br />
é um projeto muito grande que dá um<br />
valor final de venda de 300 milhões de<br />
euros é um negócio de um volume muito<br />
grande e vai ser incorporado por um grupo<br />
financeiro de Dubai.<br />
M – <strong>Com</strong>o você chegou em Portugal?<br />
– Quando surgiram esses empreendimentos<br />
imobiliários eu já tinha o<br />
Lumiere (edifício projetado por Quintela,<br />
localizado no Horto Florestal) na manga,<br />
e começaram a chegar aqui no Brasil<br />
vários grupos de investidores, portugueses<br />
e espanhóis, para comprar terrenos, fazer<br />
empreendimentos, porque na Europa não<br />
tem mais o que fazer, não tem terreno e<br />
as pessoas não compram porque não têm<br />
uma defasagem habitacional que nós temos,<br />
gente morando de aluguel, que não tem<br />
casa própria. E os estrangeiros têm dinheiro<br />
barato, coisa que nós não temos aqui, juros<br />
baixos, para tomar o dinheiro para fazer<br />
empreendimentos. Então agora que está<br />
bom nós temos 9% a 10% ao ano os caras<br />
lá trabalham com 3% ao ano e isso em R$1<br />
bilhão é muita coisa, muito dinheiro. Eles<br />
começaram a vir e começaram a procurar,<br />
conhecer arquitetos até para definir com<br />
quem vai trabalhar, quem vai contratar...<br />
E eu sempre tive uma relação muito boa<br />
com todo mundo. Não tenho inimigos.<br />
Então, começaram a me procurar, assim<br />
como outros arquitetos daqui de Salvador,<br />
e começaram a escolher. Eles dividiram e<br />
sobrou uma fatia pra mim. Eu peguei esses<br />
clientes e comecei a fazer um trabalho sério,<br />
que é uma característica minha, de sempre ter<br />
a estrutura para poder desenvolver. Não vou<br />
pegar 10, 11 projetos, se eu não tiver uma<br />
estrutura compatível com essa demanda,<br />
porque eu entrego no prazo o meu projeto,<br />
eu acompanho... E os primeiros projetos<br />
que fizemos para esses grupos correram bem<br />
e um desses empresários, um português,<br />
chegou pra mim e disse: “Eu acho que você<br />
deveria ir a Portugal para dar uma olhada”.<br />
Eu aí fui e passei uma semana, nessa semana<br />
“Esse PDDU é fundamental<br />
para o crescimento da cidade”<br />
eu tive umas oito reuniões com grupos<br />
grandes de Portugal, como o Imocom,<br />
que está fazendo o Hilton do <strong>Com</strong>ércio,<br />
como o Grupo Lena... E eu fui conhecendo<br />
essas pessoas, ouvindo-as, juntei com os<br />
que já eram meus clientes e eles disseram<br />
que era bom eu montar um escritório lá<br />
para atendê-los melhor. Por exemplo,<br />
Fotos: Coperphoto
todas essas decisões são tomadas lá, eles<br />
têm escritórios aqui com executivos que<br />
ajudam, desenvolvem e tal, mas a decisão é<br />
tomada na sede, que é onde está o dono, o<br />
cara que paga a conta. E no momento que<br />
eu cheguei lá e que disse vou montar meu<br />
escritório aqui, contratei uma arquiteta<br />
portuguesa, peguei uma arquiteta minha<br />
do meu escritório, montei uma estrutura,<br />
as coisas cresceram muito rapidamente,<br />
eu tenho o escritório de São Paulo há<br />
quatro anos e o de Lisboa tem dez meses<br />
e eu já faturei nesses dez meses mais<br />
do que quatro anos em São Paulo. Por<br />
conta da carência que há, porque todos<br />
os investimentos estão sendo feitos fora<br />
de Portugal, fora da Espanha...<br />
M – Mas a arquitetura lá não é forte?<br />
– Não, não é. A Europa é pequena e<br />
tem alguns arquitetos que são “os caras”<br />
– Norman Foster, Calatrava, etc. – e<br />
eles estão atuando ali, então você pega<br />
dez arquitetos que estão atuando na<br />
Europa inteira e aqui em Salvador tem<br />
uns 30, 30 bons. Então o que acontece,<br />
sem contar que eu chego lá com uma<br />
“Eu sempre tive uma relação<br />
muito boa com todo mundo.<br />
Eu não tenho inimigos”<br />
linguagem totalmente diferente da<br />
deles, o que é uma novidade, você<br />
se diferencia, não tem aquela coisa<br />
massificada que já está entranhada na<br />
mentalidade dos caras. Então quando<br />
eu monto a estrutura lá e chego pro<br />
cara e digo que minha estrutura já está<br />
operando e estou desenvolvendo um<br />
projeto para eles aqui no Brasil, fazendo<br />
um hotel como o Hilton, eu já tive mais<br />
reuniões no escritório deles de Lisboa<br />
do que aqui, então isso é um facilitador<br />
para o empresário.<br />
M – Você acompanhou as discussões do<br />
novo Plano Diretor de Desenvolvimento<br />
Urbano (PDDU)? <strong>Com</strong>o você está vendo<br />
isso? A quebra do gabarito da orla já<br />
está definida...<br />
– Está definida, mas de forma consciente<br />
eu acho que esse PDDU é fundamental para<br />
o crescimento da cidade. Por que a nossa<br />
orla não é bonita arquitetonicamente? Não<br />
é bonita porque não tinha viabilidade para<br />
os empreendimentos por conta da legislação<br />
que travava todo o desenvolvimento da orla.<br />
Então, a partir do momento que a iniciativa<br />
privada não consegue obter retorno ela<br />
não vai comprar nem desenvolver aquela<br />
área, o poder público não tem condições<br />
e nem tem dinheiro para fazer isso, quem<br />
tem que fazer é a iniciativa privada. Então<br />
que se dê à iniciativa privada condições de<br />
viabilidade do negócio, obviamente com<br />
controle, com parâmetros urbanísticos<br />
que não prejudiquem. Agora é um absurdo<br />
você ter o Porto da Barra e a própria Barra<br />
do jeito que estão hoje, com borracharia,<br />
puteiro, muquifo. É um absurdo.<br />
M – Em Amaralina você tem tudo isso<br />
também. Qual o significado pra você de<br />
uma orla bonita?<br />
– A orla de Salvador já existe, já está<br />
aí com as nossas praias e tal, o que eu<br />
vejo é que a gente não pode deixar nossa<br />
orla como a orla do Rio de Janeiro. É<br />
impossível, ninguém vai construir na<br />
areia, aumentar calçadão. O que deixa<br />
nossa orla feia é o uso que é dado a ela.<br />
Então se você não tem desenvolvimento<br />
você não tem segurança. Então você<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />
33
34<br />
anda ali no Porto da Barra e vê os meninos<br />
vendendo cola, maconha, um monte de<br />
prostitutas, nada contra as prostitutas, eu<br />
até sou a favor de se devolver os bordéis na<br />
cidade de Salvador - foi até um projeto meu<br />
de faculdade, “A revitalização da Ladeira<br />
da Montanha”, devolver os motéis com<br />
classe, com gás, com prostituas bonitas,<br />
saudáveis, ambiente agradável, uma<br />
cidade que se preze tem que ter bordel de<br />
primeira, é entretenimento, é um nicho de<br />
mercado fantástico, legalizado, bonitinho<br />
é uma maravilha. Enfim, o problema<br />
todo, a orla, pelo fato de não se justificar<br />
o investimento por não conseguir obter<br />
retorno, ela começa a entrar num processo<br />
de degradação e que chega aonde chegou<br />
porque o cara que está ocupando ali não<br />
tem dinheiro para fazer a manutenção<br />
do negócio e, por mais que ele invista,<br />
hoje não vai rodar, a não ser que haja um<br />
consenso e se reforme tudo, o que só a<br />
iniciativa privada tem poder de fazer.<br />
M – Você acha que a soliticitação do<br />
governador Jaques Wagner para que Oscar<br />
Niemeyer fizesse um projeto para uma nova<br />
Fonte Nova foi uma atitude política?<br />
– Eu acho que não é política, não.<br />
Eu acho que qualquer pessoa, qualquer<br />
governante, tem exatamente a noção da<br />
importância que é ter um projeto de um<br />
arquiteto como o Oscar Niemeyer, que já<br />
tá com 100 anos e que tá mais pra lá do<br />
que pra cá, mas que tá aí, vivo, talvez um<br />
dos últimos arquitetos dos modernistas<br />
vivo, brasileiro, e que pode fazer. Eu, por<br />
exemplo, adoraria fazer o projeto da Fonte<br />
Nova, inclusive estou atrás de saber como<br />
está isso, mas, por exemplo, no caso de<br />
o Niemeyer fazer, eu acredito que todos<br />
os outros arquitetos que querem fazer<br />
abririam mão para ter um equipamento<br />
do porte da Fonte Nova com a assinatura<br />
de Oscar Niemeyer. Isso vira ponto de<br />
visitação turística e isso está acima da<br />
manobra política, óbvio que vai tirar<br />
proveito disso, mas se trouxer um projeto<br />
de Niemeyer do tamanho que é a Fonte<br />
Nova a gente só tem a ganhar com isso.<br />
M – “A decoração entra quando a<br />
arquitetura falha”. Você falou essa frase?<br />
– É, falei (risos). Essa frase não é da<br />
minha autoria, quem falava isso era Lina<br />
Bo Bardi, se eu não me engano, que fez o<br />
Solar do Unhão, o Masp, a Casa do Benin,<br />
e eu concordo com isso. Quando se tem<br />
um projeto arquitetônico bem resolvido,<br />
inclusive eu uso isso nos meus projetos, se<br />
está bem resolvido não é a cor do sofá que<br />
vai deixar a casa bonita.<br />
M – Quais obras daqui de Salvador<br />
você acha que não cabe mais?<br />
