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Educação em Rede - Sesc

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<strong>Educação</strong><br />

<strong>em</strong> <strong>Rede</strong><br />

Currículos <strong>em</strong> EJA:<br />

saberes e práticas de<br />

educadores<br />

Serviço Social do Comércio


Serviço Social do Comércio<br />

<strong>Educação</strong><br />

<strong>em</strong> <strong>Rede</strong><br />

Currículos <strong>em</strong> EJA:<br />

saberes e práticas<br />

de educadores<br />

1 a edição<br />

Rio de Janeiro, 2011


SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO<br />

Presidência do Conselho Nacional<br />

Antonio Oliveira Santos<br />

DepArtAmentO nAciOnAl<br />

Direção-Geral<br />

maron <strong>em</strong>ile Abi-Abib<br />

Divisão Administrativa e Financeira<br />

João carlos Gomes roldão<br />

Divisão de Planejamento e Desenvolvimento<br />

Álvaro de melo Salmito<br />

Divisão de Programas Sociais<br />

nivaldo da costa pereira<br />

Consultoria da Direção-Geral<br />

Juvenal Ferreira Fortes Filho<br />

luís Fernando de mello costa<br />

PUBLICAÇÃO<br />

cOOrDenAçãO<br />

Gerência de <strong>Educação</strong> e Ação Social/<br />

Divisão de Programas Sociais<br />

maria Alice lopes de Souza<br />

Equipe do projeto <strong>Educação</strong> de Jovens e<br />

Adultos<br />

celso de Souza cunha<br />

marta lima de Souza<br />

Gerência de Desenvolvimento Técnico/<br />

Divisão de Planejamento e Desenvolvimento<br />

raimundo Vóssio Brígido Filho<br />

Assistente<br />

Aline Vieira de Albuquerque<br />

FICHA CATALOGRÁFICA<br />

currículos <strong>em</strong> eJA : saberes e práticas de educadores. –<br />

rio de Janeiro : SeSc, Departamento nacional, 2011.<br />

258 p. : 22 cm. – (educação <strong>em</strong> rede)<br />

inclui bibliografia.<br />

iSBn 978-85-89336-52-9.<br />

eDiçãO<br />

Assessoria de Divulgação e Promoção/<br />

Direção-Geral<br />

christiane caetano<br />

Supervisão editorial<br />

rosane carneiro<br />

Projeto gráfico<br />

Ana cristina pereira (Hannah23)<br />

Editoração<br />

Anne esteche<br />

Revisão de texto<br />

clarissa penna<br />

marcia capella<br />

Assessoria externa<br />

Alessandra nicod<strong>em</strong>os<br />

José carlos lima De Souza<br />

Produção gráfica<br />

celso mendonça<br />

1. educação de jovens e adultos - currículos. 2. Aprendizag<strong>em</strong> – Avaliação. 3. educadores -<br />

Formação. i. SeSc. Departamento nacional. ii. Série.<br />

cDD 374


“Pensar a prática enquanto a melhor<br />

maneira de aperfeiçoar a prática.<br />

Pensar a prática através de que se vai<br />

reconhecendo a teoria nela <strong>em</strong>butida.<br />

A avaliação da prática como caminho<br />

de formação teórica...”<br />

(Paulo Freire)


No cenário atual, identifica-se o delineamento de uma nova era: a era<br />

do conhecimento. Esta se desenvolve no contexto de uma revolução tecnológica<br />

que possibilita movimentos de circulação de informações com velocidade e<br />

intensidade jamais previstas na história. Diante dessa realidade, insere-se a<br />

necessidade de formação permanente dos profissionais e, assim, vislumbra-se<br />

a modalidade de <strong>Educação</strong> a Distância como uma estratégia b<strong>em</strong>-sucedida de<br />

alternativas para esse propósito.<br />

O SESC, s<strong>em</strong>pre atento às novas d<strong>em</strong>andas da sociedade, já utiliza<br />

desde 2006 a tecnologia da videoconferência como forma de permitir que<br />

participantes situados <strong>em</strong> locais geograficamente distantes possam interagir e<br />

trocar experiências ao vivo, proporcionando mais oportunidades de capacitação<br />

e diss<strong>em</strong>inação de conteúdos.<br />

Com o curso Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores,<br />

que deu orig<strong>em</strong> a esta publicação, nosso desafio foi promover essa convergência,<br />

valorizando o capital intelectual da Instituição e definindo estratégias de<br />

capacitação adequadas à realidade e aos objetivos da atividade <strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos no SESC do futuro.<br />

Como a interação é a grande estrela dessa ferramenta de comunicação,<br />

a divulgação do conteúdo do curso se fez imperativa, pois o SESC acredita que<br />

compartilhar o conhecimento é um compromisso seu com a sociedade.<br />

Maron Emile Abi-Abib<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores


Sumário<br />

INTRODUÇÃO<br />

Parte I - Currículos<br />

Gerência de <strong>Educação</strong> e Ação Social<br />

do Departamento Nacional 12<br />

EJA: DE ENSINO SUPLETIVO à CONDIÇÃO DE UM NOVO PARADIGMA<br />

PARA A EDUCAÇÃO NO TEMPO PRESENTE<br />

José Carlos Lima de Souza 24<br />

AS TEORIAS CRÍTICAS DO CURRÍCULO E O PROCESSO DE ExECUÇÃO,<br />

CONSTRUÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO DE PRÁTICAS CURRICULARES<br />

NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS<br />

Alessandra Nicod<strong>em</strong>os 38<br />

A IMPORTâNCIA DO ESPAÇO DE VIVÊNCIA NA EDUCAÇÃO DE<br />

JOVENS E ADULTOS<br />

Emmanuele Maria Correia Costa 56<br />

SUJEITOS DA EJA E O CURRÍCULO<br />

Kelma Araújo Soeiro 68<br />

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS, UM DESAFIO CONSTANTE<br />

Alcione Deodato de Souza 78<br />

AS DIRETRIzES CURRICULARES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS<br />

E O CURRÍCULO<br />

Marta Maria Araújo Pereira 86<br />

RECONHECER AS NECESSIDADES DO EDUCANDO PARA<br />

qUALIFICAR O CURRÍCULO<br />

Christiana Diniz Lopes 98<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores


RECONHECER A IDENTIDADE DO ALUNO: FATOR FUNDAMENTAL PARA A<br />

CONSTRUÇÃO DE UM CURRÍCULO EM EJA<br />

Tamára dos Santos Cunha 108<br />

O DESAFIO DO PROFESSOR NA CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO DA<br />

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA)<br />

Nurse Antônia de Freitas Vieira 118<br />

CONTEúDOS SIGNIFICATIVOS: DESAFIO NA EDUCAÇÃO DE<br />

JOVENS E ADULTOS<br />

Heleonira Lima 124<br />

PRÁTICAS EDUCATIVAS E CONSTRUÇÃO DE CURRÍCULO EM EJA<br />

Reflexão das práticas avaliativas, construção da aprendizag<strong>em</strong><br />

significativa<br />

Adna Ramos de Abreu Santos 136<br />

REFLExõES PARA A CONSTITUIÇÃO DE UM CURRÍCULO POSSÍVEL<br />

EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS<br />

Lêda Letro Ribeiro 146<br />

Parte II - Avaliação da aprendizag<strong>em</strong><br />

AVALIAÇÃO DA APRENDIzAGEM ESCOLAR NOS CURSOS DA<br />

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UMA DISCUSSÃO ACERCA DAS<br />

POSSIBILIDADES DE REDISCUTI-LA NOS CURRÍCULOS ESCOLARES<br />

Aldeci da Silva Dias 162<br />

RECORDAÇõES: COMPLEMENTO PARA UMA PRÁTICA INOVADORA<br />

Maria de Assunção Cortes Costa 178<br />

DIAGNOSTICAR SABERES SIGNIFICATIVOS AO ALUNO<br />

OU SIMPLESMENTE AVALIAR<br />

Marlucia Oliveira de Castro Azerêdo 191<br />

AVALIAR: UM ATO POLÍTICO qUE PODERÁ LEVAR à<br />

TRANSFORMAÇÃO SOCIAL<br />

Pe. Bruno (Francisco Edson Garcês Carneiro Lira) 200<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Parte III - Formação de educadores<br />

UM NOVO OLHAR à FORMAÇÃO DOCENTE<br />

Edilene do Socorro Almeida Dias 212<br />

ESPECIFICIDADES DA EJA: TRAJETóRIA E DESAFIOS PARA<br />

O SABER DOCENTE<br />

Adriana Cláudia de Assis 224<br />

A EJA E O DIRETO à DIVERSIDADE: POR UMA VALORIzAÇÃO<br />

DA ESCOLA DA VIDA<br />

Ariadne Colatto Viana 234<br />

CURRÍCULO E PRÁTICA DOCENTE<br />

Rosimária Rodrigues de Melo Cardoso 248<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores


Introdução<br />

Gerência de <strong>Educação</strong> e Ação Social do<br />

Departamento Nacional<br />

Os professores só pecam por três defeitos: o de nada escrever<strong>em</strong><br />

do muito que sab<strong>em</strong>, o de não divulgar<strong>em</strong> as maravilhas que<br />

operam no segredo da sua sala, o de não denunciar<strong>em</strong> situa-<br />

ções que se crê não aconteçam...<br />

(José Pacheco)<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


A citação de Pacheco contribui para introduzirmos um dos objetivos dessa publicação:<br />

revelar os saberes dos professores e divulgar práticas educativas, muitas<br />

vezes escondidas <strong>em</strong> suas salas de aula, <strong>em</strong> seus planejamentos e cadernos de registros<br />

e, principalmente, recuperar e registrar esses saberes e práticas, b<strong>em</strong> como<br />

a m<strong>em</strong>ória de uma formação, que se desenvolve <strong>em</strong> serviço, por meio dos desafios<br />

trazidos diariamente pelo trabalho educativo com jovens e adultos. Esses objetivos<br />

têm suas dimensões ampliadas quando consideramos que a <strong>Educação</strong> de Jovens e<br />

Adultos (EJA), apesar de constituir-se um campo antigo da escolaridade, ainda sofre<br />

com as incipientes produções teórico-práticas, <strong>em</strong> especial aquelas elaboradas por<br />

qu<strong>em</strong> vive o “chão da sala de aula”. Portanto, esse é outro objetivo dessa publicação:<br />

contribuir para a ampliação de conhecimentos teórico-práticos na área, por meio<br />

da divulgação da produção escrita de educadores de jovens e adultos.<br />

O Serviço Social do Comércio (SESC) desenvolve a <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos<br />

(antigos Cursos Supletivos) desde 1973, de modo sist<strong>em</strong>ático, nas etapas de Alfabetização,<br />

Ensinos Fundamental e Médio. Anteriormente a esse período, o SESC,<br />

por meio dos Departamentos Regionais, já envidava esforços junto ao poder público<br />

para ampliar a escolaridade do trabalhador, comerciário ou não, participando da<br />

preparação e organização dos exames de Madureza. Em 1999, t<strong>em</strong> orig<strong>em</strong> o Projeto<br />

SESC LER, visando à alfabetização e à escolarização (1º ao 5º ano do Ensino Fundamental)<br />

de jovens e adultos, levando a EJA para o interior do país.<br />

A formação de educadores é um dos princípios norteadores da Proposta Político-Pedagógica<br />

da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos no SESC, centrada na concepção<br />

de educação continuada e <strong>em</strong> serviço. Assumimos os pressupostos da formação<br />

contínua <strong>em</strong> serviço:<br />

contínua porque, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que o professor se nutre de conhecimentos cientí-<br />

ficos e saberes culturais, cria outras representações sobre as relações educativas na escola.<br />

<strong>em</strong> serviço, por privilegiar um processo de desenvolvimento profissional do sujeito, consti-<br />

tuído por história de vida e de acesso aos bens culturais, de fazeres profissionais e de dife-<br />

rentes realidades de trabalho, carregadas ora por necessidades de superação de desafios,<br />

ora por dificuldades relevantes de atuação (FUSAri & FrAncO, 2005).<br />

Além dessas concepções, a formação t<strong>em</strong> seu alicerce <strong>em</strong> dois papéis fundamentais<br />

do professor: o de mediador e de pesquisador. O papel de mediador centra-se<br />

no saber escutar relacionado ao ato de ensinar, pois à medida que o professor<br />

aprende a escutar o aluno, aprende também a falar com ele, ou seja, estabelece um<br />

diálogo permanente, no qual a educação constitui-se com o aluno. O ato de ensinar<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

13<br />

Introdução


14<br />

Introdução<br />

está inter-relacionado ao papel de pesquisador, por meio da mediação, visto que<br />

a integração de ensino e pesquisa é fundamental na formação do educador, pois<br />

ao ensinar, não apenas o professor auxilia o aluno, como também reelabora seus<br />

conhecimentos, pois como afirma Freire:<br />

não há ensino s<strong>em</strong> pesquisa e pesquisa s<strong>em</strong> ensino. esses que-fazeres se encontram um<br />

no corpo do outro. enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. ensino porque<br />

busco, porque indaguei, porque indago e me indago. pesquiso para constar, constatando,<br />

intervenho, intervindo educo e me educo (Freire, 1997, p. 32).<br />

A citação de Freire retoma a relação intrínseca entre ensino e pesquisa, <strong>em</strong> que<br />

a pesquisa é parte integrante da natureza da prática educativa. Portanto, o trabalho<br />

docente implica movimento de ação-reflexão-ação, por meio das questões que<br />

<strong>em</strong>erg<strong>em</strong> da prática <strong>em</strong> sala de aula e que são reelaboradas por um processo reflexivo.<br />

É nesse cotidiano que o professor toma decisões e constrói seu saber, refletindo<br />

na ação. Entretanto, a reflexão deve ultrapassar a situação imediata, constituindo-se<br />

a “reflexão sobre a reflexão na ação”, que se efetiva na discussão coletiva, na troca de<br />

experiências, na busca de saberes. É nessa relação entre a teoria e a prática, no diálogo<br />

entre a prática de cada professor e a teoria educacional que se elabora o saber<br />

pedagógico. Daí a importância de resgatar o papel do professor como pesquisador,<br />

como aquele que indaga, reflete e produz teoria a partir da prática, o que torna<br />

imprescindível o registro sist<strong>em</strong>ático das experiências, conformando a m<strong>em</strong>ória da<br />

escola. M<strong>em</strong>ória que, ao ser analisada e refletida, contribuirá para a colaboração<br />

teórica e para o revigoramento de práticas. É esse movimento que inspira a<br />

presente publicação.<br />

Ampliando, ainda, as estratégias de formação contínua no SESC, t<strong>em</strong>os a <strong>Educação</strong><br />

a Distância (EAD), utilizando os recursos da videoconferência, que permite às<br />

pessoas ultrapassar<strong>em</strong> as barreiras geográficas e t<strong>em</strong>porais de forma rápida e interagir<strong>em</strong>,<br />

possibilitando a troca de conhecimentos, como ocorreu nos três últimos<br />

encontros, quando 15 estados, divididos <strong>em</strong> três grupos com cinco pessoas cada,<br />

apresentaram o trabalho que vêm desenvolvendo na EJA, por meio da metodologia<br />

de projetos.<br />

De acordo com Cruz (2005), nas últimas décadas, novos modelos de aprender<br />

foram criados a partir de relacionamentos virtuais dentro dos ambientes informatizados.<br />

Com isso, o fim da distinção entre o que é presencial e o que é a distância<br />

parece estar começando a acontecer, já que as redes de telecomunicações e supor-<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


tes multimídia interativos vêm sendo progressivamente integradas às formas mais<br />

clássicas de ensino.<br />

Nascida como uma ferramenta para a comunicação <strong>em</strong>presarial e desenvolvida<br />

para possibilitar reuniões de negócios, a videoconferência passou a ser utilizada<br />

com um fim educativo. Isso porque, dentre as mídias aplicadas na EAD, é a que mais<br />

está próxima do presencial ao permitir que participantes situados <strong>em</strong> dois ou mais<br />

lugares geograficamente distantes possam realizar reunião síncrona com imag<strong>em</strong><br />

e som, por meio de câmeras, microfones e periféricos, como CD-ROM, vídeo e computador,<br />

como base para apresentações <strong>em</strong> slides, internet etc.<br />

Ainda segundo a autora, se a videoconferência funciona b<strong>em</strong> para contatos de<br />

negócios, a situação muda quando se trata de uma aula. Isso porque, <strong>em</strong> termos pedagógicos,<br />

tanto o conteúdo como a forma precisam ser pensados tomando como<br />

parâmetros as várias relações presentes na situação mediada por equipamentos:<br />

aluno/interface, aluno/conteúdo, professor/aluno e, finalmente, aluno/aluno.<br />

Por acontecer ao vivo e exigir participação, a aula por videoconferência rompe<br />

a passividade costumeira frente ao aparelho de TV. Mas, para que funcione, o<br />

professor t<strong>em</strong> de criar dinâmicas que envolvam os alunos e os lev<strong>em</strong> a interagir.<br />

Isso significa que o ensino interativo a distância exige uma nova postura tanto do<br />

professor quanto do aluno. O primeiro deixa de ser o “dono” e o “repassador” de conhecimentos<br />

para se tornar muito mais um guia, um orientador. Já o aluno, precisa<br />

ser independente, autônomo e criativo na aprendizag<strong>em</strong>, principalmente porque<br />

não é mais na sala de aula que ele conseguirá todas as informações de que precisa.<br />

É nessa perspectiva que t<strong>em</strong> orig<strong>em</strong> o curso “Elaborando Currículos <strong>em</strong> EJA”,<br />

visando discutir e refletir sobre a produção do currículo, com base nos referenciais<br />

teórico-metodológicos, nas d<strong>em</strong>andas e nos desafios suscitados pela prática educativa<br />

<strong>em</strong> <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos. Para dar conta desse objetivo, foram convidados<br />

dois professores com ampla experiência na EJA: Alessandra Nicod<strong>em</strong>os,<br />

mestre <strong>em</strong> <strong>Educação</strong>, bacharel e licenciado <strong>em</strong> História; e José Carlos Souza, doutor<br />

<strong>em</strong> História, bacharel e licenciado <strong>em</strong> História.<br />

O curso foi realizado <strong>em</strong> dez encontros, no modo videoconferência, sendo um<br />

encontro para aula inaugural, na qual se apresentou sua proposta, os professores,<br />

o desenvolvimento e objetivos de cada módulo, as referências bibliográficas e os<br />

autores estudados; oito encontros para o desenvolvimento dos t<strong>em</strong>as das aulas e<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

15<br />

Introdução


16<br />

Introdução<br />

um de avaliação. Esses oito encontros foram estruturados <strong>em</strong> quatro módulos 1 , sendo<br />

cada um desenvolvido <strong>em</strong> duas aulas. A carga horária total era 50 horas/aula,<br />

distribuída <strong>em</strong> 30 horas/aula para videoconferência e 20 horas/aula para leituras e<br />

grupos de estudos.<br />

Em relação à avaliação, cab<strong>em</strong> algumas observações. Desde a primeira reunião,<br />

a avaliação foi t<strong>em</strong>a de discussão entre os coordenadores e os professores responsáveis<br />

pelo curso. Nossa preocupação consistia <strong>em</strong> desenvolver um processo avaliativo<br />

que fosse condizente com os referenciais teórico-metodológicos e as práticas<br />

educativas da EJA e não simplesmente realizar uma avaliação de conteúdos. Desse<br />

modo, após fervorosas discussões, optamos por realizar uma avaliação <strong>em</strong> que os<br />

educadores pudess<strong>em</strong> colocar <strong>em</strong> prática um processo de ação-reflexão-ação, tomando<br />

os estudos desenvolvidos no curso e suas práticas como pontos de partida.<br />

Portanto, a avaliação consistiu <strong>em</strong> uma produção textual de 30 linhas, no máximo,<br />

sobre a escolha de um dos t<strong>em</strong>as estudados, sendo os textos mais significativos<br />

selecionados para tornar<strong>em</strong>-se artigos, visando integrar uma publicação relativa ao<br />

encontro. Durante o desenvolvimento da avaliação, os educadores puderam consultar<br />

o caderno de textos, suas anotações e os slides das aulas. As redações foram<br />

avaliadas tendo como critérios: 1) capacidade de argumentação e organização de<br />

ideias; 2) apropriação e capacidade de dialogar com os autores estudados, os conteúdos<br />

abordados e a prática pedagógica <strong>em</strong> EJA; 3) atenção ao t<strong>em</strong>a e aos subt<strong>em</strong>as<br />

escolhidos e título; 4) clareza e propriedade no uso da linguag<strong>em</strong> escrita.<br />

A proposta de avaliação teve um desdobramento com a outra etapa, na qual os<br />

professores, após suas leituras, deram um feedback geral aos participantes, apontando<br />

os t<strong>em</strong>as mais escolhidos: identidade dos estudantes da EJA (43%); avaliação<br />

(36%); paradigmas curriculares da EJA (14%) e o t<strong>em</strong>po e o espaço escolar na EJA<br />

(7%); títulos originais por módulo; expressões ou parágrafos; méritos e dificuldades<br />

dos textos e d<strong>em</strong>andas. Nessa etapa, discutiu-se também a importância de se<br />

refletir sobre o papel e a construção do professor-pesquisador (zACCUR & ESTE-<br />

BAN, 2002), com base no estatuto acadêmico do pesquisador, transmissão de conhecimentos,<br />

relação teoria e prática e diálogos entre a escola e a universidade.<br />

Outra tópico <strong>em</strong>preendido no feedback aos educadores tratou da elaboração de<br />

1. Os módulos foram: i – identidades dos estudantes da eJA (A heterogeneidade como desafio e as questões do<br />

mundo do trabalho); ii – Os paradigmas curriculares <strong>em</strong> eJA (As teorias do currículo e os paradigmas curriculares <strong>em</strong><br />

eJA); iii – Organização curricular: a hierarquização do conhecimento (A organização curricular e práticas interdisciplinares<br />

<strong>em</strong> eJA); iV – práticas educativas e construção de currículo <strong>em</strong> eJA (A construção de currículo <strong>em</strong> eJA e práticas<br />

avaliativas e suas potencialidades na eJA).<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


um artigo científico, apresentando sua estrutura e finalidades, seus interlocutores,<br />

suas partes (título, autores, resumo, introdução, desenvolvimento, conclusões, referências<br />

bibliográficas de acordo com as normas da ABNT, data de produção do<br />

texto), visando auxiliar os educadores que tiveram suas produções selecionadas na<br />

elaboração do artigo.<br />

Participaram do curso, aproximadamente, 300 educadores, distribuídos <strong>em</strong><br />

unidades educacionais nas capitais e nos interiores de 20 estados 2 do país. Receb<strong>em</strong>os<br />

202 redações que foram avaliadas pelos professores Alessandra Nicod<strong>em</strong>os e<br />

José Carlos Souza. Desse total, 39 foram selecionadas para a produção de artigos,<br />

conforme os critérios citados anteriormente. Trinta e duas retornaram <strong>em</strong> forma de<br />

artigo. Procedeu-se nova avaliação, na qual 18 foram aprovadas para publicação.<br />

Cabe destacar que, no processo de avaliação, tomamos o cuidado para que os avaliadores<br />

não identificass<strong>em</strong> os autores das produções escritas. Portanto, cada proposta<br />

de texto encaminhada recebeu um número, tendo extraída a folha de rosto<br />

<strong>em</strong> que constava o nome do educador, de modo a garantir a isenção da avaliação,<br />

visto que, durante a realização das videoconferências, os professores-avaliadores<br />

interagiram com alguns educadores que participaram do curso.<br />

Esta publicação organiza-se <strong>em</strong> três partes. A primeira parte apresenta o t<strong>em</strong>a<br />

do currículo, b<strong>em</strong> como as teorias que o fundam, concentrando a maior parte dos<br />

artigos recebidos. A segunda apresenta as produções relativas à avaliação da aprendizag<strong>em</strong>,<br />

um t<strong>em</strong>a que mobiliza muito os educadores; e a terceira parte trata dos<br />

textos sobre a formação de educadores, encerrando o livro com a discussão de um<br />

novo paradigma na EJA.<br />

O artigo que abre os trabalhos é da professora Alessandra Nicod<strong>em</strong>os, no qual<br />

analisa as questões que circunscrev<strong>em</strong> o campo do currículo na <strong>Educação</strong> de Jovens<br />

e Adultos, com vistas a estabelecer uma conexão entre o debate curricular<br />

crítico e a EJA. A assessora apresenta, após breve resgate histórico das principais<br />

teorias do currículo no século xx, a potencialidade das teorias críticas como espaço<br />

de compreensão das questões teóricas, políticas e metodológicas da EJA nos dias<br />

atuais, de modo a desvelar novas práticas curriculares.<br />

2. A saber: Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, ceará, Distrito Federal, espírito Santo, mato Grosso, mato Grosso<br />

do Sul, paraíba, paraná, pernambuco, piauí, rio Grande do norte, rondônia, roraima, Santa catarina, Sergipe e<br />

tocantins.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

17<br />

Introdução


18<br />

Introdução<br />

O artigo de Tamára dos Santos Cunha discute o reconhecimento da identidade<br />

do educando da EJA como um fator fundamental para a construção do currículo.<br />

A autora, além de diferenciar jovens e adultos quanto aos objetivos, interesses<br />

e trajetórias escolares, toma os princípios e recursos do multiculturalismo crítico<br />

como o ponto de partida para um ambiente estimulador e probl<strong>em</strong>atizador do<br />

conhecimento. Conclui, destacando a questão identitária para a elaboração de<br />

currículos <strong>em</strong> EJA.<br />

O texto de Nurse Vieira apresenta três propostas para a EJA que visam a uma<br />

ruptura da construção clássica da organização curricular por disciplina, com modelos<br />

preestabelecidos, de forma linear. A autora defende uma organização curricular<br />

com base nas áreas de conhecimento e na metodologia de projetos, flexível<br />

e fundamentada nos saberes interdisciplinares. Em seu texto, conclui que o currículo<br />

da EJA necessita ser construído nesse movimento entre as práticas docentes,<br />

as discussões coletivas, a adequação de conteúdos, por meio de um diálogo entre<br />

os diferentes autores, com base na realidade e na identidade dos educandos e nos<br />

valores sociais produzidos.<br />

Heleonira Lima enfatiza os conteúdos significativos relacionados à vida na<br />

construção de um currículo <strong>em</strong> EJA. Para a autora, a inserção desses conteúdos<br />

no currículo constitui-se <strong>em</strong> desafio, tanto para a EJA quanto para seus educadores.<br />

Desafio que t<strong>em</strong> como base os quatro pilares da educação, promulgados pela<br />

Unesco (1997): aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender<br />

a ser. Conclui que mudar é difícil, mas é possível (Freire) quando respeitamos as<br />

experiências dos educandos e a partir delas pensamos um currículo significativo<br />

para a EJA.<br />

O texto de Adna Santos aborda a importância da reflexão sobre as práticas avaliativas<br />

para a construção de um currículo adequado às necessidades dos educandos,<br />

às suas experiências e às suas trajetórias escolares, inclusive <strong>em</strong> relação às avaliações<br />

classificatórias que os marcaram, profundamente, no processo de aprendizag<strong>em</strong>.<br />

O artigo de Lêda Letro Ribeiro reflete sobre o conhecimento crítico e a sua<br />

possibilidade transformadora ao discutir a importância de os educadores de EJA<br />

se apropriar<strong>em</strong> da história e dos contextos <strong>em</strong> que os documentos e os discursos<br />

foram e são produzidos. A autora destaca também a necessidade de superarmos os<br />

dil<strong>em</strong>as e os desafios postos pela prática, assumindo um lugar <strong>em</strong> favor dos educandos<br />

da EJA. Em seguida, relata a experiência de EJA <strong>em</strong> Florianópolis, principal-<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


mente com base na elaboração do Projeto Político-Pedagógico (PPP) construído <strong>em</strong><br />

conjunto pela equipe educacional e tendo como referências a Proposta Pedagógica<br />

da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos e os documentos legais da área. Um dos pontos<br />

ressaltados pela autora é a necessidade de atualização permanente do PPP como<br />

um orientador da prática. Outro ponto refere-se à avaliação, que ainda se configura<br />

como uma prática classificatória e excludente, o que implica revisão da equipe educacional.<br />

Lêda encerra seu texto apontando perspectivas possíveis à construção de<br />

um currículo favorável ao acesso à escola e à permanência dos educandos nela, de<br />

modo a garantir o exercício do direito à educação básica.<br />

O texto de Emmanuele Maria Correia Costa trata da construção de currículo<br />

para a EJA com base nas reflexões sobre a prática dos educadores, tendo como<br />

referencial teórico os estudos de Paulo Freire.<br />

Alcione Deodato de Sousa discute que a efetivação da EJA ocorrerá partindo-se<br />

de alguns pressupostos como o contexto sociopolítico, o perfil do educando e as<br />

funções dessa modalidade de ensino. Tais abordagens são discutidas no presente<br />

texto com o intuito de levar-nos a uma reflexão de como estão sendo construídos<br />

os currículos escolares para jovens e adultos.<br />

O artigo de Kelma Araujo Soeiro apresenta o currículo como espaço de expressão<br />

das identidades e necessidades de jovens e adultos, proporcionando um repensar<br />

sobre as práticas curriculares apresentadas <strong>em</strong> sala de aula.<br />

A heterogeneidade na EJA e as questões do mundo do trabalho são aspectos<br />

fundamentais discutidos por Christiana Diniz Lopes para a construção de um currículo<br />

específico dessa modalidade de ensino.<br />

O artigo de Marta Maria Araújo Pereira debate as possibilidades de novos desenhos<br />

curriculares para EJA, o que implicará o seu conhecimento histórico e de<br />

algumas concepções de currículos trabalhados nessa modalidade de ensino.<br />

No segundo bloco, Aldeci da Silva Dias discute o paradoxo na avaliação da<br />

aprendizag<strong>em</strong> entre o quantitativo e qualitativo na <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos.<br />

O texto de Maria de Assunção Cortes Costa apresenta uma experiência de 1997<br />

que serviu de reflexão e subsídio para inovação da prática pedagógica referente à<br />

<strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

19<br />

Introdução


20<br />

Introdução<br />

Marlucia Oliveira do Carmo Azerêdo aborda as diversas formas de avaliação:<br />

diagnóstica, significativa e flexível, levando-nos a uma reflexão de como utilizarmos<br />

o processo avaliativo nas salas de aula e suas possibilidades de torná-lo efetivo.<br />

O artigo de Pe. Bruno (Francisco Edson Garcês Carneiro Lira) discute os modelos<br />

de avaliação da tradicional à sociointeracionista, visando à proposição da transformação<br />

social partindo da construção de um currículo multicultural e de uma avaliação<br />

que cont<strong>em</strong>ple os saberes prévios dos educandos da EJA na perspectiva de<br />

sua integralidade.<br />

A discussão da terceira parte inicia-se com o texto de Edilene Dias, que propõe<br />

um novo olhar sobre a formação docente. Tomando como ponto de partida o referencial<br />

de Tardif (2005), a autora discute o trabalho docente com base nos aspectos<br />

técnico-pedagógicos e afetivos. Destaca a formação continuada e permanente e o<br />

planejamento como ações contínuas de reflexão por parte dos formadores e educadores.<br />

Desse modo, defende que é por meio da ação de planejar que, na reflexão<br />

sobre a prática, pod<strong>em</strong>os encontrar caminhos norteadores e significativos que possam<br />

contribuir, de fato, para a formação dos discentes. Entretanto, os professores<br />

dev<strong>em</strong> estar atentos às mudanças que acontec<strong>em</strong> ao seu redor e que influenciam<br />

a prática docente e a subjetividade, de modo a articular melhor sua autoformação,<br />

quebrar a inflexibilidade dos cursos de formação e recriar um novo mundo, uma<br />

nova terra, para novos sujeitos, sendo ator de sua própria prática pedagógica.<br />

O artigo de Adriana Assis faz uma abordag<strong>em</strong> histórica da EJA, relacionando o<br />

cenário atual e as políticas públicas <strong>em</strong> curso para esta modalidade de ensino. A autora<br />

recupera os documentos internacionais e nacionais que ratificam a EJA como<br />

direito de aprender ao longo da vida. Destaca a importância de os educadores estudar<strong>em</strong><br />

os marcos legais, de modo que se conscientiz<strong>em</strong> dos direitos quanto à educação,<br />

b<strong>em</strong> como lut<strong>em</strong> pela efetivação de uma educação de qualidade. Adriana<br />

ressalta também a constituição dos Fóruns de EJA, a partir de 1998, como espaços<br />

de discussão e intervenção na elaboração de políticas públicas que afirm<strong>em</strong>/ratifiqu<strong>em</strong><br />

a EJA como direito. No entanto, a autora não deixa de enfatizar o caráter<br />

marginal que ainda vigora nessa área, que ora oscila com visibilidade e incentivos<br />

de recursos, ora com invisibilidade e restrição de recursos financeiros. Isso denota<br />

que, apesar de a EJA figurar nas agendas políticas governamentais e documentos<br />

nacionais e internacionais, ainda está muito marcada por políticas compensatórias<br />

que visam à minimização da pobreza e à contenção social.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Ariadne Viana ajuda-nos a refletir sobre a importância da heterogeneidade dos<br />

educandos da EJA, b<strong>em</strong> como de seu reconhecimento para a elaboração de um<br />

currículo. A autora discute a necessidade de articular os saberes da vida com os<br />

saberes da escola, reconhecendo que os saberes produzidos no cotidiano sociocultural<br />

dos educandos pod<strong>em</strong> ser pontos de partida fundamentais para a aprendizag<strong>em</strong><br />

daqueles escolares. Ariadne defende que o diálogo entre esses dois tipos<br />

pode contribuir para a permanência do educando na escola e para a continuidade<br />

da escolaridade. Outra defesa da autora refere-se à inserção dessas diferenças dos<br />

educandos na elaboração do projeto político-pedagógico da escola, de modo que<br />

garanta uma formação ética, <strong>em</strong> que a identidade do aluno é perpassada pela identidade<br />

da escola. A autora conclui sua exposição teórica destacando a “importância<br />

da práxis, ou seja, da elaboração coletiva das práticas vividas no cotidiano, para que<br />

ocorra o efetivo direito à diversidade, valorizando a bagag<strong>em</strong> histórico-cultural dos<br />

alunos <strong>em</strong> prol de uma aprendizag<strong>em</strong> significativa e <strong>em</strong>ancipatória”.<br />

O texto de Rosimária Cardoso pretende discutir a formatação de um currículo<br />

a partir de el<strong>em</strong>entos da prática docente que não romp<strong>em</strong> com aspectos de uma<br />

educação conteudista. A autora busca identificar características de uma prática “tradicional”,<br />

por meio de um estudo exploratório <strong>em</strong> que observa as aulas de duas<br />

professoras, buscando compreender o que pode proporcionar desmotivação dos<br />

educandos quanto à aprendizag<strong>em</strong>. A autora conclui que a prática conteudista ainda<br />

é uma referência muito presente nas práticas dos docentes que, <strong>em</strong> sua maioria,<br />

não ve<strong>em</strong> necessidade de alterar suas metodologias de trabalho para tornar as<br />

aulas mais instigadoras. Daí ressalta a necessidade de o educador ter uma postura<br />

de mediador na construção do conhecimento, por meio do desenvolvimento de<br />

atividades diversificadas e contextualizadas, que colabor<strong>em</strong> para a aprendizag<strong>em</strong> e<br />

a reflexão dos educandos.<br />

O artigo do professor José Carlos Lima de Souza t<strong>em</strong> como objetivo discutir, a<br />

partir da V Conferência Internacional de <strong>Educação</strong> de Adultos, realizada <strong>em</strong> Hamburgo,<br />

<strong>em</strong> 1995, a transição do paradigma de ensino supletivo para a educação<br />

ao longo da vida, no t<strong>em</strong>po presente. O autor desenvolve sua exposição teórica<br />

questionando: qual o papel da escola e da escolaridade na construção de uma<br />

sociedade mais justa e cidadã? que responsabilidade t<strong>em</strong> a escola no estabelecimento<br />

e consolidação da dominação nas sociedades cont<strong>em</strong>porâneas? É a escola<br />

aparelho reprodutor das disparidades sociais? No primeiro momento, Souza vai discutir<br />

o papel da escola entre dominação e transformação social, apresentando, de<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

21<br />

Introdução


22<br />

Introdução<br />

forma breve, os pensamentos de autores como Althusser, Poulantzas e Bourdieu,<br />

que compreend<strong>em</strong> a escola como um dos pilares da dominação. É, portanto, nos<br />

estudos do pensador italiano Antonio Gramsci que busca encontrar outras referências<br />

que contribuam para pensar a escola no papel da transformação social. Para<br />

Gramsci, a escola é o conjunto de relações sociais que envolv<strong>em</strong> a educação e a<br />

formação do indivíduo, voltando-se para a sua integração ao mundo e à sociedade,<br />

tornando-o sujeito de sua própria história, um intelectual no sentido gramsciano,<br />

um ser crítico e leitor do mundo, no sentido freireano. O autor retoma as funções da<br />

