Revista Sinais Sociais N20 pdf - Sesc
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deslocado todos os marcos de fronteira; as próprias fronteiras terão<br />
ido pelos ares para ele, que batizará de novo a terra – como ‘a leve’”<br />
(NIETZSCHE, 2006, p. 230).<br />
Para Nietzsche, além da dança apresentar a oposição mais radical<br />
ao espírito de gravidade e de ser capaz de dar à terra o seu novo<br />
nome, “a leve”, ela apresenta, especialmente, o corpo não forçado,<br />
livre e desconfiado, um corpo em estado de desobediência ou ainda,<br />
se pensarmos com José Gil, em desequilíbrio (levantar o braço<br />
como política, dizer que a literatura existe, apontar para uma resistência,<br />
parece propor Gonçalo M. Tavares). Badiou diz que esse corpo<br />
não forçado está em um estado de desobediência que se estende<br />
até mesmo às suas próprias impulsões, que a dança é “a mostração<br />
corporal da desobediência a uma impulsão” (BADIOU, 2002, p. 83,<br />
grifo do autor). Ele concebe a dança também como pensamento, um<br />
“pensamento como refinamento” e diz que essa reflexão está longe<br />
de qualquer princípio da dança como “êxtase primitivo ou agitações<br />
repetidas e descuidadas do corpo”, mas que “a dança metaforiza o<br />
pensamento leve e sutil, precisamente porque mostra a retenção imanente<br />
ao movimento e assim se opõe à vulgaridade espontânea do<br />
corpo” (BADIOU, 2002, p. 83). A vulgaridade seria toda impulsão<br />
que não é retenção, mas apenas um apelo corporal que é imediatamente<br />
obedecido e manifesto, um corpo obediente e incapaz de<br />
resistir a uma solicitação. Dessa forma, a dança seria um corpo subtraído<br />
não apenas de peso, mas também de qualquer vulgaridade.<br />
Esse é o corpo desenhado por Gonçalo M. Tavares em todo o seu<br />
projeto de escrita, um corpo de pensamento leve e sutil, corpo desobediente,<br />
não forçado e desconfiado, corpo subtraído de toda e<br />
qualquer vulgaridade, e que dança. E, seguindo as palavras de Badiou,<br />
“na dança concebida dessa maneira, a essência do movimento está<br />
no que não teve lugar, no que permaneceu não efetivo ou retido<br />
dentro do próprio movimento” (BADIOU, 2002, p. 82, grifo do autor).<br />
Assim, a dança apresenta-se como manifestação do que “não<br />
teve lugar”, da força do movimento retido no corpo, como um devir<br />
permanente – um pensamento como devir, como poder ativo e violento,<br />
na sugestão de Nietzsche –, muito mais do que a prontidão e<br />
exatidão dos movimentos em seus diversos desenhos exteriores. Nas<br />
palavras de Badiou: “Certamente, só se mostrará essa força no pró-<br />
134 SiNAiS SoCiAiS | Rio DE JANEiRo | v.7 nº 20 | p. 114-147 | SEtEmbRo > DEzEmbRo 2012