– Eu acho que uma cidade do porte<br />
de Salvador tem que ter um Centro de<br />
Convenções bem estruturado até porque<br />
um nicho de mercado muito grande é o de<br />
turismo de negócio, e acho que o Centro de<br />
Convenções da Bahia é subdimensionado<br />
Divulgação<br />
A casa Quinta da Lagoa, no Condomínio Guarajuba, é uma das centenas que Quintela projetou nos últimos dez anos<br />
e subutilizado, o que não quer dizer que<br />
não é necessário. Eu acho que o Centro<br />
de Convenções não é bem resolvido<br />
arquitetonicamente, mas ele é necessário,<br />
então acho que merecia ter um Centro de<br />
Convenções melhor, um lugar para fazer<br />
eventos como tem que ser. Mas o poder<br />
público e a iniciativa privada deveriam dar<br />
um melhor uso a ele. Acabou virando um<br />
local para formatura, que agora nem isso<br />
pode mais. Então tem que se fazer um Centro<br />
de Convenções que atenda as demandas da<br />
vida moderna, que são feiras imobiliárias, de<br />
serviço, eventos turísticos. Agora, que é um<br />
equipamento ultrapassado, isso é.<br />
M – Fora a Fonte Nova, qual o projeto<br />
que você gostaria de fazer aqui em<br />
Salvador? Wagner falou que vai fazer um<br />
oceanário na região do Clube Português,<br />
que foi derrubado...<br />
– Pra mim é um absurdo não derrubar<br />
aquilo ali. Eu acho que é o que vai acontecer<br />
nas docas, eu queria fazer o projeto das<br />
docas, a Fonte Nova, a Copa do Mundo vem<br />
aí e vem o negócio do marketing, mídia...<br />
Além disso, eu gostaria de fazer uma igreja<br />
católica, eu fiz a revitalização do Gantois. •
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008
36<br />
Cidade<br />
Paisagem em ruínas<br />
Briga entre poder público e mercado imobiliário prejudica a cidade<br />
Gabriela de Paula<br />
Dizem que gosto não se discute. Verdade.<br />
Mas mau gosto se lamenta, e muito.<br />
A preservação de verdadeiros monumentos<br />
à feiúra e à decadência e idéias de<br />
jerico para piorar o que já não é bonito<br />
tem sido motivo para muitas lamúrias<br />
dos soteropolitanos.<br />
Que o digam os moradores da Pituba<br />
e todos aqueles que foram obrigados<br />
a contemplar diariamente, por quatro<br />
anos, as ruínas do Clube Português com<br />
a bandeira do Movimento dos Sem-Teto<br />
flamejando. Inaugurada em 1963, a<br />
sede era freqüentada pela elite baiana,<br />
abrigando famosos bailes de carnaval.<br />
Nos anos 80, afundado em dívidas que<br />
passavam dos R$ 7 milhões, o clube iniciou<br />
sua decadência até fechar a portaria<br />
em 2001. O imóvel, um dos mais bem<br />
localizados de Salvador, passou para a<br />
Prefeitura como pagamento de impostos<br />
municipais pendurados.<br />
Hoje, não há nada de concreto por lá,<br />
nem do edifício, que virou pó, nem do que<br />
virá a ser o espaço, que ainda está no campo<br />
das idéias. O que há de mais objetivo é a<br />
definição de que, na área, a ciclovia vai passar<br />
pelo lado de dentro, perto do mar. E só.<br />
Pelo menos a idéia estapafúrdia de<br />
destinar o terreno de 22 mil m² para a<br />
construção de um hotel foi descartada<br />
depois de choro e ranger de dentes da<br />
opinião pública. No auge dos devaneios,<br />
a secretária de Planejamento de Salva-<br />
Em meio a entulhos de obras embargadas e o vazio de áreas urbanas abandonadas, Salvador perde sua beleza<br />
dor, Kátia Carmelo, chegou a falar que<br />
o edifício de 18 andares seria um marco<br />
arquitetônico para a orla de Salvador,<br />
com direito à realização de um concurso<br />
internacional para a escolha do monumento<br />
que estragaria a paisagem. Agora,<br />
é ponto pacífico que a área será destinada<br />
a um equipamento público, seja este<br />
uma praça de esportes ou um oceanário.<br />
A segunda proposta foi anunciada pelo<br />
governador Jaques Wagner, que quer um<br />
projeto do centenário arquiteto Oscar<br />
Niemeyer para o aquarião.<br />
A idéia agradou à Prefeitura. “Todos<br />
somos apaixonados pelas obras de Nie-<br />
Fotos: Coperphoto<br />
meyer e uma obra dele é um ganho arquitetônico<br />
para a cidade”, alegra-se Kátia<br />
Carmelo, que frisa que o lado arquiteta<br />
fala alto nessas horas.<br />
A secretária, que acumula o controle<br />
da Superintendência de Ordenamento e<br />
Controle do Uso do Solo (Sucom), reconhece<br />
que a implantação e, sobretudo, a<br />
manutenção de um oceanário está além<br />
do fôlego asmático dos cofres municipais.<br />
Por isso, afirma, não é possível discutir o<br />
projeto antes de conhecer os valores para<br />
contratação de biólogos e veterinários<br />
para tomarem conta de baleias, golfinhos,<br />
tubarões e tartarugas, além de toda
notas da <strong>Metrópole</strong><br />
a parafernália necessária para manter um<br />
oceanário em funcionamento.<br />
Para a secretária, uma das saídas seria<br />
tornar o equipamento auto-sustentável,<br />
com o aluguel de lojas, vendas de suvenires<br />
ou outras fontes de receita. Mas isso<br />
nem o Sea World, um dos maiores oceanários<br />
do mundo, localizado em San Diego,<br />
na Califórnia, consegue. Pra não entrar<br />
água na idéia do governador, espera-se<br />
agregar recursos da iniciativa privada<br />
àqueles vindos dos cofres estaduais e de<br />
organismos internacionais. Mas tudo isso,<br />
como já foi dito, está apenas no campo<br />
das idéias e, enquanto não se decide, a<br />
cidade continua vivendo com mais uma<br />
ruína a manchar a sua orla marítima.<br />
Arrogância<br />
O vice-presidente de futebol do<br />
Bahia, Rui Aciolli, com o espírito<br />
esportivo que o caracteriza, ainda<br />
no Barradão, após o Bavi que<br />
o Bahia bateu o Vitória por 2<br />
a 0, achincalhou o adversário,<br />
chamando o estádio rubronegro<br />
de “recreio dos tricolores”.<br />
Depois não sabe por que o<br />
Vitória se recusa a deixar que<br />
‘ex-quadrão’ de aço mande seus<br />
jogos no local, fazendo a torcida<br />
tricolor viajar mais de 100<br />
quilômetros até Feira de Santana<br />
para ver o time de maior torcida<br />
do estado jogar.<br />
Outro exemplo<br />
Inércia<br />
A diretoria do Bahia ainda não<br />
se mexeu, e ninguém sabe se vai<br />
se mexer, para tentar reduzir a<br />
punição imposta pelo STJD, que<br />
lhe tirou sete mandos de campo<br />
no Campeonato Brasileiro da<br />
Série B e ainda aplicou pesada<br />
multa em dinheiro. No final das<br />
contas, apenas o Bahia terminou<br />
sendo punido pelo episódio da<br />
Fonte Nova. <strong>Com</strong>o competência<br />
e agilidade não existem nas<br />
imediações do Fazendão (e<br />
parece que departamento<br />
jurídico também não), só o Bahia<br />
pagou o pato.<br />
Sem qualquer valor histórico, cultural,<br />
arquitetônico e muito menos estético,<br />
a antiga casa da família Wildberger é<br />
outro exemplo de desperdício. Construída<br />
na década de 30 do século passado,<br />
a mansão possui, segundo um parecer<br />
do historiador Cid Teixeira, um estilo<br />
colonial mexicano. Para os professores<br />
da Ufba Alejandra Muñoz e Luiz Alberto<br />
Ribeiro Freire, a construção é “inspirada<br />
na arquitetura medieval alemã, com exteriores<br />
evocando um jardim inglês”.<br />
Estilos à parte, o imóvel era um verdadeiro<br />
horror, pelo menos para quem o observava.<br />
Localizado nos fundos da Igreja da<br />
Por cima<br />
Bem ao seu estilo, o todopoderoso<br />
do Esporte Clube<br />
Bahia, Paulo Maracajá Pereira,<br />
tentou costurar, por cima, a<br />
liberação do Barradão para<br />
o tricolor (time sem-teto do<br />
futebol baiano) mandar seus<br />
jogos. Sem sequer comunicar<br />
aos diretores do Bahia, o<br />
“eterno” procurou o presidente<br />
do Conselho Deliberativo do<br />
Vitória, o deputado federal<br />
José Rocha (PR), e propôs um<br />
acordo. <strong>Com</strong>o, ao contrário de<br />
Maracajá, Rocha não responde<br />
sozinho pelo rubro-negro, teve<br />
que submeter a proposta aos<br />
demais dirigentes do Leão, que<br />
rejeitaram o acordo.<br />
Depois que<br />
os sem-teto<br />
saíram, nem<br />
prefeitura nem<br />
Estado sabem<br />
o que fazer<br />
com o Clube<br />
Português<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />
37
38<br />
Vitória, a casa era cercada por um muro alto<br />
de pedras, revestido por trepadeiras, sobre<br />
o qual só aparecia um telhado circular, qual<br />
uma torre baixa, que mais se assemelhava a<br />
um pombal. Sua muralha vegetal, além da<br />
feiúra da mansão, escondia também a vista<br />
para a Baía de Todos os Santos.<br />
A mansão, que já abrigou o Consulado<br />
da Áustria, vinha sendo alugada para<br />
festas, até que, em abril de 2003, foi<br />
vendida para as empresas MRM e Frank<br />
Empreendimentos, que apresentaram<br />
um projeto para a construção, no local,<br />