EJA (reparadora, equalizadora e qualificadora) como estratégias fundamentais para<br />

o projeto de <strong>em</strong>ancipação social, <strong>em</strong> que o educando é um sujeito ativo na produção<br />

de conhecimento. Desse modo, Souza conclui que o papel da EJA representa a<br />

formação de cidadãos conscientes de que a educação é um ato cotidiano e político,<br />

ao estimular reflexões que lev<strong>em</strong> ao combate das desigualdades sociais, muitas vezes<br />

disfarçadas sob o véu da diversidade regional e multicultural.<br />

Esperamos que a socialização dos saberes e das práticas dos professores possa<br />

inspirar outros educadores a escrever sobre o muito do que sab<strong>em</strong>, a divulgar as<br />

maravilhas que operam na sala de aula e a denunciar situações injustas, com vistas a<br />

ampliar o campo teórico-metodológico e a discussão das políticas para a efetivação<br />

do direito à <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


REFERÊNCIAS<br />

crUZ, D. m. Aprendizag<strong>em</strong> por videoconferência. in: littO, F. m.; FOrmiGA, m. m. (Org.). <strong>Educação</strong><br />

à distância: o estado da arte. São paulo: pearson education do Brasil, 2009.<br />

FUSAri, J. c.; FrAncO, A. p. A formação contínua como um dos el<strong>em</strong>entos organizadores do<br />

projeto político-pedagógico da escola. rio de Janeiro: tV escola, ago. 2005. Formação contínua<br />

de educadores, boletim n.12.<br />

pAcHecO, J. Sozinhos na escola. porto: profedições, 2003.<br />

SeSc. Departamento nacional. Proposta pedagógica: educação de Jovens e Adultos. rio de<br />

Janeiro, 2000.<br />

ZAccUr, e.; eSteBAn, m. Professora pesquisadora: uma práxis <strong>em</strong> construção. 2. ed. rio de<br />

Janeiro: Dp&A, 2002.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

23<br />

Introdução


EJA: de ensino supletivo<br />

à condição de um<br />

novo paradigma para<br />

a educação no t<strong>em</strong>po<br />

presente<br />

José Carlos Lima de Souza*<br />

RESUMO<br />

Na última década, sob inspiração da declaração<br />

da Unesco, documento resultante da V Conferência<br />

Internacional de <strong>Educação</strong> de Adultos<br />

(Confintea), realizada <strong>em</strong> julho de 1997, <strong>em</strong><br />

Hamburgo, Al<strong>em</strong>anha, os educadores de EJA<br />

vêm ressignificando alguns fundamentos da<br />

educação, entre eles, o papel do currículo na<br />

educação e da própria organização curricular,<br />

elegendo novos objetivos, incorporando novas<br />

preocupações e desenvolvendo novas abordagens.<br />

Assim, destaca-se o papel da EJA como<br />

uma d<strong>em</strong>anda social vinculada à ampliação da<br />

cidadania aos segmentos excluídos da sociedade<br />

brasileira, ressaltando suas potencialidades<br />

como instrumento de ampliação e aprofundamento<br />

da d<strong>em</strong>ocracia no Brasil. Para isso, é<br />

fundamental refletir acerca do papel da educação<br />

na luta contra as desigualdades sociais e na<br />

construção de uma sociedade mais justa.<br />

PAlAVRAS-CHAVE: <strong>Educação</strong> de Jovens e<br />

Adultos; cidadania; leitor de mundo; intelec-<br />

tual orgânico.<br />

ABSTRACT<br />

In the last decade, under the inspiration of the<br />

UNESCO Declaration, a document resulting<br />

from the Fifth International Conference on<br />

Adult Education (Confintea), held in July<br />

1997 in Hamburg, Germany, the Youth and<br />

Adult educators are giving new meaning<br />

to some educational fundamentals, among<br />

th<strong>em</strong>, the role of the curriculum in education<br />

and the organization of the curriculum itself,<br />

electing new objectives, incorporating new<br />

concerns and developing new approaches.<br />

Thus, the role of Youth and Adult Education<br />

is stressed as a social d<strong>em</strong>and linked to the<br />

expansion of citizenship to the excluded<br />

segments of Brazilian society, highlighting<br />

its potential as a tool to broaden and deepen<br />

d<strong>em</strong>ocracy in Brazil. To this end, it is<br />

crucial to reflect on the role of education in<br />

combating social inequalities and building a<br />

fairer society.<br />

KEYwords: Youth and Adult Education;<br />

citizenship; world reader; organic<br />

intellectual.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


* Doutor <strong>em</strong> História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre <strong>em</strong> História pela<br />

UFF, bacharel e licenciado <strong>em</strong> História pela UFF, bacharel <strong>em</strong> Informática, pós-graduado<br />

<strong>em</strong> História do Brasil pela UFF, professor de História na <strong>Rede</strong> Municipal do Rio de Janeiro,<br />

colaborador do Grupo de Trabalho de Atualização Curricular <strong>em</strong> EJA na Secretaria Munici-<br />

pal do Rio de Janeiro (disciplinas História e Geografia), colaborador do Grupo de Trabalho<br />

para a Elaboração de Material Didático <strong>em</strong> EJA na Secretaria Municipal de <strong>Educação</strong> do<br />

Rio de Janeiro (disciplinas História e Geografia), professor do Colégio Santa Mônica, pes-<br />

quisador na UFF.<br />

A construção e o permanente aprofundamento da d<strong>em</strong>ocracia não são tarefas<br />

restritas ao domínio da política, pois d<strong>em</strong>andam a ampliação de horizontes também<br />

no campo social, e, dentro dele, as ações no campo da cultura e da educação merec<strong>em</strong><br />

destaque como duas dentre as diversas iniciativas promotoras da <strong>em</strong>ancipação<br />

das classes menos favorecidas. O objetivo deve ser tornar essas ações parte integrante<br />

e ativa na formação de um sujeito coletivo crítico e, portanto, formador de uma<br />

coesão social baseada na diversidade cultural e no respeito às diferenças, fundados<br />

sobre um humanismo de caráter coletivista e popular, estabelecendo uma convergência<br />

entre a pedagogia do oprimido, de Paulo Freire, e a escola de Gramsci.<br />

Nesse sentido, esta reflexão ganha cientificidade à medida que situa a <strong>Educação</strong><br />

de Jovens e Adultos como uma síntese entre a pedagogia do oprimido, de Paulo<br />

Freire, e a proposta gramsciana de escola. Portanto, cria um novo conceito de<br />

escola, já não mais colocada como um mero espaço físico dedicado à educação. Ao<br />

contrário, escola é um conjunto de relações sociais que envolv<strong>em</strong> a educação e a<br />

formação do indivíduo social, que está voltado para a sua integração ao mundo e<br />

à sociedade, tornando-o sujeito de sua própria história, um intelectual, no sentido<br />

gramsciano, um ser crítico e leitor do mundo, no sentido freireano. Tendo como suporte<br />

o referencial teórico delimitado no parágrafo anterior, esta abordag<strong>em</strong> sobre<br />

a EJA se desenvolve a partir das seguintes indagações.<br />

• qual será o papel da escola e da escolaridade nesse processo de construção<br />

de uma sociedade mais justa e cidadã?<br />

• que responsabilidade t<strong>em</strong> a escola no estabelecimento e na consolidação de<br />

uma dada forma de dominação nas sociedades humanas cont<strong>em</strong>porâneas?<br />

• Não seria a escola uma instância apassivadora dos segmentos sociais mais<br />

explorados, marginalizados e discriminados da sociedade, ou mesmo um<br />

aparelho reprodutor dessas disparidades?<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

25<br />

EJA: de ensino<br />

supletivo à<br />

condição de um<br />

novo paradigma<br />

para a educação<br />

no t<strong>em</strong>po<br />

presente


26<br />

EJA: de ensino<br />

supletivo à<br />

condição de um<br />

novo paradigma<br />

para a educação<br />

no t<strong>em</strong>po<br />

presente<br />

A escola: entre a dominação e a transformação social<br />

Para a maioria das matrizes teóricas cont<strong>em</strong>porâneas que analisam a t<strong>em</strong>ática<br />

do Estado, não há nenhuma possibilidade de crítica e transformação da sociedade<br />

que passe pelo papel da escola. 1 Para os jusnaturalistas, 2 por ex<strong>em</strong>plo, a escola se<br />

vincula às atribuições do contrato social, que criam as bases para o “Estado civil”,<br />

garantindo ao povo a condição de civilizado, abrindo mão de certas prerrogativas<br />

como a liberdade, conciliando-a à sujeição. Desse modo, a escola acaba-se constituindo<br />

num instrumento que promove o alcance da razão por parte da soma de<br />

indivíduos, de modo que saiam do seu “estado de natureza”, sendo, portanto, uma<br />

instituição fundamental para a <strong>em</strong>ancipação e a promoção dos indivíduos civilizados,<br />

tendo um caráter afirmativo, de avanço, de conquista <strong>em</strong> direção ao progresso<br />

da humanidade.<br />

Para uma parte dos marxistas, por outro lado, ela está ligada direta ou<br />

indiretamente à teoria da reprodução, constituindo-se para alguns autores no pilar<br />

fundamental para a constituição de uma dada dominação. Segundo Althusser<br />

(apud CARNOY, 1994, p. 125-126), por ex<strong>em</strong>plo, a escola, entendida como “aparelho<br />

ideológico de Estado”, tal como outras instituições, como a Igreja e o Exército, está<br />

fadada a reproduzir um conjunto de valores e saberes, sob bases teóricas e práticas<br />

que garantam a sujeição da classe operária à ideologia dominante ou às manobras<br />

operadas pela mesma. Essa afirmação baseia-se no fato de que a reprodução da<br />

força de trabalho exige não somente uma reprodução da qualificação, mas também<br />

a submissão às regras da ord<strong>em</strong> social estabelecida, o que sugere que o momento<br />

da formação educacional seja na verdade a oportunidade para estabelecer como<br />

conjunto de códigos sociais um conjunto de regras que ampliam e garant<strong>em</strong> a<br />

eficácia da ideologia dominante para os agentes da exploração e da repressão, a<br />

fim de que possam assegurar por todos os meios a dominação de classe. E essa<br />

ideologia é comum a todos, de modo que cada qual des<strong>em</strong>penhe a sua tarefa,<br />

sejam os proletários, os explorados, sejam os capitalistas, os exploradores. Nesse<br />

sentido, o papel do educador aqui ou é o de agente da exploração, ou, por outro<br />

lado, o de militante solitário contra a ideologia, contra o sist<strong>em</strong>a e contra as práticas<br />

1. escola, aqui, obviamente não se refere a um espaço físico dedicado à instrução de alunos; é um conceito que está<br />

relacionado ao conjunto de relações sociais que envolv<strong>em</strong> a educação e a formação do indivíduo, voltado para sua<br />

integração ao mundo e à sociedade, tornando-o sujeito de sua própria história, um intelectual, no sentido gramsciano,<br />

um ser crítico e leitor do mundo, no sentido freireano.<br />

2. Defensores da existência de um “direito natural” do indivíduo, que prevalece às normas jurídicas.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


<strong>em</strong> que este o encerra, constituindo-se numa verdadeira batalha perdida (LUCKESI,<br />

1990, p. 45-48).<br />

Segundo Poulantzas (1981, p. 162), mesmo que a escola fosse capaz de tornar<br />

o educando crítico, passando a ser sujeito de si próprio e partícipe das lutas populares,<br />

estaria ainda assim inscrita nos aparelhos de poder que materializam essas<br />

lutas, pois, segundo ele, há um “encadeamento complexo do Estado com o conjunto<br />

de dispositivos de poder”. Para frisar esse aspecto, ele aponta o fato de que<br />

o próprio Estado, como ponto de equilíbrio instável da seleção entre frações das<br />

classes dominantes e das classes dominadas, possui um mecanismo de “seletividade<br />

estrutural” da informação, dado por parte de um aparelho e de medidas tomadas<br />

pelos outros. Essa seletividade resulta da materialidade e história próprias de cada<br />

aparelho, da representação específica de interesses particulares <strong>em</strong> seu interior e<br />

do seu lugar na configuração da relação de forças dentro do Estado, incluindo-se<br />

aqui a escola (ibid<strong>em</strong>, p. 154). Daí a mais crítica e revolucionária escola permanecer<br />

inscrita no conjunto de aparelhos que reproduz<strong>em</strong> o tipo de dominação numa<br />

dada sociedade, a não ser que ponha <strong>em</strong> xeque os el<strong>em</strong>entos fundantes dessa organização<br />

social, tarefa árdua e inócua, pois seu raio de alcance e a correlação de<br />

forças com outros aparelhos jamais lhe serão favoráveis.<br />

Até aqui, o que se observa, portanto, é o fato de que a escola não é o espaço<br />

privilegiado para uma ação revolucionária, que envolva mudança de valores ou<br />

consciência das classes dominadas, pois a ideologia dominante atua sobre sua organização,<br />

limitando suas possibilidades de subverter uma relação social de exploração<br />

e dominação.<br />

Para Bourdieu (1996, p. 105), é especialmente por meio da escola que as categorias<br />

do pensamento são elaboradas e impostas, o que, a princípio, condiciona<br />

toda a visão de mundo reproduzida pela escola como restrita, porque é produzida<br />

e garantida pelo Estado. Enquanto formadora de hábitos, a escola “propicia aos que<br />

se encontram direta ou indiretamente submetidos a sua influência uma disposição<br />

geral geradora de esqu<strong>em</strong>as particulares capazes de ser<strong>em</strong> aplicados <strong>em</strong> campos<br />

diferentes do pensamento e da ação” (id<strong>em</strong>, 1987, p. 210), denominada “habitus<br />

cultivado”, realizando um conjunto de operações que atuam no consciente e no<br />

inconsciente dos indivíduos, internalizando esqu<strong>em</strong>as que faz<strong>em</strong> parte da cultura.<br />

Tentando escapar do determinismo estrutural, Bourdieu identifica a tarefa das<br />

pedagogias escolares como uma forma de habitus, ou seja, um sist<strong>em</strong>a de disposições<br />

inculcado na pessoa <strong>em</strong> desenvolvimento, com o objetivo de gerar os tipos<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

27<br />

EJA: de ensino<br />

supletivo à<br />

condição de um<br />

novo paradigma<br />

para a educação<br />

no t<strong>em</strong>po<br />

presente


28<br />

EJA: de ensino<br />

supletivo à<br />

condição de um<br />

novo paradigma<br />

para a educação<br />

no t<strong>em</strong>po<br />

presente<br />

apropriados de ações e atitudes na vida posterior. Esse é o meio através do qual as<br />

escolas pod<strong>em</strong> passar seu capital simbólico. Dessa forma, a escolarização está ligada<br />

a uma forma de opressão e não de <strong>em</strong>ancipação dos indivíduos, praticando uma<br />

“violência simbólica”, o que não é planejado pelos educadores, mas é amplamente<br />

produzido pela ação das próprias classes dominantes, ou melhor, pela interação<br />

entre as mesmas e um sist<strong>em</strong>a educacional conservador. No entanto, a novidade<br />

aqui é que, pela sua própria lógica de funcionamento, a escola pode modificar o<br />

conteúdo e a essência da cultura que transmite:<br />

A cultura não é apenas um código comum n<strong>em</strong> mesmo um repertório comum de respos-<br />

tas a probl<strong>em</strong>as recorrentes. ela constitui um conjunto comum de esqu<strong>em</strong>as fundamen-<br />

tais, previamente assimilados, e a partir dos quais se articula segundo uma “arte da inven-<br />

ção” análoga à da escrita musical, uma afinidade de esqu<strong>em</strong>as particulares diretamente<br />

aplicados a situações particulares (BOUrDieU, 1987, p. 208-209).<br />

Desse modo, a escola cumpre uma função expressa de transformar o legado<br />

coletivo <strong>em</strong> inconsciente individual e comum (ibid<strong>em</strong>, p. 212-215).<br />

Essa possibilidade sugere que haja uma “autonomia restrita”, <strong>em</strong> que, ainda<br />

que difícil, não seja de todo impossível pensar que a mudança possa passar pela<br />

escola. O maior probl<strong>em</strong>a dela não está na imposição das desigualdades de classes,<br />

mas, sim, <strong>em</strong> naturalizar um conjunto de conteúdos, cujo caráter arbitrário é<br />

ocultado, 3 legitimando uma ord<strong>em</strong> social que torna efetivas as relações de poder<br />

e a desigualdade, s<strong>em</strong> que os dominados possam ter clareza disso. Assim, o que as<br />

classes dominantes detêm é o “poder simbólico”. Cabe destacar que, <strong>em</strong> Bourdieu,<br />

a reflexão acerca da escola e a teoria do Estado introduz<strong>em</strong> o conceito de cultura<br />

e de habitus. Se, por um lado, se r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> a uma teoria da reprodução, por outro,<br />

mostram como o processo de construção e conservação de uma dada dominação é<br />

dinâmico, atuando nas mentes; daí a necessidade de que essa dimensão da realidade<br />

social também seja alvo de investigação por parte dos que reflet<strong>em</strong> sobre teorias<br />

da mudança, e até mesmo da revolução social.<br />

Mas, se até aqui a escola é vista como um dos principais pilares da dominação<br />

e, portanto, refletir sobre modelo de escola é algo que está superado para aqueles<br />

3. l<strong>em</strong>bro aqui da permanente tentativa do mSt de elaborar e atualizar um calendário próprio, com datas e cronologia<br />

marcada pela própria história social dos movimentos rurais do Brasil, dando destaque, por ex<strong>em</strong>plo, a movimentos<br />

que a historiografia de ensino médio e Fundamental pouco destaca, como a Guerra de canudos e o contestado.<br />

trata-se de uma tentativa de resistência.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


que se dedicam a pensar na <strong>em</strong>ancipação das classes subalternas e oprimidas, vejamos<br />

o que se pode dizer sobre ela no pensamento de Gramsci.<br />

Tendo sido um dos fundadores do Partido Comunista da Itália <strong>em</strong> 1921, esse<br />

autor tornou-se uma das maiores referências do pensamento marxista e da esquerda<br />

mundial no século passado. Embora comprometido com a revolução proletária,<br />

acreditava que a tomada do poder deveria, necessariamente, ser precedida por mudanças<br />

de mentalidade por parte das classes subalternas. Para ele, os intelectuais<br />

eram os atores privilegiados dessa mudança, e a escola, um dos seus instrumentos<br />

mais importantes. Foi ele qu<strong>em</strong> trouxe à discussão pedagógica a elevação cultural<br />

das massas como um objetivo primordial da escola. Por ela, as classes populares se<br />

livrariam de uma visão de mundo assentada <strong>em</strong> preconceitos e tabus que se constitu<strong>em</strong><br />

no “senso comum”, predispondo-se à interiorização acrítica da ideologia das<br />

classes dominantes.<br />

Uma das originalidades desse pensador italiano está no fato de ter se detido<br />

particularmente no papel da cultura e dos intelectuais nos processos da mudança<br />

na história, e é nesse contexto que se inser<strong>em</strong> suas ideias sobre educação. Para entendê-las<br />

é preciso conhecer o conceito de “heg<strong>em</strong>onia”, um dos pilares do pensamento<br />

gramsciano. Sua obra maior foi escrita na prisão, vindo a público após a sua<br />

morte, tendo sido produzida sob rigorosa censura, o que o obrigou a adotar uma<br />

linguag<strong>em</strong> codificada, substituindo expressões como “marxismo” por “filosofia da<br />

práxis”, “comunismo”, por “sociedade regulada” etc. Nessas condições, desenvolveu<br />

também conceitos originais como “bloco histórico”, “intelectual orgânico”, e aprimorou<br />

outros, como o conceito de “partido”, de “revolução” e de “sociedade civil”.<br />

A heg<strong>em</strong>onia significava para Gramsci a relação de domínio de uma classe social<br />

sobre o conjunto da sociedade. Domínio esse que se dá <strong>em</strong> duas esferas: uma<br />

delas é a “coerção”, <strong>em</strong> concordância com as reflexões do marxismo clássico. Contudo,<br />

há uma outra mais eficaz, mais rica e mais dinâmica, sendo a responsável por<br />

uma mudança de contexto <strong>em</strong> relação às táticas dos partidos revolucionários, porque<br />

as tarefas da revolução também mudam <strong>em</strong> diversos contextos históricos, que<br />

é o “consenso” obtido pela classe dominante junto às subalternas. Talvez pelo fato<br />

de que sua reflexão tenha se baseado <strong>em</strong> experiências políticas socialistas derrotadas<br />

na Itália, onde o fascismo assumiu ares de um movimento de massas.<br />

Gramsci teve oportunidade de analisar o pensamento das massas e a relação<br />

das mesmas não só com as classes dominantes, mas, sobretudo, com os seus va-<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

29<br />

EJA: de ensino<br />

supletivo à<br />

condição de um<br />

novo paradigma<br />

para a educação<br />

no t<strong>em</strong>po<br />

presente


30<br />

EJA: de ensino<br />

supletivo à<br />

condição de um<br />

novo paradigma<br />

para a educação<br />

no t<strong>em</strong>po<br />

presente<br />

lores, podendo observar o que elas reproduziam. E essa observação lhe permitiu<br />

compreender que a complexidade da dominação se encontrava no “consenso”.<br />

Gramsci constatou que a revolução na Itália passava por peculiaridades que<br />

d<strong>em</strong>andavam t<strong>em</strong>po e paciência revolucionários, desconhecidos para o movimento<br />

socialista internacional na época, até mesmo pela maneira como havia sido formada<br />

a cultura das massas populares na Itália; uma questão relacionada não só<br />

às chamadas massas camponesas amorfas do sul italiano agrário, mas também<br />

aos proletários do norte industrializado. Portanto, o “consenso” estava intimamente<br />

ligado à cultura, tratando-se de uma liderança ideológica conquistada entre a<br />

maioria da sociedade, e formada por um conjunto de valores morais e regras de<br />

comportamento.<br />

Segundo Gramsci, “toda relação de heg<strong>em</strong>onia é necessariamente uma relação<br />

pedagógica”, isto é, uma experiência que envolve aprendizado. Para ele, a heg<strong>em</strong>onia<br />

é obtida por meio de uma luta “de direções contrastantes, primeiro no<br />

campo da ética, depois no da política”. Ou seja, é necessário primeiro conquistar as<br />

mentes, para depois conquistar o poder. Mas isso nada t<strong>em</strong> a ver com a manipulação<br />

ideológica. Para Gramsci, a função do intelectual e, por conseguinte, da escola<br />

também, é estabelecer uma mediação para a tomada de consciência dos subalternos,<br />

e por que não dizer dos educandos, no ambiente escolar, algo que passa pelo<br />

autoconhecimento individual e implica reconhecer “o próprio valor histórico”, o<br />

que Nosella (2004) afirma não se tratar de um mero doutrinamento abstrato.<br />

O terreno da luta de heg<strong>em</strong>onias é a sociedade civil, que compreende instituições<br />

de legitimação do poder do Estado, como a Igreja, a escola, a família, os sindicatos,<br />

os meios de comunicação. Ao contrário do marxismo tradicional, que tendia a<br />

considerar essas instituições, mecanicamente, como meros aparelhos reprodutores<br />

da ideologia do Estado, Gramsci via nelas a possibilidade de início das transformações,<br />

pela construção de uma nova mentalidade, própria das classes dominadas.<br />

Na escola vislumbrada por Gramsci, as classes menos favorecidas poderiam se<br />

inteirar dos códigos dominantes, a começar pela alfabetização e pela construção de<br />

uma visão de mundo que levasse os indivíduos a superar<strong>em</strong> o “senso comum”, que<br />

é um conjunto de conceitos desagregados vindos de fora, além de impregnados de<br />

equívocos <strong>em</strong> virtude da religião e do folclore.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Ainda <strong>em</strong> relação à escola, segundo Gramsci, para que o educando adquirisse<br />

capacidade crítica era necessário que lhe fosse apresentado um currículo que trabalhasse<br />

as noções instrumentais, tais como ler, escrever, fazer contas, conhecer os<br />

conceitos científicos, além de seus direitos e deveres como indivíduo social. O autor<br />

defende a manutenção de uma escola única, voltada para a cultura geral, humanista<br />

e formativa, dando acesso aos educandos a “um ensino desinteressado”, destinado<br />

a criar os primeiros el<strong>em</strong>entos de intuição acerca do mundo, liberta de toda<br />

“magia” ou “bruxaria”. Gramsci acreditava que, pelo menos nos primeiros anos de<br />

estudo, o educador deveria transmitir conteúdos aos educandos. A “escola unitária”<br />

de Gramsci é a escola do trabalho, mas não no sentido estreito do ensino profissionalizante,<br />

através do qual se aprende somente a operar.<br />

Segundo Nosella (2004), <strong>em</strong> termos metafóricos, “não se trata de colocar um<br />

torno mecânico <strong>em</strong> sala de aula, mas sim de ler livros sobre seu significado, a história<br />

e as implicações econômicas do equipamento”. Trata-se, portanto, de uma escola<br />

que recupera o significado da própria educação, resgatando um sentido mais amplo<br />

da descoberta e da construção do conhecimento, tornando o educando sujeito<br />

do conhecimento, promovendo-o construtor/elaborador do saber. Tudo isso deve<br />

ser construído dentro da correlação de forças estabelecida, permitindo ao educando<br />

desmistificar a cultura das classes dominantes e, assim, aos poucos, buscar diferenciar<br />

a sua cultura daquela.<br />

Gramsci (2000), portanto, atribui à escola e à educação um caráter <strong>em</strong>ancipador<br />

diverso das teorias anteriores. Ele afirma que o princípio de toda mudança está <strong>em</strong><br />

conhecer com clareza a constituição dos valores dominantes, para que, posteriormente,<br />

fique claro para as classes subalternas o quanto o universo simbólico, os<br />

valores e visão de mundo universais têm, na verdade, do caráter de classes daqueles<br />

que dão a direção ao Estado. Segundo o autor, qu<strong>em</strong> não t<strong>em</strong> conhecimento de<br />

seus próprios interesses vive segundo os interesses de outros, e, assim, arrisco-me<br />

a dizer que a luta pela construção de uma contra-heg<strong>em</strong>onia, ou seja, “a guerra de<br />

posições gramsciana” passa necessariamente pela permanente construção/desconstrução<br />

de valores/contravalores, <strong>em</strong> um processo cuja dinâmica escapa à escola<br />

e à educação continuada, pois a construção da heg<strong>em</strong>onia também é dinâmica e<br />

está s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> movimento, pronta a ser elaborada e reelaborada, definida e redefinida.<br />

E esse movimento, que se dá no âmbito da sociedade civil, forma “intelectuais<br />

orgânicos”, organizadores de uma cultura sob novas bases ético-morais, <strong>em</strong> que as<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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EJA: de ensino<br />

supletivo à<br />

condição de um<br />

novo paradigma<br />

para a educação<br />

no t<strong>em</strong>po<br />

presente


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EJA: de ensino<br />

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condição de um<br />

novo paradigma<br />

para a educação<br />

no t<strong>em</strong>po<br />

presente<br />

classes subalternas, alcançando “o bom senso”, passam a imprimir um movimento<br />

orgânico <strong>em</strong> direção a sua <strong>em</strong>ancipação.<br />

Diferent<strong>em</strong>ente de muitos pensadores clássicos da educação, como Jean Jacques<br />

Rousseau, que subordinavam o processo pedagógico à natureza, sugerindo que a<br />

própria evolução das crianças daria conta de grande parte do aprendizado, Gramsci<br />

tinha outra ideia. Segundo o pensador italiano, a educação é uma luta contra os<br />

instintos, ligados às funções biológicas el<strong>em</strong>entares, uma luta contra a natureza, para<br />

dominá-la e criar o hom<strong>em</strong> “atual” a sua época. Trata-se de uma polêmica acerca do<br />

papel da educação como sendo o de distanciar o hom<strong>em</strong> da natureza. Gramsci, s<strong>em</strong><br />

dúvida, atribui à escola um caráter mais dinâmico e mais socializante.<br />

Porém, tomar a análise do papel da escola <strong>em</strong> Gramsci não significa ignorar<br />

que as visões de Althusser, Poulantzas e Bourdieu, e os probl<strong>em</strong>as que colocaram,<br />

estejam superadas pelo primeiro. Pelo contrário, trata-se, aqui, de reconhecer os<br />

desafios por eles apontados, buscando superá-los. Gramsci, nesse caso, aponta uma<br />

direção que abre novos horizontes para a educação, para a qual converge tanto o<br />

seu pensamento, como também o de Paulo Freire, <strong>em</strong> que a educação é vista como<br />

um ato político, já que t<strong>em</strong> um objetivo político, que é a libertação das massas de<br />

uma verdadeira cegueira ideológica, cuja importância já havia sido expressa por<br />

Marx <strong>em</strong> O capital – Tomo III, quando afirma que “se toda essência se confundisse<br />

com a sua aparência, o hom<strong>em</strong> não precisaria de ciência”. Escola é o conjunto de<br />

relações sociais que envolv<strong>em</strong> a educação e a formação do indivíduo, voltando-se<br />

para a sua integração ao mundo e à sociedade, tornando-o sujeito de sua própria<br />

história, um intelectual, no sentido gramsciano, um ser crítico e leitor do mundo, no<br />

sentido freireano.<br />

As funções da EJA e a revolução cidadã<br />

Após analisarmos as possibilidades e potencialidades da escola, dev<strong>em</strong>os também<br />

ter <strong>em</strong> conta nesta discussão um outro aspecto fundamental, que é o sujeito da<br />

aprendizag<strong>em</strong> e do processo educativo, a saber: o educando. Sab<strong>em</strong>os que o melhor<br />

Projeto Político-Pedagógico, o melhor planejamento, a melhor Lei de Diretrizes e Bases<br />

da <strong>Educação</strong> não surtirão o menor efeito se não se buscar mobilizar outros el<strong>em</strong>entos<br />

e outras esferas da sociedade, na tentativa de ampliar ao máximo a divisão<br />

das tarefas ligadas à inclusão desses sujeitos sociais que são os educandos da EJA.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Os alunos da EJA, <strong>em</strong> geral, vêm procurar os estudos, muitas vezes, acreditando<br />

que a escola representa uma via concreta e objetiva de garantir por si a inclusão social.<br />

Deixam de ver, por outro lado, que a EJA, tal como um direito, representa uma<br />

possibilidade de construção de uma trajetória rumo às chances de inclusão social<br />

que estão colocadas na nossa sociedade, sendo marcadas, nestes t<strong>em</strong>pos neoliberais,<br />

sobretudo, por uma grande timidez, limitação ou escassez de oportunidades.<br />

Daí a complexidade da tarefa daqueles que se dispõ<strong>em</strong> a trabalhar a serviço de uma<br />

educação transformadora, e nisso consiste sua tarefa revolucionária: receber, acolher,<br />

estimular e coletivizar pessoas, nas quais a baixa autoestima e a falta de amor<br />

próprio e autoconfiança formaram uma espécie de cadeado, que fecha boa parte<br />

das passagens no coração humano para uma vida mais intensa, vivida com mais<br />

profundidade na sua dimensão humanista e filosófica. Curiosamente, essa condição<br />

representa algo parecido com uma espécie de cárcere ou prisão, sendo, nesse caso,<br />

b<strong>em</strong> diferente daquilo que encontramos pelas delegacias e presídios de nossas cidades<br />

e do nosso país. Trata-se de um “aprisionamento s<strong>em</strong> paredes”. Portanto, a<br />

luta que é travada pela maioria dos educandos da EJA t<strong>em</strong> como sentido principal a<br />

inclusão nos limites daquilo que é chamado de cidadania, e, não, pela fuga de suas<br />

fronteiras, tal como ocorre nas prisões de concreto. As grades desse novo tipo de cadeia<br />

são formadas pelos fatores responsáveis nas sociedades cont<strong>em</strong>porâneas por<br />

todas as formas de exclusão social, das quais muitos alunos da EJA são, por diversos<br />

motivos, vítimas e prisioneiros neste país.<br />

Faço aqui uma referência a um pensamento de Freire (1986), do final da década<br />

de 1950, e que mais tarde veio a ser desenvolvido na “pedagogia do oprimido”,<br />

acerca do probl<strong>em</strong>a do analfabetismo no Brasil. Dizia ele: “O analfabetismo no<br />

Brasil é um probl<strong>em</strong>a. A alfabetização não é a sua solução.” Segundo o filósofo da<br />

educação, essa questão deve ser analisada sob dois aspectos. Primeiramente, o<br />

analfabetismo deve ser visto não como um probl<strong>em</strong>a <strong>em</strong> si, mas, sim, um sintoma<br />

de algo muito maior, cujas raízes se encontram na própria exclusão social; portanto,<br />

combatê-lo deve significar combater os fatores causadores da miséria e de outros<br />

probl<strong>em</strong>as que aflig<strong>em</strong> as camadas mais pobres da sociedade brasileira, vítimas<br />

do analfabetismo e não simplesmente responsáveis por ele. Por outro lado, Freire<br />

l<strong>em</strong>bra que toda a trajetória de exclusão social e analfabetismo gerou e continua<br />

gerando mais miséria. Portanto, estando sua solução para além da escola, toda<br />

tentativa de promover a inclusão cidadã partindo somente da alfabetização e da<br />

educação se faz inócua, a menos que ambas as ações sejam encaradas como atos<br />

políticos, comprometendo-se com mudanças mais profundas nas relações sociais<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

33<br />

EJA: de ensino<br />

supletivo à<br />

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para a educação<br />

no t<strong>em</strong>po<br />

presente


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EJA: de ensino<br />

supletivo à<br />

condição de um<br />

novo paradigma<br />

para a educação<br />

no t<strong>em</strong>po<br />

presente<br />

vigentes. Daí a educação ser um ato político, ou seja, ter uma intencionalidade, que<br />

t<strong>em</strong>, e t<strong>em</strong> que ter mesmo, uma dimensão politizante, para muito além da dicotomia<br />

do “educar para ser mandado e educar para mandar”.<br />

Por outro lado, como pensar <strong>em</strong> virar essa página da história da sociedade brasileira<br />

s<strong>em</strong> que aqueles que são os sujeitos da mudança venham a ser não só partícipes,<br />

mas, sobretudo, formuladores da mesma? E é aqui que se insere a relevância do<br />

papel da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos. Ela deve dar conta dessa d<strong>em</strong>anda e desse<br />

papel. E, nesse sentido, ela pode vir a se constituir num dos pilares de mudança,<br />

ajudando a construir uma sociedade mais justa, mais d<strong>em</strong>ocrática, na qual os valores<br />

coletivos e o compromisso com a promoção da cidadania alcanc<strong>em</strong> a todos. Por<br />

isso, pod<strong>em</strong>os estabelecer um elo muito forte entre as funções da EJA expressas por<br />

Cury (2000, apud SOARES, 2002, p. 32-35) no Parecer 11/2000, a saber, “reparadora”,<br />

“equalizadora” e “qualificadora”, e o “leitor do mundo” freireano, assim como o “intelectual<br />

orgânico” gramsciano.<br />

A articulação de todos esses princípios faz da EJA uma estratégia fundamental<br />

para a legitimação de qualquer projeto de transformação social voltado para a<br />

<strong>em</strong>ancipação das massas populares. Para Gramsci, é de fundamental importância<br />

que se promova uma reforma ético-moral que eleve as classes subalternas do estado<br />

de atordoamento frente ao caráter multifacetado da dominação e subordinação<br />

às quais estão submetidas. Assim, a “reparação” de uma grande dívida social <strong>em</strong><br />

relação ao direito à escola de qualidade não pode abrir mão da reparação desse ser,<br />

que, isolado da educação, também se viu trancado pelo lado de fora da sociedade<br />

e teve seu acesso negado a tantas e tantas oportunidades.<br />

A “equalização” compreende o dever de garantir não só o acesso, mas também<br />

o de socializá-lo ao máximo, tendo <strong>em</strong> vista o horizonte da igualdade de oportunidades<br />

para todos, s<strong>em</strong> distinções de qualquer espécie. E, por fim, a “qualificação”<br />

t<strong>em</strong> como objetivo produzir nesse “educando” uma consciência crítica, que o leve<br />

a ser capaz de fazer uma análise concreta de si mesmo, de sua história, tornando-o<br />

sujeito de seu próprio viver. Ao mesmo t<strong>em</strong>po, deve despertá-lo para a realidade de<br />

que é um ator social e que t<strong>em</strong> o compromisso de ajudar na construção de uma sociedade<br />

mais justa, solidária, fraterna e d<strong>em</strong>ocrática, <strong>em</strong> que a diversidade cultural<br />

torna a vida mais rica de possibilidades, o que, ao contrário do que pode parecer,<br />

viabiliza a busca do universalismo, segundo Frigotto (2002, p. 13-25).<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Por isso mesmo, o educando não pode abrir mão de uma educação permanente<br />

e da formação continuada, pois não se trata de especializar ou tecnicizar, mas, sim,<br />

investigar, formular hipóteses, fazer ciência, filosofar. Essa é a “revolução cidadã” de<br />

que tanto necessita o nosso país. E, sabendo de sua importância, alguns movimentos<br />

sociais no Brasil do t<strong>em</strong>po presente já se deram conta de que não poderão abrir<br />

mão da escola, e, por isso mesmo, discut<strong>em</strong>, constro<strong>em</strong>, aperfeiçoam seus projetos<br />

de educação <strong>em</strong> todos os segmentos, incluindo a EJA; agora já não mais com intuitos<br />

de fortalecer sua militância, mas também de ampliar os limites e a capacidade de<br />

seus atores de atuar na luta do dia a dia, na construção de alianças, na elaboração de<br />

alternativas para os probl<strong>em</strong>as que extrapolam seus interesses corporativos.<br />

