Revista Sinais Sociais N20 pdf - Sesc
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igualmente e o torna a ver agora. Pela praça passaram os tanques alemães,<br />
diante da igreja um obus caiu. Houve frio e fome e metralhadoras<br />
varreram as cercanias, mas o homem ali continua naturalmente,<br />
sem nenhuma intenção de heroísmo. Só porque acredita na vida. E<br />
há vida nesse lugar, nessa praça, nessa cidade. Não compreende sequer<br />
que possa existir outra coisa, não pensa em emigrar, em bater à<br />
porta da aventura, em correr atrás da estrela matutina. Por entre suas<br />
pálpebras enrugadas brilha uma nesga azul de admirável serenidade”<br />
(MILLIET, 1881, p. 369).<br />
Como se vê, Milliet tomou o olhar de Pedrosa e, junto, parte de sua<br />
sensibilidade também. Na verdade, faz sua a observação do outro. Em<br />
comum, vemos uma atenção para a história vista nas ruas. Histórias<br />
de pessoas “comuns” diante da História incomum e bárbara do século<br />
que ainda nem entrara em sua metade. Mas seria Mário Pedrosa quem<br />
desdobraria esse olhar arguto e generoso para o futuro. Anos depois, no<br />
“Depoimento sobre o MAM”, originalmente publicado em O Estado de<br />
S. Paulo de 24/3/1963, homenageando Milliet, já falando no passado,<br />
Pedrosa diria sobre seu contemporâneo:<br />
Sérgio Milliet, o verdadeiro fundador da crítica de artes plásticas no Brasil,<br />
o primeiro, entre seus pares, a introduzir uma crítica efetivamente<br />
revolucionária nos processos de análise, na renovação terminológica, no<br />
esforço da apreensão objetiva dos valores [...] (PEDROSA, 1995, p. 300).<br />
Tudo isso é rigorosamente verdadeiro. Mas Mário Pedrosa daria um<br />
sentido ainda mais radical à essa fortuna crítica do projeto moderno,<br />
em arte e em política.<br />
A trajetória das ideias estéticas de Mário Pedrosa – do realismo social<br />
no início dos anos 1930, passando pela defesa do abstracionismo e da<br />
arte contemporânea, até a pioneira detecção do pós-moderno (diante<br />
do qual expressará dúvidas e reparos hoje atualíssimos) – é indissociá vel<br />
de sua trajetória política 8 . Pedrosa inaugura no Brasil, sucessivamente, a<br />
militância política trotskista e a crítica de arte moderna. Entre as idas e<br />
8 Sobre a militância política de Pedrosa ver Marques Neto (1993); Loureiro,<br />
(1984).<br />
96 SiNAiS SoCiAiS | Rio DE JANEiRo | v.7 nº 20 | p. 78-113 | SEtEmbRo > DEzEmbRo 2012