de duas torres gêmeas de trinta andares<br />
cada, que abrigariam apartamentos de<br />
alto luxo. Não deu pé.<br />
Assim que a idéia da construção dos<br />
arranha-céus surgiu, uma guerra jurídica,<br />
que colocou em lados opostos empresários<br />
e poderes públicos, começou. O Instituto<br />
do Patrimônio Histórico e Artístico<br />
Nacional (Iphan) acelerou o processo<br />
de Tombamento da Igreja da Vitória, que<br />
já havia sido indeferido em outras duas<br />
ocasiões: em 1950 e em 1989.<br />
Em 2005, o Iphan, conseguiu o tombamento<br />
provisório da igreja. “Em todos<br />
os casos de tombamento é definida uma<br />
área de entorno que fica protegida. A<br />
Mansão Wildberger inclusive”, explica<br />
Leonardo Falangola.<br />
Mas o que tombou mesmo foi a mansão.<br />
No dia 27 de janeiro de 2007, munidos<br />
de um alvará de demolição junto à<br />
Sucon, os empresários passaram o trator<br />
sobre a casa. “A mansão foi demolida<br />
ainda com todos os bens dentro, sem planejamento<br />
e de forma truculenta, num<br />
fim de semana”, afirma Falangola.<br />
Segundo ele, o “ato arbitrário das<br />
construtoras” é o principal motivo da<br />
suspensão das negociações entre os atuais<br />
proprietários do imóvel e o Iphan. O<br />
Fotos: Coperphoto<br />
Enquanto o<br />
Iphan briga com<br />
construtoras, os<br />
moradores da Vitória<br />
convivem com as<br />
ruínas da Mansão<br />
Wildberger<br />
grupo de empresários, entretanto, afirma<br />
que sempre agiu dentro da lei e que a<br />
demolição foi iniciada porque estavam<br />
calçados em documentos válidos.<br />
Enquanto segue a pendenga, os empresários<br />
pagam caro. O prejuízo é de<br />
milhões de reais (as cifras não são reveladas<br />
com exatidão), gastos com advogados<br />
e custos para refazer o projeto a fim de<br />
que o Iphan libere as empresas para que<br />
possam construir no local. Além disso, os<br />
quatro herdeiros da família Wildberger<br />
são sustentados pelo consórcio até que o<br />
prédio seja entregue, já que aquele era o<br />
último bem do antes abastado clã. O prejuízo<br />
indireto é inestimável com o atraso<br />
nas vendas. O primeiro desenho foi protocolado<br />
nos órgãos públicos na mesma<br />
época dos também luxuosos Morada dos<br />
Cardeais e Mansão Margarida Costa Pinto,<br />
ambos na Vitória e já habitados. Os<br />
empresários confessam que os pedidos de<br />
reserva já garantem 100% das vendas.<br />
O Iphan reconhece que o projeto atual,<br />
de uma torre com apartamentos de<br />
800 m2, já é um grande avanço em relação<br />
aos arranha-céus do projeto inicial,<br />
mas que os técnicos do órgão precisam<br />
avaliar se o empreendimento vai qualificar<br />
e valorizar o bem tombado e não<br />
competir visualmente com ele.<br />
Por outro lado, as duas empresas prometem<br />
uma série de benefícios em contrapartida<br />
à obra. Para poder vender cada<br />
um dos 35 apartamentos, elas propõem<br />
construir um centro social para a comunidade<br />
de Vila Brandão – invasão vizinha ao<br />
empreendimento –, um estacionamento e<br />
um pátio português ao lado da paróquia,<br />
melhorias no Largo da Vitória, além de<br />
doar 10% da área privada para a construção<br />
de um mirante público com vista para<br />
a Baía de Todos os Santos.<br />
Enquanto a pendenga perdura, o Largo<br />
da Vitória continua feio e decadente,<br />
com as ruínas da antiga mansão encoberta<br />
por tapumes. Da mesma forma,<br />
enquanto não se decide o que fazer com<br />
o terreno do antigo Clube Português, o<br />
local permanece como um grande descampado<br />
amorfo. E a cidade espera, inerte,<br />
por uma solução. •
Tom Tavares<br />
Acima da lei<br />
Um dos fenômenos mais irritantes, cotidianamente repetidos<br />
em solo brasileiro nos últimos anos, é o surgimento de uma nova<br />
categoria do Direito que coloca os praticantes de atos contra a ordem<br />
pública no rol dos inimputáveis. Assim, o noticiário se farta<br />
de informações sobre uma invasão aqui, um seqüestro acolá, um<br />
desrespeito às regras jurídicas mais adiante... Ou tudo isso conjuntamente.<br />
E a lei parece que não tá nem aí.<br />
No Pará, em 1992, o índio Paulinho Paiakan, com o prestimoso<br />
auxílio da sua mulher Irekran, estuprou uma cidadã brasileira,<br />
voltou para a sua tribo e lá ficou sem ser incomodado pela justiça.<br />
Está lá até hoje, livre e fagueiro. Em direção<br />
inversa, os bem-formados brasilienses<br />
assassinos do índio Galdino já estão gozando<br />
da mais ampla liberdade e bons empregos<br />
públicos. O juiz Lalau, que roubou<br />
o dinheiro da construção de um fórum,<br />
não ficou na cadeia. O jornalista Pimenta<br />
Neves, que assassinou covardemente a<br />
sua namorada com dois tiros pelas costas,<br />
nem lá chegou. Tudo vigora como se nada<br />
tivesse acontecido.<br />
As inúmeras invasões praticadas por<br />
diversos segmentos organizados em torno<br />
de ideários que, sempre, passam ao largo<br />
da jurisprudência proliferam de norte a<br />
sul. Promoveram até quebra-quebra no<br />
Congresso Nacional sem que um sequer<br />
dos que praticaram tal delinqüência tivesse<br />
recebido qualquer punição.<br />
No Rio Grande do Sul, uma empresa<br />
que desenvolve estudos no campo do agronegócio<br />
foi invadida e teve suas dependências<br />
depredadas, resultando numa baixa<br />
geral em todas as suas pesquisas. Quem<br />
pagou pelo crime? Ninguém.<br />
Há poucos dias, em Rondônia, os<br />
índios cintas-largas mantiveram em cárcere<br />
privado cinco pessoas - dentre elas<br />
um comissário da ONU - sob ameaça de morte caso não fossem<br />
atendidas as suas reivindicações. Ainda que a motivação pudesse<br />
ser considerada justa, o meio utilizado para atingir os objetivos,<br />
entretanto, se encontra no mesmo - ou pior - patamar dos procedimentos<br />
de gangues paramilitares, milícias criadas extra-oficialmente<br />
“para a manutenção da ordem”, e caçadores que fazem justiça com<br />
as próprias mãos. Não é muito diferente, também, da prática de<br />
alguns credores ao contratarem cobradores armados para ameaçar<br />
aqueles que se atrasam na quitação das suas dívidas.<br />
E o desrespeito não pára aí. Não adianta conseguir ordem de<br />
reintegração de posse. Eles - os novos<br />
inimputáveis - assenhoreiam-se e batem<br />
estaca, dando uma banana para os homens<br />
da lei.<br />
Que mistério será esse que os mantêm<br />
incólumes, ilesos, inatingíveis? Não estará<br />
no poder constituído alguma responsabilidade?<br />
Há pertinência nesta hipótese,<br />
sim. Afinal, nunca é demais lembrar que<br />
a mulher de um dos nossos ministros,<br />
depois de seqüestrada e roubada, cunhou<br />
a célebre descrição da personalidade dos<br />
marginais autores daquele crime: “Eles<br />
são gente fina!”. Entenderam bem? É isso<br />
aí: bandido é gente fina!<br />
Tudo isso vem acontecendo dia após<br />
dia, mês após mês, ao longo dos últimos<br />
anos no Brasil. O pacato cidadão desta<br />
terra está, cada vez mais, sujeito a ameaças,<br />
imposições, ações de determinados<br />
grupos que procedem de acordo com<br />
as suas próprias regras, agindo livre e<br />
impunemente, com a devida conivência<br />
das autoridades.<br />
Não nos enganemos. Lamentavelmente,<br />
prolifera uma nova casta na sociedade<br />
brasileira: a resoluta classe dos<br />
acima da lei. •<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008 39
40<br />
Paulo Zsazsa<br />
Quem vai morrer desidratado?<br />
Alguém vai morrer desidratado até o<br />
final do verão. Só resta adivinhar quem:<br />
Varela, ACM Neto, Imbassahy ou <strong>João</strong><br />
Henrique? Pode parecer trama de Sylvio<br />
de Abreu ou obsessão minha em falar do<br />
verão - muito compreensível pra quem<br />
está passando frio em Seattle. O fato,<br />
porém, é que nunca tivemos uma précampanha<br />
tão embolada, com quatro candidatos<br />
tecnicamente empatados: Varela,<br />
19%; <strong>João</strong> Henrique, 16%; ACM Neto,<br />
15%; Imbassahy, 12%.<br />
A pesquisa é antiga, feita pelo Instituto<br />
Datafolha em 26 e 29 de novembro<br />
de 2007. Na ocasião, os tucanos disseram<br />
que os números estavam errados e<br />
divulgaram o resultado de um tal Instituto<br />
Babesp. Imbassahy aparecia um pouco<br />
melhor, mas continuava todo mundo<br />
emboladinho. Não me recordo de uma<br />
pré-campanha tão acirrada em Salvador.<br />
Um empate técnico quádruplo.<br />
Alguém vai morrer desidratado até<br />
o final do verão. Só não me atrevo a<br />
dizer quem. Imbassahy ou ACM Neto?<br />
Varela ou <strong>João</strong> Henrique? A tendência<br />
é que um ou dois deles fique no meio<br />
do caminho. Afinal, ACM Neto e Imbassahy<br />
são da mesma costela carlista e<br />
teoricamente dividem boa parte desse<br />
capital. Já Varela e <strong>João</strong> Henrique seguem<br />