O papel da EJA não se esgota, pois ela representa não o compromisso de produzir<br />

alunos certificados, mas cidadãos conscientes de que a educação é um ato<br />

cotidiano. A produção do conhecimento e a partilha de saberes são ações que não<br />

se encerram na sala de aula, mas, ao passar por ela, dev<strong>em</strong> sofrer uma dinamização<br />

impulsionadora, que t<strong>em</strong> outras etapas e deve ser permanent<strong>em</strong>ente renovada. E<br />

essa descoberta envolve os próprios profissionais de ensino a ela dedicados, pois<br />

é fundamental que se rompa com uma visão mecanicista de educação, ligada ao<br />

ensino de conteúdos, na perspectiva de uma educação bancária, passiva e apassivadora,<br />

que aliena ao invés de <strong>em</strong>ancipar, que desumaniza ao invés de humanizar<br />

(RUMMERT, apud DE VARGAS et all, 1999, p. 39-49).<br />

Portanto, todos os aspectos até aqui abordados nos r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> ao verdadeiro<br />

educador freireano, que é aquele que educando se educa, e, portanto, também<br />

ele se torna, <strong>em</strong> última análise, um sujeito da educação. Já não mais atua como<br />

professor que transmite verdades prontas e acabadas, mas, sim, como educador,<br />

mediador, companheiro de luta, solidário com aqueles com os quais compartilha<br />

experiências de vida. Na verdade, ele próprio também se nutre delas, renovando<br />

sua prática didático-pedagógica, criticando-a e reavaliando-a, para, assim, mantê-la<br />

viva e fecunda, constituindo-se <strong>em</strong> fonte inesgotável de ampliação do conhecimento,<br />

que é um b<strong>em</strong> coletivo.<br />

Se, no passado, o papel da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos era meramente reparador,<br />

s<strong>em</strong> sequer dar conta da equalização, e menos ainda da qualificação, urge<br />

consolidá-la como um segmento da educação, pelo quanto pod<strong>em</strong>os ver que sua<br />

relevância hoje faz com que se equipare a qualquer um dos outros segmentos tradicionais<br />

já existentes. E esse fato não se faz confirmar meramente por causa da<br />

realidade dos números e estatísticas da educação no país, mas também pelo fato<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

35<br />

EJA: de ensino<br />

supletivo à<br />

condição de um<br />

novo paradigma<br />

para a educação<br />

no t<strong>em</strong>po<br />

presente


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EJA: de ensino<br />

supletivo à<br />

condição de um<br />

novo paradigma<br />

para a educação<br />

no t<strong>em</strong>po<br />

presente<br />

de que as novas fronteiras do mundo globalizado perpassam as questões mais comuns<br />

do dia a dia das pessoas, mexendo com antigos princípios e lógicas que até<br />

então vinham dando o tom e o ritmo da vida.<br />

Tal realidade renova e aprofunda as formas pré-existentes de exclusão econômica,<br />

política e social a que nos referimos anteriormente, quando tratamos das<br />

“prisões s<strong>em</strong> paredes”. Nos dias atuais, os novos recursos e tecnologias na área da<br />

informática e das telecomunicações, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que alargam os horizontes<br />

da vida humana, pod<strong>em</strong> produzir e têm produzido um abismo entre os que<br />

têm e os que não têm acesso a essas ferramentas: é a modernidade produzindo um<br />

novo e perigoso tipo de abismo social que é a exclusão digital.<br />

Como segmento da educação, a EJA, com toda a sua especificidade, t<strong>em</strong> que<br />

chamar para si a responsabilidade de avaliar não só a exclusão existente, mas também<br />

combater sua reprodução, estimulando reflexões que valoriz<strong>em</strong> o combate às<br />

desigualdades sociais, muitas vezes disfarçadas sob o véu da diversidade regional e<br />

multicultural. Seu caráter singular é reforçado pela necessidade de universalizar as<br />

conquistas sociais, colocando-se na contramão da construção de toda e qualquer<br />

forma de apartheid, seja ele político, econômico, social, étnico etc. E, nesse sentido,<br />

somente a EJA t<strong>em</strong> essa d<strong>em</strong>anda, pois ela envolve não os educandos que serão<br />

“amanhã”, mas aqueles que poderiam ter sido “ont<strong>em</strong>” e que dev<strong>em</strong> ser “hoje”. É<br />

aqui que ela se autonomiza, pois seu método e sua dinâmica próprios lhe confer<strong>em</strong><br />

a condição de adquirir nos próximos anos uma dimensão capaz inclusive de propor<br />

respostas para os atuais probl<strong>em</strong>as enfrentados pela educação como um todo.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


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<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

37<br />

EJA – de ensino<br />

supletivo à<br />

condição de um<br />

novo paradigma<br />

para a educação<br />

no t<strong>em</strong>po<br />

presente


As teorias críticas do<br />

currículo e o processo de<br />

execução, construção e<br />

ressignificação de práticas<br />

curriculares na <strong>Educação</strong><br />

de Jovens e Adultos<br />

Alessandra Nicod<strong>em</strong>os*<br />

RESUMO<br />

Este artigo propõe-se a uma análise das questões<br />

que circundam o campo do currículo no<br />

âmbito da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos (EJA),<br />

procurando estabelecer uma conexão entre o<br />

debate curricular crítico e a EJA. Num primeiro<br />

momento, far<strong>em</strong>os um resgate histórico das<br />

principais teorias do currículo que se sedimentaram<br />

ao longo do século XX, identificando os<br />

seus pressupostos básicos e suas categorias de<br />

análise. Num segundo momento, identificar<strong>em</strong>os,<br />

nessa análise histórica, a potencialidade<br />

das teorias críticas como espaço de entendimento<br />

das questões teóricas, políticas e metodológicas<br />

da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos no<br />

Brasil, nos dias atuais. Procuramos, assim, desvelar<br />

novas possibilidades de “práticas” curriculares,<br />

na perspectiva de reconhecimento da<br />

atualidade das questões trazidas pelas teorias<br />

críticas do currículo.<br />

PAlAVRAS-CHAVE: currículo; teorias do currículo;<br />

práticas curriculares; <strong>Educação</strong> de Jovens<br />

e Adultos.<br />

ABSTRACT<br />

This article proposes an analysis of the<br />

issues surrounding the curriculum field in<br />

the context of Youth and Adult Education,<br />

seeking to establish a connection between<br />

the critical curriculum debate and Youth<br />

and Adult Education. At first, we’ll make a<br />

historical review of the major curriculum<br />

theories that took roots along the twentieth<br />

century, identifying their basic assumptions<br />

and categories of analysis. secondly, we<br />

will identify in this historical analysis the<br />

potentiality of the Critical Theories as a way<br />

of understanding the political, theoretical<br />

and methodological issues of Youth and<br />

Adult Education in Brazil today. Thus we<br />

hope to uncover new opportunities for<br />

curriculum “practices” in anticipation of<br />

today’s recognition of the issues brought<br />

about by the Critical Curriculum Theories.<br />

KEYwords: curriculum; Curriculum<br />

Theories; curriculum practices; Youth and<br />

Adult Education.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


* Mestre <strong>em</strong> <strong>Educação</strong> pela Universidade Federal Fluminense, bacharel e licenciada <strong>em</strong> His-<br />

tória, professora da Pós-graduação <strong>em</strong> EJA da Universidade Estácio de Sá, professora do<br />

Curso de História e Pedagogia da Universidade Estácio de Sá, professora do CEFET de<br />

Campos, tutora do SENAC Rio de Janeiro, coordenadora do Grupo de Trabalho para Atua-<br />

lização Curricular <strong>em</strong> EJA na Secretaria Municipal do Rio de Janeiro (disciplinas História e<br />

Geografia), coordenadora do Grupo de Trabalho para a Elaboração de Material Didático<br />

<strong>em</strong> EJA (disciplinas História e Geografia).<br />

1 O campo do currículo<br />

Na perspectiva dos autores do campo do currículo, este representa importante<br />

aliado na transmissão e formulação de valores, normas, práticas sociais e comportamentos<br />

<strong>em</strong> uma determinada sociedade. Numa análise mais pragmática, pod<strong>em</strong>os<br />

considerar, então, o currículo como seleção de conhecimentos e saberes e essa seleção<br />

não é feita de forma aleatória ou desprovida de intencionalidade. O conhecimento<br />

é selecionado de acordo com o tipo de pessoa que pretende forjar (SILVA,<br />

2005; MOREIRA, 2003).<br />

E é nesse processo complexo de seleção que surg<strong>em</strong> as teorias do currículo,<br />

procurando identificar os determinantes que justificam e legitimam os conhecimentos<br />

que serão selecionados ou não e sua intencionalidade.<br />

Qual é o tipo de ser humano desejável para um determinado tipo de sociedade? Será a<br />

pessoa racional e ilustrada do ideal humanista de educação? Será a pessoa otimizadora e<br />

competitiva dos atuais modelos neoliberais de educação? Será a pessoa ajustada às ideias<br />

de cidadania do moderno estado-nação? Será a pessoa desconfiada e crítica dos arranjos<br />

sociais existentes preconizados nas teorias educacionais críticas? (SilVA, 2005, p. 15).<br />

O que se percebe no exame das teorias do currículo são duas questões fundamentais:<br />

uma, de identidade; outra, de subjetividade. Ou seja, o conhecimento<br />

constitutivo do currículo está totalmente implicado naquilo que somos, naquilo<br />

que nos tornamos. Outro aspecto que <strong>em</strong>erge nas teorias do currículo é a questão<br />

do poder, quando nos deparamos com alguns enunciados que são produzidos nos<br />

documentos curriculares, tais como: “o que o currículo deve ser”, “privilegiar um tipo<br />

de conhecimento”, “escolher uma identidade ou subjetividade como sendo ideal”.<br />

Segundo Silva (2005), pod<strong>em</strong>os organizar as teorias do currículo <strong>em</strong> três grandes<br />

grupos: as teorias tradicionais, as teorias críticas e as teorias pós-críticas.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

39<br />

As teorias<br />

críticas do<br />

currículo e o<br />

processo de<br />

execução,<br />

construção e<br />

ressignificação<br />

de práticas<br />

curriculares na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos


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As teorias<br />

críticas do<br />

currículo e o<br />

processo de<br />

execução,<br />

construção e<br />

ressignificação<br />

de práticas<br />

curriculares na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos<br />

As questões propostas pelas teorias tradicionais part<strong>em</strong> de uma perspectiva de<br />

neutralidade científica para as questões educacionais, limitando-se, assim, às questões<br />

técnicas de sua elaboração. O modelo afirma um caráter altamente comportamentalista<br />

da educação. Essa noção de currículo, a partir dos anos de 1960, passa a<br />

sofrer crítica, devido ao seu caráter reducionista e técnico.<br />

As colaborações posteriores, ensejadas nas teorias críticas e pós-críticas do currículo,<br />

não eliminam o seu aspecto prescritivo, porém, ampliam o debate no sentido<br />

de incorporar determinados conceitos <strong>em</strong> novos paradigmas curriculares. O currículo<br />

passa a ser considerado, então, um campo contestado e de disputas <strong>em</strong> torno<br />

do que ensinar, como ensinar, para que ensinar e para qu<strong>em</strong> ensinar. Reflexões desenvolvidas<br />

a partir de então incorporam conceitos como: ideologia, poder, cultura,<br />

multiculturalismo, gênero, etnia e tantos outros (SILVA, 2005).<br />

2 As teorias do currículo<br />

Currículo, no sentido que entend<strong>em</strong>os atualmente, é resultado de uma literatura<br />

construída no início do século xx. Consideramos o aparecimento do currículo,<br />

pela primeira vez como um objeto específico de estudo e pesquisa, nos EUA, nos<br />

anos de 1920, num processo de conexão entre industrialização, movimentos migratórios<br />

e escolarização. Nesse contexto, a escola passa a ser vista como lócus privilegiado<br />

de diss<strong>em</strong>inação e inculcação de valores considerados fundamentais para as<br />

futuras gerações, além de ter a função de adaptá-las às transformações econômicas,<br />

políticas e sociais que ocorriam de forma acelerada no país.<br />

Assim, abriu-se o caminho para o alargamento do sist<strong>em</strong>a educacional para a<br />

população de poucos recursos sociais nos EUA. Concomitant<strong>em</strong>ente a esse processo<br />

de ampliação da escolarização, diversos grupos da elite econômica, política e<br />

social norte-americana passam a defender o enquadramento do ensino escolar às<br />

necessidades do desenvolvimento econômico. Perceberam-se imperiosas a organização,<br />

otimização e ordenação do currículo escolar para atender a critérios de<br />

eficiência e cientificidade na formação de mão de obra; critérios esses irmanados<br />

com a predominância do corolário positivista nas ciências, no final do século xIx e<br />

início do século xx. Diante de tamanha importância dada ao papel da escola e de<br />

seu currículo, estudiosos da educação se debruçam sobre o t<strong>em</strong>a.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Começam a se estruturar, então, processos de formação de especialistas, a institucionalização<br />

de disciplinas e departamentos universitários, a criação de uma<br />

burocracia estatal especializada <strong>em</strong> currículo e reformas curriculares, além de uma<br />

significativa produção de material especializado sobre o t<strong>em</strong>a.<br />

Na perspectiva das teorias tradicionais do currículo, sedimentadas nesse momento,<br />

este seria reduzido a uma questão de organização das inúmeras tarefas<br />

dos agentes educacionais e, assim, atuariam de forma burocrática e mecânica.<br />

Definiam-se, ainda, habilidades a ser<strong>em</strong> desenvolvidas, sobretudo, mecanismos de<br />

acompanhamento e verificação escolares.<br />

Esse modelo curricular tradicional começa a sofrer contestação, a partir dos<br />

anos de 1970, no debate educacional nos EUA e na Europa, principalmente por não<br />

conseguir apresentar alternativas teóricas e práticas para uma questão central no<br />

processo de escolarização de massa: a repetência e a evasão de determinados grupos<br />

sociais. A teoria tradicional estava centrada numa perspectiva do currículo meramente<br />

técnica e prescritiva, não reconhecendo as relações de poder existentes na<br />

sociedade e sua estreita relação com a educação, currículo e fracasso escolar.<br />

As teorias críticas vão inserir nos debates curriculares novas reflexões e profundos<br />

questionamentos sobre o papel da educação e do currículo na reprodução da<br />

sociedade capitalista; e conceitos como ideologia, cultura e poder se constitu<strong>em</strong>,<br />

assim, no referencial básico para o entendimento das questões que circundam a<br />

escola e as práticas curriculares.<br />

Nessa perspectiva teórica, destaca-se a produção intelectual de autores como<br />

Louis Althusser, Jean-Claude Passeron e Pierre Bourdieu, que, através de conceitos<br />

básicos como ideologia, poder e cultura, vão ampliar a forma de conceber a educação<br />

e seu papel na manutenção das estruturas sociais. Esses autores vão influenciar<br />

de forma direta ou indireta os pressupostos das teorias críticas do currículo que vão<br />

se desenvolver posteriormente.<br />

Louis Althusser, <strong>em</strong> 1970, publica o livro Os aparelhos ideológicos de Estado, que<br />

se torna uma referência para as análises educacionais identificadas com a corrente<br />

marxista de pensamento. Nessa obra, Althusser faz a conexão entre educação, sociedade<br />

e ideologia, revelando a interseção desses para a manutenção do capitalismo.<br />

Assim, o autor afirma que a sociedade capitalista depende não só de seus el<strong>em</strong>entos<br />

econômicos para sua reprodução, mas também de artefatos ideológicos.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

41<br />

As teorias<br />

críticas do<br />

currículo e o<br />

processo de<br />

execução,<br />

construção e<br />

ressignificação<br />

de práticas<br />

curriculares na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos


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As teorias<br />

críticas do<br />

currículo e o<br />

processo de<br />

execução,<br />

construção e<br />

ressignificação<br />

de práticas<br />

curriculares na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos<br />

Nessa dinâmica de análise, o autor aponta que além dos “aparelhos de repressão de<br />

Estado”, como a polícia e o sist<strong>em</strong>a judiciário, o sist<strong>em</strong>a capitalista institui “aparelhos<br />

ideológicos de Estado” (e deles depende para a sua manutenção), como a mídia, a<br />

família e, principalmente, a escola.<br />

Por que entre os aparelhos ideológicos de Estado apontados por Althusser, a<br />

escola é a que ganha maior relevância?<br />

Sua resposta a essa questão reside na centralidade e ampliação adquiridas pela<br />

escola na sociedade capitalista moderna. A escola é a instituição que acompanha as<br />

pessoas por mais t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> suas vidas e ocorre pouca contestação a sua existência<br />

e permanência no modelo societário capitalista. Dessa forma, a escola constitui-se<br />

<strong>em</strong> lócus privilegiado de formação para o mundo do trabalho e de inculcação de<br />

valores e normas.<br />

Para o autor, esse caráter de aceitabilidade dado à escola garante que o processo<br />

de inculcação de valores ideológicos, quase frequent<strong>em</strong>ente externos aos<br />

interesses das classes subalternas, seja naturalizado, e com isso, esses valores nnão<br />

sejam contestados, pois são pouco perceptíveis.<br />

O meio de difusão desse processo, para Althusser, é o currículo escolar. Isso<br />

ocorre diretamente através de disciplinas como história, geografia e sociologia, que<br />

claramente carregam conteúdos identificados com a diss<strong>em</strong>inação de condutas e<br />

comportamentos sociais. E ocorr<strong>em</strong>, ainda, indiretamente, através de disciplinas<br />

consideradas técnicas, como Ciências e Mat<strong>em</strong>ática.<br />

Outra forma de inculcação ideológica na escola são as práticas sociais que a instituição<br />

escolar legitima como pertinentes ou não: enquanto as crianças das classes<br />

subalternas são inclinadas à submissão, as das classes dominantes são orientadas<br />

para a posição de comando. Isso ocorre a partir de estruturas de exclusão das classes<br />

subalternas <strong>em</strong> níveis de escolaridade <strong>em</strong> que se aprend<strong>em</strong> hábitos e habilidades<br />

inerentes ao lugar social das classes dominantes.<br />

Silva é categórico ao apontar a contribuição de Althusser para o entendimento<br />

de como a escola e a educação funcionam para a manutenção da sociedade capitalista:<br />

”Althusser nos deu, como vimos, a resposta: a escola contribui para a reprodução<br />

da sociedade capitalista ao transmitir, através das matérias escolares, as crenças que<br />

nos faz<strong>em</strong> ver os arranjos sociais existentes como bons e desejáveis” (2005, p. 32).<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Numa perspectiva crítica não marxista, Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron<br />

publicam, <strong>em</strong> 1970, o livro A reprodução, que passa a ser também uma referência<br />

significativa para as teorias críticas do currículo.<br />

Para explicar o papel da educação na reprodução das bases culturais e econômicas<br />

da sociedade capitalista, os autores usam a categoria de capital cultural. Este<br />

é constituído pelo nível de aquisição que os indivíduos assimilam dos bens culturais<br />

considerados heg<strong>em</strong>ônicos e que os instrumentalizam para a vida social.<br />

Nesses termos, considera-se cultura os valores, condutas e saberes produzidos<br />

pelas classes dominantes como sendo socialmente superiores. Nas sociedades capitalistas,<br />

qu<strong>em</strong> possui tais atributos leva vantagens materiais e simbólicas nesse<br />

processo de diferenciação e hierarquização da cultura como “capital cultural”.<br />

Esse processo ocorre por um mecanismo que os autores chamam de domínio<br />

simbólico da cultura. Os valores, hábitos e costumes das classes dominantes são<br />

apresentados como “cultura”, que é assimilada e valorizada por todos através de um<br />

duplo processo de violência simbólica, o da imposição desses valores culturais e da<br />

ocultação de sua imposição.<br />

Mas de que forma essa seleção e dominação cultural se desenvolv<strong>em</strong> na escola<br />

e contribu<strong>em</strong> para a perpetuação dos valores culturais dominantes?<br />

Para os autores, é na escola que esse capital cultural se revela de maneira objetivada<br />

e de forma institucionalizada, sendo distribuído, socialmente e de forma<br />

desigual, por meio de títulos e diplomas escolares.<br />

O currículo escolar se organiza com base no capital cultural das classes dominantes,<br />

portanto, longe dos valores, linguag<strong>em</strong> e jeito de ser e agir das classes dominadas.<br />

As crianças das classes dominantes, ao conviver diariamente com esses códigos<br />

culturais, viv<strong>em</strong> um processo de assimilação e aceitação; diferent<strong>em</strong>ente dos alunos<br />

das classes dominadas, que sent<strong>em</strong> dificuldade de assimilar esse código, já que<br />

ele não pertence a seu universo social e cultural.<br />

Nessa dinâmica, os alunos das classes dominantes são mais b<strong>em</strong> sucedidos na<br />

escola, abrindo, assim, maior possibilidade para que ingress<strong>em</strong> <strong>em</strong> níveis superiores<br />

de formação. Contrariamente, os alunos das classes subalternas, por não se sentir<strong>em</strong><br />

num espaço de reconhecimento, encaram o fracasso escolar, saindo da escola<br />

antes de alcançar<strong>em</strong> o topo da vida estudantil. Argumentam os autores que, nesse<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

43<br />

As teorias<br />

críticas do<br />

currículo e o<br />

processo de<br />

execução,<br />

construção e<br />

ressignificação<br />

de práticas<br />

curriculares na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos


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As teorias<br />

críticas do<br />

currículo e o<br />

processo de<br />

execução,<br />

construção e<br />

ressignificação<br />

de práticas<br />

curriculares na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos<br />

processo, não ocorre a ampliação do capital cultural dos filhos dos trabalhadores,<br />

que mantêm-se <strong>em</strong> patamares baixos, e completa-se, assim, o ciclo da reprodução<br />

cultural. É, essencialmente, através dessa reprodução cultural, por sua vez, que as<br />

classes sociais se perpetuam, garantindo, então, o processo de reprodução social.<br />

As questões propostas pelas teorias críticas começam, a partir dos anos de 1980,<br />

a sofrer críticas e questionamentos. Numa visão mais pragmática, tais pressupostos<br />

tinham um caráter extr<strong>em</strong>amente determinista, e seus mecanismos de análise colaboravam<br />

para o imobilismo dos sujeitos da escola e, <strong>em</strong> última instância, anunciavam<br />

a manutenção das estruturas sociais. Assim, para esses autores que elaboram<br />

esses questionamentos, a teoria crítica passa a viver um impasse teórico. Esses argumentos<br />

que tentam elucidar a “crise da teoria crítica” indicam o nível extr<strong>em</strong>amente<br />

abstrato do discurso crítico e a dificuldade de tal discurso ser operacionalizado e<br />

incorporado pelos docentes <strong>em</strong> suas práticas cotidianas e, dessa forma, contribuir<br />

para a renovação das práticas curriculares (MOREIRA, 2003).<br />

As teorias pós-críticas do currículo surg<strong>em</strong> no final do século xx, procurando,<br />

então, estabelecer uma conexão entre as questões trazidas pelas teorias críticas do<br />

currículo, como poder, ideologia e identidade, e os aspectos centrais do multiculturalismo,<br />

relacionados às questões de gênero, raça, etnia e sexualidade.<br />

A tradição crítica enveredou para o campo da análise das determinações de<br />

classe do currículo. Já o multiculturalismo aponta que a variação da desigualdade<br />

<strong>em</strong> matéria de educação e currículo é fruto, também, de outras dinâmicas, como as<br />

de gênero, raça e sexualidade, e não pod<strong>em</strong> estar condicionadas única e exclusivamente<br />

à dinâmica de classe.<br />

As questões trazidas pelas teorias pós-críticas se assentam no debate que redimensiona<br />

o conceito de cultura. As contribuições do campo da antropologia possibilitaram<br />

o reconhecimento de que todas as culturas são equivalentes do ponto<br />

de vista epist<strong>em</strong>ológico e social. Através desse olhar, as várias culturas passam a<br />

ser consideradas como o resultado das diferentes maneiras pelas quais os diversos<br />

grupos humanos, submetidos a diferentes condições ambientais e históricas, consegu<strong>em</strong><br />

realizar o potencial de criação que seria traço comum de todo ser humano.<br />

A categoria central dessa perspectiva curricular é a do multiculturalismo, <strong>em</strong> seus<br />

diferentes enfoques.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Neste momento, dev<strong>em</strong>os fazer-nos a seguinte pergunta: por que a preocupação<br />

com o multiculturalismo no campo curricular? É evidente a importância do<br />

componente cultural na cont<strong>em</strong>poraneidade. Trata-se de um campo onde se travam<br />

lutas <strong>em</strong> torno do processo de significação do mundo social, entendendo que a cultura<br />

é uma prática produtiva e constituidora. O mundo, hoje, é palco inconteste de<br />

conflitos predominant<strong>em</strong>ente culturais, por conta das grandes divisões da humanidade.<br />

Tais conflitos são frutos das divergências de interesses entre diferentes grupos,<br />

porque uns quer<strong>em</strong> impor aos outros os seus respectivos significados culturais.<br />

Essas diferenças se dão <strong>em</strong> várias instâncias do tecido social, tais como de raça,<br />

classe social, gênero, linguag<strong>em</strong>, orientação sexual, entre outras. Pod<strong>em</strong>os ilustrar<br />

as consequências desses conflitos através de práticas violentas que reca<strong>em</strong> sobre<br />

esses grupos <strong>em</strong> diferentes partes do mundo, pautadas <strong>em</strong> bases etnocêntricas,<br />

xenófobas, racistas, machistas, homófobas e fundamentalistas.<br />

Dessa maneira, qualquer posição que venhamos a assumir <strong>em</strong> relação às diferenças,<br />

seja ela de rejeição ou de aceitação, não nos permite negá-las. Essa questão<br />

é um traço marcante do nosso t<strong>em</strong>po; não se trata de acreditar ou não, concordar ou<br />

discordar, o fato é que ela nos atravessa de uma forma arrebatadora, por isso, queiramos<br />

ou não, viv<strong>em</strong>os num mundo inescapavelmente multicultural. Ainda que as<br />

reflexões sobre o currículo vir<strong>em</strong> as costas para a multiculturalidade, ela atravessará<br />

os sist<strong>em</strong>as escolares e tudo o que disser respeito às experiências da comunidade<br />

escolar, atuando de maneira inevitável nas ações e nas interações estabelecidas por<br />

diferentes protagonistas.<br />

Assim, nos anos de 1990, o multiculturalismo passa a exercer um papel importante<br />

na luta política de grupos “minoritários”, ao deslocar para o campo da política<br />

o entendimento da diversidade cultural. O multiculturalismo constitui-se, assim, <strong>em</strong><br />

importante base teórica para os movimentos sociais de grupos culturais marginalizados<br />

que lutam para conquistar um lugar de reconhecimento e representação<br />

na cultura nacional. Porém, consideramos que não pod<strong>em</strong>os falar de multiculturalismo<br />

separando-o das relações de poder e de classe que circundam as relações<br />

sociais atuais. Incorporar no debate curricular as questões das diferenças culturais,<br />

raciais, étnicas, sexuais é – e, principalmente, também – falar de relações de classe<br />

e de poder.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

45<br />

As teorias<br />

críticas do<br />

currículo e o<br />

processo de<br />

execução,<br />

construção e<br />

ressignificação<br />

de práticas<br />

curriculares na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos


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As teorias<br />

críticas do<br />

currículo e o<br />

processo de<br />

execução,<br />

construção e<br />

ressignificação<br />

de práticas<br />

curriculares na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos<br />

Esse pequeno quadro histórico das teorias curriculares no século xx t<strong>em</strong> a intenção<br />

de reconhecer e trazer para a discussão a atualidade dos pressupostos da<br />

teoria crítica para o debate educacional. Mesmo reconhecendo os el<strong>em</strong>entos de<br />

crise das teorias críticas, elas ainda se constitu<strong>em</strong> como a tendência mais produtiva<br />

do campo do currículo, no Brasil e nos EUA (SILVA, 2005). Consideramos, assim, que<br />

<strong>em</strong> seu trajeto de existência, o currículo chega ao início do século xxI dialogando<br />

com as teorias pós-críticas e contribuindo sobr<strong>em</strong>aneira para o entendimento dos<br />

desafios que a educação coloca, principalmente na <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos,<br />

<strong>em</strong> seus el<strong>em</strong>entos constitutivos e estruturais.<br />

Nosso desafio no próximo it<strong>em</strong> do artigo será o de refletir, aprofundar e responder<br />

algumas das questões que a <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos coloca no cenário<br />

educacional brasileiro, à luz dos pressupostos das teorias críticas do currículo.<br />

3 A inovação das práticas curriculares na <strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos na perspectiva das teorias críticas<br />

A aproximação do campo do currículo crítico e a <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos<br />

(EJA) t<strong>em</strong> buscado, prioritariamente, como referenciais significativos a incorporação<br />

de el<strong>em</strong>entos dinâmicos da prática e da realidade sociais, possibilitando a superação<br />

de uma perspectiva meramente tradicional, conteudista e formalista do currículo.<br />

Numa primeira perspectiva de análise de práticas curriculares na EJA, nos r<strong>em</strong>eter<strong>em</strong>os<br />

às teorias tradicionais de currículo. Não há como escapar delas, quando<br />

abordamos o t<strong>em</strong>a curricular na sua definição nos moldes tradicionais, ou seja,<br />

considerando-o como sendo meramente um conjunto de conteúdos programáticos<br />

estabelecidos para as disciplinas e séries escolares e imposto por mecanismos<br />

de políticas públicas curriculares.<br />

Tendo <strong>em</strong> vista a superação dessa concepção tradicional e normativa de currículo,<br />

é importante identificar a atualidade das teorias críticas como uma abertura<br />

de caminho para traçar novas propostas de trabalho e para a formulação de novos<br />

currículos e, principalmente, novas “práticas curriculares” na <strong>Educação</strong> de Jovens e<br />

Adultos trabalhadores; compreendendo, dessa forma, as práticas educativas como<br />

espaço de criação curricular e de possibilidades de inovação nos estudos do campo<br />

das teorias críticas.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Miguel Arroyo, reconhecendo a crise das teorias críticas, a partir dos anos de<br />

1980, faz a seguinte reflexão.<br />

As questões privilegiadas pela teoria crítica silenciaram velhas questões da prática escolar.<br />

O debate sobre currículo, poder, ideologia, produção social do conhecimento, novos ma-<br />

pas culturais; o debate sobre qu<strong>em</strong> seleciona e organiza o conhecimento escolar ocupou<br />

nossos espaços e foi ficando marginalizada a cruel realidade do analfabetismo, da reprova-<br />

ção, da seletividade, da exclusão, do autoritarismo da aula, da violência da escola (...). nesse<br />

quadro, como estranhar o desencontro entre a teoria crítica e a prática escolar e profissio-<br />

nal, entre nossos t<strong>em</strong>as e o dia-a-dia da escola? (ArrOYO, 1999, p. 148).<br />

A intenção desse estudo, ao aproximar as questões das teorias críticas com as<br />

práticas curriculares do professor de <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos, é a de romper<br />

com uma tendência crítica que levou o professor a certo imobilismo. Identifica-se<br />

que, nesse cenário, <strong>em</strong> vez de inovar as práticas curriculares, tais teorias contribuíram<br />

para gerar um sentimento de inutilidade da ação docente:<br />

A teoria levou os professores a duvidar de suas práticas e apontou a necessidade de des-<br />

truí-las. não é por acaso, então, que os professores resist<strong>em</strong> a essa crítica destrutiva de suas<br />

práticas, de suas concepções, de sua cultura escolar e profissional. Sent<strong>em</strong>-se ameaçados.<br />

A crítica não conseguiu ser construtiva de novas práticas. não conseguiu ser inovadora<br />

(ArrOYO, 1999, p. 148).<br />

Para alcançar tal objetivo, vamos tencionar, no debate curricular crítico, o prescritivo<br />

e o praticado, através de um passeio pelas questões que visam à normatização e ao<br />

controle das atividades pedagógicas no cotidiano escolar da EJA, reconhecendo, ainda,<br />

as possibilidades de construção de novos significados para a “prática curricular”.<br />

A escola s<strong>em</strong>pre teve como tarefa ocupar-se do processo de transmissão, assimilação<br />

a construção do conhecimento formal, e este é feito através das propostas<br />

curriculares. Entretanto, é importante mostrar que esse conhecimento formal é<br />

apenas uma das facetas do tipo de cultura que invade o ambiente escolar. Mesmo<br />

cercado desse aparato normatizador, os professores pod<strong>em</strong> criar condições que<br />

lhes sejam favoráveis à realização de uma série de atividades e experiências que serão<br />

vivenciadas juntamente com os alunos e que escapam aos manuais curriculares<br />

e suas imposições estruturais.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

47<br />

As teorias<br />

críticas do<br />

currículo e o<br />

processo de<br />

execução,<br />

construção e<br />

ressignificação<br />

de práticas<br />

curriculares na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos


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As teorias<br />

críticas do<br />

currículo e o<br />

processo de<br />

execução,<br />

construção e<br />

ressignificação<br />

de práticas<br />

curriculares na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos<br />

A autonomia e a participação do professor <strong>em</strong> funções conceituais, por outra parte, não<br />

se vê<strong>em</strong> totalmente anuladas, porquanto são exigências que derivam da própria confi-<br />

guração do trabalho docente como um trabalho que se realiza com seres humanos (...).<br />

nesta situação, o professor mantém autonomia para escolher metodologias, fazer seleção<br />

de conteúdos e de atividades pedagógicas mais adequadas a seus alunos segundo o inte-<br />

resse ou suas necessidades e dificuldades (BASO, 1998, p. 3).<br />

Compreender, portanto, o currículo só como um instrumento de orientação<br />

curricular é uma forma de entendimento que evidencia a dimensão de produto do<br />

currículo. Essa visão vira as costas para todo o processo de produção sociocultural<br />

que está implicado no cotidiano das escolas e classes, onde se relacionam as formas<br />

culturais dominantes, constant<strong>em</strong>ente, e outras formas, a dos protagonistas, implicados<br />

no processo de realização das propostas: professores e alunos. Há nas escolas<br />

uma variedade de currículos <strong>em</strong> ação, apesar das tentativas de homogeneização<br />

(OLIVEIRA, 2001).<br />

Pod<strong>em</strong>os considerar que as propostas curriculares dos chamados especialistas<br />

estão presas a modelos extr<strong>em</strong>amente idealizados da atividade pedagógica e dos<br />

processos de aprendizag<strong>em</strong>. É necessário sair desse engessamento e desconstruir a<br />

visão dominante de entendimento do currículo numa perspectiva tradicional.<br />

qual o caminho a seguir para se criar outro entendimento do currículo e das<br />

práticas curriculares na EJA?<br />

Mudar o foco. Romper com o olhar formalista e cientificista do currículo e considerar,<br />

a partir de agora, que é fundamental compreendê-lo como oriundo de múltiplos<br />

e singulares processos curriculares locais.<br />

Na perspectiva de práticas curriculares significativas para a EJA, a escola não<br />

é concebida somente como um espaço sociocultural de reprodução e verificação<br />

de conteúdos e conhecimentos; mas também, e principalmente, espaço de socialização,<br />

de disputa <strong>em</strong> torno do que ensinar, de trocas culturais e de construção<br />

significativa do conhecimento escolar e social.<br />

Agora, estamos falando de um novo produto, isto é, um currículo para a EJA,<br />

que não pode ser construído a partir de modelos pré-estabelecidos ou idealizados.<br />

Estamos falando de um processo por meio do qual os sujeitos envolvidos com a<br />

prática curricular ressignificam suas experiências a partir de redes de saberes e fazeres<br />

das quais participam.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Nas últimas décadas, a <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos avançou no campo político,<br />

teórico e metodológico. Pod<strong>em</strong>os considerar como relevantes nesse processo as<br />

contribuições das teorias críticas do currículo. No campo político e teórico, não pod<strong>em</strong>os<br />

deixar de reconhecer a importância da trajetória dos movimentos populares,<br />

principalmente aqueles ligados às d<strong>em</strong>andas da alfabetização de adultos, que,<br />

ao longo do seu processo de luta e mobilização, incorporaram t<strong>em</strong>as e questões do<br />

pensamento crítico.<br />

Nesse sentido, é inegável a contribuição de Paulo Freire. Alguns dos conceitos<br />

centrais do pensamento do autor, como conscientização, libertação e autonomia, e<br />

outros termos, ligados a procedimentos metodológicos, como “a leitura do mundo<br />

precedendo a leitura da palavra”, dev<strong>em</strong> manter-se como referência para o debate<br />

curricular da EJA, já que as questões políticas e pedagógicas do seu pensamento<br />

permanec<strong>em</strong> atuais. Isso ocorre porque as condições sociais, econômicas e educacionais<br />

que geraram e geram esse contingente populacional não escolarizado ainda<br />

se mantêm inalteradas <strong>em</strong> nosso país: “Não posso ser professor se não percebo<br />

cada vez melhor que, por não ser neutra, minha prática exige de mim uma definição.<br />

Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura!” (FREIRE, 1997, p.106).<br />

Porém, não pod<strong>em</strong>os deixar de considerar que essa perspectiva crítica, na EJA,<br />

ocorreu mais nos marcos conceituais do que <strong>em</strong> políticas públicas e práticas docentes<br />

que incorporaram as especificidades teóricas, políticas e metodológicas da EJA.<br />

Dessa forma, o professor ainda encara a <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos por uma<br />

perspectiva compensatória, tendo como referencial pedagógico o modelo de escolarização<br />

de crianças e adolescentes. O conteudismo prevalece, assim como o<br />

distanciamento entre conhecimento formal e a realidade do aluno. Pod<strong>em</strong>os considerar<br />

que se repete <strong>em</strong> muitos casos o fenômeno do fracasso escolar.<br />

Como o debate curricular crítico pode contribuir para reverter esse quadro?<br />

Vamos, agora, a título de reflexão final, apontar alguns el<strong>em</strong>entos a ser<strong>em</strong> considerados<br />

pelos docentes para uma ressignificação das práticas curriculares na <strong>Educação</strong><br />

de Jovens e Adultos trabalhadores.<br />

As teorias críticas, <strong>em</strong>bora n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre com a mesma base epist<strong>em</strong>ológica, têm<br />

<strong>em</strong> comum o caráter contestador da ord<strong>em</strong> social predominante, sobretudo no que<br />

diz respeito aos mecanismos de controle e exclusão, como a escola, que corrobora<br />

para a manutenção das estruturas sociais.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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As teorias<br />

críticas do<br />

currículo e o<br />

processo de<br />

execução,<br />

construção e<br />

ressignificação<br />

de práticas<br />

curriculares na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos


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As teorias<br />

críticas do<br />

currículo e o<br />

processo de<br />

execução,<br />

construção e<br />

ressignificação<br />

de práticas<br />

curriculares na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos<br />

Assim, para esse debate curricular, qu<strong>em</strong> são esses indivíduos?<br />

Miguel Arroyo (2001) afirma que os sujeitos da EJA são, <strong>em</strong> sua grande maioria,<br />

trabalhadores urbanos e rurais, oprimidos e pobres, tendo como destaque nesse grupo<br />

a participação da população mestiça e negra, ou seja, sujeitos expulsos dos bancos<br />

escolares ou que não tiveram oportunidade de ingressar na escola na idade desejada.<br />

Por que eles fracassam?<br />

Para os teóricos críticos, isso ocorre porque os currículos <strong>em</strong> que os sist<strong>em</strong>as<br />

educacionais estão baseados privilegiam o capital cultural dos grupos economicamente<br />

dominantes.<br />

Nesse sentido, o processo de aprendizag<strong>em</strong> é monocultural e não dialógico, <strong>em</strong><br />

que determinados valores e conteúdos, selecionados pelos currículos oficiais, são impostos<br />

e cobrados <strong>em</strong> provas e testes, que, <strong>em</strong> última instância, vão determinar qu<strong>em</strong> é<br />

capaz ou não, através da manutenção ou expulsão do indivíduo dos bancos escolares.<br />

O distanciamento entre o conhecimento e os sujeitos envolvidos nesse processo<br />

é outra marca da exclusão que as teorias críticas elucidaram. O currículo, comumente,<br />

é organizado de modo a cumprir o preenchimento de uma espécie de caixa vazia,<br />

onde o educador funciona como el<strong>em</strong>ento detentor do conhecimento e o educando,<br />

passivamente, recebe o esperado conteúdo. Essa distância, frequent<strong>em</strong>ente, cria<br />

um ambiente pernicioso para o desenvolvimento da aprendizag<strong>em</strong> do aluno. Os<br />

conteúdos não faz<strong>em</strong> parte do universo experimental da criança, jov<strong>em</strong> ou adulto,<br />

não levam <strong>em</strong> consideração as experiências, o universo já vivido pelo educando.<br />

O conceito de “probl<strong>em</strong>atização” surge como uma possibilidade de questionamento<br />

do que é apreendido, do que faz<strong>em</strong>os e viv<strong>em</strong>os na sociedade e na educação<br />

formal. Educar s<strong>em</strong> aquela pretensa neutralidade das teorias tradicionais. A<br />

dimensão que a educação e o conhecimento ganham é a de estar<strong>em</strong> voltados para<br />

uma prática reflexiva do educador e do educando.<br />

As práticas curriculares, na perspectiva das teorias críticas, dev<strong>em</strong> obedecer a<br />

critérios que deix<strong>em</strong> claro que a construção do conhecimento estará a serviço da<br />

identificação dos conflitos e das disputas existentes no seio da sociedade. Longe de<br />

pretender neutralidade, é a clara intenção de que no processo de elaboração do conhecimento<br />

haja estímulo à conquista de valores culturais, políticos, éticos voltados<br />

para a transformação social.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Sab<strong>em</strong>os que os espaços de escolarização da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos<br />

receb<strong>em</strong> como alunos e alunas pessoas com histórias e experiências de vida diversificadas:<br />

vida profissional, histórico escolar, ritmo de aprendizag<strong>em</strong>, estrutura<br />

de pensamento, origens, etnias, idades, crenças etc. No entanto, a riqueza desse<br />

universo marcado pela diversidade e pluralidade não é, quase s<strong>em</strong>pre, reconhecida<br />

e valorizada no ambiente escolar.<br />

Esses alunos, <strong>em</strong> sua maioria, já traz<strong>em</strong> consigo uma experiência escolar de insucesso<br />

e fracasso. O reingresso na escola é uma opção que requer corag<strong>em</strong> e ousadia.<br />

Ao tomar a decisão de retornar aos bancos escolares, esse aluno se coloca numa<br />

posição de exposição de sua condição de pouca escolaridade, num desafio que, às<br />

vezes, se constrói num processo de idas e vindas, envolvendo – e até, <strong>em</strong> algumas<br />

situações, dependendo de – inúmeros condicionantes e atores: família, patrões, instabilidade<br />

no <strong>em</strong>prego, des<strong>em</strong>prego, miséria, horários de trabalho, condições de<br />

acesso, distância entre casa e escola.<br />

Nessa engrenag<strong>em</strong>, construída ao longo de sua existência, o aluno tende a responsabilizar<br />

a si próprio por essa “condição de fracasso”, na medida <strong>em</strong> que sua<br />

formação educacional não favoreceu a análise e reflexão crítica acerca dos condicionantes<br />

histórico-sociais que são responsáveis por esse processo. Essa condição<br />

de baixo rendimento e pouca escolaridade, acrescida da visão preconceituosa e<br />

estigmatizada à qual são submetidas populações socialmente marginalizadas, provoca<br />

uma relação de fragilidade nos alunos.<br />

Para o aluno, jov<strong>em</strong> ou adulto, que vivencia a complexa experiência de recomeço<br />

e resgate do processo de aprendizag<strong>em</strong> formal, os significados e sentidos ex-<br />

traídos desse experimento dev<strong>em</strong> ser cuidadosamente construídos e sedimentados<br />

na relação pedagógica, e o professor t<strong>em</strong> um papel fundamental nesse processo,<br />

como aponta Paulo Freire: “Ninguém educa, ninguém educa a si mesmo, os homens<br />

se educam entre si, mediatizados pelo mundo (2005, p. 75).<br />

Diante de tamanha grandeza e responsabilidade, é de extr<strong>em</strong>a importância que<br />

a escola discuta sua ação pedagógica e sua verdadeira intencionalidade, o que implica,<br />

por parte do professor, um redimensionamento de suas práticas curriculares.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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As teorias<br />

críticas do<br />

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processo de<br />

execução,<br />

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de práticas<br />

curriculares na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos


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críticas do<br />

currículo e o<br />

processo de<br />

execução,<br />

construção e<br />

ressignificação<br />

de práticas<br />

curriculares na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos<br />

A prática educativa, <strong>em</strong> vez de massificar a ação pedagógica, negando a identidade<br />

e a alteridade do aluno adulto, deveria reconhecer sua realidade, mapeando<br />

os diferentes saberes que são originados dessa realidade, de forma a transformá-los<br />

<strong>em</strong> mecanismo de aprendizag<strong>em</strong> para todos os sujeitos (docentes e discentes) envolvidos<br />

nesse processo de troca que é ensinar e aprender.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Referências<br />

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B. (Org.). Currículo: políticas e práticas. 2. ed. campinas: papirus, 1999.<br />

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1999.<br />

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terra, 1997.<br />

Freire, p. Pedagogia do oprimido. 48. ed. rio de Janeiro: paz e terra, 2005.<br />

mAceDO, e. et al. (Org.). Criar currículo no cotidiano. São paulo: cortez, 2002.<br />

mOreirA, A. F.; SilVA, t. t. (Org.). Currículo, cultura e sociedade. 4. ed. São paulo: cortez, 2000.<br />

mOreirA, A. multiculturalismo, currículo e formação de professores. in: mOreirA, A. F. B. (Org.).<br />

Currículo: políticas e práticas. 2. ed. campinas: papirus, 1999.<br />

OliVeirA. i. tendências recentes dos estudos e das práticas curriculares. Alfabetização e Cidadania:<br />

revista de educação de Jovens e Adultos, São paulo, n. 1, abr. 2001.<br />

SilVA, t. da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 2. ed. Belo<br />

Horizonte: Autêntica, 2001.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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As teorias<br />

críticas do<br />

Currículo e o<br />

processo de<br />

execução,<br />

construção e<br />

ressignificação<br />

de práticas<br />

curriculares na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos


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Parte I<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Currículos<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

55


A importância do<br />

espaço de vivência na<br />

<strong>Educação</strong> de Jovens e<br />

Adultos<br />

Emmanuele Maria Correia Costa*<br />

RESUMO<br />

Este trabalho t<strong>em</strong> como objetivo levar educadores<br />

a refletir sobre a elaboração de currículos<br />

específicos <strong>em</strong> <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos,<br />

e, a partir dessa reflexão, perceber a importância<br />

do espaço de vivência dos educandos, o que<br />

contribui significativamente no processo de<br />

aprendizag<strong>em</strong> daqueles que buscam a escola<br />

tardiamente. Toma como referencial teórico os<br />

estudos de Paulo Freire, que ao longo de sua<br />

trajetória lutou por uma educação popular com<br />

vistas a ajudar a construir uma sociedade mais<br />

justa e d<strong>em</strong>ocrática, agindo <strong>em</strong> defesa de um<br />

ato educativo que cont<strong>em</strong>plasse o pensar e o<br />

concluir, contrapondo a simples reprodução<br />

de ideias impostas à reflexão, argumentação,<br />

criticidade e politização. Com base nesses fundamentos,<br />

pretende-se levar os educadores da<br />

EJA, na atualidade, a pensar criticamente sobre<br />

a sua prática educativa com vistas à transformação<br />

da sociedade e à formação integral<br />

dos alunos.<br />

PAlAVRAS-CHAVE: <strong>Educação</strong> popular; transformação;<br />

formação.<br />

ABSTRACT<br />

This paper aims to get educators to reflect<br />

on the development of specific Youth and<br />

Adult Education curricula, and, from that<br />

reflection, realize the importance of students’<br />

experience, which contributes significantly<br />

to the learning process of those seeking<br />

education later in life. It take as a theoretical<br />

reference the studies of Paulo Freire, who<br />

throughout his career fought for popular<br />

education in order to help build a fairer and<br />

more d<strong>em</strong>ocratic society, acting in defense of<br />

an educational mode that included thinking<br />

and concluding, in contrast to simple<br />

reproduction of ideas imposed upon<br />

reflection, argumentation, criticism and<br />

politicization. Based on these foundations,<br />

we intend to take the current Youth and<br />

Adult educators to think critically about their<br />

educational practices in order to transform<br />

society and fully train students.<br />

Keywords: Popular education;<br />

transformation; training.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


*Formada <strong>em</strong> Pedagogia, atualmente faz pós-graduação <strong>em</strong> Formação Docente de Tutores<br />

<strong>em</strong> EAD e Concepções e Produção de Material Didático <strong>em</strong> EAD, na Universidade Federal<br />

de Alagoas. Atua como professora do Esnino Fundamental na Escola São Raphael da rede<br />

privada da cidade de Maceió, Alagoas.<br />

Há muito t<strong>em</strong>po se discute probl<strong>em</strong>áticas referentes à elaboração de currículos<br />

específicos para a <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos, b<strong>em</strong> como à sua organização, que<br />

dev<strong>em</strong> envolver o universo cultural dos educandos e suas vivências, a fim de tornar<br />

a aprendizag<strong>em</strong> mais significativa. Essas vivências perpassam ambientes variados,<br />

tornando, assim, a classe de jovens e adultos rica <strong>em</strong> conhecimento de mundo na<br />

forma de senso comum. E daí surg<strong>em</strong> as mais diversas discussões. Como transformá-lo<br />

<strong>em</strong> conhecimentos escolares?<br />

A pessoa encarregada de interagir para que aument<strong>em</strong> os saberes dos educandos<br />

é o professor-mediador. E para que isso aconteça necessita-se de formação continuada<br />

e constante reflexão a respeito do que ensinar e para qu<strong>em</strong> ensinar, tendo<br />

<strong>em</strong> vista que os estudantes estão <strong>em</strong> busca de uma condição de vida melhor.<br />

Nesse sentido é preciso dar significado às aulas, buscar t<strong>em</strong>as de interesse dos<br />

educandos numa perspectiva formativa para cada grupo que atua na <strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos.<br />

Os saberes dos jovens e adultos precisam corresponder às suas necessidades, e<br />

principalmente às suas potencialidades como trabalhadores e cidadãos. As proposições<br />

teóricas e práticas dev<strong>em</strong> ir além do aprendizado das letras.<br />

Paulo Freire propôs uma alfabetização conscientizadora, a partir da leitura de<br />

palavras e do mundo, com a qual iniciou a construção de sua pedagogia libertadora,<br />

de modo que, ao se referir à alfabetização de adultos, visava práticas sociais <strong>em</strong><br />

que a leitura e a escrita se realizass<strong>em</strong> não somente na aprendizag<strong>em</strong> inicial, mas<br />

<strong>em</strong> diversos níveis, fazendo despertar habilidades nos estudantes.<br />

É importante dar relevância à cultura dos alfabetizandos assim como às políticas<br />

educacionais, contextualizando os diversos meios de comunicação, linguagens<br />

e conteúdos escolares, aproximando-os de práticas sociais concretas.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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A importância<br />

do espaço de<br />

vivência na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos


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A importância<br />

do espaço de<br />

vivência na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos<br />

A <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos possui peculiaridades, pois nessa etapa da vida<br />

o adulto traz consigo diferentes habilidades, dificuldades e maior capacidade de<br />

reflexão sobre o conhecimento <strong>em</strong> seus processos de aprendizag<strong>em</strong>. Considerando<br />

tais aspectos, as situações de aprendizag<strong>em</strong> precisam ser ricas <strong>em</strong> desafios, nas<br />

quais os educandos percebam seus avanços concretamente.<br />

Encontra-se uma dificuldade no processo de alfabetização de adultos: a sua<br />

especificidade cultural. É necessário contextualizar historicamente os educandos,<br />

b<strong>em</strong> como as atividades a ser<strong>em</strong> desenvolvidas para tal clientela, despertando nos<br />

alunos uma reflexão sobre a importância de aprender a ler, o que implica fazer uma<br />

adequação da escola, de currículos, programas e métodos de ensino para atender à<br />

especificidade de cada classe de alfabetização.<br />

A visão de mundo de uma pessoa que retoma os estudos na fase adulta, ou<br />

mesmo aquela que inicia sua trajetória escolar nessa etapa da vida, é bastante<br />

peculiar, pois ela é protagonista de uma história real e rica <strong>em</strong> experiências de<br />

vida. Essas pessoas configuram tipos diversos, que chegam à escola com crenças e<br />

valores já construídos.<br />

As escolas receb<strong>em</strong> alunos jovens e adultos com traços de vida, origens, idades,<br />

vivências profissionais, histórico escolar, ritmo de aprendizag<strong>em</strong> e estrutura de pensamento<br />

completamente variados. São pessoas que viv<strong>em</strong> no mundo do trabalho,<br />

com responsabilidades sociais e familiares, com valores éticos e morais formados<br />

segundo a experiência, o ambiente e a realidade cultural <strong>em</strong> que estão inseridas.<br />

Os conhecimentos de uma pessoa que procura tardiamente a escola são inúmeros<br />

ao longo de sua história de vida. É por isso que o processo educativo de<br />

adultos deve partir de um t<strong>em</strong>a gerado com o envolvimento dos alunos. Eles são<br />

possuidores de saberes do senso comum que deverão ser transformados <strong>em</strong> conhecimentos<br />

científicos.<br />

A procura de jovens e adultos pela escola não se dá de forma simples, trata-se<br />

de uma decisão que envolve as famílias, os patrões, as condições de acesso e, sobretudo,<br />

de permanência. Portanto, o fato de um jov<strong>em</strong> ou adulto frequentar a escola<br />

é um desafio, um projeto de vida.<br />

Grande parte dos jovens e adultos que buscam a escola esperam que ela seja<br />

um espaço que atenda às suas necessidades, possibilitando sua integração à sociedade<br />

letrada.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


O desafio é construir uma escola na qual os professores e alunos se encontr<strong>em</strong><br />

como sujeitos, com a tarefa de provocar e produzir conhecimentos. Conhecimentos<br />

sustentados na perspectiva daqueles que aprend<strong>em</strong> saberes diversos contribuidores<br />

efetivamente para a vida dos alunos.<br />

Esses alunos buscam na escola mais do que conhecimentos prontos para ser<strong>em</strong><br />

reproduzidos. Eles quer<strong>em</strong> se sentir sujeitos ativos, participativos, crescer cultural,<br />

social e, sobretudo, economicamente.<br />

Segundo o filósofo e sociólogo chileno Jean Casassus (apud RATIER, 2008), além<br />

de conhecer os conteúdos que ensina, o professor deve saber identificar as necessidades<br />

dos alunos. Em pesquisa realizada <strong>em</strong> 14 países e publicada no livro A escola e a desigualdade,<br />

foram analisados alguns aspectos que favorec<strong>em</strong> o bom des<strong>em</strong>penho dos<br />

estudantes. Docentes com formação sólida, avaliação sist<strong>em</strong>ática, material didático<br />

suficiente, prédios adequados são fatores que contribu<strong>em</strong> para o bom des<strong>em</strong>penho.<br />

Além disso, ter um ambiente <strong>em</strong>ocional adequado, gerado pelo bom relacionamento<br />

entre professor e aluno, é fundamental. “Para transmitir o gosto pelo conhecimento<br />

um professor precisa dominar os conteúdos de sua disciplina e também saber acolher<br />

as turmas, identificando interesses e sentimentos” (op. cit., 2008, p. 28).<br />

Diz o filósofo Casassus (op. cit., 2008, p. 28):<br />

(...) Sendo assim, a qualquer currículo moderno pod<strong>em</strong> se adaptar t<strong>em</strong>as de interesse dos<br />

alunos. Afinal o aprendizado exige uma motivação interna de qu<strong>em</strong> aprende. por ex<strong>em</strong>plo:<br />

se preciso falar de física, de estrutura dos materiais ou de conceitos como velocidade e<br />

aceleração, posso usar como base carros de corrida ou outro t<strong>em</strong>a mais próximo do uni-<br />

verso dos alunos. É possível encontrar caminhos para que esse entusiasmo se encaixe no<br />

planejamento curricular. Dessa forma consigo elaborar dezenas de atividades. trata-se de<br />

adaptar o conhecimento a uma maneira compatível com o fluxo natural <strong>em</strong> que a turma<br />

está inserida naquele momento.<br />

As dificuldades com a educação <strong>em</strong> massa são acompanhadas de propostas<br />

técnico-pedagógicas para a <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos que não se limitam à<br />

escolarização. As críticas ao método de alfabetização da população adulta, por sua<br />

inadequação à clientela, b<strong>em</strong> como pela superficialidade do aprendizado no curto<br />

período de escolarização, r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> a uma visão sobre a probl<strong>em</strong>ática do analfabetismo<br />

e à consolidação de uma nova pedagogia de alfabetização para adultos que<br />

t<strong>em</strong> como principal referência o educador Paulo Freire.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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A importância<br />

do espaço de<br />

vivência na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos


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A importância<br />

do espaço de<br />

vivência na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos<br />

Esse novo paradigma pedagógico se pautou num novo entendimento da relação<br />

entre a probl<strong>em</strong>ática educacional e a social. A alfabetização e a educação de<br />

base de adultos dev<strong>em</strong> partir s<strong>em</strong>pre de um exame crítico da realidade existencial<br />

dos educandos, de identificação de origens de seus probl<strong>em</strong>as e possibilidades<br />

de superá-los.<br />

Na percepção de Paulo Freire (1989, p. 72), os conceitos de alfabetização e educação<br />

estão muito próximos, para não dizer que se confund<strong>em</strong>.<br />

Alfabetização é mais do que simples domínio mecânico de técnicas para ler e escrever.<br />

com efeito, ela é o domínio dessas técnicas <strong>em</strong> termos conscientes. É entender o que se<br />

lê e escrever o que se entende (...). implica uma autoformação da qual pode resultar uma<br />

postura atuante do hom<strong>em</strong> sobre seu contexto. por isso a alfabetização não pode ser feita<br />

de cima para baixo, n<strong>em</strong> de fora para dentro, mas sim de dentro para fora pelo próprio<br />

analfabeto, apenas ajustado pelo educador. O papel do educador por sua vez t<strong>em</strong> de ser<br />

fundamentalmente de dialogar com o analfabeto sobre situações concretas, oferecendo-<br />

lhe meios com os quais possa se alfabetizar. Vale dizer que o hom<strong>em</strong>, como sujeito e não<br />

como objeto de sua educação, t<strong>em</strong> um compromisso com sua realidade e nela deve in-<br />

tervir cada vez mais.<br />

O desafio da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos é o estabelecimento de uma política<br />

e de metodologias, com a finalidade de garantir aos adultos analfabetos e aos<br />

jovens que tiveram passagens fracassadas pelas escolas o acesso ao universo profissional,<br />

político e cultural.<br />

Os educadores dev<strong>em</strong> ser compromissados, analisando critica e reflexivamente,<br />

para assim poder definir de forma clara a ação educativa, estabelecendo uma proposta<br />

curricular que considere as relações escola-comunidade como um retrato cultural,<br />

na qual se produza uma prática educativa articuladora da teoria com a prática,<br />

tendo o educando como sujeito do processo de aprendizag<strong>em</strong>.<br />

A inserção dos jovens e adultos no processo de desenvolvimento como cidadãos<br />

produtivos d<strong>em</strong>anda ações educativas considerando o seguinte.<br />

A escolarização constitui instrumento indispensável à construção da sociedade d<strong>em</strong>ocrá-<br />

tica, porque t<strong>em</strong> como função a socialização daquela parcela de saber sist<strong>em</strong>atizado que<br />

constitui o indispensável à formação e ao exercício da cidadania (liBÂneO, 1994, p. 35).<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


A proposta curricular dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para a <strong>Educação</strong><br />

de Jovens e Adultos estabelece referenciais para a organização do trabalho<br />

pedagógico. A oferta visa a alfabetizar e escolarizar através de cursos que atendam<br />

às especificidades dos alunos jovens e adultos, estruturados <strong>em</strong> módulos, ciclos ou<br />

etapas, correspondentes, <strong>em</strong> média, a um ano para cada duas séries, uma vez que<br />

leva <strong>em</strong> conta a experiência e os conhecimentos prévios que os alunos possu<strong>em</strong>.<br />

Vale salientar que a organização do calendário e do horário escolar dessa modalidade<br />

de educação deve atender às especificidades locais e da clientela. Dessa forma,<br />

não só valoriza o ideal da educação popular, como destaca o valor educativo do diálogo<br />

e da participação, do saber dos alunos, e estimula um des<strong>em</strong>penho inovador<br />

dos educadores.<br />

Paulo Freire (2005, p. 30), <strong>em</strong> seu livro Pedagogia da autonomia, se refere aos saberes<br />

necessários à prática educativa e oferece contribuições valiosas para conduzir<br />

à reflexão sobre competência docente.<br />

ensinar exige respeito aos saberes dos educandos (...), discutir com os alunos a razão de<br />

ser de alguns desses saberes <strong>em</strong> relação com o ensino dos conteúdos. ensinar exige dis-<br />

ponibilidade para o diálogo nas relações com os outros que não fizeram necessariamente<br />

as mesmas opções que fiz <strong>em</strong> nível de política, da estética, da pedagogia (...), no respeito<br />

às diferenças entre mim e eles ou elas (...). ensinar exige o reconhecimento e a assunção<br />

da identidade cultural, assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comuni-<br />

cante, transformador, criador, realizador de sonhos. ensinar exige apreensão da realidade,<br />

transformar a realidade, nela intervir, recriando-a. ensinar exige segurança, competência<br />

profissional e generosidade. O fundamental no aprendizado do conteúdo é a construção<br />

da responsabilidade que se assume (...).<br />

Diante disso, percebe-se que a tarefa do educador não é fácil, pois é necessário<br />

engajamento para que seja desenvolvido um trabalho de qualidade. É preciso buscar<br />

uma concepção mais ampla das dimensões t<strong>em</strong>po/espaço de aprendizag<strong>em</strong>, na<br />

qual educadores e educandos estabeleçam uma relação mais dinâmica com o entorno<br />

social e com as suas questões, considerando que a juventude e a vida adulta<br />

são também t<strong>em</strong>pos de aprendizagens.<br />

O educador precisa também considerar alguns pontos fundamentais na elaboração<br />

do currículo específico da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos, tais como: a diversidade<br />

do público a que se destina, a geração de modelos que atendam a realidades<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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A importância<br />

do espaço de<br />

vivência na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos


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A importância<br />

do espaço de<br />

vivência na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos<br />

específicas <strong>em</strong> relação aos alunos, a organização do trabalho pedagógico, a flexibilidade<br />

na carga horária, na duração, na sequenciação de conteúdos, entre outros.<br />

No que se refere à seleção e distribuição dos conteúdos curriculares, dev<strong>em</strong><br />

ser considerados o desenvolvimento da personalidade dos alunos e o atendimento<br />

das suas exigências sociais. Adequando-os à natureza e às especificidades das<br />

diferentes áreas e às características do aluno, esse currículo precisa estar centrado<br />

no processo de reflexão, no tipo de pessoa e na sociedade que deseja formar. Deve<br />

haver também a inclusão de atividades voltadas para a formação profissional dos<br />

jovens e adultos, visto que <strong>em</strong> sua maioria são trabalhadores.<br />

A proposta oficial deve passar por um momento de reconstrução coletiva, o que<br />

imprime à proposta da EJA um caráter de provisoriedade, que <strong>em</strong> nada afeta as suas<br />

proposições teórico-metodológicas, uma vez que se colocam como referencial.<br />

Os jovens e adultos procuram a escola motivados pela expectativa de conseguir<br />

um <strong>em</strong>prego melhor, ou então são levados pelo desejo de elevação da autoestima,<br />

da independência e da melhoria de vida pessoal. Mas o maior motivo da procura<br />

pela escola é a necessidade de fixação de sua identidade como ser humano e social.<br />

Isso suscita no educador a adoção de formas de relacionamento diferenciadas.<br />

Com os adultos ganha destaque a sensibilização de interesse, ajudando-os a vencer<br />

a timidez, a insegurança e os bloqueios.<br />

Percebe-se que a matrícula de jovens e adultos cresceu nos últimos anos, impulsionada<br />

pela necessidade de melhorar o nível de escolaridade da população, já<br />

que a sociedade hoje exige cada vez mais pessoas qualificadas. Com isso, tornou-se<br />

urgente formar professores especializados na área de EJA para atender às especificidades<br />

daqueles que não tiveram acesso à educação <strong>em</strong> idade regular. Funções<br />

nessa área exig<strong>em</strong> cada vez mais especializações e experiência.<br />

Os alunos exig<strong>em</strong> do professor, além dos saberes disciplinares, práticas educativas<br />

que aproveit<strong>em</strong> a sua bagag<strong>em</strong> cultural e a experiência acumulada. O ideal é<br />

que a escola responda às suas necessidades, estabelecendo uma relação entre os<br />

conteúdos trabalhados e o uso que farão deles posteriormente. Deve haver práticas<br />

pedagógicas que valoriz<strong>em</strong> as diversas linguagens utilizadas pelos alunos, as várias<br />

atuações que eles têm na comunidade e a autonomia que já possu<strong>em</strong> para resolver<br />

suas questões práticas do dia a dia. Nessas situações, o domínio dos códigos escritos<br />

torna-se apenas uma das necessidades.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Na EJA, além das disciplinas de base comum, enquadram-se disciplinas como<br />

subjetividade e vivência coletiva, <strong>em</strong> que o professor reconhece e incorpora os diversos<br />

universos culturais existentes e a maneira como o sujeito se insere. questões<br />

como currículo e cultura pod<strong>em</strong> ser integradas e transformadas <strong>em</strong> conteúdo didático<br />

e fundamentos metodológicos da educação popular, o que é tratado basicamente<br />

pelo educador Paulo Freire.<br />

A condição socioeconômica dos jovens e adultos<br />

Para que se possa estabelecer com clareza a parcela da população a ser atendida<br />

pela modalidade EJA, é fundamental refletir sobre o seu público, suas características<br />

e especificidades. Tal reflexão servirá de base para a elaboração de processos<br />

pedagógicos específicos para esse público.<br />

Pois os homens, mulheres, adultos ou idosos que buscam a escola pertenc<strong>em</strong><br />

todos a uma mesma classe social: são pessoas com baixo poder aquisitivo, que consom<strong>em</strong>,<br />

de modo geral, apenas o básico à sua sobrevivência: aluguel, água, luz,<br />

alimentação, r<strong>em</strong>édios para os filhos etc. São sujeitos sociais e culturais, marginalizados<br />

nas esferas socioeconômicas e educacionais, privados do acesso à cultura<br />

letrada e aos bens culturais e sociais, o que compromete uma participação mais<br />

ativa no mundo do trabalho, da política e da cultura.<br />

A compreensão dessa realidade levou Paulo Freire a reconhecer o analfabetismo<br />

como uma questão não só pedagógica, mas também social e política, a qual se<br />

refere não apenas a uma questão etária, como também de especificidade cultural.<br />

Ocorre também nos alunos jovens e adultos uma baixa autoestima, muitas vezes<br />

por situações de fracasso escolar, fazendo com que esse aluno volte à sala de<br />

aula revelando uma autoimag<strong>em</strong> fragilizada, expressando sentimentos de insegurança<br />

e de desvalorização pessoal diante dos novos desafios que se impõ<strong>em</strong>. quando<br />

retornam para a sala de aula, ficam suscetíveis ao fracasso escolar.<br />

O sucesso escolar, por sua vez, produz elevação da autoestima e um grande<br />

efeito de segurança nos alunos, enquanto o fracasso consequent<strong>em</strong>ente gera grandes<br />

estragos.<br />

Na sala de EJA, essas marcas se evidenciam, de um lado, por atitudes de extr<strong>em</strong>a<br />

timidez e, por outro, por irreverência e transgressão. Esses alunos e alunas<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

63<br />

A importância<br />

do espaço de<br />

vivência na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos


64<br />

A importância<br />

do espaço de<br />

vivência na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos<br />

d<strong>em</strong>onstram vergonha <strong>em</strong> perguntar ou <strong>em</strong> responder a perguntas, nervosismo<br />

exacerbado nas situações de avaliação, ou então se mostram agitados e indisciplinados.<br />

Muitos não consegu<strong>em</strong> n<strong>em</strong> olhar no rosto do professor.<br />

O papel do educador da EJA é determinante para evitar situações de novo fracasso<br />

escolar. Um caminho seguro para diminuir sentimentos de insegurança é valorizar<br />

os saberes que os alunos traz<strong>em</strong> para o ambiente escolar. O reconhecimento<br />

da existência de uma sabedoria no sujeito proveniente de sua experiência de vida,<br />

bagag<strong>em</strong> cultural, habilidades profissionais, certamente contribui para que ele resgate<br />

uma autoimag<strong>em</strong> positiva, ampliando a autoestima e fortalecendo a autoconfiança.<br />

O bom acolhimento e a valorização do aluno pelo professor possibilitam a abertura<br />

de um canal de aprendizag<strong>em</strong> com maiores garantias de êxito, porque parte<br />

dos conhecimentos prévios dos educandos para promover conhecimentos novos,<br />

fomentando o encontro dos saberes da vida com os saberes escolares.<br />

Todas as salas de EJA se unificam <strong>em</strong> torno de um fato: a grande maioria dos<br />

alunos são trabalhadores que chegam para as aulas após um dia intenso de trabalho.<br />

É claro que essas salas apresentam um número significativo de des<strong>em</strong>pregados<br />

e de trabalhadores t<strong>em</strong>porários ou informais.<br />

Entretanto, é preciso l<strong>em</strong>brar que o trabalho experimentado por esses alunos<br />

não passa n<strong>em</strong> de longe por uma atividade fundamental pela qual o ser humano<br />

se humaniza e se aperfeiçoa. O trabalho que conhec<strong>em</strong> é, na maior parte das vezes,<br />

repetitivo, cansativo e pouco engrandecedor. Muitos alunos diz<strong>em</strong> estar na escola<br />

para poder arrumar um <strong>em</strong>prego, conseguir um trabalho melhor, crescer na profissão.<br />

Portanto, o trabalho é apontado pelos alunos de EJA tanto como motivo de<br />

ter<strong>em</strong> deixado a escola como razão para voltar<strong>em</strong> a ela.<br />

S<strong>em</strong> dúvida alguma o t<strong>em</strong>a trabalho t<strong>em</strong> um lugar especial na EJA e deve ter<br />

importância para professores e escola.<br />

É importante, <strong>em</strong> sala de aula, pensar <strong>em</strong> habilidades que a escola pode ajudar<br />

a desenvolver e que contribuam para uma atuação mais eficiente nesse universo<br />

diversificado e competitivo que é o do trabalho. Com base <strong>em</strong> t<strong>em</strong>as dessa natureza<br />

a escola pode abrir horizontes para que os alunos conheçam com clareza as diferentes<br />

formas de trabalho, dominar<strong>em</strong> os caminhos possíveis para a obtenção de<br />

<strong>em</strong>pregos, além de buscar s<strong>em</strong>pre informações na região ou comunidade a respeito<br />

da existência de espaços gratuitos de cursos de eletricidade, pintura, computa-<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


ção, confecção e outros que poderiam representar uma forma de geração de renda.<br />

Com isso a escola torna-se um espaço de inserção social.<br />

José Carlos Libâneo (1994, p. 36) assim conclui a questão.<br />

não há prática educativa s<strong>em</strong> objetivos elaborados a partir de critérios elaborados que<br />

reflitam os valores e ideais da legislação, os conteúdos produzidos pela prática social da<br />

humanidade e as necessidades e expectativas de formação cultural exigidas pela popula-<br />

ção majoritária da sociedade.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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A importância<br />

do espaço de<br />

vivência na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos


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A importância<br />

do espaço de<br />

vivência na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos<br />

Considerações finais<br />

O estudo realizado <strong>em</strong> torno do t<strong>em</strong>a Elaboração de currículos <strong>em</strong> EJA foi de<br />

extr<strong>em</strong>a importância, pois contribuiu para a ampliação dos saberes dos educado-<br />

res, para que possam <strong>em</strong>basar melhor as suas aulas de acordo com o que foi relata-<br />

do a respeito das especificidades dos jovens e adultos.<br />

Percebeu-se que o trabalho com jovens e adultos é um desafio tanto para<br />

educadores quanto educandos, pois deve haver uma interação constante entre os<br />

m<strong>em</strong>bros envolvidos, pois s<strong>em</strong> isso não há aprendizag<strong>em</strong> significativa.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


