Revista Sinais Sociais N20 pdf - Sesc
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O sucesso comercial da chanchada, ou seja, da “avacalhação” programática<br />
da cultura do ocupante e sua tradução nos termos da cultura<br />
(ou da falta dela) do ocupado foi, e aqui vai mais um paradoxo, o<br />
estímulo para o surgimento de um projeto cinematográfico industrial<br />
de um ponto de vista exclusivo do ocupante: o projeto da Companhia<br />
Vera Cruz que, como Paulo Emílio explica detidamente, faliu rapidamente.<br />
Seu fracasso derivou de dois aspectos. O primeiro seria a incapacidade<br />
da cópia do sistema industrial. A Vera Cruz queria recriar<br />
uma imagem calcada na cultura do ocupante, mas foi tragada pela<br />
estrutura por ele criada (no caso, o domínio do sistema de distribuição<br />
dos filmes). Por outro lado, o fracasso tinha um motivo “estético” e derivaria<br />
também da inutilidade da cópia. Nem os ocupantes locais (os<br />
ricos, devidamente europeizados e americanizados) nem os ocupados<br />
(a plebe) se identificavam com aquelas tentativas, pautadas no bom-<br />
-gosto e na imitação dos filmes internacionais. Preferindo o original à<br />
cópia, nesse sentido percebida como um rebaixamento do original,<br />
eles lhe viravam as costas.<br />
Como se sabe, a resolução criativa desse estado, em um nível experimental<br />
e engajado, veio pela formação de uma autêntica “vanguarda”<br />
cinematográfica brasileira: o Cinema Novo. Sua ética e sua<br />
estética rompiam o tradicional jogo entre ocupado e ocupante pela<br />
elaboração de uma forma nova, capaz de refletir e criar “uma imagem<br />
visual e sonora, contínua e coerente, da maioria absoluta do povo<br />
brasileiro” justamente ao se autonomizar e se “dessolidarizar de sua<br />
origem ocupante” para enfim criar, em forma e conteúdo, uma representação<br />
criativa “dos interesses do ocupado” (p. 83-84).<br />
Como se sabe também, o golpe de 64 colocaria essa imagem em crise,<br />
inviabilizando sua expansão e efetivação. Talvez por isso, e é ainda<br />
Paulo Emílio quem diz, a vanguarda cinemanovista tenha se fechado<br />
em si, experimentando uma forma única que, entretanto, não foi capaz<br />
de se radicar como a imagem do ocupado para si mesmo. Ainda<br />
assim, não deixa de ser significativo o sucesso internacional, com consequências<br />
admiráveis e influentes, do Cinema Novo na história das<br />
vanguardas cinematográficas do resto do mundo. Também é bastante<br />
sintomático que tenha sido Mário Pedrosa, segundo o depoimento de<br />
Glauber Rocha, um dos primeiros a reconhecer a inovação da vanguarda<br />
cinemanovista, e o responsável por lançá-la definitivamente<br />
SiNAiS SoCiAiS | Rio DE JANEiRo | v.7 nº 20 | p. 78-113 | SEtEmbRo > DEzEmbRo 2012<br />
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