Revista Sinais Sociais N20 pdf - Sesc
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librar sobre tênues cordas e possibilidades, como uma espécie de funâmbulo.<br />
Note-se que Nietzsche faz uso do verbo treinar (üben) para<br />
descrever essa habilidade do corpo em equilibrar-se sobre o próprio desequilíbrio,<br />
corpo treinado, corpo ensaiado para dançar até mesmo<br />
sobre abismos, um ato que pode ser simplesmente para nada, com<br />
“muita quantidade de inútil” (TAVARES, 2001, p. 71), assim como<br />
também pode ser inútil o ato de levantar o braço. Mas esse mesmo ato<br />
de levantar o braço, no fragmento 59, também pode ser lido como<br />
uma existência, o aceno que diz ‘aqui estou’ e isso é também uma<br />
dança, uma estética, uma poética, sem mesmo precisar pôr na explicação<br />
palavras, como faz o aprendiz na pequena história narrada<br />
por Gonçalo M. Tavares. E que ao mesmo tempo é um gesto para<br />
tudo, como aparece no fragmento: “Ele levantava o braço sempre,<br />
para tudo” (TAVARES, 2001, p. 71), ou seja, levantava o braço para<br />
qualquer coisa, sempre, e levantava o braço como afirmação da vida,<br />
da existência – para tudo. Mas esse mesmo gesto repetido e para tudo<br />
também comparece como interrupção, confronto, ou seja, novamente<br />
o ato de hesitar, nem um nem outro, um e outro ao mesmo tempo, que<br />
é muito próximo da proposição ZEN asseverada com um imenso “SIM”<br />
que parece sair como exclamação para todos os lados logo no começo<br />
do fragmento, como se indicasse qual é o seu projeto estético e<br />
político, como resistência, como Neutro.<br />
Não se pode perder de vista que o “silêncio” é uma das 30 figuras<br />
do Neutro que Barthes analisa e que comparecem em alguns fragmentos<br />
de texto ou “no qual, mais vagamente, há Neutro” (BARTHES,<br />
2003, p. 24), sob a forma de pequenas cintilações, para criar um espaço<br />
projetivo de leitura. O fragmento de Gonçalo M. Tavares também<br />
faz uso dessa mesma figura quando o mestre, apenas depois de<br />
ouvir com atenção “O OUTRO”, o aprendiz, levanta o braço. E é bom<br />
lembrar que o Neutro, para Barthes, não corresponde a um silêncio<br />
permanente (vê-se que o mestre fala), mas por um gasto mínimo<br />
de uma operação de fala, nesse caso apenas seguido pelo ato repetido de<br />
levantar o braço. Assim, o “silêncio” corresponde a uma postulação<br />
do direito de calar-se, sem que com isto se tenha perdido o poder,<br />
o ato livre e soberano de não dizer nada. Assim, o ato de levantar o<br />
braço como uma dança ou logro, um silêncio que burla, um desvio,<br />
um gesto para tudo e para nada ao mesmo tempo, que marca uma<br />
130 SiNAiS SoCiAiS | Rio DE JANEiRo | v.7 nº 20 | p. 114-147 | SEtEmbRo > DEzEmbRo 2012