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de letras: Associação de leitura do Brasil, 2001.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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A importância<br />

do espaço de<br />

vivência na<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos


Sujeitos da EJA e o<br />

currículo<br />

Kelma Araújo Soeiro*<br />

RESUMO<br />

O presente artigo t<strong>em</strong> como objetivo refletir sobre<br />

a teoria e a prática curricular desenvolvidas<br />

na <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos. Esta modalidade<br />

de <strong>Educação</strong> v<strong>em</strong> suscitando discussões<br />

para que se configure como campo próprio e<br />

identidades próprias nas políticas públicas<br />

educacionais do Brasil, levando <strong>em</strong> consideração<br />

todas as suas especificidades. Este é o<br />

grande desafio ao pensarmos na construção de<br />

um currículo que atenda aos anseios e necessidades<br />

da EJA, que se apresenta como campo<br />

de práticas educativas que abriga uma diversidade<br />

de concepções. O currículo apresenta-se<br />

como um espaço privilegiado para se analisar<br />

e refletir como tais concepções se acomodam,<br />

interag<strong>em</strong> ou se sobrepõ<strong>em</strong> nas tentativas de<br />

construção de um currículo no qual se expressam<br />

as várias identidades dos sujeitos da <strong>Educação</strong><br />

de Jovens e Adultos.<br />

PAlAVRAS CHAVE: Currículo; construção coleti-<br />

va; saberes, experiências; prática pedagógica.<br />

ABSTRACT<br />

This article aims to reflect on the curriculum<br />

theory and practice developed for Youth<br />

and Adult education. This type of education<br />

has been raising discussions to set it up<br />

as a field itself with its own identity in<br />

the public educational policies in Brazil,<br />

taking into account all its specificities. This<br />

is the greatest challenge when thinking<br />

of building a curriculum that meets the<br />

aspirations and needs of Youth and Adult<br />

Education, which presents itself as a field<br />

of educational practices that holds a great<br />

diversity of concepts. The curriculum is an<br />

ideal opportunity to examine and reflect<br />

on how such concepts are suitable, how<br />

they interact or overlap in their att<strong>em</strong>pts to<br />

build a curriculum in which to express the<br />

different identities of the subjects of Youth<br />

and Adult Education.<br />

KEYwords: Curriculum; collective<br />

construction; knowledge and experience;<br />

teaching practice.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


* Graduada <strong>em</strong> Pedagogia, com habilitação <strong>em</strong> Supervisão e Administração Escolar pela<br />

Universidade Federal do Pará. Pós-Graduada <strong>em</strong> Metodologia do Ensino Superior, coorde-<br />

nadora do SESC LER/AP.<br />

(Pre)conceito de currículo e a EJA<br />

Nos últimos anos, não nos faltam teorias, leis, parâmetros e diretrizes para <strong>em</strong>basar<br />

a nossa reflexão sobre a dimensão curricular. Essas reflexões, atualmente, estão<br />

muito presentes nos espaços conquistados pela EJA, nas discussões referentes<br />

à diversidade e identidade que essa modalidade de educação construiu ao longo<br />

de sua história.<br />

Ao falarmos de currículo, que conhecimento v<strong>em</strong> de imediato na nossa m<strong>em</strong>ória?<br />

O que entend<strong>em</strong>os por currículo? O que é currículo? O que faz parte desse<br />

currículo? O que ele abrange? O que está explícito nele? qual currículo atende à<br />

diversidade da EJA?<br />

Conforme Menegolla e Sant’Anna (1992, p. 213-214), currículo não é<br />

(...) simplesmente a relação e distribuição das disciplinas, com sua respectiva carga horária.<br />

não é também o número de horas-aula e dos dias letivos. ele não se constitui apenas por<br />

uma seriação de estudos, que chamamos de base curricular (...) ou uma listag<strong>em</strong> de conhe-<br />

cimentos e conteúdos das diferentes disciplinas para ser<strong>em</strong> estudados de forma sist<strong>em</strong>á-<br />

tica, na sala de aula. (...) não deve ser concebido apenas como uma relação de conteúdos<br />

ou conhecimentos delimitados ou isolados. (...) não é um plano padronizado, onde estão<br />

relacionados alguns princípios e normas para o funcionamento da escola, como se fosse<br />

um manual de instruções para poder se acionar uma máquina. (...) O currículo não é algo<br />

restrito somente ao âmbito da escola ou da sala de aula.<br />

Ao analisarmos a afirmativa de Menegolla e Sant’Anna, perceb<strong>em</strong>os que no<br />

Projeto SESC LER 1 já ultrapassamos a concepção de que os currículos escolares são<br />

apenas uma seleção de conteúdos e disciplinas organizados <strong>em</strong> uma grade curricular<br />

de acordo com alguns parâmetros. Superar essa concepção significa colocar<br />

o currículo num espaço mais amplo, de suas determinações sociais, de sua história,<br />

de sua produção contextual vivenciada pela sociedade, abrangendo as dimensões<br />

1. projeto SeSc ler: implantado pelo Serviço Social do comércio/Departamento nacional <strong>em</strong> 1999, no interior da<br />

região norte, surgiu como projeto de alfabetização e, ao longo dos anos, com a consolidação do trabalho, proporcionou<br />

aos alunos a continuação dos estudos até o 2º ciclo.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

69<br />

Sujeitos da EJA e<br />

o currículo


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Sujeitos da EJA e<br />

o currículo<br />

sociais (identidade de gênero, etnias, classe social, linguag<strong>em</strong> cultural, deficientes<br />

físicos e outros), educacionais, políticas, econômicas e principalmente culturais, no<br />

sentido amplo de cultura.<br />

Isso significa que o currículo não é el<strong>em</strong>ento inocente e neutro, mas está vinculado<br />

às relações de poder e de produtividade (dominados e dominantes), transmitindo<br />

visões sociais particulares e intencionais e influenciando a construção de<br />

identidades individuais e sociais.<br />

Durante anos prevaleceu a concepção de currículo apenas como seleção de<br />

conteúdos e disciplinas organizados <strong>em</strong> uma grade curricular. A partir da década<br />

de 1980 as teorias pós-críticas surg<strong>em</strong> derrubando o paradigma curricular vigente<br />

e apresenta uma nova concepção de currículo, na qual deveriam ser considerados<br />

diferentes saberes até então ausentes <strong>em</strong> sua configuração, incluindo as questões<br />

das diferentes identidades, poderes, gêneros e espaços.<br />

Segundo Tomaz Tadeu da Silva (2007, p. 147),<br />

(...) depois das teorias críticas e pós-críticas do currículo torna-se impossível pensar o currí-<br />

culo simplesmente através de conceitos técnicos como os de ensino e eficiência ou de ca-<br />

tegorias psicológicas como as de aprendizag<strong>em</strong> e desenvolvimento ou ainda de imagens<br />

estáticas como as de grade curricular e lista de conteúdos.<br />

Uma questão central de qualquer teoria de currículo, s<strong>em</strong> dúvida, é saber qual<br />

conhecimento deve ser ensinado. O que ensinar? O que saber? O currículo é s<strong>em</strong>pre<br />

resultado de uma seleção? Por que esses e não aqueles conhecimentos dev<strong>em</strong> ser<br />

ensinados e aprendidos? Por isso, talvez, a conceituação devesse ser menos ontológica<br />

(o que é currículo?) e muito mais histórica (como, <strong>em</strong> diferentes momentos e<br />

<strong>em</strong> diferentes teorias educacionais, o currículo v<strong>em</strong> sendo concebido?).<br />

Nas teorias de currículo, a pergunta “o que saber?” nunca está separada de uma<br />

outra pergunta fundamental e precedente: o que os/as estudantes dev<strong>em</strong> ser ou<br />

se tornar? Esta concepção de currículo, abrangendo não só o saber e o saber fazer,<br />

mas também o ser e o conviver, nos conduz a repensar e refletir as relações que se<br />

estabelec<strong>em</strong> no currículo, analisando os interesses, as implicações e os benefícios<br />

envolvidos na inclusão de determinados conhecimentos, experiências e práticas<br />

culturais vividas por nossos estudantes, respeitando seus saberes, proporcionando<br />

o diálogo com outras experiências e promovendo a construção de uma pedagogia<br />

crítica.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


O currículo pensado nesse contexto deve objetivar a formação integral do aluno,<br />

oportunizando o aprendizado de conhecimentos diversos, habilidades, técnicas<br />

e estratégias, b<strong>em</strong> como a construção de atitudes sociais críticas, inclusive no que<br />

se refere ao exercício da cidadania d<strong>em</strong>ocrática.<br />

Entretanto, ainda na atualidade, muitos professores associam os conteúdos curriculares<br />

com conceitos a ser<strong>em</strong> m<strong>em</strong>orizados e procedimentos a ser<strong>em</strong> reproduzidos.<br />

Essa prática dissocia a educação do contexto social, do t<strong>em</strong>po, dos valores, condições<br />

e acontecimentos históricos <strong>em</strong> que se manifesta e que integra (CRITELLE, 1981).<br />

Atualmente, o que se observa na maioria das instituições é que o currículo consolidado<br />

na EJA traduz-se pela adaptação do material destinado ao Ensino Fundamental.<br />

Novas orientações curriculares não ating<strong>em</strong> de imediato a prática nas salas<br />

de aula e, <strong>em</strong> geral, há pouca oportunidade nos espaços escolares para o debate e a<br />

reflexão sobre as propostas curriculares para essa modalidade de ensino.<br />

O currículo e os sentidos e propósitos da escola e da<br />

escolarização para a EJA<br />

No contexto atual da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos, se faz urgente repensar<br />

o currículo, sua funcionalidade e implicações na vida dos sujeitos que participam<br />

dessa modalidade de ensino. Por isso, discutir o papel da escolarização para esses<br />

sujeitos que não conseguiram concluir a educação básica na idade própria é um<br />

aspecto muito relevante na educação brasileira atualmente.<br />

Segundo Souza (2000, p. 165),<br />

A educação básica para todos significa dar às pessoas, independent<strong>em</strong>ente da idade, a<br />

oportunidade de desenvolver seu potencial, coletivamente ou individualmente. não é<br />

apenas um direito, mas também um dever e uma responsabilidade para com os outros e<br />

com toda a sociedade.<br />

Nesse sentido, a construção de uma educação de qualidade para os sujeitos<br />

da EJA no Brasil significa amenizar ou superar os desafios que ao longo da história<br />

marginaliza e exclui homens e mulheres, negando-lhes direitos e acesso aos bens<br />

materiais e culturais, no sentido amplo de cultura.<br />

Para tanto, faz-se necessário que o currículo para EJA tenha <strong>em</strong> sua abrangência<br />

as vivências desses sujeitos, cont<strong>em</strong>plando os anseios, necessidades e peculia-<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

71<br />

Sujeitos da EJA e<br />

o currículo


72<br />

Sujeitos da EJA e<br />

o currículo<br />

ridades dessa modalidade de ensino. Desse modo, o currículo se configurará <strong>em</strong><br />

um instrumento importante e real do processo ensino-aprendizag<strong>em</strong>, que segundo<br />

Santiago (1990, p. 50) “é compreendido como instrumento básico da organização e<br />

do funcionamento da escola e é através dele que se faz a transmissão, ampliação e<br />

apropriação do saber”.<br />

Ao refletirmos sobre a afirmação de Santiago, dev<strong>em</strong>os fazer uma análise sobre<br />

o que o currículo escolar deve refletir <strong>em</strong> relação aos propósitos da escola e<br />

da escolarização, pondo <strong>em</strong> foco questões tais como: o que e como se aprende na<br />

escola? A qu<strong>em</strong> interessa e a serviço de qu<strong>em</strong> está o que é aprendido? Como pod<strong>em</strong>os<br />

fazer para d<strong>em</strong>ocratizar o que é discutido nas escolas de forma a não excluir<br />

os conhecimentos dos diferentes segmentos sociais, s<strong>em</strong> anular identidades ou<br />

segregar saberes? que conteúdos são necessários a jovens e adultos que buscam<br />

uma escolarização tardia? Como romper com a “clausura” que a escola ainda vive<br />

<strong>em</strong> relação à dinâmica social de nossos dias? As respostas a esses questionamentos<br />

nos permit<strong>em</strong> externar conflitos e alternativas que dev<strong>em</strong> fazer parte do cotidiano<br />

de nossas escolas na construção de um currículo a partir dos dil<strong>em</strong>as da sociedade<br />

d<strong>em</strong>andados <strong>em</strong> nosso t<strong>em</strong>po. Baseando-nos na Declaração de Jomtien (in OLIVEI-<br />

RA e PAIVA, 2004, p. 9), entend<strong>em</strong>os que:<br />

(...) a escola deverá incorporar efetivamente os conhecimentos – conteúdos e competên-<br />

cias – necessários para que o indivíduo possa desenvolver-se física, afetiva, intelectual e<br />

moralmente, a fim de des<strong>em</strong>penhar-se com autonomia no âmbito político, econômico e<br />

social no seu contexto de vida.<br />

Nas últimas décadas, as transformações d<strong>em</strong>ográficas e culturais deixaram explícito<br />

o peso da diversidade, colocando-a no centro do debate e das práticas educativas.<br />

Um currículo é hoje multicultural, seja qual for o sentido que queiramos<br />

atribuir à raiz do termo cultura.<br />

O currículo multicultural cont<strong>em</strong>pla os conhecimentos, as atitudes e as competências<br />

que, numa sociedade e num certo momento, são considerados relevantes,<br />

tendo <strong>em</strong> conta as características da população escolar, as finalidades e propósitos<br />

do sist<strong>em</strong>a educativo. Ignorar essa diversidade, como variável constante na construção<br />

e realização do currículo, significa ignorar muitos daqueles saberes e atitudes,<br />

b<strong>em</strong> como o princípio da igualdade de oportunidades educativas. A razão de<br />

ser e grande finalidade da teoria e da prática de organização e desenvolvimento<br />

curricular é, e s<strong>em</strong>pre foi, a concepção e realização das melhores formas de adequar<br />

o currículo à diversidade a que se destina.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


De acordo com Sacristán (2000), o discurso dominante da pedagogia moderna,<br />

mediatizado pelo individualismo, ressalta as funções educativas relacionadas com o<br />

desenvolvimento humano, deixando de considerar, <strong>em</strong> muitos casos, a permanente<br />

função cultural da escola como finalidade essencial. Na discussão sobre a educação<br />

e a qualidade do ensino, torna-se fundamental retomar e ressaltar a relevância do<br />

currículo — recuperando a consciência do valor da escola como instituição facilitadora<br />

de cultura e buscando descobrir mecanismos através dos quais ela cumprirá<br />

tal função —, além de analisar seu conteúdo e sentido.<br />

A busca do sentido da educação escolar e das práticas que nela se realizam não<br />

será, por certo, uma preocupação restrita à <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos, porém,<br />

nela, assume uma dimensão preocupante e desafiante, uma vez que para os sujeitos<br />

da EJA a educação escolar é uma opção que ocorre na fase adulta, e é também<br />

uma luta pessoal e quase s<strong>em</strong>pre árdua que precisa, por isso, justificar-se a cada<br />

dificuldade, a cada esforço, a cada conquista. Ela é permeada e constituída por essa<br />

d<strong>em</strong>anda, que, na busca do sentido da escolarização, se coloca na EJA como indagação<br />

fundamental a todos que se envolv<strong>em</strong> com o ensino e a aprendizag<strong>em</strong><br />

dos conteúdos escolares, dos objetivos, das responsabilidades e perspectivas da<br />

educação e da escola.<br />

Currículo vivo e a prática pedagógica<br />

A relação pedagógica professor-aluno — normalmente determinada pela escola<br />

e pela prática docente – ainda está tão centrada no desenvolvimento do currículo<br />

que não ocorre de uma forma dialogada. Desse modo, a atuação profissional dos<br />

professores está condicionada pelo papel que lhes é atribuído no desenvolvimento<br />

do currículo. As construções curriculares deveriam ter efetiva participação docente e<br />

discente, a fim de se construir um currículo real, no qual os estudantes se percebam.<br />

Para tanto, os professores e alunos precisam ser encorajados e estimulados a construír<br />

e desenvolver seu próprio currículo, interagindo uns com os outros.<br />

Todo currículo traz <strong>em</strong> si uma concepção de hom<strong>em</strong>, de educação e de sociedade<br />

que será vivenciada na escola e na sala de aula; daí considerar que esse instrumento<br />

é colocado <strong>em</strong> prática <strong>em</strong> favor de alguém ou de alguma classe social.<br />

Portanto, no currículo, não há neutralidade e desinteresse, mas, inevitavelmente,<br />

relações de poder.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

73<br />

Sujeitos da EJA e<br />

o currículo


74<br />

Sujeitos da EJA e<br />

o currículo<br />

Nesse sentido, a contribuição de Freire (1996, p. 110) continua atual e relevante<br />

para um alicerce fundamental do currículo, quando diz que “ensinar exige com-<br />

preender que a educação é uma forma de intervenção no mundo”. Na perspectiva<br />

freireana, pensar o currículo é antes de tudo pensar <strong>em</strong> homens e mulheres como seres<br />

pensantes e ativos, produtores de conhecimentos humanizáveis, críticos e reflexivos<br />

que ocorr<strong>em</strong> nas relações sociais. Enfim, o sujeito é histórico-cultural, transcende<br />

ao t<strong>em</strong>po e nele estabelece relações com o conhecimento, e se apropria dele, criando<br />

possibilidades para superar os desafios de uma sociedade dominante e opressora.<br />

Segundo Giroux e McLaren (in MOREIRA e SILVA, 1999, p. 137),<br />

A voz do estudante é um desejo, nascido da biografia pessoal e da história sedimentada;<br />

é a necessidade de construir-se e afirmar-se <strong>em</strong> uma linguag<strong>em</strong> capaz de reconstruir a<br />

vida privada e conferir-lhe um significado, assim como de legitimar e confirmar a própria<br />

existência no mundo.<br />

É nessa perspectiva que deve se organizar o currículo dos sujeitos da <strong>Educação</strong><br />

de Jovens e Adultos, reconhecendo suas especificidades e peculiaridades. Assim, os<br />

objetivos do trabalho pedagógico deixariam de ser apenas os de levar aos alunos<br />

alguns conhecimentos clássicos e formais e passariam a incorporar as possibilidades<br />

de os conteúdos contribuír<strong>em</strong> para as ações concretas que os estudantes dev<strong>em</strong><br />

ser capazes de desenvolver na sua vida cotidiana.<br />

A principal preocupação do trabalho pedagógico passa a ser de saberes que<br />

contribuam para o desenvolvimento da consciência crítica, s<strong>em</strong> que isso signifique<br />

uma opção por qualquer tipo de redução, como foi e ainda é preconizada por alguns.<br />

Não se trata de minimizar conteúdos para facilitar, mas de adequar conteúdos<br />

a objetivos mais consistentes do que os da mera repetição de supostas verdades<br />

universais desvinculadas do mundo e da vida.<br />

Nesse sentido, diz Freire (1996, p. 33-34):<br />

por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina<br />

cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva <strong>em</strong> que a violência é a constante e a con-<br />

vivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida? por que não estabe-<br />

lecer uma necessária “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos<br />

e a experiência social que eles têm como indivíduos? por que não discutir as implicações<br />

políticas e ideológicas de um tal descaso dos dominantes pelas áreas pobres da cidade?<br />

Há ética de classe <strong>em</strong>butida neste descaso? porque, dirá um educador reacionariamente<br />

pragmático, a escola não t<strong>em</strong> nada que ver com isso. A escola não é partido. ela t<strong>em</strong> que<br />

ensinar os conteúdos, transferi-los aos alunos. Aprendidos, estes operam por si mesmos.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


nesse sentido, dev<strong>em</strong>os dar importância à individualidade do aluno e ao contexto social<br />

e cultural do ensino, visando promover conexões e significados pessoais no processo de<br />

aprendizag<strong>em</strong>.<br />

Nessa perspectiva, a aprendizag<strong>em</strong> cultural é um processo criativo e interativo<br />

<strong>em</strong> que interag<strong>em</strong> os que viv<strong>em</strong> a cultura com os que nasc<strong>em</strong> dentro dela, resultando<br />

<strong>em</strong> ideias, normas e valores que são similares de uma geração a outra. Assim<br />

sendo, a aprendizag<strong>em</strong> cultural é um ato de recriação por parte de cada pessoa,<br />

fundamentando-se na teoria de Vygotsky, que estabelece uma forte ligação entre<br />

o processo de desenvolvimento e de aprendizag<strong>em</strong> com o ambiente sociocultural.<br />

Ressalta-se, então, a importância de se considerar o conceito de zona de desenvolvimento<br />

proximal, situada entre aquilo que o indivíduo já sabe e consegue realizar<br />

sozinho e o que pode ser desenvolvido com a ajuda e intervenção de outros.<br />

Nesse contexto, o professor deixa de ser um mero executor de conteúdos estabelecidos<br />

pelo sist<strong>em</strong>a, as suas tomadas de decisão não se confinam à sala de aula<br />

n<strong>em</strong> o seu trabalho é individual e solitário. Ele dispõe de um espaço de iniciativas<br />

próprio <strong>em</strong> trabalhos colaborativos com seus pares, no qual a reflexão se torna a<br />

ferramenta-chave na resolução de probl<strong>em</strong>as e de situações imprevisíveis.<br />

Para Freire (1996, p. 43):<br />

A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dia-<br />

lético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. O saber que a prática docente espontânea ou<br />

quase espontânea, “desarmada”, indiscutivelmente produz é um saber ingênuo, um saber<br />

de experiência feito, a que falta a rigorosidade metódica que caracteriza a curiosidade epis-<br />

t<strong>em</strong>ológica do sujeito.<br />

A mudança da prática educativa exige luta para superar o entendimento formalista<br />

e cientificista do currículo, muito presente nas escolas brasileiras, buscando entendê-lo<br />

como oriundo de múltiplos e singulares processos e redes de conhecimentos<br />

e experiências, e requer fazer aparecer alternativas curriculares efetivas construídas<br />

cotidianamente pela interação dos sujeitos das práticas pedagógicas. Uma prática<br />

curricular consistente somente pode ser encontrada no saber dos sujeitos praticantes<br />

do currículo, sendo, portanto, s<strong>em</strong>pre tecida <strong>em</strong> todos os momentos.<br />

Nessa perspectiva, <strong>em</strong>erge uma nova compreensão de currículo. Não se fala de<br />

um produto que pode ser construído seguindo modelos preestabelecidos, mas de<br />

um processo por meio do qual os praticantes do currículo constro<strong>em</strong> e reconstro<strong>em</strong><br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

75<br />

Sujeitos da EJA e<br />

o currículo


76<br />

Sujeitos da EJA e<br />

o currículo<br />

conhecimentos, ressignificam suas experiências a partir das redes de poderes, saberes<br />

e fazeres das quais participam.<br />

Considerações finais<br />

A construção do currículo, a partir de uma perspectiva dialogada, na qual educando<br />

e educadores compartilham e vivenciam experiências, constro<strong>em</strong> e reconstro<strong>em</strong><br />

conhecimentos e saberes, implica necessariamente uma constante releitura<br />

de mundo, do conhecimento de si como sujeito constituidor de cultura, b<strong>em</strong> como<br />

do respeito às relações heterogêneas e conflituosas que permeiam a sociedade. 2<br />

Compreender essas relações exige dos profissionais da EJA papel preponderante<br />

na ação constante de reflexão e aprimoramento de sua prática, para poder proporcionar<br />

aproximação das expectativas e necessidades dos sujeitos da EJA. Para tanto, é<br />

importante compreendermos como se constitui a identidade desses sujeitos.<br />

Por isso, precisamos pensar <strong>em</strong> uma educação diferente, com uma mudança real,<br />

na qual os professores deixam o estágio estático e a resistência às transformações. O<br />

professor t<strong>em</strong> que possuir os saberes, compreendê-los, organizá-los para então ensinar,<br />

uma vez que só se constrói conhecimento ao se refletir sobre o que se ensina.<br />

Ao refletirmos sobre esta questão, observamos que ela é constituída de um movimento<br />

constante na rede de relações ativas entre os atores envolvidos no processo<br />

ensino-aprendizag<strong>em</strong>, nas negociações constantes entre diferentes experiências<br />

de vida e na interação com o mundo vivenciado fora dos muros da escola.<br />

Partindo desse contexto, pod<strong>em</strong>os definir os sentidos e propósitos da escola e<br />

da escolarização, <strong>em</strong> um mundo cada dia mais globalizado, que exige dos sujeitos<br />

da EJA o exercício pleno de cidadania, <strong>em</strong> que o aluno incorpora, ressignifica e reconstrói<br />

os conhecimentos.<br />

É nessa perspectiva que a ação pedagógica realizada pelo SESC LER trilha o seu caminho,<br />

na busca de construir um currículo no qual os atores envolvidos se percebam.<br />

2. etnia, classe social, gênero, linguag<strong>em</strong> cultural, identidade sexual, portadores de necessidades especiais, relações<br />

de produtividade – dominado e dominante.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


REFERÊNCIAS<br />

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terra, 1996.<br />

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terra, 1990.<br />

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Autêntica, 2007.<br />

SOUZA, J. F. A educação escolar, nosso fazer maior, des(a)fia o nosso saber: educação de<br />

Jovens e Adultos. recife: Bagaço, 2000.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

77<br />

Sujeitos da EJA e<br />

o currículo


<strong>Educação</strong> de Jovens<br />

e Adultos, um desafio<br />

constante<br />

Alcione Deodato de Sousa *<br />

RESUMO<br />

A formação do jov<strong>em</strong> e do adulto t<strong>em</strong> requerido,<br />

cada vez mais, um novo princípio educativo<br />

que possa desenvolver capacidades para lidar<br />

com a rapidez das mudanças na sociedade da<br />

informação. Na perspectiva de <strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos, faz-se necessário verificar<br />

alguns aspectos importantes para a efetivação<br />

dessa modalidade de ensino, entre eles o contexto<br />

sociopolítico e as funções da EJA, o perfil<br />

do educando jov<strong>em</strong> e adulto e, finalmente,<br />

a formação docente para atuar nessa modalidade.<br />

Portanto, esses são alguns dos aspectos<br />

que dev<strong>em</strong> ser levados <strong>em</strong> consideração para<br />

que a <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos possa formar<br />

cidadãos capazes de realizar seus projetos<br />

pessoais e profissionais e de exercer seu papel<br />

transformador na sociedade.<br />

PAlAVRAS-CHAVE: Funções da EJA; educação;<br />

cidadania.<br />

ABSTRACT<br />

Youth and Adult education has increasingly<br />

required a new educational principle so<br />

as to develop the skills to cope with the<br />

rapid changes in the information society.<br />

As regards Youth and Adult Education, it<br />

is necessary to examine some important<br />

aspects in order to accomplish this mode of<br />

teaching, among th<strong>em</strong>, the social-political<br />

context and the Youth and Adult Education<br />

functions, the profile of young and adult<br />

learners, and finally the teachers to be<br />

trained in this educational mode. So these<br />

are some of the el<strong>em</strong>ents that must be taken<br />

into account in order for Youth and Adult<br />

Education to develop citizens capable of<br />

carrying out their professional and personal<br />

projects and playing their transformative<br />

roles in society.<br />

KEYwords: Youth and Adult Education<br />

Functions; citizenship.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Introdução<br />

*Aluna do curso de pós-graduação <strong>em</strong> <strong>Educação</strong> Profissional Integrada à <strong>Educação</strong> Básica<br />

na modalidade <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos – proeja, do cefet-AM, e professora de Língua<br />

Portuguesa e Literatura, na modalidade EJA, do SESC-AM.<br />

Ao longo dos anos, muito se t<strong>em</strong> falado sobre políticas públicas que tenham<br />

como pr<strong>em</strong>issa a educação básica como direito de todos; ex<strong>em</strong>plos são os vários movimentos<br />

de reformas educacionais, principalmente no que se refere à <strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos. Nesse sentido, vale analisar algumas das iniciativas do governo para<br />

com os cidadãos que, por algum motivo, não concluíram a escolaridade básica.<br />

Tendo <strong>em</strong> vista que, para a classe dominante, os jovens e adultos com baixa<br />

ou nenhuma escolaridade representam perda para o mercado de trabalho, já no<br />

governo de Getúlio Vargas t<strong>em</strong>os uma tímida iniciativa <strong>em</strong> relação à EJA, quando<br />

se determina que o ensino primário para os adultos seja dever do Estado e direito<br />

do cidadão. No entanto, o próprio governo não tratou de recursos financeiros que<br />

pudess<strong>em</strong> viabilizar esse fim.<br />

Em meados dos anos 1950 e 1960, despontam os movimentos sociais voltados<br />

para a educação que visam à conscientização do cidadão de seu papel na construção<br />

da sociedade. Nesse cenário, o então presidente da República João Goulart<br />

convida o educador pernambucano Paulo Freire para coordenar o Programa Nacional<br />

de <strong>Educação</strong>. Na visão de Paulo Freire (1996), o primordial para o educando<br />

está <strong>em</strong> perceber as injustiças sociais e desenvolver uma consciência política<br />

para que possa lutar contra a exclusão social, ciente de seu papel como cidadão<br />

na construção de uma sociedade mais justa. A partir dos anos 1960, as ideias do<br />

educador, difundidas na obra <strong>Educação</strong> como prática da liberdade, inspiraram diversos<br />

programas de alfabetização e educação popular espalhados pelo país. É<br />

preciso salientar que as práticas difundidas pelo educador nortearam e continuam<br />

norteando os trabalhos <strong>em</strong> EJA até os nossos dias. Mas é somente na Constituição<br />

de 1988 que verificamos uma referência a recursos financeiros destinados a<br />

essa modalidade de ensino, isto é, a destinação de no mínimo 30% dos recursos da<br />

União para a erradicação do analfabetismo <strong>em</strong> nosso país. Com a impl<strong>em</strong>entação<br />

da Lei de Diretrizes e Bases da <strong>Educação</strong> Nacional (LDB-EN), nº 9.394/96, a <strong>Educação</strong><br />

de Jovens e Adultos passa a ser uma modalidade da <strong>Educação</strong> Básica nas etapas<br />

do Ensino Fundamental e Médio, usufruindo de uma especificidade própria que,<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

79<br />

<strong>Educação</strong><br />

de Jovens<br />

e Adultos,<br />

um desafio<br />

constante


80<br />

<strong>Educação</strong><br />

de Jovens<br />

e Adultos,<br />

um desafio<br />

constante<br />

como tal, deveria receber um tratamento consequente (Parecer CEB 11/2000, p. 26).<br />

Com isso, t<strong>em</strong>-se o Parecer da Câmara da <strong>Educação</strong> Básica, do Conselho Nacional de<br />

<strong>Educação</strong> – CNE/CEB 11/2000 –, consolidando o primeiro estatuto da EJA na história<br />

do Brasil. Esse documento, <strong>em</strong>bora marcado por algumas limitações ideológicas e<br />

políticas, representa a possibilidade de sanar uma dívida social para com aqueles<br />

que, por algum motivo, não tiveram a oportunidade de obter escolaridade de acordo<br />

com a faixa etária prevista nos aspectos legais.<br />

nessa ord<strong>em</strong> de raciocínio, a educação de Jovens e Adultos (eJA) representa uma dívida<br />

social não reparada para com os que não tiveram acesso a e n<strong>em</strong> domínio da escrita e<br />

leitura como bens sociais, na escola ou fora dela, e tenham sido a força de trabalho <strong>em</strong>pre-<br />

gada na constituição de riquezas e na elevação de obras públicas. Ser privado desse acesso<br />

é, de fato, a perda de um instrumento imprescindível para uma presença significativa na<br />

convivência social cont<strong>em</strong>porânea (parecer cne/ceB 11/2000, p. 5).<br />

Perfil do educando jov<strong>em</strong> e adulto<br />

No Brasil, há uma parcela significativa da população que, por razões econômicas,<br />

sociais e políticas, não teve assegurado pelo Estado o direito à educação básica,<br />

deixando, portanto, de concluir a escolaridade mínima necessária a que teria direito.<br />

Essa parcela, formada por jovens e adultos, geralmente associa a falta de escolaridade<br />

às dificuldades que enfrenta no mercado de trabalho. Mais tarde, retorna<br />

à escola a fim de alcançar um nível melhor diante da sociedade. É a partir desse<br />

contexto que dev<strong>em</strong>os traçar o perfil do educando jov<strong>em</strong> e adulto.<br />

Já no Parecer CEB 11/2000, t<strong>em</strong>os um retrato do educando da EJA.<br />

O importante a se considerar é que os alunos da eJA são diferentes dos alunos presentes<br />

nos anos adequados à faixa etária. São jovens e adultos, muitos deles trabalhadores, ma-<br />

duros, com larga experiência profissional ou com expectativa de (re)inserção no mercado<br />

de trabalho e com um olhar diferenciado sobre as coisas da existência (...). para eles, foi a<br />

ausência de uma escola ou a evasão da mesma que os dirigiu para um retorno n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre<br />

tardio à busca do direito ao saber. Outros são jovens provindos de estratos privilegiados e<br />

que, mesmo tendo condições financeiras, não lograram sucesso nos estudos, <strong>em</strong> geral por<br />

razões de caráter sócio-cultural (parecer ceB 11/2000, pp. 33-34).<br />

Perceb<strong>em</strong>os que esses educandos traz<strong>em</strong> consigo uma rica história de vida,<br />

marcada por experiências diversas, conhecimentos acumulados e reflexões sobre sua<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


condição social, isto é, já chegam à escola com uma bagag<strong>em</strong> considerável de saberes.<br />

Diante disso, v<strong>em</strong>os que os sujeitos da EJA formam um grupo heterogêneo do<br />

ponto de vista sociocultural. Portanto, essa modalidade de ensino precisa de um modelo<br />

pedagógico próprio, <strong>em</strong> que as situações pedagógicas satisfaçam as necessidades<br />

dos alunos, s<strong>em</strong> perder de vista a dimensão política e cultural desses educandos.<br />

Rummert (2002, p.118) aponta alguns dos objetivos e anseios do público da<br />

EJA, como alcançar um nível melhor perante a sociedade, obter conhecimentos<br />

para lutar por seus direitos e compreender melhor a vida. quanto ao primeiro objetivo,<br />

alcançar um nível melhor, entend<strong>em</strong>o-lo como a busca não só pela certificação,<br />

como também por uma profissionalização, para se adequar às exigências do<br />

mercado. Nessa visão de elevação de escolaridade com profissionalização, o Estado<br />

alterou o decreto nº 5.478, de 24/06/2005, pelo decreto nº 5.840, de 13/07/2006, <strong>em</strong><br />

que visa contribuir para a integração social desse grande contingente de cidadãos<br />

privados do direito de concluir a educação básica e de ter acesso a uma formação<br />

profissional de qualidade (MEC, SEMTEC, 200). Porém, não se pode esquecer de que<br />

a <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos deve estar pautada não apenas na questão da profissionalização,<br />

mas também na formação integral do educando, considerando seus<br />

saberes socialmente construídos, e, principalmente, no acesso dos saberes científicos,<br />

para que ele possa, criticamente, exercer seu papel de cidadão consciente e,<br />

com isso, promover uma melhor qualidade de vida.<br />

Funções da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos<br />

Como vimos, a EJA é uma modalidade de educação, na qual se apresentam especificidades<br />

e características próprias dos educandos jovens e adultos. Como b<strong>em</strong><br />

ex<strong>em</strong>plifica o Parecer CEB 11/2000 (p. 5), “uma categoria organizacional constante<br />

da estrutura da educação nacional, com finalidades e funções específicas”. Portanto,<br />

merec<strong>em</strong> destaque as funções atribuídas a essa modalidade: função reparadora,<br />

função qualificadora e função equalizadora.<br />

A função reparadora concebe o educando como um ser social e garante a ele<br />

o direito à escola de qualidade. O cidadão é tratado igualmente perante a lei; assim,<br />

não cabe distinção entre sexo, etnia, classe social, cultura etc. Um dos objetivos<br />

dessa função é amenizar as desigualdades sociais através do direito do ensino de<br />

qualidade para todo cidadão.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

81<br />

<strong>Educação</strong><br />

de Jovens<br />

e Adultos,<br />

um desafio<br />

constante


82<br />

<strong>Educação</strong><br />

de Jovens<br />

e Adultos,<br />

um desafio<br />

constante<br />

e essa é uma das funções da escola d<strong>em</strong>ocrática que, assentada no princípio da igualdade<br />

e da liberdade, é um serviço público. por ser um serviço público, por ser direito de todos e<br />

dever do estado, é obrigação deste último interferir no campo das desigualdades e, com<br />

maior razão no caso brasileiro, no terreno das hierarquias sociais, por meio de políticas pú-<br />

blicas. O acesso a esse serviço público é uma via de chegada a patamares que possibilitam<br />

maior igualdade no espaço social (parecer ceB 11/2000, p. 8).<br />

A função equalizadora pretende não somente potencializar o educando para<br />

fazer suas próprias mudanças, mas também possibilitar sua inserção no mercado de<br />

trabalho e, muitas vezes, na vida social.<br />

A reentrada no sist<strong>em</strong>a educacional dos que tiveram uma interrupção forçada, seja pela<br />

repetência ou pela evasão, seja pelas desiguais oportunidades de permanência ou outras<br />

condições adversas, deve ser saudada como uma reparação corretiva, ainda que tardia, de<br />

estruturas arcaicas, possibilitando aos indivíduos novas inserções no mundo do trabalho,<br />

na vida social, nos espaços da estética e na abertura dos canais de participação (parecer<br />

ceB 11/2000, p. 9).<br />

Ainda quanto à função equalizadora, cabe dar à EJA condições para que o indivíduo<br />

continue frequentando a escola e também criar mais vagas para esses “novos”<br />

alunos e “novas” alunas, d<strong>em</strong>andantes de uma nova oportunidade de equalização,<br />

segundo o Parecer CEB 11/2000 (p. 9).<br />

Finalmente, a função qualificadora pretende oferecer uma educação permanente<br />

e continuada para que o educando tenha possibilidade de refazer seu próprio projeto,<br />

ou seja, pretende oferecer atualização de conhecimentos para toda a vida.<br />

essa tarefa de propiciar a todos a atualização de conhecimentos por toda a vida é a função<br />

permanente da eJA, que se pode chamar de qualificadora. mais do que uma função, ela<br />

