Revista Sinais Sociais N20 pdf - Sesc
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A primeira, como método ou modelo literário, procedimento de reflexão<br />
crítica ou estudo sobre algo, que é o caso, por exemplo, desse<br />
livro em que as reflexões acerca do movimento, do corpo e da dança<br />
já aparecem para depois se expandir por todo o seu projeto. Theodor<br />
Adorno, em seu conhecido texto “O ensaio como forma”, publicado<br />
em 1958, no volume intitulado Notas de literatura, diz que o ensaio é<br />
uma espécie de entusiasmo infantil, que faz com que alguém, como<br />
uma criança, tenha imensa disposição para algo e não tenha “vergonha<br />
de se entusiasmar com o que os outros já fizeram” (ADORNO, 2003,<br />
p. 16), uma sorte de felicidade e de jogo que exige certa liberdade de<br />
espírito, um corpo livre e disponível para tal tarefa. Assim, o ensaio<br />
seria mais ou menos como um espírito livre, inacabado e aberto que,<br />
ainda na proposição de Adorno, “diz o que a respeito lhe ocorre e<br />
termina onde sente ter chegado ao fim, não onde nada mais resta a<br />
dizer” (ADORNO, 2003, p. 17). Dessa forma, ele ocuparia um lugar entre<br />
os despropósitos, entre desatino e disparate, um excesso de desejo<br />
e atenção sobre algo, um pensamento fragmentado e relativizado que<br />
na maior parte das vezes é um pensamento sobre algo absolutamente<br />
efêmero e mutável, que recua diante de dogmas e de interpretações<br />
rígidas e universais. Gonçalo M. Tavares, por sua vez, procura transitar<br />
nessa “experiência intelectual” livre, o “ensaio”, articulado como um<br />
pensamento descontínuo, sempre um conflito em suspenso. Nas palavras<br />
de Adorno: “A descontinuidade é essencial ao ensaio; seu assunto<br />
é sempre um conflito em suspenso” (ADORNO, 2003, p. 35); assim, o<br />
Livro da dança de Gonçalo M. Tavares toma o exercício do ensaio como<br />
um pensamento para todos os lados, sem sentido único, ou seja, toma<br />
o próprio corpo [corpo orgânico e corpo do texto: “De qualquer modo<br />
a dança” e “De qualquer modo o corpo contém o dia” (TAVARES, 2001,<br />
p. 22)] como “palco da experiência intelectual”. Adorno propõe que<br />
o ensaio exige, ainda mais que o procedimento definidor, a interação<br />
recíproca de seus conceitos no processo da experiência intelectual.<br />
Nessa experiência, os conceitos não formam um continuum de operações,<br />
o pensamento não avança em um sentido único; em vez disso,<br />
os vários momentos se entrelaçam como em um tapete. Da densidade<br />
dessa tessitura depende a fecundidade dos pensamentos. O pensador,<br />
na verdade, nem sequer pensa, mas sim faz de si mesmo o palco da ex-<br />
SiNAiS SoCiAiS | Rio DE JANEiRo | v.7 nº 20 | p. 114-147 | SEtEmbRo > DEzEmbRo 2012<br />
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