Revista Sinais Sociais N16 pdf - Sesc
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morador da favela em um bailarino ou em um ator de sucesso, para<br />
depois novamente devolvê-lo à favela, com poucas possibilidades<br />
de dar prosseguimento ao seu trabalho, pois o capital que o impulsionou<br />
já migrou para novas experimentações estéticas. O que<br />
vem depois parece não importar, existe um abandono da ideia de<br />
continuidade.<br />
Muitos projetos sociais de dança têm uma duração que parece<br />
estar ligada a uma estética do acontecimento. Interessante notar,<br />
contudo, que a palavra “projeto” tem sua origem etimológica no<br />
latim, projectus, e significa “ação de lançar para frente, de se estender,<br />
extensão”.<br />
É importante que a lógica do capital não anuvie a dimensão artística<br />
e ética dos projetos. Senão, em vez de projeto social, haverá<br />
um evento social que formará, no lugar de artistas, empresários da<br />
dança e bailarinos frustrados. Por sua vez, os projetos que se engessam<br />
em algumas metanarrativas modernas de resgate da cidadania,<br />
da etnia, ou que se baseiam em qualquer forma de engajamento<br />
rígido, que controlam o tempo aprisionando-o a uma linearidade<br />
racional, transformam-se em projetos pedagógicos formais, em que<br />
a dança é usurpada de sua dimensão lúdica e estética.<br />
O homem cidadão pode até ser produzido, mas e o homem artista?<br />
Será que o projeto criou uma alma externa feita para ser vista<br />
somente de fora? As marcas exteriores do balé não deixam dúvidas,<br />
tatuam o corpo e os gestos, permitem um reconhecimento imediato<br />
a qualquer olhar dirigido ao espelho.<br />
Antes de ser um cidadão, entretanto, o artista é criador. Ele, de<br />
fato, prescinde do espelho, a intensidade de sua potência criativa<br />
lhe mostra a dimensão de sua existência. Ele sente tragicamente o<br />
mundo, não reflete sobre ele, tenta transformá-lo a cada instante.<br />
Todo projeto social de dança deveria se desenrolar como um drama,<br />
sem contudo abandonar seus aspectos trágicos, como as duas<br />
metades de uma laranja. É pela arte que uma cultura se abre para<br />
os instintos, senão, não é arte.<br />
Este estudo não se esgota aqui, muitos outros aspectos do pensamento<br />
sobre a arte e a sociedade escaparam ao escopo da abordagem<br />
proposta. Algumas coisas, porém, ficaram claras: a pobreza<br />
não aniquila a alegria de viver, o drama e o trágico são vividos em<br />
138 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.5 nº16 | p. 108-141 | MAIO > AGOSTO 2011