é o próprio sentido da eJA. ela t<strong>em</strong> como base o caráter incompleto do ser humano, cujo<br />

potencial de desenvolvimento e de adequação pode se atualizar <strong>em</strong> quadros escolares ou<br />

não escolares. mais do que nunca, ela é um apelo para a educação permanente e criação<br />

de uma sociedade educada para o universalismo, a solidariedade, a igualdade e a diversi-<br />

dade (parecer ceB 11/2000, p. 11).<br />

Considerando todas essas funções, faz-se necessário um comprometimento político-pedagógico<br />

expresso nos programas, nos currículos escolares e nas propostas<br />

pedagógicas, pois somente assim ter<strong>em</strong>os a formação de sujeitos críticos, capazes de<br />

tomar suas próprias decisões e, principalmente, cientes de seu papel como cidadãos.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Formação docente<br />

Depois de verificadas as especificidades, os objetivos e os anseios da <strong>Educação</strong><br />

de Jovens e Adultos, é necessário que o docente tenha pleno conhecimento de seu<br />

papel na formação de cidadãos críticos. Para tanto, é preciso uma formação adequada<br />

para se trabalhar no campo da EJA. Como argumenta Aguiar (2008/2009, p.<br />

48), o educador de jovens e adultos precisa ter presente que está trabalhando com<br />

pessoas que têm uma história de vida diferenciada, portadores e portadoras de conhecimentos<br />

específicos. Daí a preocupação com a formação de profissionais que<br />

irão exercer funções que mediarão a apreensão e construção crítica do saber, não<br />

somente a transmissão do conhecimento de forma passiva e inquestionável.<br />

muitos desses jovens e adultos se encontram, por vezes, <strong>em</strong> faixas etárias próximas às dos<br />

docentes. por isso, os docentes deverão se preparar e se qualificar para a constituição de<br />

projetos pedagógicos que consider<strong>em</strong> modelos apropriados a essas características e ex-<br />

pectativas. (parecer ceB 11/2000, p.57).<br />

Para o professor dessa modalidade é preciso conhecer e priorizar o contexto<br />

real do educando, s<strong>em</strong> esquecer que a educação se faz pela interação dos conhecimentos<br />

do professor e do aluno e, com base nessa realidade, construir um projeto<br />

pedagógico adequado que possa atender às necessidades dos alunos.<br />

Como b<strong>em</strong> observa Rummert (2002, p. 123), a EJA, para atender às funções que<br />

lhe são atribuídas, requer profissionais com formação específica. Por isso, ao reportar-se<br />

ao trabalho docente, ela afirma:<br />

A realidade, no entanto, d<strong>em</strong>onstra claramente ser necessário a atuação de profissionais<br />

capacitados a formular e desenvolver ações e projetos pedagógicos que atendam às múl-<br />

tiplas peculiaridades dessa modalidade de educação, e que cont<strong>em</strong>pl<strong>em</strong> as características<br />

cognitivas e afetivas dos jovens e adultos trabalhadores que buscam, na escola, uma signifi-<br />

cação social para as suas práticas, suas vivências e seus saberes, assim como a possibilidade<br />

de concretização de diferentes sonhos que, o mais das vezes, voltam-se para a superação<br />

de suas adversas condições de vida (rUmmert, 2002, p. 124).<br />

Na verdade, ainda são escassas as políticas públicas <strong>em</strong> relação à formação do<br />

docente. Como ex<strong>em</strong>plo, t<strong>em</strong>os a ausência de concursos públicos para a modalidade,<br />

pouco material de pesquisa na área, raras oportunidades de cursos, entre eles,<br />

especialização, mestrado e doutorado que cont<strong>em</strong>pl<strong>em</strong> a EJA.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

83<br />

<strong>Educação</strong><br />

de Jovens<br />

e Adultos,<br />

um desafio<br />

constante


84<br />

<strong>Educação</strong><br />

de Jovens<br />

e Adultos,<br />

um desafio<br />

constante<br />

Considerações finais<br />

Com suas potencialidades e fragilidades, a <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos t<strong>em</strong><br />

uma história feita de muita luta para que possa se consolidar efetivamente como<br />

uma modalidade de ensino capaz de contribuir para a formação de uma sociedade<br />

mais justa, solidária e, principalmente, igualitária.<br />

Dessa forma, com base nos estudos aqui postos, a EJA não deve abandonar<br />

seu caráter desafiador quanto à formação de um currículo que deve possibilitar um<br />

espaço d<strong>em</strong>ocrático de conhecimento para o educando, pois, nas palavras de Paulo<br />

Freire (1996), “educar para a vida requer um olhar que se projete para fora da escola<br />

e para o futuro”. Pois somente assim ter<strong>em</strong>os uma educação pautada no exercício<br />

da cidadania e sua qualificação para o trabalho.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


REFERÊNCIAS<br />

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ciAVAttA, m. (Org.). A experiência do trabalho e a educação básica. Rio de Janeiro: Dp&A, 2002.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

85<br />

<strong>Educação</strong><br />

de Jovens<br />

e Adultos,<br />

um desafio<br />

constante


As diretrizes curriculares<br />

da <strong>Educação</strong> de Jovens<br />

e Adultos e o currículo<br />

Marta Maria Araújo Pereira *<br />

RESUMO<br />

Este artigo t<strong>em</strong> como objetivo tecer considerações<br />

acerca do currículo posto <strong>em</strong> prática<br />

cotidianamente na sala de aula e a relação de<br />

docentes e discentes com o conhecimento expresso<br />

e corporificado no currículo. Abordamse<br />

alguns pontos da reflexão curricular cont<strong>em</strong>porânea<br />

no que se refere ao estudo de novas<br />

formas de organização curricular destinadas<br />

à <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos. Discut<strong>em</strong>se,<br />

ainda, algumas concepções de currículo e<br />

seus fundamentos para chegar à proposição<br />

de um debate sobre as possibilidades de novos<br />

desenhos curriculares que possam ser mais<br />

adequados aos nossos alunos da EJA do que as<br />

propostas tradicionais, b<strong>em</strong> como a relação do<br />

professor na construção dos conhecimentos na<br />

<strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos.<br />

PAlAVRAS-CHAVE: Currículos praticados;<br />

organização curricular na EJA; formação e<br />

prática de educadores da EJA.<br />

ABSTRACT<br />

This article aims to make considerations<br />

about the curriculum impl<strong>em</strong>ented in<br />

the classroom daily and the relationship<br />

between teachers and students with the<br />

knowledge expressed and <strong>em</strong>bodied in the<br />

curriculum. It deals with some points of<br />

reflection on cont<strong>em</strong>porary curriculum as<br />

regards the study of new forms of curriculum<br />

organization for Youth and Adult Education.<br />

It also discusses some conceptions of<br />

curriculum and its fundamentals in order<br />

to reach the proposition of a debate on the<br />

possibilities of new curriculum designs that<br />

may be more suitable to our Youth and Adult<br />

Education students than the traditional<br />

proposals, as well as the involv<strong>em</strong>ent of the<br />

teachers in the construction of knowledge in<br />

Youth and Adult Education.<br />

KEYwords: Curricula practiced;<br />

Youth and Adult Education Curriculum<br />

organization; training and practice of Youth<br />

and Adult Education teachers.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Introdução<br />

O objetivo deste texto é contribuir com o debate a respeito da EJA e das especificidades<br />

que as atuais políticas lhe atribu<strong>em</strong>. Assim, o texto aborda alguns pontos<br />

da reflexão curricular que pod<strong>em</strong> contribuir para o debate. Inicialmente, abordamos<br />

a Constituição Federal, por considerá-la fundamental para nos situarmos na<br />

discussão. Em seguida, abordamos as práticas curriculares, a maneira como entend<strong>em</strong>os<br />

os processos de organização desses conhecimentos e algumas concepções<br />

de currículo, para finalmente discutirmos o papel do professor na construção desses<br />

conhecimentos. Entend<strong>em</strong>os que trabalhar com alunos jovens e adultos suscita<br />

para os professores trabalhar com diferentes necessidades de aprendizag<strong>em</strong> e expectativas,<br />

incluindo os níveis socioculturais, b<strong>em</strong> como saber lidar com o conflito<br />

gerado por um currículo prescrito e por aquele que é posto na prática escolar.<br />

Infelizmente as iniciativas governamentais vêm tratando a <strong>Educação</strong> de Jovens<br />

e Adultos s<strong>em</strong>pre sob a perspectiva das campanhas de combate ao analfabetismo.<br />

Essas atitudes, somadas à incapacidade de a escola pública possibilitar o acesso<br />

ao conhecimento da população por ela atendida, têm resultado no abandono dos<br />

estudos por parte dos alunos e, consequent<strong>em</strong>ente, na evasão da escola regular.<br />

Nesse contexto cultural, surg<strong>em</strong> os jovens excluídos, não mais identificados como<br />

analfabetos, mas como pessoas que interromperam o seu processo escolar gerando,<br />

assim, a clientela dos programas de EJA.<br />

Um pouco de história<br />

* Formada <strong>em</strong> Pedagogia, pós-graduada <strong>em</strong> Psicopedagogia Clínica e Institucional,<br />

Coordenação Pedagógica e Administração Escolar. Coordenadora pedagógica do SESC<br />

LER – Departamento Regional do Ceará.<br />

Foi a partir de 1943, com a anunciada red<strong>em</strong>ocratização, que ocorreram as primeiras<br />

mobilizações <strong>em</strong> torno da educação de adultos, segundo Paiva (1983, p. 165-175).<br />

A <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos no Brasil t<strong>em</strong> sido um t<strong>em</strong>a polêmico desde que<br />

começou a ser pensada <strong>em</strong> suas especificidades <strong>em</strong> relação ao ensino regular. A EJA<br />

tinha uma perspectiva prioritariamente voltada para a alfabetização numa visão compensatória,<br />

na qual o objetivo de alfabetizar não se fazia acompanhar de um reconhe-<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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As diretrizes<br />

curriculares da<br />

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e o currículo


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<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos<br />

e o currículo<br />

cimento das especificidades dos alfabetizandos. As necessidades e possibilidades<br />

desses educandos exigiam o desenvolvimento de propostas adequadas a elas.<br />

esses sujeitos que buscam a escola, tardiamente, para se alfabetizar, apresentam inúmeras<br />

características que os diferencia das crianças, tais como: ultrapassam a idade de escolariza-<br />

ção formal estabelecida pelas legislações educacionais; estão inseridos no sist<strong>em</strong>a produti-<br />

vo (ou t<strong>em</strong>porariamente fora dele), são os responsáveis pela produção dos bens materiais,<br />

mas são excluídos da participação desses bens. representam, hoje, <strong>em</strong> algumas regiões<br />

do Brasil, da América latina e de todos os países que compõ<strong>em</strong> o considerado terceiro<br />

mundo, quase metade da população. e são um contingente tendencialmente crescente,<br />

a prevalecer<strong>em</strong> as atuais políticas e práticas educativas, produtoras de fracasso e exclusão<br />

escolar (mOUrA, 2003, p. 116-117).<br />

No plano das políticas, o combate ao analfabetismo no país nunca foi assumido<br />

com seriedade. Ele se reduz, quase s<strong>em</strong>pre, a campanhas montadas por governos<br />

mais preocupados com resultados estatísticos do que propriamente com a qualidade<br />

da educação que é destinada ao adulto. Presume-se, portanto, que a alfabetização<br />

de adultos é s<strong>em</strong>pre uma tarefa de menor importância.<br />

A Constituição Federal de 1988 estendeu o direito ao Ensino Fundamental aos<br />

cidadãos de todas as faixas etárias, o que nos estabelece o imperativo de ampliar as<br />

oportunidades educacionais para aqueles que não tiveram a oportunidade de frequentar<br />

ou de permanecer na escola. Além da extensão, a qualificação pedagógica<br />

de programas de <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos é uma exigência de justiça social,<br />

para que a ampliação das oportunidades educacionais não se reduza a uma ilusão<br />

e a escolarização tardia de milhares de cidadãos não se configure como mais uma<br />

experiência de fracasso e exclusão.<br />

Respaldada pelos avanços alcançados na Constituição Federal de 1988, no Artigo<br />

208, que garante a educação a todos aqueles que a ela não tiveram acesso, independent<strong>em</strong>ente<br />

da faixa etária, e, posteriormente, pela Lei n° 9394/96, especialmente<br />

nos seus Artigos 37 e 38, a EJA passou a ser uma modalidade da educação<br />

básica nas etapas do Ensino Fundamental e Médio.<br />

No tocante ao atendimento de jovens e adultos, no âmbito educacional, a referida<br />

lei intitula a Seção V, que trata da questão da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos.<br />

Nessa Seção, prescreve que os sist<strong>em</strong>as de ensino assegurarão gratuitamente na<br />

infância oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


do seu alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos<br />

e exames.<br />

Não se trata mais de suprir a escolaridade regular, mas oferecer oportunidades<br />

educacionais apropriadas. Há uma mudança de concepção que se aprofunda quando<br />

a lei estabelece que é dever do Poder Público estimular o acesso e a permanência<br />

do trabalhador na escola, mediante ações integradas e compl<strong>em</strong>entares entre si.<br />

Com isso, muito se t<strong>em</strong> discutido sobre a EJA e, para este fim, o MEC organizou<br />

audiências públicas com o objetivo de esclarecer todas as dúvidas surgidas. No entanto,<br />

apesar de todas as discussões e esclarecimentos, muitas pessoas continuam<br />

não tendo acesso à leitura e à escrita, ou receb<strong>em</strong> uma educação precária que não<br />

as torna autônomas para fazer<strong>em</strong> uso social da leitura e escrita apreendidas, ocasionando<br />

repetência, reprovação e desistência dos alunos, mantendo adolescentes,<br />

jovens e adultos s<strong>em</strong> o direito à escolaridade.<br />

Um marco importante para a <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos foi a V Conferência<br />

Internacional sobre a EJA (V Confintea), realizada <strong>em</strong> julho de 1997, <strong>em</strong> Hamburgo, na<br />

Al<strong>em</strong>anha, que, entre outros objetivos, manifestou a importância da educação ao longo<br />

da vida. Nela há um trecho que diz: “A <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos é, ao mesmo<br />

t<strong>em</strong>po, consequência da cidadania ativa e condição de plena e inteira participação na<br />

vida da sociedade. 1 ” Ou seja, a Declaração de Hamburgo reafirma o caráter permanente<br />

da educação. O grande desafio, hoje, é fazer com que a sociedade oportunize a todos o<br />

direito de viver de forma decente, como cidadãos e cidadãs do Brasil e do mundo.<br />

A educação t<strong>em</strong>, a princípio, a finalidade de promover mudanças desejáveis e<br />

relativamente permanentes nos indivíduos, para que estas venham favorecer o desenvolvimento<br />

integral do hom<strong>em</strong> e da sociedade. A educação deve atingir a vida<br />

das pessoas e da coletividade <strong>em</strong> todos os âmbitos, visando à expansão dos horizontes<br />

pessoais, o desenvolvimento biopsicossocial do sujeito, além da observação<br />

das dimensões econômicas e o fortalecimento de uma visão mais participativa, crítica<br />

e reflexiva dos grupos nas decisões dos assuntos que lhes diz<strong>em</strong> respeito.<br />

Assim, a <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos deve ser entendida de modo a promover<br />

a formação cidadã, a pluralidade cultural, a inovação tecnológica, a contextualização<br />

curricular e a formação integral de indivíduos capazes de decidir sobre suas<br />

1. conferência internacional sobre a educação de Jovens e Adultos, 1997.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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vidas, ascender social e individualmente, adaptar-se a novos contextos, participar<br />

da tomada de decisões de políticas públicas, crescer <strong>em</strong> liberdade de autoconsciência<br />

com os outros, com vistas a uma sociedade mais justa e igualitária.<br />

Dev<strong>em</strong>os pensar na reorganização curricular não somente como estratégias<br />

para favorecer o ensino-aprendizag<strong>em</strong>, mas como políticas educativas e culturais,<br />

que permitam a reorganização dos espaços e t<strong>em</strong>pos de compartilhamento de saberes<br />

e ampli<strong>em</strong> a experiência social pública e o direito de todos às riquezas materiais<br />

e espirituais das cidades. O desafio é organizar currículos flexíveis capazes<br />

de comunicar e fazer sentido para os sujeitos concretos da EJA, entendendo suas<br />

necessidades e potencialidades.<br />

As propostas curriculares<br />

Sobre esse assunto, o que perceb<strong>em</strong>os é que os critérios e modos de seleção e<br />

organização curricular não buscam dialogar com os saberes n<strong>em</strong> com os desejos e<br />

expectativas dos jovens a que se destinam. Não segu<strong>em</strong> a complexidade do estar<br />

no mundo, da vida cotidiana e das aprendizagens que nela ocorr<strong>em</strong>. Percebo que<br />

a vida real na maioria das escolas, sejam elas de crianças, de jovens ou de adultos,<br />

ainda não incorpora as experiências, saberes e possibilidades dos sujeitos envolvidos<br />

na prática cotidiana do ensinar/aprender.<br />

Assim, diante do que se discute sobre a EJA, reconheço que a escola não oferece<br />

um currículo atraente que vá ao encontro dos interesses dos alunos. Acreditamos<br />

que para minimizar os probl<strong>em</strong>as do sist<strong>em</strong>a educacional é preciso pensar <strong>em</strong><br />

uma educação que configure os espaços educativos como lugares de participação<br />

sociocultural, destacando tanto o protagonismo e autonomia do sujeito da aprendizag<strong>em</strong><br />

como o papel do educador como agente de mudanças.<br />

Mas, para isso, se faz necessário aplicar um currículo crítico, d<strong>em</strong>ocrático e transformador,<br />

que tenha como ponto de partida as experiências de vida dos alunos na<br />

construção de novos saberes, desenvolvendo a formação de jovens e adultos nas<br />

dimensões da vida tais como: cognitiva, afetiva, ética, cultural, estética e política.<br />

(...) o currículo t<strong>em</strong> significados que vão muito além daqueles aos quais as teorias tradicio-<br />

nais nos confirmam. O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O<br />

currículo é trajetória, viag<strong>em</strong>, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum<br />

vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O<br />

currículo é documento de identidade (SilVA, 2007, p. 150).<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Um currículo para a EJA deve ser flexível, diversificado e participativo, definido<br />

a partir da compreensão de que as mudanças do mundo atual exig<strong>em</strong> que se<br />

compreenda melhor a sociedade para nela atuar de maneira crítica, responsável e<br />

transformadora.<br />

O currículo precisa ser visto e estudado como um processo complexo e contínuo<br />

de planejamento ambiental.<br />

Assim o currículo não é pensado como uma ‘coisa’, como um programa ou cursos de estu-<br />

dos. ele é considerado como um ambiente simbólico, material e humano que é constan-<br />

t<strong>em</strong>ente reconstruído. este processo de planejamento envolve não apenas o técnico, mas<br />

o estético, o ético e o político, se quisermos que ele responda plenamente tanto ao nível<br />

pessoal quanto social (Apple, 1999, p. 210).<br />

O conceito de currículo como um ambiente simbólico nos permite vê-lo como<br />

um espaço que envolve noções relativas a conhecimento e cultura e direciona nosso<br />

olhar para aspectos não tão explícitos desses dois el<strong>em</strong>entos.<br />

O objetivo é promover a interação entre os sujeitos e a construção da cidadania,<br />

numa escola <strong>em</strong> que toda a organização esteja a serviço da aprendizag<strong>em</strong>, para<br />

que todos possam desenvolver ao máximo suas capacidades, transformando, assim,<br />

s<strong>em</strong> sombra de dúvida, o seu entorno.<br />

A educação deve garantir a aquisição daquelas habilidades e conhecimentos<br />

necessários para o desenvolvimento na sociedade atual, assegurando às pessoas<br />

adultas s<strong>em</strong> uma escolarização primária uma educação que lhes seja útil, que lhes<br />

sirva, sobretudo, para poder atuar na sociedade da informação.<br />

A ideia é que a escola respeite o perfil cultural do aluno jov<strong>em</strong> e do aluno adulto,<br />

permitindo-lhes o aproveitamento de suas experiências e assegurando-lhes a<br />

vivência de processos que construam sua autoaprendizag<strong>em</strong> como forma de conferir-lhes<br />

meios adequados para a superação da escolarização que não ocorreu. A<br />

concepção passa a ser de formação continuada a partir do horizonte social e espaço-t<strong>em</strong>poral<br />

desse educando.<br />

A organização metodológica organizada pelo professor deve partir do conhecimento<br />

que os alunos e alunas traz<strong>em</strong> de suas experiências, incorporando a esse<br />

trabalho organizativo o saber sist<strong>em</strong>atizado das diversas áreas do conhecimento.<br />

Assim, nasce uma proposta educacional baseada <strong>em</strong> princípios d<strong>em</strong>ocráticos, na<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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<strong>Educação</strong> de<br />

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e o currículo<br />

qual o currículo é construído com o intuito de viabilizar uma aprendizag<strong>em</strong> significativa,<br />

<strong>em</strong> que a cultura, o saber e as experiências de vida, o trabalho e a luta social<br />

estejam articulados com o saber acadêmico das várias áreas de conhecimento. Portanto,<br />

o processo de ensino-aprendizag<strong>em</strong> não funciona como instrumento de desvelamento<br />

da realidade e de construção de novos cenários sociais se tal proposta<br />

não considerar a educação como um ato político, tal como considera Paulo Freire, e<br />

por conseguinte, não possibilitar aos envolvidos o reconhecimento técnico, político<br />

e ético de seu papel.<br />

O educando é sujeito de sua história, pensa sua realidade e t<strong>em</strong> direito de conhecer<br />

e transformar com autonomia o t<strong>em</strong>po e o espaço no qual está inserido.<br />

Esse sujeito precisa conhecer o saber sist<strong>em</strong>atizado para não ser por meio dele dominado.<br />

O educando deve conhecer a arte e a filosofia, as ciências e a cultura da<br />

humanidade para afirmar sua cultura e sua arte. Deve conhecer sua história e se<br />

assumir enquanto sujeito que faz história. O currículo não deve estar organizado<br />

<strong>em</strong> torno das disciplinas como costuma ser feito na escola tradicional.<br />

É buscando compreender a realidade do educando, as suas contradições básicas,<br />

sua situação existencial, concreta, presente, que são probl<strong>em</strong>as e desafiam<br />

soluções e exig<strong>em</strong> respostas, tanto <strong>em</strong> nível prático como teórico, que se inaugura<br />

o diálogo libertador. A pesquisa da realidade do aluno possibilita ao educador<br />

apropriar-se da cultura, dos saberes e da filosofia da comunidade escolar.<br />

Portanto, um currículo relevante é propício a melhores resultados de aprendizag<strong>em</strong>,<br />

devendo respeitar as d<strong>em</strong>andas dos alunos <strong>em</strong> suas diferentes circunstâncias.<br />

É necessário que se tenha sensibilidade à experiência cultural do aluno adulto,<br />

à sua língua e à sua experiência de vida.<br />

De acordo com Brandão (1986), a via regular da inserção dos saberes — os acadêmicos<br />

e todos os outros — se dá pela curricularização. A escola t<strong>em</strong> que se conscientizar<br />

da tarefa e atualizar-se sobre os saberes que ela não pode mais conhecer,<br />

pois estes estão no cotidiano do qual se isolou. Só através da reinserção dos valores<br />

do “outro”, dos saberes do cotidiano do “outro”, renasce a expectativa de aplicação da<br />

teoria que possa privilegiar a ampliação da presença do ser nas práticas curriculares.<br />

O currículo de uma instituição também não pode ser pensado de forma estática,<br />

pois da mesma forma que o educando é por ele influenciado, enquanto recebe<br />

novos conhecimentos, também o próprio currículo é influenciado por qu<strong>em</strong> “passa”<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


pela instituição, contribuindo para a sua atualização e reformulação. Há com certeza<br />

os currículos que sofr<strong>em</strong> essas influências de forma mais tranquila por ser<strong>em</strong><br />

mais flexíveis, porém há outros que traz<strong>em</strong> uma perspectiva mais tradicional e são,<br />

portanto, mais fechados a essas mudanças. Isso não quer dizer que as mudanças<br />

não ocorram, apenas que são menos intensas.<br />

Apesar de o currículo ser pensado buscando abranger as perspectivas específicas<br />

da aprendizag<strong>em</strong> do educando para uma formação <strong>em</strong> uma dada instituição,<br />

ele sofre as influências de uma vasta rede de relações com a qual o aprendente t<strong>em</strong><br />

contato direto ou indireto e que também influencia na sua formação, e isso acontece<br />

de forma muito natural. São contatos com outras instituições, outras famílias,<br />

outras pessoas, com a diversidade.<br />

Esse é o ponto que garante as diferentes formas de agir, as diferentes atitudes<br />

tomadas, muitas vezes por educandos que, apesar de formados por uma mesma<br />

instituição, passam a ter práticas diferentes, mais tarde, no mundo do trabalho, nas<br />

suas relações com os outros.<br />

Atualmente, os profissionais da escola têm procurado constituí-la como um espaço<br />

de práticas e de reflexão, visando ao desenvolvimento integral dos sujeitos<br />

sociais matriculados nessa modalidade de ensino, considerando as suas particularidades<br />

de faixa etária e de população que ficou fora da escola.<br />

Formação e prática de educadores da EJA<br />

As instituições de ensino muito têm se preocupado com a formação profissional<br />

docente, pois a qualidade do ensino depende praticamente da relação entre<br />

professor-aluno e das competências e habilidades que o educador obtém durante<br />

sua formação docente.<br />

Percebo, portanto, que o professor precisa ser pesquisador <strong>em</strong> relação à sua<br />

prática educativa, envolvendo desse modo teoria e prática. O educador precisa desenvolver<br />

uma prática pedagógica crítico-reflexiva, a fim de orientar seus educandos<br />

por meio de uma didática que os eduque pela pesquisa, além de analisar o<br />

contexto histórico, social e político de seus alunos, auxiliando-os a construir uma<br />

sociedade mais justa e igualitária. O conceito de <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos se<br />

move na medida <strong>em</strong> que a realidade faz algumas exigências <strong>em</strong> relação à sensibili-<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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dade e à competência dos educadores. Isso pode ser observado no seguinte argumento<br />

de Gadotti (2001, p. 65).<br />

pela educação, quer<strong>em</strong>os mudar o mundo, a começar pela sala de aula, pois as grandes<br />

transformações não se dão apenas como resultantes dos grandes gestos, mas de iniciativas<br />

cotidianas, simples e persistentes.<br />

Percebe-se, no entanto, que o educador de jovens e adultos constrói o seu saber<br />

alicerçado <strong>em</strong> relações históricas, convicções e compromissos por meio da inserção<br />

do professor na sociedade cont<strong>em</strong>porânea, abordando todas as dimensões<br />

na sua função de educador.<br />

O educador da EJA precisa estar preparado para fazer do espaço da sala de aula<br />

um espaço da construção coletiva, <strong>em</strong> que a pesquisa, como princípio educativo e<br />

pedagógico, contribua para a construção da aprendizag<strong>em</strong> significativa dos educandos,<br />

estando atento às necessidades e características do grupo de acordo com<br />

a realidade escolar e a vivência de cada educando. É necessário que o professor<br />

valorize a experiência de cada um, integrando-os à vida escolar, ampliando assim o<br />

universo cultural por meio da socialização. Nesse sentido, Freire (2003, p.137) colabora<br />

com a seguinte reflexão.<br />

como ensinar, como formar s<strong>em</strong> estar aberto ao contorno geográfico, social, dos educan-<br />

dos? [...] preciso, agora, saber ou abrir-me à realidade desses alunos com qu<strong>em</strong> partilho<br />

a minha atividade pedagógica. preciso tornar-me, se não absolutamente íntimo de sua<br />

forma de estar sendo, no mínimo, menos estranho e distante dela.<br />

A formação do professor para EJA é uma prática de conhecimento que visa à aquisição<br />

de uma proposta pedagógica pautada no diálogo, no questionamento e na compreensão<br />

da realidade que nos conduz à busca de novas propostas coletivas de mudanças,<br />

<strong>em</strong> que o conhecimento deve ser apresentado como uma construção social.<br />

Dessa forma, um desafio que se apresenta para os educadores da modalidade<br />

de EJA é a elaboração de referenciais curriculares básicos, contextualizados com as<br />

exigências do mundo cont<strong>em</strong>porâneo, tendo como parâmetros as capacidades, as<br />

competências e as habilidades que se pretende que os jovens e os adultos cons-<br />

truam e desenvolvam. Esses parâmetros são também indicadores para guiar a organização,<br />

a natureza e a seleção de conteúdos das diferentes áreas do conhecimento.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Trabalhar nessa perspectiva exige um maior controle e valorização do estudo<br />

das disciplinas que passam a ser consideradas como recursos que ganham sentido<br />

<strong>em</strong> relação às capacidades que se deseja que os alunos desenvolvam.<br />

Nos espaços da EJA, os sujeitos são múltiplos. É preciso estar atento para as trajetórias<br />

de vida, que s<strong>em</strong>pre são singulares. O desafio do conhecimento, na EJA,<br />

não pode estar limitado àquilo que os alunos e alunas dev<strong>em</strong> aprender, mas também<br />

voltado para que educadores e educadoras aprofund<strong>em</strong> seus conhecimentos,<br />

como sujeitos da aprendizag<strong>em</strong>.<br />

A prática educativa, segundo Paulo Freire, não é neutra, pois qualquer que seja<br />

a postura do educador, ela será o reflexo de sua posição política, seja ela de neutralidade,<br />

de concordância, de pragmatismo, seja ela de luta, de não acomodação, de<br />

progressismo.<br />

Formar profissionais para lidar com as diferentes realidades, valorizando as diversidades,<br />

é um desafio. Formar o cidadão não é tarefa exclusiva da escola, assim<br />

como a formação dos profissionais da educação não será a solução para as mudanças<br />

que precisam ser efetivadas na escola. No entanto, a escola t<strong>em</strong> grande responsabilidade<br />

e um papel a des<strong>em</strong>penhar na formação e nas mudanças que precisam<br />

se efetivar na realidade social dos educandos.<br />

Barreto (2006, p. 78) nos instiga a pensar a respeito da prática como fundamental<br />

nos processos de formação. Sobre isso a autora afirma que, “quando a formação<br />

não altera a teoria [as representações] do educador, ela pode mudar o que ele diz,<br />

s<strong>em</strong>, entretanto, mudar o que ele faz”, 2 e nisso consiste a importância da formação<br />

permanente.<br />

Dessa forma, considerando a diversidade de seu público e as particularidades<br />

de t<strong>em</strong>pos e de espaços que a EJA apresenta, o educador do aluno jov<strong>em</strong> e adulto<br />

deve refletir crítica e sist<strong>em</strong>aticamente acerca de suas ações educativas. Segundo<br />

Borges (2006), é a partir dessa “reflexão-ação” que o professor terá condições de<br />

produzir alternativas que ajudarão na “superação das dificuldades apresentadas<br />

pelas dinâmicas e diversidades que <strong>em</strong>erg<strong>em</strong> das relações que se estabelec<strong>em</strong> na<br />

EJA”. Contudo, Barreto (2006) chama atenção para o fato de ser “raro, <strong>em</strong> menos de<br />

um ano, o educador conseguir assimilar a prática de refletir sobre sua prática”.<br />

2. A professora fez a referida afirmação durante o debate da mesa sobre Formação de educadores de Jovens e<br />

Adultos.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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Acredito que o educador do aluno jov<strong>em</strong> e adulto deve tomar consciência da<br />

atual situação da EJA. É necessário também que o profissional da EJA tenha uma<br />

formação <strong>em</strong> teorias pedagógicas sobre a juventude e a vida adulta, a fim de conhecer<br />

e perceber o seu aluno enquanto sujeito de direitos e respeitando seus saberes<br />

e sua realidade.<br />

Considerações finais<br />

Assim, diante dos t<strong>em</strong>as aqui abordados, espero que os envolvidos com a EJA<br />

compreendam que uma grande parcela da população brasileira ainda está sendo<br />

excluída de exercer plenamente sua cidadania por não ter acesso ao ensino fundamental<br />

e quando o t<strong>em</strong>, não desenvolve uma permanência com sucesso. São<br />

pessoas furtadas do direito à escolaridade.<br />

Entendo que as instituições educativas precisam preparar-se para atender aos<br />

adultos que desejam aprender, educar-se e reeducar-se, mesmo na mais avançada<br />

idade, e, para alcançar essa meta, faz-se necessária uma metodologia de ensino especial<br />

que atenda às expectativas desses sujeitos.<br />

Por meio destas reflexões posso considerar que o educador precisa deixar marcas<br />

significativas e atuar como referência na vida dos seus educandos; ser um diferencial<br />

para os alunos que, mesmo possuindo anos de experiência e tendo adquirido<br />

algum conhecimento de vida, não possu<strong>em</strong>, na sua maioria, uma visão crítica<br />

sobre a realidade na qual estão inseridos, não sendo capazes de reivindicar seus<br />

direitos e cumprir seus deveres como cidadãos pertencentes a uma sociedade.<br />

Assim concluo este texto, percebendo que a escola e os d<strong>em</strong>ais espaços educativos<br />

da EJA se configuram como oportunidades de construção de relações humanas<br />

significativas, tanto para os educandos como para os educadores que acreditam<br />

que a EJA possa ser uma experiência b<strong>em</strong>-sucedida para todos que a procuram.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


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<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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Jovens e Adultos<br />

e o currículo


Reconhecer as<br />

necessidades do<br />

educando para<br />

qualificar o currículo<br />

Christiana Diniz Lopes *<br />

RESUMO<br />

Este artigo discute a necessidade de um currículo<br />

específico para a <strong>Educação</strong> de Jovens<br />

e Adultos, abordando duas questões muito<br />

importantes para a construção do currículo:<br />

a heterogeneidade na EJA e as questões do<br />

mundo do trabalho. Analisa como esse grupo<br />

heterogêneo e suas especificidades permeiam<br />

o universo escolar, como são atendidos e o que<br />

desejam dentro de uma perspectiva de escolarização<br />

e profissionalização.<br />

PAlAVRAS-CHAVE: <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos;<br />

heterogeneidade; diversidade cultural.<br />

ABSTRACT: This article discusses the need<br />

for a specific Youth and Adult Education<br />

curriculum, addressing two very important<br />

issues in order to design the curriculum:<br />

Youth and Adult Education heterogeneity<br />

and workplace issues. It analyzes how this<br />

heterogeneous group and its specificities<br />

permeate the school environment, how it<br />

is treated and what its objectives within a<br />

perspective of education and vocational<br />

training.<br />

KEYwords: Youth and Adult Education;<br />

heterogeneity; cultural diversity.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Introdução<br />

* Pedagoga graduada pela Universidade Estácio de Sá. Estagiária da Gerência de Educa-<br />

ção e Ação Social do SESC - Departamento Nacional, no exercício de 2008.<br />

A intenção de realizar este estudo decorre de uma preocupação <strong>em</strong> torno da<br />

realidade atual <strong>em</strong> que se encontra a organização curricular da <strong>Educação</strong> Básica de<br />

Jovens e Adultos <strong>em</strong> nossa sociedade, <strong>em</strong> que não há políticas públicas específicas<br />

para a EJA, que possui um público heterogêneo e envolvido num universo cultural<br />

diversificado.<br />

Para a elaboração de um currículo mais adequado para a construção de um<br />

conhecimento de qualidade, faz-se necessário probl<strong>em</strong>atizar algumas questões<br />

expressas nestes dois t<strong>em</strong>as: a heterogeneidade na EJA e as questões do mundo<br />

do trabalho.<br />

A primeira questão está relacionada às especificidades da EJA, que é formada<br />

por um grupo heterogêneo e de múltiplas culturas. Nesse universo cultural, a sala<br />

de aula se torna um desafio para o educador, cujo trabalho busca o oposto, ou seja,<br />

a homogeneidade desse grupo, baseando-se <strong>em</strong> um currículo elaborado s<strong>em</strong> levar<br />

<strong>em</strong> conta essas especificidades.<br />

As diversas culturas trazidas pelos alunos precisam ser integradas aos conhecimentos<br />

oferecidos pela escola e, a partir da pluralidade de experiências, deve-se<br />

elaborar um currículo que seja um fator de enriquecimento no processo cognitivo.<br />

Uma educação de qualidade reconhece as reais necessidades de sua clientela, sua<br />

historicidade, o contexto <strong>em</strong> que se encontra e os objetivos almejados por ela.<br />

