Revista Sinais Sociais N20 pdf - Sesc
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Não são mulheres, mas seres de uma substância incomparável, translúcida<br />
e sensível, carnes de vidro alucinadamente irritáveis, cúpulas de<br />
seda flutuante, coroas hialinas, longas correias vivas percorridas por<br />
ondas rápidas, franjas e pregas que dobram, desdobram; ao mesmo<br />
tempo em que se viram, se deformam, desaparecem, tão fluidas quanto<br />
o fluido maciço que as comprime, esposa, sustenta por todos os<br />
lados, dá-lhes lugar a menos inflexão e as substitui em sua forma. Lá,<br />
na plenitude incompressível da água que não parece opor nenhuma<br />
resistência, essas criaturas dispõem do ideal da mobilidade, lá se distendem,<br />
lá recolhem sua radiante simetria. Não há solo, não há sólidos<br />
para essas bailarinas absolutas; não há palcos; mas um meio onde é<br />
possível apoiar-se por todos os pontos que cedem na direção em que<br />
se quiser. Não há sólidos, tampouco, em seus corpos de cristal elástico,<br />
não há ossos, não há articulações, ligações invariáveis, segmentos que<br />
se possam contar...<br />
Jamais bailarina humana, mulher inflamada, embriagada de movimento,<br />
do veneno de suas forças excedidas, da presença ardente de olhares<br />
carregados de desejo, expressou a oferenda imperiosa do sexo,<br />
o apelo mímico da necessidade de prostituição, como aquela grande<br />
Medusa, que, por espasmos ondulatórios de sua torrente de saias<br />
engrinaldadas, que ela arregaça repetidas vezes com uma estranha e<br />
impudica insistência, transforma-se em sonho de Eros; e, subitamente,<br />
rejeitando todos seus folhos vibráteis, seus vestidos de lábios recortados,<br />
vira-se ao avesso e se expõe, furiosamente aberta.<br />
Mas imediatamente se recompõe, freme e se propaga em seu espaço,<br />
e sobe como balão à região luminosa proibida onde reinam o astro e<br />
o ar mortal (VALÉRY, 2003, p. 38-39).<br />
Interessante pensar o quanto Gonçalo M. Tavares também compõe<br />
a sua imagem da dança para além da ideia de um corpo feminino<br />
que dança e expõe todo o seu saber, para além do palco e do solo,<br />
seguindo essa sugestão de Valéry. Mas a figura que Gonçalo formula<br />
ou o seu corpo inventado no texto, que é também o texto como um<br />
corpo, se afasta da descrição feita por Valéry – ainda que se trate,<br />
como propõe Valéry, de um corpo leve de “estranha e impudica insistência”<br />
(VALÉRY, 2003, p. 39), que é afirmação da vida, e que se<br />
140 SiNAiS SoCiAiS | Rio DE JANEiRo | v.7 nº 20 | p. 114-147 | SEtEmbRo > DEzEmbRo 2012