uma linha populista. O prefeito<br />
perdeu densidade na classe média e<br />
agora disputa o eleitorado de baixa<br />
renda com Varela.<br />
Na rabeira do Datafolha aparecem<br />
Nelson Pelegrino (3%) e Olívia Santana<br />
(1%), mais do que desidratados. E Lídice<br />
da Mata (9%) no seu patamar histórico.<br />
Na última edição da <strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong>,<br />
fiz o perfil de Lídice. Neste número,<br />
analiso o significado da derrota para cada<br />
candidato. Mais do que a perspectiva de<br />
vitória, cada um deles deve pensar bastante<br />
nos riscos que vai correr. Afinal,<br />
apenas um será eleito.<br />
<strong>João</strong> Henrique (risco alto) – Quem<br />
está no poder, com a caneta na mão, tem<br />
a obrigação de ir para o segundo turno.<br />
Por isso, apesar de todo o desgaste, <strong>João</strong><br />
Henrique é o principal favorito dessa eleição.<br />
E é com essa perspectiva que ele joga.<br />
Disputar um segundo turno, de preferência<br />
com ACM Neto, e aglutinar todos os demais<br />
<strong>partidos</strong> ao seu redor. Reeditar o tal<br />
“amplo arco de alianças”.<br />
O prefeito deve se pelar de medo de<br />
virar um novo Fernando José. Não ir<br />
para o segundo turno é o maior desastre.<br />
Perder a eleição, muito ruim também.<br />
Ele pode até se eleger deputado<br />
em 2010, mas dificilmente vai conseguir<br />
reeleger a mulher, o concunhado, o periquito<br />
e o papagaio.<br />
Raimundo Varela (risco altíssimo)<br />
– Por enquanto, falta a ele estrutura<br />
partidária e, conseqüentemente, tempo<br />
de TV e rádio na campanha. Se ganhar,<br />
Varela vira um novo Fernando José. Se<br />
perder, pode virar um desempregado.<br />
<strong>Com</strong> a saúde frágil, o apresentador da<br />
Rede Record pode sair da campanha<br />
“Quem está no poder, com a<br />
caneta na mão, tem a obrigação<br />
de ir para o segundo turno”<br />
eleitoral com a imagem bastante arranhada.<br />
Será que Bocão está disposto a<br />
guardar o lugar dele na TV Itapoan? Ou<br />
a cadeira de principal apresentador da<br />
casa vai estar ocupada?<br />
Antonio Imbassahy (risco alto) –<br />
O ex-prefeito de Salvador dava como<br />
certa a sua eleição para o Senado. Ficou<br />
em terceiro lugar. Agora, é um dos<br />
favoritos para o Thomé de Souza. Passou<br />
os últimos quatro anos preparando<br />
a grande volta. Se perder novamente<br />
poderá dar adeus à carreira política. É<br />
claro que pode tentar eleger-se deputado<br />
na próxima eleição, mas não será<br />
uma tarefa fácil. Vai ficar mais dois<br />
anos sem trabalhar?
notas da <strong>Metrópole</strong><br />
Exposição<br />
Reformado para abrigar o<br />
Museu Rodin, o Palacete<br />
Martins Catharino, na<br />
Graça, foi transformado pelo<br />
secretário da Cultura, Márcio<br />
Meireles, em outro museu.<br />
A obra acima, exposta bem<br />
na entrada do palacete, é um<br />
legítimo Chevrolet, da fase<br />
Corsa, assinado pelo grande<br />
artista GM.<br />
ACM Neto (risco calculado) - É um<br />
dos poucos que, mesmo perdendo a eleição,<br />
pode sair vitorioso. A candidatura<br />
do neto de ACM é uma questão de sobrevivência<br />
para o Democratas. Se tiver<br />
sangue frio, ACM Neto aproveitará a<br />
campanha para tirar o ranço de arrogância<br />
e velhice da sua imagem. <strong>Com</strong> certeza<br />
vai tomar muita porrada dos adversários.<br />
Se perder a cabeça, Neto pode piorar a<br />
sua imagem. Se mantiver a calma, tentará<br />
repetir a trajetória dos governadores Aécio<br />
Neves e Eduardo Campos, herdeiros<br />
de Tancredo e Miguel Arraes que, depois<br />
Superior?<br />
Quando começaram, as mais<br />
recentes faculdades particulares<br />
de Salvador agiram igual.<br />
Contrataram um sem número<br />
de mestres e doutores para que<br />
o Ministério da Educação visse<br />
nelas verdadeiros centros de<br />
excelência no ensino superior.<br />
Depois de estabelecidas e com<br />
os cursos reconhecidos pelo<br />
MEC, elas passaram o rodo em<br />
todo pessoal melhor qualificado.<br />
Jorge Amado, Fabac, FIB e FTC<br />
juntas demitiram mais de 400<br />
mestres e doutores nos últimos<br />
dois semestres, substituindoos<br />
por meros especialistas. O<br />
Ministério Público do Trabalho<br />
apura o caso.<br />
Ensinando<br />
Não é só a SET que dá mau<br />
exemplo, quando o assunto<br />
é trânsito. No Corredor da<br />
Vitória, o carro da auto-escola<br />
parou, sem qualquer cerimônia,<br />
em cima do passeio, que, a<br />
princípio, deveria ser exclusivo<br />
para os pedestres. O professor<br />
deixou o pisca-pisca ligado,<br />
como se isso aliviasse a infração<br />
cometida.<br />
de perderem a eleição para prefeito, conseguiram<br />
dar a volta por cima.<br />
Lídice da Mata (risco calculadíssimo) -<br />
Esta só tem a ganhar. Na pior das hipóteses,<br />
trabalha o nome para reeleição a deputada.<br />
Numa hipótese melhor, faz algum acordo<br />
que garanta apoio para uma candidatura ao<br />
Senado em 2010 e, de quebra, tenta eleger<br />
Domingos Leonelli deputado federal.<br />
Nelson Pelegrino (risco insistente)<br />
– Está forçando a barra para ser o<br />
candidato do PT. O grande prejuízo de<br />
uma derrota para Nelson Pelegrino é<br />
emocional. Ele não perde o mandato<br />
e pode se reeleger deputado federal na<br />
próxima eleição, mas vai sepultar o sonho<br />
de ser prefeito de Salvador.<br />
Olívia Santana (risco mais ou menos<br />
calculado) - A vereadora do PCdoB<br />
pode estar jogando fora a reeleição para<br />
a Câmara Municipal, mas certamente<br />
está de olho em 2010, quando pode<br />
herdar os eleitores do atual secretário<br />
estadual de Promoção da Igualdade, deputado<br />
federal Luiz Alberto. •<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />
41
42<br />
Carnaval<br />
R$ 800 mil jogados no mar<br />
O dia em que o prefeito evangélico proclamou seu amor a Iemanjá<br />
José Eduardo Ribeiro<br />
A Prefeitura de Salvador, através da Emtursa<br />
– Empresa de Turismo S/A, torrou R$ 800<br />
mil para uma festa de Iemanjá da qual pouca<br />
gente participou. A coincidência do carnaval<br />
com os festejos da Rainha do Mar, no dia 2 de<br />
fevereiro, resultou em uma programação especial<br />
desde a véspera (1º) até o dia seguinte (3).<br />
Cinco palcos alternativos foram montados<br />
em diferentes pontos do bairro com diversas<br />
atrações musicais, inclusive vertentes do axé,<br />
além de rock, samba e chorinho. Mas nesses<br />
locais o público foi mínimo em comparação<br />
com o alto investimento oficial.<br />
Enquanto se esbanjava com dinheiro público,<br />
fazendo uma decoração um tanto quanto<br />
bizarra – a escultura de metal do peixe pela<br />
metade é de um mal gosto assombroso, além<br />
da colocação de pequenos barcos em toscos pedaços<br />
de madeira – faltou dinheiro (minguados<br />
R$ 15 mil) para que os pescadores cumprissem<br />
o ritual de todos os anos para o presente a Iemanjá.<br />
O presidente da Colônia Z-1, Eulírio<br />
Menezes, diz que o orçamento da festa chega<br />
a R$ 45 mil, mas a Emtursa comprometeu-se<br />
a contribuir com R$ 15 mil.<br />
Os representantes da Colônia, responsáveis<br />
pelo presente, tiveram de penar, denunciar na<br />
imprensa e implorar para receber tal migalha.<br />
Sem o dinheiro para a festa, gestores da Colônia<br />
tiraram do próprio bolso o custeio dos<br />
300 balaios para abrigar as oferendas antes de<br />
partirem para o mar. Apesar disso, o próprio<br />
prefeito <strong>João</strong> Henrique, de profissão evangélica,<br />
entusiasmou-se com o que falaram alguns asses-<br />
Sobrou dinheiro para decoração, mas faltou para os pescadores levarem os presentes de Iemanjá<br />
sores, inclusive o presidente da Emtursa, Misael<br />
Tavares, sobre a grandiosidade (sic) desse evento,<br />
garantindo que no próximo ano tem mais.<br />
Abre-se uma polêmica: a coincidência de festa<br />
de Iemanjá com o carnaval, agora, só daqui há<br />
50 anos. <strong>Com</strong>o cumprir tal promessa?<br />
<strong>Com</strong> o intuito de revitalizar as manifestações<br />
culturais das festas populares de Salvador,<br />
o projeto da Emtursa para o Rio Vermelho<br />
ganhou até curadoria do compositor Carlinhos<br />
Brown, ele que protagonizou um dos<br />
caríssimos shows para um considerado público<br />
inexpressivo. Claro que com o timbaleiro<br />
havia mais gente, inclusive mais estrelas<br />
musicais no palco. O que não aconteceu,<br />
contudo, em apresentações como o desfile<br />
da Fobica em cima de um caminhão, acom-<br />
Dimitri Cerqueira<br />
panhada por menos de mil pessoas. À frente<br />
dessa pândega, o diretor de Festas Populares<br />
da Emtursa, Paulo Roberto Carvalho, era um<br />
dos mais animados foliões, puxando o cordão<br />