A segunda questão está relacionada ao mundo do trabalho, fator importante<br />

para um número expressivo de alunos da EJA, que vive um momento de competitividade,<br />

qualificação profissional e maior nível de escolarização. Esses el<strong>em</strong>entos são<br />

obstáculos a ser<strong>em</strong> vencidos pelos jovens e adultos no mercado de trabalho, que<br />

buscam na educação a ferramenta para vencer suas dificuldades e necessidades, e,<br />

mais que isso, o seu lugar no mercado.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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necessidades<br />

do educando<br />

para qualificar o<br />

currículo


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necessidades<br />

do educando<br />

para qualificar o<br />

currículo<br />

A heterogeneidade como desafio<br />

O educando da EJA faz parte de um grupo heterogêneo e traz consigo múltiplas<br />

experiências de vida e grande diversidade cultural. Ele constitui um público<br />

que não teve a oportunidade de efetuar seus estudos no período da infância, justamente<br />

quando a educação foi negligenciada pela falta de políticas públicas direcionadas<br />

a essa modalidade de ensino.<br />

[...] oportunidade educativa para um largo segmento da população, com três trajetórias<br />

escolares básicas: para os que iniciam a escolaridade já na condição de adultos trabalhado-<br />

res; para adolescentes e adultos jovens que ingressaram na escola regular e a abandona-<br />

ram há algum t<strong>em</strong>po, frequent<strong>em</strong>ente motivados pelo ingresso no trabalho ou <strong>em</strong> razão<br />

de movimentos migratórios e, finalmente, para adolescentes que ingressaram e cursaram<br />

recent<strong>em</strong>ente a escola regular, mas acumularam aí grandes defasagens entre a idade e a<br />

série cursada (Di pierrO et all, 2001, p. 65).<br />

Os alunos da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos são indivíduos inseridos no mundo<br />

do trabalho, possuidores de uma trajetória escolar marcada por alguns fracassos<br />

e exclusão que provocaram a desmotivação na sala de aula, levando à desistência<br />

pela escolarização.<br />

Outras características desses educandos são as idas e vindas na instituição escolar,<br />

advindas das constantes mudanças de moradia e faixas etárias diversificadas,<br />

que contribu<strong>em</strong> para ressaltar as diferenças específicas e propiciam ainda mais a<br />

heterogeneidade do grupo.<br />

Essa clientela, geralmente, apresenta uma autoestima baixa e d<strong>em</strong>onstra certa<br />

insegurança no momento da aprendizag<strong>em</strong>. Eles não têm certeza de todo seu<br />

potencial e competência na construção de saberes, <strong>em</strong> virtude do passado escolar<br />

e, muitas vezes, do seu próprio contexto social; porém, apesar dessa interrupção,<br />

desejam retomar a escolarização.<br />

quando voltam à escola, traz<strong>em</strong> consigo um conjunto de saberes do senso comum,<br />

não só pela vida comunitária e familiar, mas pelo ambiente de trabalho que<br />

alguns vivenciam.<br />

É a partir dessa realidade que o desafio na sala de aula começa. O educador<br />

se depara com essa pluralidade de informações e com pessoas diferentes <strong>em</strong> suas<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


essências, um conjunto humano b<strong>em</strong> heterogêneo, tendo como base profissional<br />

uma instituição que tende a homogeneizar o grupo que a compõe.<br />

Um dos principais probl<strong>em</strong>as que se apresenta ao trabalho na eJA refere-se ao fato de que,<br />

não importando a idade dos alunos, a organização dos conteúdos a ser<strong>em</strong> trabalhados e<br />

os modos de abordag<strong>em</strong> dos mesmos segue as propostas desenvolvidas para as crian-<br />

ças do ensino regular. Os probl<strong>em</strong>as com a linguag<strong>em</strong> utilizada pelo professor e com a<br />

infantilização de pessoas que, se não puderam ir à escola, tiveram e têm uma vida rica <strong>em</strong><br />

aprendizagens que merec<strong>em</strong> maior atenção (OliVeirA, 2004, p. 105).<br />

A escola, de modo geral, não leva <strong>em</strong> conta o contexto social e as experiências<br />

de vida do educando no momento da construção do currículo. Pod<strong>em</strong>os observar<br />

que existe um grande equívoco na proposta pedagógica, porque a educação oferecida<br />

no ambiente escolar é ainda moldada para atender a clientela infantil, que t<strong>em</strong><br />

necessidades bastante diferenciadas dos adolescentes e adultos que compõ<strong>em</strong> a<br />

EJA. A estrutura curricular e os conteúdos oferecidos na escola são organizados a<br />

partir de concepções, valores e ideias de um universo b<strong>em</strong> distante da realidade<br />

que os educandos da EJA vivenciam. Isso dificulta a apropriação dos conhecimentos<br />

oferecidos porque está distante daquilo que experimentam <strong>em</strong> seu cotidiano,<br />

não facilitando o processo cognitivo.<br />

Outro fator importante que compõe a identidade do aluno é a multiplicidade<br />

cultural <strong>em</strong> que todos estão inseridos.<br />

A nossa identidade é formada a partir dos grupos sociais a que pertenc<strong>em</strong>os e<br />

de diferentes culturas. As variações de raça, classe social, linguag<strong>em</strong>, família, cultura,<br />

influenciam no modo de vida, a diferença está presente <strong>em</strong> todo momento.<br />

Dentro dessa perspectiva, o indivíduo forma visões diferentes sobre um mesmo<br />

t<strong>em</strong>a, porque cada um percebe a natureza da vida de acordo com a realidade<br />

que vive.<br />

Desse modo, quer rejeit<strong>em</strong>os ou aceit<strong>em</strong>os a diferença, quer pretendamos incorporá-la<br />

à cultura heg<strong>em</strong>ônica, quer defendamos a preservação de seus aspectos originais, quer<br />

procur<strong>em</strong>os desafiar as relações de poder que a organizam, <strong>em</strong> hipótese alguma, negá-la.<br />

ela estará presente <strong>em</strong> todos os cenários sociais, <strong>em</strong>pobrecendo-os e contaminando-os<br />

segundo alguns, enriquecendo-os e renovando-os, segundo outros. <strong>em</strong> síntese, viv<strong>em</strong>os<br />

<strong>em</strong> um mundo inescapavelmente multicultural (mOreirA, 1999, p. 84).<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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necessidades<br />

do educando<br />

para qualificar o<br />

currículo


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necessidades<br />

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currículo<br />

Mesmo que a escola tenha como base o padrão de uma determinada classe<br />

social, se deparará com as diferenças culturais. Sab<strong>em</strong>os que as instituições de ensino<br />

se baseiam no modo capitalista da classe elitista, que tenta negar o modo de<br />

vida das classes <strong>em</strong>pobrecidas, rejeitando sua cultura, sua linguag<strong>em</strong>. Porém, essa<br />

influência não é descartada no momento da construção do conhecimento, porque<br />

o educando não se separa dela quando entra na sala de aula. Ela faz parte da sua<br />

essência e necessita ser explorada para dialogar com os conhecimentos escolhidos<br />

na grade curricular.<br />

quando o aluno é inserido no ambiente escolar, as bagagens culturais entram<br />

<strong>em</strong> conflito, principalmente no aspecto da linguag<strong>em</strong>, que na escola é mais rebuscada,<br />

formal, n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre compreendida pelo sujeito. Além disso, esse espaço se<br />

traduz muitas vezes <strong>em</strong> ambiente de preconceitos e discriminações, porque educadores<br />

despreparados não aceitam outro tipo de linguag<strong>em</strong> que não seja a oferecida<br />

pela escola.<br />

Em alguns casos, o professor faz uma avaliação muito rigorosa e equivocada<br />

das produções textuais, ou mesmo da própria fala do aluno. Uma avaliação nesse<br />

nível pode ser motivo de constrangimento na sala de aula, ou pode contribuir para<br />

aumentar a distância entre educando e educador, dificultando ainda mais a relação<br />

entre eles, que necessita de interação constante para o desenvolvimento do processo<br />

de ensino-aprendizag<strong>em</strong>, o que acaba sendo prejuízo para ambas as partes.<br />

Dev<strong>em</strong>os entender que nesse processo não é só o aluno que aprende, o professor<br />

aprende junto com o aluno.<br />

O professor deve ensinar. É preciso fazê-lo. Só que ensinar não é transmitir conhecimento.<br />

para que o ato de ensinar se constitua como tal, é preciso que o ato de aprender seja pre-<br />

cedido do, ou concomitante ao, ato de apreender o conteúdo ou o objeto cognoscível,<br />

com que o educando se torna produtor também do conhecimento que lhe foi ensinado<br />

(Freire, 1994, p. 118).<br />

Para que um sujeito construa conhecimento é preciso que aquilo que é apresentado<br />

na aula tenha significado e, a partir daí, ele possa repensar as noções<br />

preconcebidas e reconstruir novos saberes com base naquilo que já teve oportunidade<br />

de aprender. Ele precisa encontrar na escola um espaço onde possa refletir<br />

sobre suas experiências de vida, as coisas do senso comum e as teorias oferecidas<br />

pela escola, para criar uma visão crítica desses conteúdos, construindo suas<br />

próprias concepções a respeito do mundo que o cerca. É importante também<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


que o educador troque com o educando suas vivências para além dos conteúdos<br />

escolares, dando oportunidade à classe de ter outras referências como base<br />

de aprendizado.<br />

É fundamental ressaltar que o Brasil é um país de múltiplas culturas regionais,<br />

onde a <strong>em</strong>igração está <strong>em</strong> constante movimento. Existe, portanto, nos centros urbanos,<br />

uma grande circulação de pessoas advindas das áreas rurais, com sotaques<br />

e vocabulários variados, que integrarão o universo escolar.<br />

As contribuições que esses indivíduos traz<strong>em</strong> vão dialogar com a cultura<br />

urbana, que também t<strong>em</strong> suas especificidades. E dentro desse quadro ainda<br />

exist<strong>em</strong> as diferenças de idade, que pontuam, atualmente, <strong>em</strong> grande escala, a<br />

EJA. Estudos mostram que, a cada momento, v<strong>em</strong> crescendo o número de adolescentes<br />

matriculados na <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos e que eles têm visões<br />

de mundo, linguag<strong>em</strong> e objetivos b<strong>em</strong> diferentes dos adultos dessa modalidade<br />

de ensino.<br />

A heterogeneidade desse grupo é constituída pelo conjunto de todas essas especificidades,<br />

que se traduz<strong>em</strong> <strong>em</strong> pontos importantes, que dev<strong>em</strong> ser valorizados<br />

no momento da construção do currículo escolar.<br />

A EJA e as questões do mundo do trabalho<br />

O mundo do trabalho é uma questão que está relacionada a uma forma de<br />

sobrevivência inerente a qualquer sujeito <strong>em</strong> nossa sociedade, ponto fundamental<br />

na vida de uma grande parte dos alunos dessa modalidade de ensino.<br />

O meio de subsistência é uma questão muito importante, porque é por meio<br />

do trabalho que as pessoas consegu<strong>em</strong> conquistar bens materiais e realizar sonhos.<br />

Dev<strong>em</strong>os l<strong>em</strong>brar que viv<strong>em</strong>os <strong>em</strong> uma sociedade de consumo, na qual<br />

a maioria das pessoas busca uma estabilidade social e a realização de desejos<br />

através do dinheiro.<br />

quando pensamos essa realidade <strong>em</strong> relação à clientela da <strong>Educação</strong> de Jovens<br />

e Adultos, observamos que o educando trabalhador vê a escola como um lugar<br />

onde ele pode solucionar pelo menos três pontos essenciais que permitam seu ingresso<br />

e/ou sua permanência nesse universo do trabalho: a profissionalização, a<br />

certificação e o conhecimento.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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Reconhecer as<br />

necessidades<br />

do educando<br />

para qualificar o<br />

currículo


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Reconhecer as<br />

necessidades<br />

do educando<br />

para qualificar o<br />

currículo<br />

Na sociedade capitalista <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>os, o mercado de trabalho tornou-se<br />

muito competitivo, pela falta de <strong>em</strong>pregos para todos os trabalhadores e pela desigualdade<br />

social existente. Numa atmosfera <strong>em</strong> que procura é muita e a oferta, pouca,<br />

as <strong>em</strong>presas estão fomentando no mercado a competição através da busca de<br />

melhor qualificação profissional, da obtenção de melhores resultados na produção.<br />

Um funcionário precisa aprender a operar máquinas e ter no mínimo a escolarização<br />

básica para esse propósito. Dentro dessas perspectivas, o mercado exige não só<br />

qualificação profissional, mas também mais escolaridade.<br />

Esses el<strong>em</strong>entos apontados se tornam obstáculos a ser<strong>em</strong> vencidos pelos<br />

jovens e adultos que estão inseridos nesse mercado ou que desejam fazer parte<br />

dele. Eles não buscam apenas a leitura e a escrita oferecidas pela educação,<br />

mas quer<strong>em</strong> muito mais, na medida <strong>em</strong> que almejam conquistar um lugar no<br />

mundo do trabalho.<br />

Hoje, diante de um mundo globalizado, no qual um grande número de pessoas<br />

pode se comunicar com qualquer parte do mundo através da internet, a educação<br />

vai além de um diploma, busca-se informação e conhecimento, para poder-se conectar<br />

com esse modo de vida virtual.<br />

Em qual entrevista de <strong>em</strong>prego não são feitas aquelas conhecidas perguntas: quais<br />

são seus conhecimentos de informática? E qual o seu nível nesses conhecimentos?<br />

Afastado do ambiente escolar por alguns anos ou por muitos, o aluno deseja<br />

esse saber que a escola oferece. Necessita dele para compreender o universo do<br />

trabalho, crescer e melhorar suas condições de vida.<br />

O mercado de trabalho também conta com a escola para realizar suas expectativas.<br />

O currículo escolar é pensado para a satisfação do mercado de trabalho<br />

e não para as reais necessidades de conhecimento e informação do educando.<br />

Não há preocupação <strong>em</strong> dar um conhecimento integral para o aluno da <strong>Educação</strong><br />

de Jovens e Adultos porque a sociedade acredita que escola é para crianças, os<br />

adultos já ultrapassaram a idade de aprender. Se perder<strong>em</strong> a oportunidade, não<br />

há nenhuma importância, pois somente as crianças são o “futuro da nação”.<br />

Então encontramos nessa modalidade de ensino um t<strong>em</strong>po menor para o<br />

aprendizado, um conhecimento fragmentado e um currículo desfavorável <strong>em</strong> relação<br />

a realidade do universo profissional.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Considerações finais<br />

Diante do que foi exposto neste artigo, pude fazer uma breve reflexão sobre a<br />

construção do currículo escolar, sua eficiência e eficácia para o processo pedagógico<br />

dos sujeitos da EJA.<br />

Observei nesse estudo que, dentro do quadro social <strong>em</strong> que se encontra a sociedade<br />

brasileira, é difícil falar <strong>em</strong> educação e currículo escolar s<strong>em</strong> r<strong>em</strong>eter às<br />

questões sociais e estruturais e s<strong>em</strong> relacionar o contexto político e econômico <strong>em</strong><br />

que os educandos da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos estão inseridos. Esse público é<br />

sobrevivente de uma sociedade excludente, conheceu o fracasso escolar na infância,<br />

é proveniente, <strong>em</strong> sua maioria, da pobreza que cresce pela omissão dos órgãos<br />

públicos e da sociedade como um todo. Nessa perspectiva, pod<strong>em</strong>os observar a<br />

falta de políticas públicas consistentes que ampar<strong>em</strong> e atendam essa modalidade<br />

de ensino, e que contribuam para o seu desenvolvimento.<br />

As práticas educativas, <strong>em</strong> qualquer nível ou modalidade de ensino, enfrentam<br />

desafios político-institucionais que impactam o fazer pedagógico, inibindo muitas<br />

iniciativas e projetos elaborados pelos educadores no planejamento do currículo escolar.<br />

Os resultados sinalizam a fragilidade do fazer educativo pela falta de um olhar<br />

diferenciado para esse público, que é específico <strong>em</strong> toda a sua natureza. Crianças,<br />

adolescentes e adultos são indivíduos que traz<strong>em</strong> experiências de vida diferentes,<br />

logo, têm objetivos e necessidades distintos.<br />

Esses resultados também contribu<strong>em</strong> como sinalizadores no mapeamento de<br />

novos caminhos para a elaboração de um currículo mais voltado para a realidade<br />

dos jovens e adultos, para uma educação que tenha como principal objetivo construir<br />

saberes e ressignificar conhecimentos que transform<strong>em</strong> o educando num ser<br />

ativo, crítico, pensante. Um sujeito que poderá transformar o contexto social <strong>em</strong><br />

que vive, lutando pelos seus diretos e garantias, exercendo seu verdadeiro papel<br />

de cidadão.<br />

O que se t<strong>em</strong> visto é que mesmo a <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos sendo assegurada<br />

pela Constituição Federal, de 1988, pela Lei de Diretrizes e Bases da <strong>Educação</strong><br />

Nacional (LDBEN 9.394/96) e pela Declaração de Hamburgo, de 1997, o fato é que<br />

o Estado, a família e a sociedade são omissos, não assegurando direitos e garantias,<br />

como cidadania e educação, a esses indivíduos.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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Reconhecer as<br />

necessidades<br />

do educando<br />

para qualificar o<br />

currículo


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Reconhecer as<br />

necessidades<br />

do educando<br />

para qualificar o<br />

currículo<br />

Este artigo científico é um pequeno esboço que discutiu alguns questionamentos<br />

e concepções, mas que não se encerram aqui porque nenhum conhecimento<br />

é estático. Penso que o conhecimento não é constituído uma única vez, mas pelas<br />

múltiplas experiências de uma vida inteira.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


REFERÊNCIAS<br />

BrASil. lei n. 9.394, de 20 de dez<strong>em</strong>bro de 1996. estabelece as diretrizes e bases da educação<br />

nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 1996.<br />

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2000.<br />

cOnFerÊnciA internAciOnAl De eDUcAçãO De ADUltOS, 5., 1997, Hamburgo, Al<strong>em</strong>anha.<br />

Declaração de Hamburgo. Brasília: SeSi: UneScO, 1999. 67 p. (Série SeSi/UneScO. educação do<br />

trabalhador, 1).<br />

Di pierrO, m. c.; JOiA, O.; riBeirO, V. m. Visões da educação de Jovens e Adultos no Brasil.<br />

Cadernos CEDES, campinas, v. 21, n. 55, 2001. Disponível <strong>em</strong>: .<br />

Acesso <strong>em</strong>: 18 dez. 2008.<br />

Freire, p. Professora sim, tia não: cartas a qu<strong>em</strong> ousa ensinar. São paulo: loyola, 1994.<br />

mOreirA, A. multiculturalismo, currículo e formação de professores. in: mOreirA, A. F. B. (Org.).<br />

Currículo: políticas e práticas. 2. ed. campinas: papirus, 1999.<br />

OliVeirA, i. B. pensando currículo na educação de Jovens e Adultos. in: pAiVA, J.; OliVeirA, i. B.<br />

(Org.). <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos. rio de Janeiro: Dp&A, 2004.<br />

riBeirO, V. m. et al. Metodologia da alfabetização: pesquisa <strong>em</strong> educação de Jovens e Adultos.<br />

campinas: papirus; São paulo: ceDi, 1992.<br />

SeSc. Departamento nacional. Proposta pedagógica da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos no<br />

SESC. rio de Janeiro, 1999.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

107<br />

Reconhecer as<br />

necessidades<br />

do educando<br />

para qualificar o<br />

currículo


Reconhecer a<br />

identidade do aluno:<br />

fator fundamental para<br />

a construção de um<br />

currículo <strong>em</strong> EJA<br />

Tamára dos Santos Cunha *<br />

RESUMO<br />

Este artigo t<strong>em</strong> o intuito de despertar nos educadores<br />

e teóricos da área um olhar diferenciado<br />

para o processo de elaboração de currículos<br />

para a modalidade da EJA, tendo <strong>em</strong> vista<br />

que o público pertencente a esse segmento<br />

possui características identitárias bastante diversificadas.<br />

Dev<strong>em</strong>os, portanto, estar atentos<br />

à necessidade de reconhecimento dessas diferentes<br />

identidades no momento da construção<br />

do eixo norteador do processo de ensinoaprendizag<strong>em</strong>,<br />

denominado como currículo.<br />

Salientamos também a importância que o educador<br />

possui enquanto mediador do processo<br />

educacional.<br />

PAlAVRAS-CHAVE: EJA; identidade dos educandos;<br />

currículo.<br />

ABSTRACT<br />

This article is intended to raise in educators<br />

and theorists in the area a different outlook<br />

in the process of curriculum development<br />

for Youth and Adult Education, taking into<br />

consideration that the target audience in<br />

this segment has very diversified identity<br />

characteristics. we should therefore be<br />

alert to the need to recognize these different<br />

identities at the time of construction of the<br />

guiding lights of the teaching-learning process,<br />

termed as curriculum. we <strong>em</strong>phasize the<br />

importance of the educator as a facilitator in<br />

the position of mediator in the educational<br />

process.<br />

KEYwords: Youth and Adult Education;<br />

identity of the students; curriculum.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


* Graduada <strong>em</strong> Pedagogia pela Universidade do Rio de Janeiro (UERJ) e estagiária da<br />

Gerência de Desenvolvimento Técnico do Departamento Nacional do SESC no exercício de<br />

2008.<br />

Introdução<br />

A <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos, como uma das modalidades de ensino que<br />

mais avança nos debates curriculares atuais, apresenta várias particularidades que<br />

influenciam na constituição de um currículo. Desde situações el<strong>em</strong>entares, que são<br />

vistas <strong>em</strong> quaisquer ambientes educacionais, até as mais complexas, praticamente<br />

restritas à EJA. Uma das questões consideradas como complexa de ser trabalhada é<br />

a que faz menção à identidade dos seus alunos.<br />

Esse ramo da educação assume basicamente três funções, que seriam: a reparadora,<br />

a equalizadora e a qualificadora. A primeira é um processo de reparação da<br />

escolarização até então obtida por muitos dos educandos; a segunda diz respeito à<br />

promoção de condições mínimas necessárias aos alunos para a equidade de saberes<br />

entre a escolarização padrão e a pertinente à EJA; e a última focaliza o preparo<br />

desses estudantes para as necessidades do mercado de trabalho, tanto para os que<br />

já estão inseridos como para os que desejam aí se inserir. Com isso, torna-se imprescindível<br />

abranger a multiplicidade de culturas, resgatar a autoestima, proporcionar<br />

uma educação com qualidade e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, oferecer segurança aos alunos<br />

no caminhar do processo educativo. Tudo isso baseando-se, principalmente, numa<br />

abordag<strong>em</strong> crítica do conhecimento.<br />

Assim, neste artigo, d<strong>em</strong>onstrar<strong>em</strong>os os fatores que merec<strong>em</strong> ser observados,<br />

por meio de publicações e pesquisas desta área, a fim de que possamos proporcionar<br />

efetivamente uma educação de qualidade aos alunos pertencentes à EJA,<br />

já que é comum no processo de construção do currículo a ocorrência de apenas<br />

uma adaptação dos eixos norteadores da educação regular, tornando esse direcionamento<br />

dissociado da realidade do público a ser atendido, acarretando múltiplos<br />

e variados casos de fracasso escolar.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

109<br />

Reconhecer a<br />

identidade do<br />

aluno: fator<br />

fundamental<br />

para a construção<br />

de um currículo<br />

<strong>em</strong> EJA


110<br />

Reconhecer a<br />

identidade do<br />

aluno: fator<br />

fundamental<br />

para a construção<br />

de um currículo<br />

<strong>em</strong> EJA<br />

A <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos<br />

A <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos v<strong>em</strong> passando por um processo de reformulação<br />

de seus valores. Nesse novo cenário, a EJA v<strong>em</strong> rompendo com o seu caráter<br />

supletivo, passando a extrapolar as suas fronteiras, assumindo novas ambições. As<br />

mudanças se baseiam, principalmente, na constante troca de ideias e também nos<br />

valores pregados pela prática de ensino freireana. Essa metodologia de ensino t<strong>em</strong><br />

como princípios o diálogo, a indagação e a experimentação, <strong>em</strong> contraponto com<br />

o método reprodutor de um conhecimento pronto e acabado e a uma educação<br />

bancária, tão criticada por Freire.<br />

Dessa forma, essa modalidade de ensino passa a dar conta de alguns dos probl<strong>em</strong>as<br />

que anteriormente eram negados e que acarretaram vários casos de fracasso<br />

escolar. Vale ressaltar ainda que esta evolução se dá, principalmente, por causa<br />

do comprometimento que os educadores têm com o seu trabalho, já que se percebe<br />

que, com o passar da história da EJA, os órgãos públicos pouco auxiliaram no<br />

avanço qualitativo dessa modalidade educativa.<br />

Um outro fator fundamental para o sucesso dessas mudanças recent<strong>em</strong>ente assimiladas<br />

pela EJA é a formação do educador juntamente com o comprometimento<br />

diante de seu trabalho, pois muitos dos educandos já passaram por casos traumáticos<br />

de escolarização, tornando-se mais resistentes à instituição escolar. Por isso, o<br />

educador deve se preocupar bastante <strong>em</strong> reconhecer que tipo de aluno possui<br />

<strong>em</strong> suas classes, na tentativa de impedir a ocorrência de um processo educativo<br />

dissociado da realidade de seus alunos.<br />

no mínimo, esses educadores precisam respeitar as condições culturais do jov<strong>em</strong> e do<br />

adulto analfabeto. eles precisam fazer um diagnóstico histórico-econômico do grupo ou<br />

comunidade onde irão trabalhar e estabelecer um canal de comunicação entre o saber<br />

técnico (erudito) e o saber popular (GADOtti, 2003, p. 32).<br />

Segundo Gadotti (2003), o educador deve estar comprometido <strong>em</strong> proporcionar<br />

um processo educativo multicultural, ou seja, trata-se de não negar a cultura<br />

primeira desses alunos e, tampouco, as outras manifestações culturais que os rodeiam,<br />

baseando-se numa abordag<strong>em</strong> de ensino e aprendizag<strong>em</strong> que reconheça<br />

os valores e crenças d<strong>em</strong>ocráticas e procure o fortalecimento do pluralismo cultural.<br />

O objetivo é que esse processo educacional se torne eficaz e significativo na vida<br />

dos educandos.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Aluno da EJA<br />

Na educação destinada aos educandos que são tanto jovens quanto adultos,<br />

t<strong>em</strong>os uma enorme dificuldade para traçar o perfil do aluno que está inserido neste<br />

contexto, pois na EJA se encontram pessoas de faixas etárias e histórias de vida<br />

bastante diversificadas, sendo uma tarefa um pouco árdua chegar a um patamar de<br />

saberes interessantes a todos.<br />

É diferente da educação regular, <strong>em</strong> que a maior parte dos alunos se encontra<br />

mais ou menos no mesmo nível de conhecimentos e experiências de vida, tornando-se<br />

mais fácil, no caso, proporcionar um trabalho pedagógico que consiga dar<br />

conta de suas necessidades e características culturais.<br />

Desse modo, nós, educadores, dev<strong>em</strong>os pensar sobre qu<strong>em</strong> é o jov<strong>em</strong> e o<br />

adulto da EJA. A partir dessa reflexão perceber<strong>em</strong>os que eles possu<strong>em</strong>, ao mesmo<br />

t<strong>em</strong>po, particularidades e s<strong>em</strong>elhanças. Porém, para o jov<strong>em</strong>, esse processo é um<br />

pouco mais doloroso, <strong>em</strong> alguns casos, do que para o adulto, pois o jov<strong>em</strong> educando<br />

geralmente passou pelo processo de “fracasso” muito recent<strong>em</strong>ente, estando,<br />

assim, muito descrente de sua capacidade. Já o adulto, <strong>em</strong> muitos casos, procura a<br />

EJA para melhorar as suas condições de trabalho, portanto, possuindo uma postura<br />

diferenciada perante essa oportunidade de ensino.<br />

A partir disso, o jov<strong>em</strong> da EJA deve ser visto como uma pessoa cujas condições<br />

de existência r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> à dupla exclusão de seu grupo de pares da mesma idade e do<br />

sist<strong>em</strong>a regular de ensino, por evasão ou retenção. Então, ele se incorpora ao curso<br />

da EJA, objetivando, na maioria das vezes, concluir etapas de sua escolaridade para<br />

buscar melhores ofertas no mercado de trabalho através da sua inserção no mundo<br />

letrado. Nesse aspecto, esse jov<strong>em</strong> se ass<strong>em</strong>elha ao adulto que s<strong>em</strong>pre buscou esse<br />

tipo de curso para sua formação, mas, se diferenciando dele <strong>em</strong> suas condições biológicas<br />

e psicológicas, aponta para uma d<strong>em</strong>anda diferente no atendimento escolar.<br />

Além disso, na EJA, da mesma forma que somos responsáveis <strong>em</strong> dar conta<br />

da pluralidade de identidades dos nossos educandos, t<strong>em</strong>os também que assumir<br />

basicamente a responsabilidade <strong>em</strong> relação a três pontos: reparar a escolarização,<br />

<strong>em</strong> alguns casos, traumática, até então obtida por muitos dos educandos; proporcionar<br />

as condições mínimas necessárias aos alunos para a equidade de saberes<br />

entre a escolarização valorizada socialmente e a pertinente à EJA; e preparar esses<br />

estudantes para as necessidades do mundo do trabalho, tanto para os que já estão<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

111<br />

Reconhecer a<br />

identidade do<br />

aluno: fator<br />

fundamental<br />

para a construção<br />

de um currículo<br />

<strong>em</strong> EJA


112<br />

Reconhecer a<br />

identidade do<br />

aluno: fator<br />

fundamental<br />

para a construção<br />

de um currículo<br />

<strong>em</strong> EJA<br />

inclusos como para os que desejam se inserir. Esses fatores dev<strong>em</strong> influir bastante<br />

no momento de pensarmos <strong>em</strong> qual deverá ser a nossa postura pedagógica perante<br />

os nossos alunos.<br />

Contudo, t<strong>em</strong>os a nossa responsabilidade cada vez mais acentuada, pois dev<strong>em</strong>os<br />

dar conta dos equívocos e das faltas que a escolarização regular cometeu<br />

com alguns deles. Ao mesmo t<strong>em</strong>po, dev<strong>em</strong>os proporcionar àqueles que nunca<br />

tiveram acesso a um processo educativo sist<strong>em</strong>atizado uma educação que aborde<br />

a multiplicidade de culturas, resgate a autoestima, possua qualidade, juntamente<br />

com a segurança de que os alunos necessitam para continuar a caminhar dentro<br />

desse processo educativo.<br />

Construção de um currículo para a EJA<br />

Tendo <strong>em</strong> vista que os alunos pertencentes à EJA possu<strong>em</strong> origens diferenciadas,<br />

podendo ser adolescentes ou até mesmo idosos, surg<strong>em</strong> alguns questionamentos<br />

<strong>em</strong> relação ao currículo a ser elaborado. Como trabalhar com pessoas tão<br />

distintas de forma padronizada? Por que não estabelecer uma proximidade entre<br />

os saberes curriculares fundamentais, os alunos e a experiência social que eles têm<br />

como indivíduos? Segundo Freire (2005, p. 30), a resposta para essas questões é<br />

bastante complexa. Pois se estabelecermos como meta chegar a um patamar igualitário<br />

de conhecimento estar<strong>em</strong>os cometendo um enorme erro, já que desprezar<strong>em</strong>os<br />

o capital intelectual e a cultura desses indivíduos.<br />

A cultura é, portanto, esfera de lutas, de diferenças, de relações de poder desiguais. essas<br />

diferenças são s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> relação a algo, não diferenças absolutas. São diferenças políticas,<br />

não apenas diferenças textuais, linguísticas, formais. São diferenças construídas com base<br />

<strong>em</strong> relações de poder estruturais e globais que não dev<strong>em</strong> ser secundarizadas (mclAren<br />

apud mOreirA, 1999, p. 84).<br />

McLaren(1999) fala na citação anterior justamente sobre o que é cultura e como<br />

esta se constitui, e, também, nos leva a refletir sobre a importância de não desvalorizá-la.<br />

Afinal, somos todos inseridos <strong>em</strong> um contexto cultural no qual ocorre um<br />

jogo de poder, e os valores provindos das esferas dominantes são assimilados de<br />

forma mais rápida e coercitiva por nós. Em muitas situações n<strong>em</strong> perceb<strong>em</strong>os a<br />

assimilação desses valores, entretanto, <strong>em</strong> cada ambiente social, alguns deles são<br />

reconhecidos e apreciados; desse modo, ao trabalharmos com a diversidade de atores,<br />

não pod<strong>em</strong>os desprezar as distintas manifestações culturais e identitárias.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Esse aspecto é de fundamental importância para uma melhor compreensão do<br />

que ocorre no cenário educacional das classes de EJA, pois essas são constituídas de<br />

educandos de distintas faixas etárias, histórias, vivências escolares e com muitos já<br />

inseridos no mercado de trabalho. Desse modo, é muito difícil elaborar um currículo<br />

formal que dê conta de todas essas variáveis, o que, na maior parte das vezes, acaba<br />

não ocorrendo mesmo.<br />

Os currículos utilizados atualmente nas classes regulares, <strong>em</strong> muitas situações,<br />

são também os mesmos <strong>em</strong> que as classes de EJA se baseiam. Entretanto, perceb<strong>em</strong>os<br />

que nas turmas <strong>em</strong> que t<strong>em</strong>os um certo “padrão” de aluno, os currículos n<strong>em</strong><br />

s<strong>em</strong>pre dão conta das particularidades; nas salas de jovens e adultos o cenário não<br />

será diferente, principalmente pelo fato de esses alunos possuír<strong>em</strong> especificidades<br />

mais acentuadas do que nas classes regulares.<br />

Dessa maneira, ao concebermos diretrizes curriculares para essa modalidade<br />

de ensino, dev<strong>em</strong>os nos utilizar de alguns princípios e recursos, baseados principalmente<br />

na teoria crítica da aprendizag<strong>em</strong>, a fim de que o processo de escolarização<br />

seja o mais próximo possível da realidade dos nossos alunos, tornando-o mais rico<br />

e significativo para suas vidas.<br />

A seguir, indicar<strong>em</strong>os com mais detalhes a necessidade de valorizarmos tais<br />

princípios. Começando com a importância de trabalharmos com o multiculturalismo.<br />

no caso específico do multiculturalismo crítico, a idéia é que, se a escola não acolher co-<br />

nhecimentos e valores subjugados e não confrontá-los com os saberes dominantes, di-<br />

ficilmente poderá constituir-se <strong>em</strong> ambiente estimulador da criação de conhecimentos<br />

significativos e relevantes para o aluno e para a sua luta <strong>em</strong> prol da transformação social<br />

(mOreirA, 1999, p. 89).<br />

Segundo Moreira (1999), o trabalho através do multiculturalismo crítico é bastante<br />

significativo para os alunos, já que proporciona um ambiente estimulador e<br />

probl<strong>em</strong>atizador do conhecimento, fazendo com que os saberes populares e os dominantes<br />

sejam confrontados, e, dessa forma, criando-se novos saberes e, assim,<br />

promovendo-se a transformação social dos educandos. Esse processo pode ser considerado<br />

uma aprendizag<strong>em</strong> significativa, além de proporcionar o reconhecimento<br />

de que nenhuma cultura é completa, precisando haver esse diálogo intercultural<br />

para seu crescimento. Esse diálogo é importante, pois a cultura é um campo de<br />

luta e um espaço constituidor de diversas identidades, tornando-se fundamental<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

113<br />

Reconhecer a<br />

identidade do<br />

aluno: fator<br />

fundamental<br />

para a construção<br />

de um currículo<br />

<strong>em</strong> EJA


114<br />

Reconhecer a<br />

identidade do<br />

aluno: fator<br />

fundamental<br />

para a construção<br />

de um currículo<br />

<strong>em</strong> EJA<br />

trabalhar <strong>em</strong> conjunto com ela. A cultura apresenta-se também como um núcleo que<br />

mescla as identidades dos distintos grupos sociais e povos, sendo então fundante<br />

para construirmos um currículo formal para as classes de EJA.<br />

Da mesma forma, dev<strong>em</strong>os trabalhar <strong>em</strong> prol de uma formação acadêmica que<br />

valorize a heterogeneidade de atores, facilitando a compreensão de que a diversidade<br />

é uma construção social que nos possibilita desenvolver o respeito pelo outro<br />

e também nos auxilia a vencer as resistências que o mundo moderno nos impõe. É<br />

importante l<strong>em</strong>brar que os saberes dev<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre ser trabalhados de forma contextualizada,<br />

a fim de que sejam percebidos como importantes para o crescimento<br />

profissional e pessoal de nossos alunos. quando os conhecimentos passados não<br />

d<strong>em</strong>onstram ter aplicabilidade prática, isso gera um descontentamento e um desinteresse<br />

pelo que é repassado pela instituição escolar.<br />

Não pod<strong>em</strong>os nos esquecer também de abordar <strong>em</strong> nossos currículos as t<strong>em</strong>áticas<br />

relacionadas com conhecimento, poder, linguag<strong>em</strong>, racismo e sexismo, tendo<br />

<strong>em</strong> vista que estas são vivenciadas <strong>em</strong> nosso cotidiano, e <strong>em</strong> muitos casos, nós,<br />

como educadores e formadores, não sab<strong>em</strong>os como trabalhar tais t<strong>em</strong>áticas s<strong>em</strong><br />

preconceitos e estereótipos. E o fator mais importante a que dev<strong>em</strong>os estar atentos<br />

