Revista Sinais Sociais N16 pdf - Sesc
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4.4 APOLO E DIONISIO<br />
Durante uma visita ao Projeto, senti imediatamente que meu estudo,<br />
apesar de ter provocado muita dor e sofrimento, tinha valido a<br />
pena. Estava em êxtase lúdico, estético e, por que não dizer, trágico.<br />
Diário de campo (28 de março de 2003)<br />
A questão da temporalidade logo se apresentou como um aspecto<br />
novo no desenrolar deste Projeto. Em primeiro lugar, para a pesquisadora,<br />
no lugar social de público, assistindo ao espetáculo, o tempo<br />
parou. Naquele momento a intensidade do estético e do lúdico<br />
rompeu com qualquer possibilidade de linearidade do tempo.<br />
A noção de projeto, com objetivos bem definidos e coerentes<br />
com uma progressão linear ordenada, foi brutalmente invadida e<br />
esteticamente dominada por uma força criativa que eternizou aquele<br />
instante.<br />
Todo trabalho de corpo, que consiste numa sucessão de passos desenvolvidos<br />
ao longo dos anos, pareceu abandonar uma perspectiva<br />
puramente técnica para se transformar em inúmeras possibilidades de<br />
gozo. O lúdico e o estético se conjugaram e o ato de dançar resgatou a<br />
dimensão do jogo e do belo. Dentro de uma perspectiva trágica, Apolo<br />
e Dionisio se reencontraram. A representação artística, portanto, traz a<br />
essência e a aparência, a luz e as trevas, a superabundância das forças<br />
dionisíacas dentro de uma estética apolínea. É nessa união que a vida<br />
se faz sentir, onde ela se afeta, onde ela propriamente é.<br />
Para Nietzsche (1996), a arte trágica produz alegria. Ela surge<br />
como um estimulante da vontade de potência. Nada na vida deve<br />
ser negado, até os aspectos mais tenebrosos devem ser vividos em<br />
sua intensidade. A expansão da vida consiste em aceitar o todo da<br />
existência humana. O autor propõe uma celebração de todas as<br />
forças imanentes, sem a necessidade de se aspirar, de forma mística<br />
ou ideológica, a uma vida perfeita, melhorada ou duradoura.<br />
O Projeto II, ao se furtar de uma retórica linear, moderna e dramática,<br />
situou-se além da moral, da metafísica ou da religião. Permitiu<br />
perceber que não há mais fantasias nem ilusões. É tempo de viver<br />
artisticamente, isto é, celebrar cada instante em sua totalidade, sem<br />
saudades de um amanhã perfeito ou redentor.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.5 nº16 | p. 108-141 | MAIO > AGOSTO 2011<br />
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