escatológico de uma festa grandiosa apenas na<br />
sua imaginação.Nesse delírio, a companhia<br />
constante do próprio presidente da Emtursa,<br />
Misael Tavares que deixou, inclusive o comando<br />
do Carnaval oficial, para brincar de<br />
devoto de Iemanjá.<br />
O grande público do Rio Vermelho no 2<br />
de fevereiro foi até ali, como faz todos os anos,<br />
para levar o presente a Iemanjá. Nunca para<br />
acompanhar os mais de 60 shows, arrastões<br />
e batucadas chancelados pelo dinheiro público.<br />
Pagou-se um preço muito alto para muito<br />
pouca repercussão. O presidente da Colônia
de Pescadores, Eulírio Menezes, diz que essa<br />
coincidência da festa com o carnaval é “um acidente”.<br />
Na opinião dele “não acontecerá mais, a<br />
não ser que seja o desejo do povo”. Para Eulírio,<br />
“Iemanjá é uma festa tradicional de respeito,<br />
conhecida no mundo todo. Este ano aceitamos<br />
porque foi feito pela liturgia”, assegura.<br />
A idéia de revitalizar as festas populares é<br />
boa. Em decadência estão as de Santa Bárbara,<br />
Santa Luzia, Conceição da Praia e Ribeira.<br />
Além da Lavagem do Bonfim e de festas pontuais,<br />
como a de Itapuã, as chamadas ”festas<br />
de largo” vêm sendo esvaziadas pela falta de<br />
segurança e pela total incompetência dos gestores<br />
públicos. No Rio Vermelho, as oferendas<br />
para Iemanjá – manifestação unicamente dos<br />
seguidores da religião afro-brasileira – sempre<br />
arrebanharam multidões. Baianos e turistas se<br />
juntam na reverência que os terreiros e casas<br />
de santo fazem à Rainha do Mar.<br />
Sempre houve muita festa, com a diversidade<br />
musical que só a criatividade baiana<br />
é capaz de criar. Isso, sem que uma prefeitura<br />
- que se diz sem grana e numa cidade<br />
onde falta quase tudo para a população mais<br />
pobre - investisse tantos recursos públicos<br />
numa farra sem público. •<br />
“A escultura de metal do<br />
peixe pela metade é de um<br />
mal gosto assombroso”<br />
evanDro BranDão<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />
43
44<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> – Tão dizendo por aí<br />
que o senhor está para mudar de sobrenome, de<br />
Pelegrino para Peregrino. Já que faz tempo que<br />
o senhor peregrina no caminho para a prefeitura<br />
de Salvador e nunca chega. É verdade?<br />
Nelson Pelegrino – Olha, eu acho que a<br />
persistência faz parte de uma das qualidades<br />
dos seres humanos. O presidente Lula foi<br />
eleito na quarta e eu estou nessa mesma<br />
esperança. E, como ele, esta será a minha<br />
quarta vez. O povo de Salvador vai reconhecer<br />
que o nosso projeto é o melhor para cidade.<br />
E se tiver que aplicar o termo andarilho para<br />
chegar à Prefeitura, estou disposto a andar<br />
para chegar ao Palácio Thomé de Souza.<br />
M – É verdade que, no Natal, o senhor<br />
não colocou o Pinheiro na sala?<br />
– Não, pelo contrário, eu sou um cara<br />
cristão. E como o Cristão, agente arruma o<br />
pinheiro, bota as bolinhas, bota os enfeites,<br />
bota as estrelinhas piscando, entendeu? E,<br />
no dia seguinte, a gente vai lá pra poder<br />
esperar o presente. Então eu estou esperando<br />
até agora o presente do Pinheiro.<br />
M – Qual a barba mais bem-feita: a do<br />
senhor, a do Pinheiro, a do Wagner, a do<br />
Lula ou a de Imbassahy?<br />
– Bom aí tem que ser por ordem de<br />
importância. Certamente a barba do<br />
presidente é a mais bem-feita, depois a do<br />
governador e depois a minha.<br />
M – Todo mundo fazendo barba, cabelo<br />
e bigode...<br />
– Claro, como está na moda agora...<br />
Aliás, eu estava vendo umas fotos minhas<br />
antigas, do tempo do momento estudantil,<br />
depois deputado estadual. Eu tinha uma<br />
barba muito malfeita, era uma barba grande,<br />
preta. Do preto eu ainda tenho saudade.<br />
Sinuca<br />
de bico<br />
com Nelson Pelegrino<br />
O importunado da vez foi o deputado federal Nelson Pelegrino, do PT. “Pelego”, como é carinhosamente chamado<br />
por amigos e jocosamente por adversários, respondeu as nossas perguntinhas espinhosas “de boa”. Dentre vários<br />
assuntos, o prefeiturável respondeu a questionamentos sobre sua insistência em chegar ao Palácio Thomé de Souza,<br />
as obras do metrô e o gosto pela bebedeira do governador do Estado e do presidente da República. Depois de<br />
dizer que Lula e Wagner não bebem muito, e que nunca os viu bêbados, Pelego ainda teve tempo de contar como<br />
perdeu sua virgindade: como a maioria dos jovens de sua época, com uma prostituta, nos bancos de um Chevette.<br />
M – Pelego na gíria política significa<br />
capacho de alguém ou de algum grupo político.<br />
É coincidência o senhor ter esse apelido?<br />
– Mas não é nesse sentido. Esta é a forma<br />
que alguns poucos carinhosamente me<br />
chamam. Mas todo mundo sabe que eu tenho<br />
uma tradição grande de combatividade, de<br />
advogado de sindicato, de militante político.<br />
Aí nesse caso o apelido não se aplica, não faz<br />
jus à personalidade.<br />
M – Nós sabemos que o senhor aprontou<br />
muito na época da faculdade, na juventude...<br />
– Está tudo prescrito, tudo prescrito. Eu<br />
sou um homem regenerado e o passado está<br />
todo prescrito.<br />
M – O senhor chegou a fumar maconha<br />
na época da faculdade?<br />
– Não, é claro que não.<br />
M – E o que o senhor acha da<br />
descriminalização das drogas?<br />
– Depende do que você chame de<br />
drogas...<br />
M – Maconha, no caso...<br />
– Eu acho que é um debate que se faz<br />
hoje na sociedade. Eu não tenho uma posição<br />
fechada sobre isso. É aquela discussão do<br />
álcool. O álcool na minha opinião faz mais<br />
mal do que a maconha. Incapacita, mata,<br />
gera impotência, é fonte de desagregação, faz<br />
com que as pessoas pratiquem acidentes de<br />
trabalho... E é uma droga lícita.<br />
M – Mas falando em álcool, o senhor faz<br />
parte do campo majoritário do PT, ou seja, da<br />
ala cachacista, ou é do campo minoritário?<br />
– Rapaz, eu até admiro, mas eu tenho<br />
um problema grave, eu tenho pouca<br />
tolerância a álcool.<br />
M – O senhor que conhece de perto,<br />
quem é que bebe mais, o presidente Lula ou<br />
o governador Wagner?<br />
– Essa é uma matéria que eu sou um<br />
desconhecedor.<br />
M – Mas pela convivência não dá pra<br />
perceber quem é que gosta mais de um goró?<br />
– Eu conheço os dois há muitos anos,<br />
há quase trinta anos, e eu nunca vi os dois<br />
exagerar.<br />
M – Quando o senhor perdeu a virgindade?<br />
Foi com uma namorada, ou já foi quando<br />
casou?<br />
– <strong>Com</strong>o todos da minha época, foi com<br />
uma das moças que faziam as “caridades”...<br />
M – O senhor lembra em que brega foi?<br />
– Não, não foi nesses estabelecimentos,<br />
não. Foi no Chevette mesmo.<br />
M – Quanto foi que o senhor pagou, lembra?<br />
– Nem lembro qual foi a moeda da<br />
época. E eu era estudante, apresentei até<br />
carteirinha.<br />
M - Pagou meia, então?<br />
– (risos) •<br />
Divulgação
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008
46<br />
Índ i g o<br />
Álbum de<br />
família<br />
– Quem é essa?<br />
– Sei lá...<br />
– Parece a tia Nazareth.<br />
– Nada a ver...<br />
– Então, deve ser a Neide.<br />
– Mas a Neide nunca foi magra...<br />
Ô mãããe! Vem cá!<br />
– Mãe, quem é essa moça?<br />
– Eu...<br />
– A senhora?!<br />
– Eu tinha dezoito anos.<br />
– Sério?<br />
– Tem certeza, mãe?<br />
– Claro que tenho! Sou eu. Perguntem pro<br />
seu pai, se não acreditam...<br />
– Ô paaai!<br />
– Pai, quem é essa moça loira aqui do seu<br />
lado?<br />
– Ô louco! Onde vocês encontraram isso?<br />
– Quem é, pai?<br />
– Não lembro...<br />
– É a mãe?<br />
– Não... Não é sua mãe, não...<br />
– Ô mãããe! O pai falou que não é a<br />
senhora, não!<br />
– Me dá isso aqui!<br />
– Calma, mãe...<br />
– Zé, olha direito! Quem é essa?<br />
– Ah, bem... Não lembro...<br />
– Sou eu!<br />
– Você?! Acho que não, querida...<br />
– Chega! Me dá esse negócio aqui!<br />
– Ah, lembrei! Aquela lá era a Berenice...<br />
– Que Berenice, pai?<br />
– A Berenice. Foi uma namorada. Linda!<br />
Um estouro! Morreu novinha. Acidente<br />
de carro... Até me lembro do enterro. Eu<br />
era muito amigo do irmão dela...<br />
– Que Berenice, Zé!? Sou eu!!!<br />
–Filha, pega lá o álbum de novo, por<br />
favor.<br />
– Olha aí, Zé! Era a varanda lá de casa...<br />
Olha aqui o vô Eurico...<br />
– Que esse é o vô Eurico eu tô vendo...<br />
– Então! Só pode ser eu...<br />
– Tá, mãe... A gente acredita...<br />
– Deixa pra lá, mãe...<br />
– É, meninas. Melhor guardar esse<br />
negócio...<br />
– É, mãe, esquece. Foi mal.<br />
– Desculpa, mãe...<br />
– Ô, mãe... Também não precisa ficar com<br />
essa cara, né? •
