Revista Sinais Sociais N20 pdf - Sesc
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profundidade no corpo e no pensamento; que sofrem de vontade livre,<br />
desejam uma arte dionisíaca, uma compreensão trágica do corpo, um<br />
corpo profundo, e uma compreensão trágica da vida. Não por acaso, o<br />
ensaio (aqui compreendido sempre nos dois movimentos já indicados)<br />
deseja certa “liberdade de espírito”, como sugeriu Adorno, o que se<br />
assemelha muito ao espírito livre do qual também nos fala Nietzsche.<br />
Em Ecce Homo, publicado em 1908, que por si só já é um livro-reação,<br />
Nietzsche comenta acerca de Humano, demasiado humano (1878):<br />
Humano, demasiado humano é o monumento de uma crise. Ele se<br />
proclama um livro para espíritos livres: quase cada frase, ali, expressa<br />
uma vitória – com ele me libertei do que não pertencia à minha<br />
natureza. A ela não pertence o idealismo: o título diz “onde vocês<br />
veem coisas ideais, eu vejo – coisas humanas, ah, somente coisas demasiado<br />
humanas!”... Eu conheço mais o homem... Em nenhum outro<br />
sentido a expressão “espírito livre” quer ser entendida: um espírito<br />
tornado livre, que de si mesmo de novo tomou posse (NIETZSCHE,<br />
2008, p. 69, grifos do autor).<br />
De alguma forma, esse “espírito tornado livre, que de si mesmo de<br />
novo tomou posse”, agora também com a posse da sua vontade plena<br />
e contra qualquer idealismo ou saída através de uma verdade espiritual,<br />
seja ela qual for, pode ser pensado junto à ideia de um “corpo<br />
soberano”, na acepção de Georges Bataille, leitor atento de Nietzsche.<br />
Bataille afirma que nada pode ser mais necessário e mais forte em nós<br />
do que a revolta, a desobediência do corpo, a suspensão da lei; que<br />
sem esse sentimento não podemos amar e nem estimar nada, pois<br />
tudo leva a marca da submissão. Dessa forma, Bataille propõe, com<br />
Nietzsche, um princípio de rebeldia, um “riso insidioso” no lugar do<br />
temor, da submissão, pois é próprio da revolta não se deixar submeter<br />
facilmente (BATAILLE, 2008, p. 227-228).<br />
Nietzsche define ainda o “espírito livre” – corpo desobediente e<br />
soberano que procuro demonstrar também nos textos de Gonçalo M.<br />
Tavares, bem como o texto inteiro como um corpo furioso e desobediente,<br />
corpo de intensidades –, como um desvencilhar-se de toda<br />
crença, de toda convicção profunda ou desejo de certeza, que pode<br />
ser representado por uma escolha, pela arrogância do paradigma, pela<br />
SiNAiS SoCiAiS | Rio DE JANEiRo | v.7 nº 20 | p. 114-147 | SEtEmbRo > DEzEmbRo 2012<br />
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