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008 47
48<br />
Cagadas da SET<br />
A SET, definitivamente, não<br />
tem critérios na condução<br />
do tumultuado trânsito de<br />
Salvador. Veja alguns exemplos:<br />
Passarela<br />
Essa não é nem culpa da SET,<br />
mas é ela quem está pagando<br />
o pato pela incapacidade<br />
da Prefeitura de recuperar<br />
um pedaço da passarela que<br />
liga o G Barbosa ao Detran,<br />
na Avenida Antônio Carlos<br />
Magalhães. Interditada desde<br />
que um caminhão guincho<br />
atingiu parte de sua estrutura,<br />
há mais de um mês, a passarela<br />
até hoje não foi recuperada.<br />
Uma sinaleira foi instalada<br />
no local “provisoriamente”, o<br />
que está provocando imensos<br />
engarrafamentos que têm início<br />
ainda na Avenida Mário Leal<br />
Ferreira, a popular Bonocô.<br />
Sucessão<br />
Deixando a boquinha<br />
<strong>Com</strong> a aproximação da eleição, <strong>João</strong> Henrique perde aliados<br />
Luíza Torres<br />
A sucessão de Salvador está cada vez<br />
mais confusa e <strong>João</strong> Henrique (PMDB),<br />
que pretende se reeleger, está cada dia com<br />
menos apoio político. Após chegar à prefeitura<br />
com mais de 70% dos votos e de ter<br />
ao seu lado mais de dez <strong>partidos</strong>, o prefeito<br />
assiste, à medida que se aproxima o fim de<br />
seu mandato, seus aliados debandarem da<br />
administração municipal. O primeiro foi<br />
o PCdoB, que lançou a vereadora Olívia<br />
Santana como candidata a prefeita, quando<br />
a sigla ainda fazia parte da gestão do município<br />
e comandava a Secretaria Educação.<br />
Logo depois foi a vez do PDT, partido que<br />
elegeu o prefeito e que estava insatisfeito<br />
com a forma que estava sendo tratado por<br />
<strong>João</strong> Henrique – no último dia 13, o partido<br />
foi obrigado pela executiva nacional a voltar<br />
para a base de apoio ao prefeito.<br />
Outras legendas, como o PSDB (partido<br />
que indicou o vice na chapa que elegeu<br />
<strong>João</strong> Henrique, mas que depois da adesão<br />
do ex-carlista Antônio Imbassahy passou<br />
a acreditar que pode conquistar a cadeira<br />
do prefeito neste ano) e o PV também<br />
pularam do barco. O PT, apesar de indeciso,<br />
é o único que ainda não abandonou<br />
o prefeito, mas pode se mandar também a<br />
qualquer momento, pois quadros importantes<br />
do partido, como o deputado federal<br />
Nelson Pelegrino e o secretário estadual de<br />
Promoção da Igualdade, Luiz Alberto, já<br />
anunciaram que têm o desejo de concorrer<br />
ao Thomé de Souza este ano.<br />
Cada vez mais isolado,<br />
<strong>João</strong> pode ficar apenas com<br />
um jegue por companhia<br />
O mais novo partido a deixar a administração<br />
foi PSB, partido da deputada federal<br />
e ex-prefeita de Salvador Lídice da Mata,<br />
que também pretende se lançar candidata<br />
à prefeitura concorrendo diretamente contra<br />
o ex-aliado <strong>João</strong> Henrique. Depois de<br />
1.138 dias participando da administração<br />
municipal, onde comandava secretarias e<br />
FernanDo vivas/agênCia a tarDe<br />
órgãos, os socialistas tomaram a decisão<br />
de abandonar a prefeitura no dia 12 de<br />
fevereiro, após uma plenária no Hotel da<br />
Bahia que reuniu integrantes dos diretórios<br />
Municipal e Estadual da legenda. Por 33<br />
votos a favor e 12 contra, os socialistas<br />
aprovaram a saída da gestão municipal.<br />
Segundo Lídice, o motivo maior do rom-
Alô, alô<br />
O serviço de teleatendimento<br />
da SET, que pode ser acionado<br />
através do telefone 118, até<br />
que funciona. Sempre solícitos,<br />
os atendentes tomam nota<br />
das queixas dos usuários e<br />
prometem encaminhar as<br />
reclamações. É exatamente<br />
neste ponto que a coisa<br />
emperra. Um pedido feito,<br />
ainda no período das férias<br />
escolares, pela direção da Escola<br />
Pequenópolis (Graça), para que<br />
fosse substituída uma placa de<br />
trânsito quebrada, localizada<br />
em frente ao estabelecimento de<br />
ensino, até o fechamento desta<br />
edição não havia sido atendido.<br />
pimento foi a maneira pouco democrática<br />
com que o prefeito tem conduzido a cidade,<br />
a exemplo da aprovação do Plano Diretor<br />
de Desenvolvimento Urbano (PDDU). “O<br />
prefeito é um homem honrado, mas temos<br />
projetos políticos diferentes”.<br />
O secretário Estadual de Turismo, Domingos<br />
Leonelli, que durante dois anos foi<br />
secretário de Emprego e Renda de <strong>João</strong><br />
Henrique, foi mais duro ao falar da relação<br />
do PSB com a prefeitura. “Não fomos<br />
nós que rompemos, o prefeito rompeu primeiro<br />
conosco quando nos convidou para<br />
sair porque éramos contra ao PDDU”. De<br />
acordo com ele, o partido agora assumirá<br />
uma posição independente. Não fará oposição<br />
radicalizada.<br />
Antes da reunião que decidiu pela saída<br />
do PSB da gestão municipal os ânimos<br />
estavam acirrados entre os integrantes da<br />
legenda. Alguns até chegaram a acusar a<br />
deputada Lídice da Mata de impor a sua<br />
opinião, exigindo que votassem a favor<br />
da saída. Um dos membros da Executiva<br />
Municipal dos socialistas, Elísio Santana,<br />
afirmou que por apoiar a continuidade no<br />
governo municipal estava sendo acusado de<br />
estar interessado em cargos. “Eu só acho que<br />
não podemos tomar decisões precipitadas.<br />
Este é um momento delicado e deveríamos<br />
dialogar mais com o prefeito <strong>João</strong> Henrique.<br />
Agora, após três anos, iremos sair? Por que<br />
estas situações não foram revistas antes?”<br />
O secretário municipal de Emprego<br />
e Renda, Paulo Mascarenhas, presidente<br />
municipal do PSB, também defendia<br />
a manutenção do apoio. De acordo com<br />
ele, mesmo após o partido ter votado na<br />
Câmara Municipal contra o PDDU e de<br />
ter anunciado que teria candidato próprio,<br />
a relação com o prefeito era a melhor possível.<br />
Mascarenhas afirmou que era a favor<br />
da continuidade com o governo municipal<br />
De novo!<br />
Na edição passada publicamos a<br />
foto da viatura 046 da SET, onde<br />
o agente trafegava com o braço<br />
para fora do carro. O alerta sobre<br />
o desrespeito à Lei do Trânsito<br />
por quem deveria fiscalizá-la<br />
não surtiu efeito na autarquia<br />
municipal. No dia 26 de janeiro,<br />
às 15h41, esse agente foi flagrado,<br />
no Vale dos Barris, cometendo a<br />
mesma infração, que aos mortais<br />
custa multa de R$ 85,13 e quatro<br />
pontos na carteira de motorista.<br />
porque o PSB havia assumido um compromisso<br />
com a administração e que por isso<br />
tinha que permanecer.<br />
Agora, Paulo Mascarenhas e os demais<br />
integrantes do PSB que ocupam algum cargo<br />
na prefeitura serão obrigados a devolvêlos.<br />
O secretário pediu demissão ao prefeito<br />
assim que saiu o resultado da votação, entregando<br />
ao gestor um documento explicando<br />
a sua saída. “Infelizmente não era o que eu<br />
queria, mas tenho que seguir a decisão do<br />
meu partido”, explica Mascarenhas.<br />
Acusações<br />
Coperphoto<br />
Depois de 1.138 dias, o PSB de Lídice foi para a oposição<br />
O vereador Celso Cotrim, líder do PSB<br />
na Câmara Municipal, foi o que mais demonstrou<br />
insatisfação com a gestão de <strong>João</strong><br />
Henrique. Ele acusou o prefeito de tentar<br />
cooptar integrantes da legenda prometendo<br />
cargos na prefeitura para que o PSB<br />
não deixasse de apoiar a administração.<br />
“Frustraram-se todas as possibilidades de<br />
Blitz<br />
Que as blitze que a SET<br />
promove na cidade, são mais<br />
do que necessárias para tirar de<br />
circulação veículos irregulares.<br />
O que é perfeitamento<br />
dispensável é provocar<br />
engarrafamentos, como o<br />
que aconteceu no último dia<br />
16 na Avenida Centenário,<br />
quando a SET resolveu fechar<br />
metade pista, no sentido Barra,<br />
para proceder o trabalho de<br />
fiscalização. Menos de 10<br />
metros antes da barreira, existe<br />
a entrada da Rua Professor<br />
Martagão Gesteira, que corre<br />
paralela à avenida e para onde<br />
poderiam ter sido direcionados<br />
os veículos a serem fiscalizados.<br />
que este governo seja realmente de participação<br />
popular. O PDDU é um exemplo do<br />
descaso com o pobre e com a classe média.<br />
<strong>João</strong> Henrique passou por cima de todos<br />
para aprovar este projeto”, revolta-se.<br />
Na avaliação de Cotrim, que até a tramitação<br />
da matéria do PDDU sempre<br />
esteve ao lado do prefeito, as políticas sociais<br />
de <strong>João</strong> Henrique são um fracasso.<br />
“Este governo não tem nada de bom. Até<br />
os programas sociais que eles encontraram<br />
destruíram, foi o caso do Cidade Mãe. <strong>João</strong><br />
Henrique está destruindo a cidade e causando<br />
prejuízo aos cidadãos. Ou JH está<br />
sendo enganado pelo seu secretariado ou<br />
está enganando o povo e fechando os olhos<br />
para a sua administração fracassada”.<br />
O vereador também foi enfático ao falar<br />
da relação do prefeito com lideranças<br />
políticas e com o próprio secretariado. De<br />
acordo com ele, <strong>João</strong> Henrique não costuma<br />
conversar com os seus aliados e exonera<br />
secretários de forma desrespeitosa. “Uma<br />
pessoa dessa é perigosíssima. Se ele trata<br />
as pessoas que o apóiam desta maneira,<br />
restando apenas oito meses para as eleições,<br />
imagine o que não fará se for reeleito. Será<br />
um déspota [tirano, opressor, que governa<br />
com autoridade absoluta]. Se eu fosse<br />
Geddel [ministro da Integração Nacional]<br />
teria cuidado com <strong>João</strong> Henrique, porque<br />
se o prefeito se reeleger tentará passar por<br />
cima dele”, previne.<br />
Rancores de neo-opositores à parte,<br />
o fato é que o prefeito está cada vez<br />
mais isolado em seu próprio partido, o<br />
PMDB, para disputar a reeleição. Resta<br />
saber se os <strong>partidos</strong> que até recentemente<br />
faziam parte da base do prefeito farão<br />
campanha espinafrando a administração<br />
municipal que eles próprios ajudaram a<br />
fazer e se a população saberá identificar<br />
isso no dia da eleição. •<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008<br />
49
50<br />
Malu Fontes<br />
Por que o brasileiro adora a Kombi?<br />
O sonho de consumo de qualquer brasileiro<br />
que não tenha tido a sorte de nascer<br />
economicamente privilegiado continua sendo<br />
a dobradinha casa própria e carro. Há alguns<br />
anos, antes da privatização das teles, o kit incluía<br />
também um telefone residencial fixo.<br />
Hoje ninguém de bom senso sai por aí dizendo<br />
que sonha com um telefone. Já o sonho da<br />
casa e do carro permanece.<br />
Entretanto, coisa rara deve ser encontrar<br />
um sujeito que deseje que esse veículo sonhado,<br />
quando se materializar, venha sob a<br />
forma de uma Kombi. Quem já foi obrigado a<br />
fazer um trajeto um pouco mais compridinho<br />
numa delas, sobretudo se usou os bancos mais<br />
ao fundo, deve saber que mais desconfortável<br />
que isso só mesmo andar sobre um jegue abaixo<br />
do sol do meio-dia na caatinga.<br />
Mas o fato é que a Kombi é um case de sucesso<br />
absoluto no Brasil. A Volkswagen anuncia<br />
aos quatro ventos o privilégio dado aos brasileiros:<br />
o Brasil é o único país do mundo que<br />
ainda fabrica o modelo. Ao falar do assunto, a<br />
direção da montadora no Brasil adota aquelas<br />
estratégias de marketing capazes de transformar<br />
merda em ouro, com o perdão da escatologia.<br />
Fala-se do assunto como se o resto do mundo<br />
que não tem mais o “privilégio” de comprar<br />
um exemplar do veículo não soubesse o que<br />
está perdendo.<br />
Recentemente, em um dos programas<br />
clássicos do colunismo social televisivo, o de<br />
Amaury Júnior, um dos managers da VW<br />
anunciava com sotaque alemão e ar solene<br />
o quanto é impressionante “o caso de amor<br />
que o brasileiro tem com a Kombi”. Num<br />
arroubo, anunciou: “o brasileiro ADORA<br />
Kombi”. Pena o brasileiro não ter pelas pes-<br />
Ao falar sobre a<br />
Kombi, a Volkswagen<br />
adota aquelas<br />
estratégias de<br />
marketing capazes de<br />
transformar merda<br />
em ouro<br />
quisas ignóbeis o mesmo pendor que têm os<br />
americanos, que fazem centenas delas até mesmo<br />
para descobrir o impacto dos perfumes<br />
femininos sobre o comportamento sexual dos<br />
besouros de médio porte na primavera do<br />
hemisfério norte. A montadora vai além e diz<br />
que já tentou de tudo para parar de produzir<br />
o carro aqui, mas o mercado e o consumidor<br />
brasileiros não deixam.<br />
Ao se ouvir os elogios da VW ao veículo<br />
e aos brasileiros por gostarem tanto dele, é<br />
impossível não lembrar outro caso típico de<br />
transformação de merda em ouro. Há algum<br />
tempo a revista “Carta Capital” fez uma matéria<br />
de capa contrapondo o império econômico<br />
do clã dos Sarney no Maranhão e os miseráveis<br />
indicadores sociais e de renda da população<br />
maranhense, sobretudo nas zonas rurais.<br />
Questionado sobre a desigualdade social<br />
que leva cerca de 80% dos moradores rurais<br />
a ainda viverem em casas cobertas de palha e<br />
muitas vezes feitas de pau-a-pique, o senador<br />
José Sarney, sempre com aquele cavalheirismo<br />
bigodudo tranqüilo de quem toma um chá<br />
na Academia Brasileira de Letras, não pensou<br />
duas vezes e justificou essa modalidade de<br />
moradia com algo do tipo: meu filho, morar<br />
nessas casas cobertas de palha não é uma questão<br />
de pobreza, é uma questão de costume da<br />
população. Ou seja, os maranhenses pobres da<br />
zona rural moram mal, infestados por barbeiros<br />
e morcegos, por uma simples questão de<br />
apego a aspectos culturais. Vivem assim, em<br />
outras palavras, porque gostam.<br />
Em vez de se dizer que os níveis de exigência<br />
do consumidor brasileiro são tão medianos<br />
e frouxos que fazem com que ele seja o único<br />
povo do mundo a comprar uma Kombi,<br />
anuncia-se o inverso: o veículo só é produzido<br />
aqui para atender um desejo da população,<br />
que, por razões culturais, como o pendor dos<br />
maranhenses pelas casas de taipa e palha, adoram<br />
a geringonça. •
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008
52<br />
Enchendo<br />
Mãe Stella<br />
candomblé<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> – A senhora que combate o sincretismo religioso,<br />
confesse para a gente: em época de Páscoa a senhora não dá nem uma<br />
beliscadinha num ovo de chocolate?<br />
– Meu filho, se isso acontece, eu sou a última.<br />
Toda religião tem sincretismo. Não existe aquela<br />
religião pura, que só professa aquilo. Mesmo<br />
porque, na hora de todo mundo organizar sua<br />
casa pra saber o que deve fazer de mais concreto,<br />
evidente que viu que na casa do vizinho botam<br />
a roseira do lado esquerdo, eu acho que fica boa ali também, eu<br />
ponho ali... Isso não que dizer quer não estou tomando a idéia do<br />
vizinho, nem tô absorvendo pra mim. Estou fazendo uma coisa<br />
que junta as outras, só faz crescer, entendeu? Percebeu? (E você,<br />
leitor, entendeu?)<br />
M – <strong>Com</strong> tanta gente ruim comandando a nossa política, a senhora<br />
colocaria o nome de quem na boca do sapo?<br />
– Rapaz, isso não. Sabe o que eu faria? Eu botava os bons<br />
e os ruins todos e pedia inspiração ao orixá que eles dessem<br />
pensamentos positivos e idéias maravilhosas pra deixar todos<br />
felizes e eles também ficarem felizes.<br />
M – A senhora, como filha de Oxóssi, o orixá caçador, já fez muitas<br />
caçadas na juventude?<br />
– (risos) Ó rapaz, todo ser quando está moço, não é? Quando<br />
está na juventude faz mil caçadas, não é isso?<br />
M – A senhora se divertiu muito então, não é?<br />
– Bastante. Não tenho arrependimento. Por isso que eu não<br />
sou essas velhas <strong>cheia</strong>s de complexo, nem nada disso. Porque tudo<br />
que o jovem poderia fazer eu fiz! E não fui prejudicada com nada,<br />
nem prejudiquei ninguém.<br />
José Medrado<br />
kardecista<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> – Você se parece muito com<br />
Marcos Medrado, vocês são irmãos?<br />
– Não, Marcos Medrado é primo de meu<br />
pai. É meu parente, mas não próximo. A família<br />
Medrado é uma família só. Meu bisavô teve 48<br />
filhos.<br />
M – <strong>Com</strong>o médium, e tendo uma visão além das pessoas normais,<br />
você consegue enxergar muita coisa com o seu terceiro olho?<br />
– Não, não existe terceiro olho, não. Você poderia falar do<br />
shakra frontal. Então a gente pode ver uma visão normal, além do<br />
que é comum.<br />
M – <strong>Com</strong>o funciona o repasse dos direitos autorais para espíritos<br />
desencarnados? O Lucius, pelo que eu sei, nunca recebeu nem um<br />
centavo de Zíbia Gasparetto.<br />
– Olha, no caso de Zíbia, a família dela tem recebido todos,<br />
porque ela não tem nem obra social. Mas já houve uma ação da<br />
família de Humberto de Campos contra Chico Xavier querendo<br />
os direitos autorais das obras de Humberto de Campos que ele<br />
recebeu. Houve isso na década de 40 e terminou não dando em<br />
nada e o espírito deixou de psicografar com o nome Humberto de<br />
Campos pra utilizar o nome de Irmão X.<br />
*Enchemos o saco também de Frei Ronaldo, pároco da<br />
Igreja de Santo Antônio Além do Carmo, mas o clérigo não<br />
compareceu ao encontro marcado com o nosso fotógrafo e,<br />
nesta coluna, sem foto não existe opinião.
o saco<br />
Shaunaka<br />
hare krishna<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> – Os hare krishnas crêem<br />
que todos podem reencarnar como seres mais<br />
evoluídos ou menos evoluídos. Podemos até<br />
voltar à vida como insetos ou outros animais.<br />
Se o Lula morresse hoje, o senhor acha que ele<br />
reencarnaria em que animal?<br />
– Eu acho que ele nasceria como uma<br />
águia, viu? Por que ele voa bem alto, ele voa bastante e gosta de<br />
voar muito. Acho que ainda está pra nascer um presidente que voe<br />
mais do que o Lula.<br />
M – Ser vegetariano (os hare não comem carne) não equivale a<br />
levar a namorada para trás da moita e comer a moita?<br />
– <strong>Com</strong>er a moita? Não, porque os vegetarianos também<br />
comem a namorada, né? (risos) E comem a moita também (mais<br />
risos). Nós também fazemos... Krishna diz que ele é o “sexo<br />
autorizado”, né? O problema é a gente saber lidar. A questão é<br />
essa, nós praticamos o princípio do vegetarianismo pra adquirir<br />
uma qualidade chamada misericórdia. É uma orientação védica<br />
pra nós.<br />
M – A gente tem o hábito de matar insetos. Se você visse uma<br />
barata na sua casa e soubesse, por alguma revelação, que se trata de<br />
uma figura do tipo Adolf Hitler, você não dava uma olhadinha pro<br />
lado pra ver se Krishna tava distraído e dava um pisão na danada?<br />
– Tem um ditado que diz assim, na cultura védica: “Não pise<br />
nessa mosca que ela pode ser a alma da sua avó”. Então nós temos<br />
um grande problema com isso mesmo. Mas na Índia, no geral<br />
o hindu é a favor da pena de morte, então a gente condenaria o<br />
Hitler à pena de morte sem vacilar, né? Porque nós acreditamos<br />
que ele vai nascer barata muitas vezes (risos).<br />
<strong>Com</strong> a Páscoa se aproximando,<br />
resolvemos mexer no sagrado e<br />
fomos buscar respostas para as<br />
nossas perguntas mais cretinas<br />
ouvindo os representantes das<br />
religiões praticadas por aqui.<br />
Antes que você bote o ovo na<br />
boca, reflita sobre o que diz seu<br />
guia espiritual. *<br />
Dom Roberto<br />
Igreja Católica<br />
do Brasil<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> – O Papa Bento XVI<br />
veste Prada. É a marca do sapato dele. O senhor<br />
considera o papa um homem de bom gosto?<br />
– Eita pergunta capciosa danada, rapaz.<br />
Se eu lhe disser que até o diabo veste Prada,<br />
não é?... Não tem um filme que diz assim?<br />
Pois é. Não, eu acho que usar Prada é um<br />
sinal de bom gosto, né?<br />
M – O diabo tem bom gosto também?<br />
– Eu acredito que sim. (risos)<br />
M – O fogão tem quatro bocas, mas não vai a Roma. O senhor se<br />
considera com gás suficiente para viver independentemente de Bento<br />
XVI?<br />
– <strong>Com</strong> certeza. Olhe, Bento XVI é o chefe de uma Igreja,<br />
e nós vivemos numa outra Igreja, que é também católica, pois<br />
conserva a fé católica, mas tem ritos e pensamentos diferentes.<br />
Não é a mesma coisa. Se fosse, não tinha necessidade de existir.<br />
Porque pra nós o celibato não é obrigatório. Pra nós o casamento<br />
não é indissolúvel. Há uma segunda oportunidade. Desfeito um<br />
casamento, você pode celebrar um outro. Não mais do que outro,<br />
porque senão vai ficar parecendo Elizabeth Taylor, casando e<br />
descasando toda hora. (risos)<br />
M – Mário Kertész, por exemplo, casou várias vezes. Ele seria<br />
aceito na Igreja Católica Independente?<br />
– Veja só, se meu amigo Mário Kertész não casou apenas por<br />
casar, mas casou na busca de encontrar uma companheira pra<br />
ele, e não a encontrou nunca, tudo bem. Agora eu não acho bom<br />
assim casar muitas vezes. Senão cai na graça. Não dizem que a<br />
primeira é graça, a segunda é chalaça e a terceira é desgraça? Pois<br />
é. Eu acho que exagerar, não. Hoje eu celebro muito casamento<br />
de solteiros, mas também celebro, de quando em vez, casamento<br />
de divorciados. E faria o casamento de meu amigo Mário Kertész<br />
sim, se ele me garantisse que essa seria a última (risos). •<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - janeiro de 2008<br />
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Má R i o Ke R t é s z<br />
A grande<br />
viagem<br />
<strong>Com</strong>ecei a trabalhar em um livro sobre<br />
momentos e coisas que tenho vivido.<br />
Não sei nem se o publicarei. Não vejo<br />
nenhuma importância em experiências<br />
vividas por mim, iguais às de milhões<br />
de outras pessoas. Agora, confesso que<br />
o ato de escrevê-las está sendo uma experiência<br />
deliciosa. Voltar no tempo,<br />
lembrar de coisas esquecidas, momentos<br />
bons e ruins é uma viagem.<br />
E que viagem!<br />
Esta viagem não tem um roteiro<br />
definido. A memória vai e vem. Uma<br />
lembrança puxa outra. Um momento<br />
se relaciona com outro. Parece aquela<br />
história que, dizem, quando estamos<br />
morrendo a vida passa como um filme<br />
projetado em nossas mentes nos<br />
momentos finais. Aqui o filme é um<br />
longuíssima-metragem.<br />
Voltei à casa dos meus pais. A escola<br />
primária na Sociedade Israelita<br />
da Bahia, e depois no Colégio Dois<br />
de Julho, onde segui até a faculdade.<br />
Amigos daquela época, muitos<br />
dos quais são amigos até hoje.<br />
Minha mãe, Violeta, falecida precocemente<br />
aos 49 anos, doce, delicada, a<br />
pessoa que mais amou a vida que eu<br />
conheci. Meu pai, Jorge, inteligente,<br />
educador rígido e carinhoso, de quem<br />
herdei a cabeça complicada. Minha avó<br />
Raquel, figura incrível e avançadíssima<br />
para sua época. Fumava, jogava pôquer<br />
com meu pai e seus amigos, falava palavrão<br />
e era de uma sinceridade desconcertante.<br />
Minhas primas Pérola e Judith, meu<br />
tio Solon, meus primos Fernando, Janos<br />
e Peter. Tias Elvira e Clara. Meus amores.<br />
Quantas paixões eu vivi. Poxa, quantas<br />
mulheres eu amei e por elas fui amado.<br />
Outras vezes abandonado, traído, assim<br />
como abandonei e traí. Alzira, mãe de<br />
meu filho Sérgio, e Eliana, companheira<br />
de 18 anos e mãe de quatro dos meus<br />
filhos. Meus irmãos Carlos e Eduardo.<br />
Grandes amigos e parceiros. Eduardo<br />
se foi prematuramente e a saudade é<br />
enorme. <strong>Com</strong>o eles foram importantes<br />
para mim. Carlos até hoje é. Depois<br />
apareceram Valter, irmão de criação e<br />
um enorme amor. Gilberto e Geraldo<br />
foram revelados como irmãos depois,<br />
mas sempre estiveram próximos.<br />
Meus filhos. Ah, estes - Sergio, Maria<br />
Eduarda, Marcelo, Mariana e Chico -<br />
são a verdadeira razão da minha vida.<br />
Agora os netos. Eduardo, que leva o<br />
nome do meu irmão, Carolina, Ana e<br />
Maria. São meus filhos renovados, meu<br />
amor também renovado. Que sensação<br />
maravilhosa! Estive presente em cada<br />
parto dos meus filhos e dos meus netos.<br />
Montanhas de lágrimas de alegria e de<br />
emoção derramadas.<br />
Meus trabalhos: com que alegria,<br />
vigor, luta e desgastes eu os enfrentei,<br />
sorvi e aprendi. Meu mestre Luís Sande,<br />
minha experiência rica ao lado de<br />
Antonio Carlos Magalhães, muitas vezes<br />
amigo, muitas vezes feroz inimigo. As<br />
viagens, morar no exterior. Buscar guardar<br />
na cabeça aquilo que nunca poderia<br />
ser arrancado de você, como me ensinou<br />
meu pai, estimulando-me a estudar<br />
sempre e mais.<br />
Quanta lembrança, quanta saudade e<br />
quanta alegria por ter vivido esta vida!<br />
Em cada momento destes, uma música e<br />
um perfume. O aqui e agora também são<br />
revisados. Amo meu trabalho. Às vezes<br />
exagero na força da minha luta. Sou um<br />
combatente. Nem sempre da melhor forma<br />
ou mesmo na melhor luta. Procuro<br />
reconhecer meus erros. Não é fácil, mas<br />
tento. Vou levando. Momentos bons e<br />
ruins se alternam. É assim para todos.<br />
Então, esta história de escrever um livro<br />
está servindo para esta viagem. É como<br />
se eu pudesse reviver, literalmente, tantos<br />
e tantos momentos.<br />
E, acreditem, estou conseguindo. •
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - fevereiro de 2008