é a conscientização do docente perante a prática educacional que pretende seguir,<br />

porque de nada adianta o currículo tratar de aspectos tão importantes para o<br />

crescimento de nossos alunos como homens-cidadãos-profissionais, se o educador,<br />

que t<strong>em</strong> a função de mediar esse processo, assumir uma postura tradicional no seu<br />

cotidiano da sala de aula.<br />

É válido ressaltar que dev<strong>em</strong>os ter muito cuidado no momento de elaborar o<br />

currículo, seja para as classes de EJA ou para as da educação regular. Também dev<strong>em</strong>os<br />

nos l<strong>em</strong>brar de que o currículo não é um pacote pronto de métodos e práticas<br />

educativas e sim um eixo norteador para o trabalho docente, podendo assim se<br />

adequar caso necessário. Da mesma forma, pode receber as contribuições que os<br />

nossos alunos venham a nos dar.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Considerações finais<br />

No decorrer deste artigo, observamos vários fatores, começando pelo entendimento<br />

do que hoje significa a <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos, depois refletimos sobre o tipo<br />

de aluno que a EJA possui, para, a partir daí, começarmos o debate acerca do que seria<br />

relevante para ser tratado no currículo para essa modalidade de ensino.<br />

Perceb<strong>em</strong>os que a EJA ainda passa por alguns probl<strong>em</strong>as, sejam relacionados<br />

aos saberes que dev<strong>em</strong> ser trabalhados, seja a falta de preparo do docente, como<br />

também o próprio reconhecimento da EJA como modalidade de ensino pelas instâncias<br />

governamentais. Não pod<strong>em</strong>os esquecer também a questão identitária de<br />

nossos alunos, tanto pela sua pluralidade como até mesmo pelo fato de alguns deles<br />

já ter<strong>em</strong> passado s<strong>em</strong> sucesso por espaços escolares.<br />

A questão de preparo docente é bastante grave, pois de nada adianta debatermos<br />

sobre que conhecimentos dev<strong>em</strong> ser valorizados e trabalhados nas salas<br />

de aula se nossos colegas educadores não tiver<strong>em</strong> <strong>em</strong>basamento teórico e a competência<br />

necessária para lidar com os outros probl<strong>em</strong>as que ainda se encontram<br />

vigentes no cenário educacional. Com isso, dev<strong>em</strong>os pensar <strong>em</strong> que tipo de formação<br />

v<strong>em</strong> sendo destinada aos formadores de nosso país.<br />

Em suma, a questão identitária da EJA é muito marcante e presente, sendo necessário<br />

olhá-la com muito zelo, a fim de que possamos, ao elaborar nossos currículos,<br />

preparar algo que seja significativo e marcante, tanto na vida quanto no<br />

trabalho de nossos educandos. Da mesma forma, dev<strong>em</strong>os atentar para que tipo<br />

de educadores estão sendo formados, pois de nada adianta um currículo adequado<br />

às necessidades da EJA se os responsáveis pela mediação dos processos educativos<br />

estiver<strong>em</strong> despreparados para o cumprimento de suas funções.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

115<br />

Reconhecer a<br />

identidade do<br />

aluno: fator<br />

fundamental<br />

para a construção<br />

de um currículo<br />

<strong>em</strong> EJA


116<br />

Reconhecer a<br />

identidade do<br />

aluno: fator<br />

fundamental<br />

para a construção<br />

de um currículo<br />

<strong>em</strong> EJA<br />

REFERÊNCIAS<br />

cArrAnO, p. Juventudes: as identidades são múltiplas. Revista Movimento, niterói, rJ, n. 1, maio<br />

2000.<br />

Freire, p. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 31. ed. São paulo:<br />

paz e terra, 2005. (coleção leitura).<br />

GADOtti, m. educação de Jovens e Adultos: correntes e tendências. in: GADOtti, m.; rOmãO, J. e.<br />

(Org.). <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos: teoria, prática e proposta. 6. ed. São paulo: cortez: instituto<br />

paulo Freire, 2003. (Guia da escola cidadã, v. 5)<br />

mOreirA, A. multiculturalismo, currículo e formação de professores. in: mOreirA, A. F. B. (Org.).<br />

Currículo: políticas e práticas. 2. ed. campinas: papirus, 1999.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores


O desafio do professor<br />

na construção do<br />

currículo da <strong>Educação</strong><br />

de Jovens e Adultos<br />

(EJA)<br />

Nurse Antônia de Freitas Vieira*<br />

RESUMO<br />

Este artigo consiste <strong>em</strong> um estudo bibliográfico<br />

da t<strong>em</strong>ática da EJA, à luz da legislação de<br />

educação e da análise de alguns estudiosos da<br />

atualidade. Em um primeiro momento, abordam-se<br />

os fundamentos da EJA pelos preceitos<br />

da legislação brasileira específica para a educação,<br />

estabelecida na Constituição Federal, na<br />

lei de Diretrizes e Bases Nacional e no Parecer<br />

11/2000. Em seguida, apresentam-se os fundamentos<br />

da EJA e discorre-se sobre a conceituação<br />

da organização de proposta curricular na<br />

abordag<strong>em</strong> de alguns estudiosos dessa t<strong>em</strong>ática.<br />

Por fim, apresenta princípios propostos<br />

sobre experiências exitosas na organização de<br />

uma proposta curricular para a EJA.<br />

PAlAVRAS-CHAVE: EJA; currículo; fundamentos<br />

da educação; proposta curricular.<br />

ABSTRACT<br />

This article is a bibliographical study of<br />

the Youth and Adult Education topic in<br />

the light of education legislation and the<br />

analysis of some modern scholars. At first<br />

we discuss the fundamentals of Youth and<br />

Adult Education according to the precepts<br />

of Brazilian legislation specific to education,<br />

established by the Federal Constitution,<br />

the Law of National Directives and Bases<br />

and the Expert Opinion 11/2000. Next the<br />

fundamentals of youth and adult education<br />

are presented addressing the concept of<br />

curriculum proposal organization according<br />

to the approach of some scholars in this<br />

subject. Finally, it presents the principles<br />

proposed on successful experiences in<br />

organizing a Youth and Adult Education<br />

curriculum.<br />

KEYwords: Youth and Adult Education;<br />

curriculum; education foundations;<br />

curriculum proposal.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Introdução<br />

* licenciada Plena <strong>em</strong> Geografia (UFES) com pós-graduação lato sensu: especialização <strong>em</strong><br />

<strong>Educação</strong> Profissional Integrada à <strong>Educação</strong> Básica na Modalidade de <strong>Educação</strong> de Jovens<br />

e Adultos (IFES -Instituto Federal de <strong>Educação</strong> do Espírito Santo). Pós-graduada latu-sensu<br />

<strong>em</strong> Planejamento Escolar (UNIVERSO). Coordena os Programas Sociais da Administração<br />

Regional do SESC - ES.<br />

O professor da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos confronta-se no seu cotidiano<br />

com um potencial humano diversificado e, frente a sua opção de ensinar, t<strong>em</strong> como<br />

desafio criar constant<strong>em</strong>ente situações pedagógicas para efetivar uma educação,<br />

dentro do que se propõe para essa modalidade de ensino, que satisfaça às necessidades<br />

dos jovens e adultos no resgate a sua formação.<br />

O Parecer 11/2000 estabeleceu a EJA como uma modalidade de ensino com<br />

identidade própria, portanto ela necessita ser revista pelos seus educadores no sentido<br />

de se promover uma reorganização curricular com modelo pedagógico próprio,<br />

considerando os interesses, as experiências e o cotidiano de jovens e adultos ,<br />

que, <strong>em</strong> sua maioria, são trabalhadores.<br />

O presente artigo pretende examinar de que forma os estudiosos da EJA vêm<br />

contribuindo para esse desafio frente à reconstrução dos saberes e à organização<br />

curricular sugerida na legislação pertinente para essa modalidade de ensino.<br />

Os fundamentos da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos<br />

(EJA)<br />

Os primeiros fundamentos da educação de uma forma geral, estabelecidos nos<br />

artigos 205 e 206 da Constituição Federal Brasileira e na LDBEN, artigos 1º e 2º, determinam<br />

a educação como direito de todos, dever do Estado e da família.<br />

Na composição do currículo da EJA, os artigos 26 e 27 da LDBEN instituíram que<br />

foss<strong>em</strong> inseridos os estudos da Língua Portuguesa, da Mat<strong>em</strong>ática, o conhecimento<br />

físico e natural da realidade política, especialmente do Brasil, o estudo da História<br />

do Brasil, o ensino da Arte, a <strong>Educação</strong> Física, sendo esta última facultativa ao aluno<br />

do ensino noturno, e o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna a<br />

partir da 5ª série do Ensino Fundamental, cuja escolha ficará a cargo da comunidade<br />

escolar.<br />

Os fundamentos da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos foram estabelecidos no Parecer<br />

11/2000, que coloca a necessidade de a EJA ser pensada como “modelo pe-<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

119<br />

O desafio do<br />

professor na<br />

construção do<br />

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<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos<br />

(EJA)


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O desafio do<br />

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construção do<br />

currículo da<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos<br />

(EJA)<br />

dagógico próprio, a fim de criar situações pedagógicas e satisfazer necessidades de<br />

aprendizag<strong>em</strong> de jovens e adultos” (Parecer 11/2000, p. 9). Esse documento define<br />

três funções para a EJA:<br />

• a função reparadora, que t<strong>em</strong> como finalidade reparar o direito negado a uma educação<br />

de qualidade para todos aqueles que não tiveram acesso à escolaridade básica na idade<br />

apropriada;<br />

• a função equalizadora, que t<strong>em</strong> como alvo garantir a reentrada nos sist<strong>em</strong>as educacionais<br />

a todos os trabalhadores, donas de casa, aposentados, migrantes, seja pela repetência ou<br />

pela evasão, seja pelas desiguais oportunidades de permanência ou outras condições<br />

adversas, possibilitando aos indivíduos novas inserções no mundo do trabalho, na vida<br />

social, nos espaços da estética e na abertura dos canais de participação;<br />

• a função qualificadora ou permanente é o próprio sentido da educação de Jovens e<br />

Adultos, a qual t<strong>em</strong> como base o caráter incompleto do ser humano, cujo potencial de<br />

desenvolvimento e de adequação pode se atualizar <strong>em</strong> quadros escolares ou não es-<br />

colares, indicando que <strong>em</strong> todas as idades e <strong>em</strong> todas as épocas da vida é possível se<br />

formar, se desenvolver e construir conhecimentos, habilidades, competências e valores<br />

que transcend<strong>em</strong> os espaços formais da escolaridade e conduz<strong>em</strong> à realização de si e ao<br />

reconhecimento do outro como sujeito. (parecer 11/2000, p. 9)<br />

A organização curricular<br />

A organização dos currículos por disciplinas v<strong>em</strong> sendo contestada como incapaz<br />

de “dar conta da probl<strong>em</strong>ática social” e de “integrar saberes”, impedindo uma<br />

aprendizag<strong>em</strong> significativa. Há educadores que apontam uma proposta constituindo<br />

novos campos de saberes interdisciplinares e outros que assinalam a “construção<br />

de disciplinas escolares s<strong>em</strong> necessária referência nas disciplinas científicas”, constituídas<br />

de objetos de ensino próprios às disciplinas escolares, tais como “educação<br />

sexual”, “educação para o trânsito” e “educação e sociedade”, integrando-se ou não<br />

às disciplinas científicas (LOPES; MACEDO, 2002 p. 71-72, 81).<br />

A construção de um currículo requer, portanto, competências do professor.<br />

com maior razão, pode-se dizer que o preparo de um docente voltado para a eJA deve<br />

incluir, além das exigências formativas para todo e qualquer professor, aquelas relativas à<br />

complexidade diferencial desta modalidade de ensino. Assim esse profissional do magis-<br />

tério deve estar preparado para interagir <strong>em</strong>paticamente com esta parcela de estudantes<br />

e estabelecer o exercício do diálogo. Jamais um professor aligeirado ou motivado apenas<br />

pela boa vontade ou por um voluntariado idealista e sim um docente que se nutra do<br />

geral e também das especificidades que a habilitação como formação sist<strong>em</strong>ática requer<br />

(parecer 11/1000, p. 56).<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


“Na complexidade do mundo cont<strong>em</strong>porâneo exige-se uma aprendizag<strong>em</strong> contínua,<br />

sendo importante considerar que na EJA o aluno necessita de competência como<br />

leitor e escritor do seu próprio texto e da sua própria história” (PAIVA, 2004, p. 41).<br />

Princípios para construção de uma proposta curricular<br />

para a EJA<br />

Ao organizar uma proposta curricular para a EJA, deve-se levar <strong>em</strong> consideração<br />

que essa modalidade de ensino t<strong>em</strong> uma identidade própria, como recomenda<br />

a legislação. O currículo deve atender às d<strong>em</strong>andas dos alunos levando <strong>em</strong> conta<br />

seus “conhecimentos e habilidades adquiridas por meios informais”, devendo articular-se<br />

com o mundo do trabalho, além de considerar o oculto que encobre suas<br />

experiências históricas, sociais e culturais (cf. art. 37 da Lei de Diretrizes Bases de<br />

<strong>Educação</strong> Nacional - LDBEN - e PAIVA).<br />

Nesse contexto, apresentamos três propostas de organização curricular que<br />

consideramos grandes alicerces para os educadores da EJA na construção de um<br />

novo modelo pedagógico dessa modalidade de ensino.<br />

A primeira, de Paiva. Sua experiência foi desenvolvida no estado da Bahia, <strong>em</strong><br />

1995. Os princípios para organização de uma proposta pedagógica indicados são:<br />

o trabalho como princípio educativo; a cidadania como possibilidade de o hom<strong>em</strong><br />

construir relações; a d<strong>em</strong>ocratização e construção do saber e a criticidade como<br />

requisito de fazer leitura do mundo. A linha metodológica segue a abordag<strong>em</strong> interdisciplinar<br />

dos conteúdos, as linguagens como expressão e organização do pensamento<br />

e a realidade do aluno como ponto de partida da prática pedagógica. Para<br />

tratar melhor os conteúdos, o currículo foi organizado por área de conhecimento.<br />

A segunda proposta trata do Projeto de Ensino Fundamental de Jovens e Adultos<br />

do Centro Pedagógico da Universidade Federal de Minas Gerais, do qual destacamos<br />

apenas alguns princípios, que, somados à experiência de Paiva, <strong>em</strong> nossa<br />

análise, compl<strong>em</strong>entam a organização curricular dando mais eficácia ao processo<br />

pedagógico, como: flexibilidade na organização dos t<strong>em</strong>pos escolares, construção<br />

coletiva de trabalho, organização de projetos interdisciplinares e transdisciplinares<br />

com oficinas diversas, atividades extra-classe e espaços reservados. A cada s<strong>em</strong>estre<br />

deve-se ter a definição de incluir vários subt<strong>em</strong>as ( COELHO, 2001, p. 9-11).<br />

A terceira refere-se à <strong>Educação</strong> Profissional. Nessa proposta, os conteúdos dev<strong>em</strong><br />

ter conexões com a realidade do educando para que produzam nexos e sen-<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

121<br />

O desafio do<br />

professor na<br />

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currículo da<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos<br />

(EJA)


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O desafio do<br />

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construção do<br />

currículo da<br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos<br />

(EJA)<br />

tidos, devendo ser desenvolvidos através de práticas pedagógicas, cujos conceitos<br />

mantenham conexão com as várias ciências. Dessa forma, espera-se que haja o resgate<br />

da formação e se desenvolva a autonomia e a criatividade.<br />

(*) O projeto de ensino Fundamental de Jovens e Adultos do centro pedagógico da Univer-<br />

sidade Federal de minas Gerais – 2° segmento – proef 2 – compõe hoje, com o projeto de<br />

ensino Fundamental – 1° segmento e o projeto de ensino médio, o programa de educação<br />

Básica de Jovens e Adultos da UFmG. esse programa oferece a funcionários da Universida-<br />

de e pessoas da comunidade a oportunidade de escolarização básica, com avaliação no<br />

processo e certificado expedido pela escola de ensino Básico – centro pedagógico UFmG<br />

( cOelHO, 2001, p. 9-11).<br />

Considerações finais<br />

A formação educativa dos sujeitos se dá <strong>em</strong> vários espaços da convivência humana.<br />

A escola, como um dos espaços de construção e reconstrução do conhecimento,<br />

t<strong>em</strong> como função promover o acesso e a permanência dos sujeitos. Nesse<br />

sentido, a escola requer que seus professores compreendam os princípios e os fundamentos<br />

da EJA, centrados na igualdade de condições e liberdade de aprender.<br />

As três propostas apresentadas para a EJA apontam uma ruptura da construção<br />

clássica da organização curricular por disciplina com modelos preestabelecidos de<br />

forma linear.<br />

Este é o grande desafio do professor da EJA: construir o conhecimento dos educandos,<br />

através de uma relação dialética, conduzindo a sua prática de docência e<br />

reconhecendo a validade das experiências dos indivíduos.<br />

É assim que o currículo da EJA necessita ser construído: <strong>em</strong> movimento, nas<br />

práticas docentes, nas discussões coletivas, pela adequação dos conteúdos, por<br />

meio de uma interface entre os diferentes autores, baseado na realidade e na identidade<br />

dos educandos e nos valores sociais produzidos.<br />

Desse modo, é preciso que o educador da EJA seja reflexivo, pesquisador e<br />

comprometido.<br />

As ações que congregam um verdadeiro mestre são aquelas que conduz<strong>em</strong><br />

seus discípulos, que buscam na escola uma porta de esperança para uma vida melhor<br />

a caminho de uma aprendizag<strong>em</strong> significativa para melhor compreensão da<br />

vida e leitura de mundo.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


REFERÊNCIAS<br />

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O desafio do<br />

professor na<br />

construção do<br />

currículo da<br />

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(EJA)


Conteúdos significativos:<br />

desafio na <strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos<br />

Heleonira Lima*<br />

RESUMO<br />

Este artigo traz à tona o diálogo das especificidades<br />

da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos. Para<br />

isso, propõe uma reflexão sobre a adequação<br />

dos currículos preestabelecidos e a realidade<br />

desse segmento educacional delineando uma<br />

práxis coerente e coesa <strong>em</strong>basada no reconhecimento<br />

desse aluno considerando a sua vivência<br />

ao longo de sua história.<br />

PALAvRAS-ChAvE: EJA; currículo; desafio;<br />

escola.<br />

ABSTRACT<br />

This article brings up the dialogue of the<br />

specificities of Youth and Adult Education.<br />

To this end, it proposes a reflection on the<br />

suitability of pre-established curricula and<br />

the reality of this educational segment,<br />

outlining a coherent and cohesive practice<br />

based on the recognition of the young and<br />

adult students, considering their experiences<br />

throughout their stories.<br />

KEYwords: Youth and Adult Education;<br />

curriculum; challenge; school.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


* Graduada <strong>em</strong> Pedagogia, com pós-graduação <strong>em</strong> Psicopedagogia e Gestão Escolar. Pro-<br />

fessora de <strong>Educação</strong> Infantil (<strong>Rede</strong> Privada, SP) e Ensino Fundamental 2º Segmento, EJA,<br />

professora (<strong>Rede</strong> Pública, Cuiabá). Coordenadora da <strong>Educação</strong> Infantil e Ensino Funda-<br />

mental 1º Segmento SESC AR/MT, professora da Formação Continuada de Educadores e<br />

do Programa Salto para o Futuro SESC AR/MT. Técnica Pedagógica do Projeto SESC Ler e<br />

gerente do SESC Escola de Cuiabá/MT.<br />

A existência da escola justifica-se pelo conhecimento. Por ele e para ele é que<br />

a escola se mantém há séculos. Mas ainda é o ponto central de intermináveis discussões,<br />

e isso se deve ao fato de que tanto os estudantes como os professores não<br />

possu<strong>em</strong> a real consciência do que é necessário ensinar e aprender.<br />

Constante é a busca pelo saber, que quando saciada nos acomoda e equilibra<br />

(PIAGET, 1980). Cabe ao profissional da educação gerar interesses pelo desafio de<br />

saber mais e mais. Este é o ponto crucial para o início da ação pedagógica – partir da<br />

necessidade de reconhecer o aluno gerando estratégias <strong>em</strong> que as dúvidas venham<br />

à tona promovendo um continuum de descobertas e realizações.<br />

Esse percurso parece ser natural e até poético, mas não é assim. Aprender requer<br />

um lançar-se ao novo, ao desconhecido, e isso certamente gera insegurança<br />

e medo, que muitas vezes nos paralisam, pois, como afirma Rub<strong>em</strong> Alves, “para entender<br />

é preciso esquecer quase tudo o que sab<strong>em</strong>os. A sabedoria precisa do esquecimento.<br />

Esquecer é livrar-se dos jeitos de ser que se sedimentam <strong>em</strong> nós e que<br />

nos levam a crer que as coisas têm de ser do jeito que são” (in OLIVEIRA, 2008).<br />

Historicamente, a prática educativa não incita questionamentos. Ao contrário,<br />

a passividade é a condição para a aprendizag<strong>em</strong>, <strong>em</strong> que qualquer insucesso está<br />

sob a responsabilidade exclusiva do aluno.<br />

Ainda hoje é muito presente essa perspectiva tradicional com propostas únicas<br />

<strong>em</strong> todo o país, desconsiderando especificidades, inclusive regionais, e impedindo<br />

inovações a partir de suas realidades.<br />

O aluno da EJA procura a escola com múltiplas expectativas: de “alcançar um nível<br />

melhor perante a sociedade”; de “adquirir conhecimentos para poder lutar pelos<br />

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seus direitos”; de “ser o ex<strong>em</strong>plo da família”; de poder compreender melhor “a vida,<br />

porque qu<strong>em</strong> não sabe é cego, mudo e surdo” 1 .<br />

Sobre essas expectativas não pod<strong>em</strong>os construir uma escola estática, que se<br />

preocupa somente com a educação reparadora ou equalizadora, pois não há como<br />

recuperar o t<strong>em</strong>po perdido pelos alunos da EJA, n<strong>em</strong> propor direitos de igualdade,<br />

simplesmente. T<strong>em</strong>-se que qualificá-lo, favorecendo o aprender ao longo de toda a<br />

sua vida. É preciso praticar a educação transformadora.<br />

Nessa perspectiva, as estruturas legislativas têm caminhado num (re)conhecimento<br />

desses estudantes e deve-se a Paulo Freire a retomada dos pressupostos sobre<br />

a visão crítica e libertadora, pois só a conscientização leva à libertação, que deve<br />

ser propiciada na análise e elaboração do currículo da EJA, voltando-se cada vez mais<br />

à educação funcional, aquela que prepara o educando para sua vida profissional.<br />

Tornando o aluno capaz de desvelar a sua realidade e propor alternativas de<br />

atuação, ele terá condições de propor melhorias à sua vida, ressignificando suas expectativas<br />

de escolarização e assumindo outro enfoque – de significação, pois “o ato<br />

de estudar implica s<strong>em</strong>pre o de ler, mesmo que neste não se esgote. De ler o mundo,<br />

de ler a palavra e assim ler a leitura do mundo anteriormente feita” (FREIRE, 1993).<br />

Dessa forma é descoberto um novo sentido no educar, tanto para o ensinante<br />

quanto para o aprendente, mudando completamente o foco do processo educativo<br />

para aquele que aproximará a vida da escola e a escola, da vida.<br />

A influência dos novos pensares culminou na V Conferência promovida pela<br />

Unesco, <strong>em</strong> 1997, na cidade de Hamburgo, na Al<strong>em</strong>anha, estabelecendo o vínculo<br />

da EJA ao desenvolvimento da humanidade, onde se apresentaram os quatro Pilares<br />

da <strong>Educação</strong>:<br />

Aprender a conhecer: está imbricado ao aprender a aprender. refere-se ao despertar para o<br />

conhecimento numa capacidade de adquirir estratégias para desenvolver as suas próprias<br />

opiniões com criticidade;<br />

Aprender a fazer: estabelece a aquisição das ferramentas, instrumentos metodológicos ne-<br />

cessários para o aprender, ou seja, aplicar na prática os conhecimentos teóricos adquiridos.<br />

não somente no que se refere à qualificação profissional, mas à aquisição de competências<br />

que possibilite o enfrentamento de situações desafiadoras e de trabalhos <strong>em</strong> equipe;<br />

1. respostas de alunos de cursos supletivos, do ensino Fundamental, ao ser<strong>em</strong> perguntados sobre as motivações<br />

que os levaram a voltar a estudar, obtidas durante a aplicação de 327 questionários durante o desenvolvimento da<br />

pesquisa educação básica, formação técnico-profissional e qualificação. convergências e divergências entre capital e<br />

trabalho, no atual quadro de reestruturação produtiva, de agosto de 1999 a julho de 2001.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Aprender a conviver: consiste no maior desafio da educação, pois objetiva o conhecimento<br />

de si mesmo e do outro para que <strong>em</strong> prol de uma sociedade mais solidária destitua-se<br />

de opiniões preconcebidas. É somente sob a descoberta progressiva do outro que o des-<br />

conhecido – o grande propulsor do preconceito 2 – é vencido, desfavorecendo atitudes<br />

conflituosas que promovam a destruição de si mesmo e da humanidade;<br />

Aprender a ser: é o ápice do equilíbrio. A educação deve voltar-se para essa completude –<br />

entre espírito e corpo –, com capacidade cada vez maior de discernimento, autonomia e<br />

responsabilidade pessoal.<br />

Nesse sentido, o relatório de Delors (1998) destaca a importância de se conceber<br />

a educação de modo integrado.<br />

Numa altura <strong>em</strong> que os sist<strong>em</strong>as educativos formais tend<strong>em</strong> a privilegiar o acesso<br />

ao conhecimento, <strong>em</strong> detrimento de outras formas de aprendizag<strong>em</strong>, importa<br />

conceber a educação como um todo. Esta perspectiva deve, no futuro, inspirar e<br />

orientar as reformas educativas, tanto <strong>em</strong> nível de elaboração de programas como<br />

da definição de novas políticas pedagógicas.<br />

Mudar: difícil começo, mas não impossível<br />

O novo pensar <strong>em</strong> educação sugestiona a mudança de paradigmas, mas isso<br />

não significa abster-se do já vivido, pois essas experiências <strong>em</strong>basarão futuras<br />

ações, pois “negar o velho, substituindo-o pelo novo, é um princípio oposto a uma<br />

atitude interdisciplinar na didática e na pesquisa <strong>em</strong> educação. (...) Negar o velho é<br />

uma atitude autoritária” (FAzENDA, 2001, p.16).<br />

Apesar de constatarmos que muitos paradigmas 3 estão presentes na cont<strong>em</strong>poraneidade<br />

não há como fazer uma educação nos moldes antigos. Dev<strong>em</strong>os refletir<br />

e descortinar o que realmente conceb<strong>em</strong>os como educação, como ela se dá e<br />

qual o papel da sociedade e da escola para que ela se efetive. Como afirma Gaudêncio<br />

Frigotto, “não se trata de pura e simplesmente mudança de conteúdos, mas de<br />

uma forma nova de produção de conhecimento”.<br />

Assim, t<strong>em</strong>os o desafio de buscar modelos que apont<strong>em</strong> caminhos para uma<br />

melhor compreensão do mundo e suas múltiplas realidades, pois não se aceita<br />

aprender como antes. Hoje o educando questiona, compl<strong>em</strong>enta e ensina.<br />

2. costuma indicar desconhecimento pejorativo de alguém ao que lhe é diferente.<br />

3. Do grego parádeigma, modelo, padrão de regras, segundo as quais as pessoas procuram solucionar seus probl<strong>em</strong>as<br />

e obter sucesso.<br />

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Para repensar a educação nesses moldes e aceitá-la, é preciso haver mudanças.<br />

Isso significa lançar-se ao novo, transformar-se.<br />

Saberes que tec<strong>em</strong> a aprendizag<strong>em</strong><br />

Os alunos jovens e adultos possu<strong>em</strong> conhecimentos que ao longo de sua vida<br />

foram vividos e sedimentados. Nessa noção:<br />

(...) o conhecimento se tece <strong>em</strong> redes que se tec<strong>em</strong> a partir de todas as experiências que<br />

viv<strong>em</strong>os, de todos os modos como nos inserimos no mundo à nossa volta, não tendo,<br />

portanto, nenhuma previsibilidade n<strong>em</strong> obrigatoriedade de caminho, b<strong>em</strong> como não po-<br />

dendo ser controlada pelos processos formais de ensino-aprendizag<strong>em</strong> (OliVeirA, 2003).<br />

Não há como desvincular os saberes vivenciados na informalidade dos elencados<br />

nas propostas educativas. Assim, para haver essa conectividade considera-se<br />

três saberes: o do corpo, o cotidiano e o científico.<br />

O saber do corpo é sustentado pelos cinco sentidos pertencentes a cada ser,<br />

mas pouco valorizado nos dias de hoje e muito pouco incitado nas salas de aula, exceto<br />

nas aulas de artes. Contudo, é através desse saber que o aluno permite abrir-se<br />

ao conhecimento mais formal, num maravilhamento que precisa ser cultivado e valorizado<br />

pelo professor, uma vez que é o caminho do raciocínio lógico, da reflexão,<br />

do processo de análise-síntese, e assim constrói um novo e esperado conhecimento<br />

– o científico.<br />

Em referência à fenomenologia da percepção, o filósofo francês Maurice Merleau-Ponty<br />

explica que considera seu próprio corpo como seu ponto de vista sobre<br />

o mundo (1971, p. 83). Assim, t<strong>em</strong> consciência de seu corpo através do mundo e<br />

t<strong>em</strong> consciência do mundo devido a seu corpo (1971, p. 95).<br />

Não há como perceber o mundo s<strong>em</strong> considerar as influências culturais e sociais.<br />

Não é possível entender o corpo de modo neutro: este é passível de interpretação<br />

e todos os seus resultados são partes de um conjunto de saberes, de conhecimento,<br />

de cultura.<br />

Já o saber cotidiano é fundamentado no amadurecimento das experiências denominadas<br />

do senso comum, que, mesmo permeado por valores já concretizados<br />

antes da escolarização, é desvalorizado tanto pelo aluno como pela própria escola,<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


por não ser sist<strong>em</strong>atizado. O aluno t<strong>em</strong> consciência disso e se sente inferiorizado<br />

por tal situação.<br />

É impossível entender essa dicotomia, pois se a escola está para atender/compl<strong>em</strong>entar<br />

as necessidades sociais, o que v<strong>em</strong> de fora dela é minimizado, negado.<br />

quanto ao saber científico, é sobre ele que a sociedade se volta numa valoração<br />

permeada de interesses sociopolíticos determinados por uma minoria dominante.<br />

Cabe aos dominados cumprir essas vontades, uma vez que se manter à marg<strong>em</strong><br />

dos seus próprios interesses, comodamente, poderá garantir a sobrevivência.<br />

É sob esta forma de produção de conhecimentos que se instala o nosso desafio,<br />

pois a organização curricular sob a perspectiva cientificista dificulta o diálogo entre<br />

as experiências vividas, os saberes já adquiridos e os conteúdos escolares.<br />

Diagnosticar lacunas e propor alternativas viabiliza o caminho. E considerar<br />

como ponto de partida que a unificação dos saberes é a possibilitadora do significado<br />

– do quê e para quê aprender – certamente alavancará mudanças.<br />

Saberes do educador<br />

A EJA, de um ponto de vista realista, enfatiza a necessidade da adequação do<br />

educador a essa realidade, ou seja, não basta dominar técnicas de ensino n<strong>em</strong> decodificar<br />

os conteúdos a ser<strong>em</strong> aplicados. Deve-se trazer para o aluno o que ele<br />

realmente precisa saber para que o link com o mundo fora da escola seja estabelecido<br />

imediatamente, pois não há mais t<strong>em</strong>po a perder.<br />

Segundo Freire (2002), deve haver uma relação de interação entre professores<br />

e alunos que será pautada no conhecimento de que o processo de alfabetização de<br />

adultos necessita de uma relação dialogal e autêntica, permitindo que os sujeitos<br />

do ato de conhecer (educador/educando/educador) se encontr<strong>em</strong> movidos pelo<br />

objeto a ser conhecido.<br />

Caso o aluno perceba que não está aprendendo ou que o processo de ensino-<br />

-aprendizag<strong>em</strong> está distante das suas expectativas, ele abandona a escola, e resgatá-lo<br />

é estabelecer o compromisso de resgatar também a sua autoestima para a<br />

capacidade de aprender, pois, como dito anteriormente, ele acredita que já é tarde<br />

para o saber, para a escola.<br />

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Portanto, a anamnese 4 é a grande possibilidade de o educando se expor, de trazer<br />

informações diversificadas dos seus grupos sociais, programas de lazer, formas<br />

de obter informações, hábitos nutricionais, crenças; e de o educador acessar dados<br />

que certamente interferirão na seleção dos conteúdos e da metodologia apropriada<br />

à aprendizag<strong>em</strong>. Ainda, atualizar periodicamente as informações, ressignificando<br />

conteúdos – ciclicamente, tornando-os cada vez mais próximos aos interesses<br />

e necessidades dos alunos. Não basta propor estratégias para descobrir qu<strong>em</strong> é o<br />

nosso aluno. É essencial que a partir desse desvelar haja a adequação do currículo<br />

de forma a atendê-lo.<br />

A burocratização dos conteúdos é o bloqueio aos avanços pedagógicos na EJA,<br />

uma vez que foram organizados sequenciadamente, do mais fácil para o mais difícil<br />

e, ainda, de acordo com a linearidade das fases do desenvolvimento infantil. Assim,<br />

a infantilização dos jovens e adultos é inevitável.<br />

A concepção e a prática bancárias, imobilistas, fixistas, terminam por desconhecer os ho-<br />

mens como seres históricos, enquanto a probl<strong>em</strong>atizadora parte exatamente do caráter<br />

histórico e da historicidade dos homens. por isso mesmo é que os reconhece como seres<br />

que estão sendo, como seres inacabados, inconclusos, <strong>em</strong> e com uma realidade, sendo<br />

histórica também, é igualmente inacabada (Freire, 1980, p. 83).<br />

Torna-se essencial reverter essa situação para que o aluno não se sinta na posição<br />

da criança, pois são “estudantes que aspiram trabalhar, trabalhadores que precisam<br />

estudar”. 5<br />

Aprender: interesse ou necessidade<br />

O hom<strong>em</strong> é movido por pulsões, 6 o que faz com que os seus interesses sejam<br />

transformados <strong>em</strong> necessidades de aprender, que são validadas socialmente para<br />

que, de forma comum, expliqu<strong>em</strong> a sua realidade. São essas situações que redimensionam<br />

a educação, ampliando o foco curricular para as questões de cidadania.<br />

4. Anamnese: do grego aná = trazer de novo e mnesis = m<strong>em</strong>ória, é uma entrevista que t<strong>em</strong> por objetivo trazer de<br />

volta à mente todos os fatos relativos ao entrevistado.<br />

5. parecer ceB 15/98.<br />

6. para Freud, a pulsão significa broto, uma força germinativa; um impulso, impulsão, propulsão. É a forma originária<br />

do querer.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


De acordo com Freinet (GRANzOTTO, 1997), é o fio de Ariadne 7 que irá permitir<br />

que uma escola desenvolva a sua ação pedagógica voltada ao trabalho, com os<br />

recursos técnicos devidamente organizados, propiciando tateio experimental do<br />

estudante de forma criativa e de livre expressão. Reforça, ainda, que é a livre expressão<br />

que libertará o aluno, possibilitando ao educador conhecê-la. Nesse ponto,<br />

as teorias de Freinet e Paulo Freire se entrecruzam, porque é o conhecimento que<br />

propicia o exercício da criticidade, e esta é o que permitirá a liberdade. Então não<br />

há como separar as ações educativas desses objetivos, que num percurso único caminham<br />

para a formação do hom<strong>em</strong>-cidadão.<br />

O destaque da importância da imaginação para a construção do conhecimento,<br />

presente nos estudos de Ellis e Hunt (1993), confirma que, ao obtermos uma<br />

informação via sentidos, o cérebro aciona uma matriz celular correspondente ao<br />

estímulo sensorial. Evidente que a familiaridade com o objeto facilita o seu reconhecimento,<br />

pois a matriz celular já fora desenvolvida (LIMA, 2003).<br />

Nessa teoria é possível inserir a ideia de conhecimento prévio do aluno, que a<br />

partir da segunda metade do século xx ganha margens juntamente com o Construtivismo.<br />

Atualmente v<strong>em</strong> tomando outro sentido. Educadores verificam os conhecimentos<br />

adquiridos pelos alunos até <strong>em</strong> avaliações para esse fim, mas não utilizam<br />

os dados para a adequação de planejamentos que atendam às necessidades deles<br />

e n<strong>em</strong> para propor seus avanços.<br />

Outro aspecto a considerar são as relações afetivas, “pois é certo que o que estabelece<br />

a relação professor e aluno é o prazer <strong>em</strong> aprender e os educadores sab<strong>em</strong><br />

disso, mas a dificuldade está na prática, separam o <strong>em</strong>ocional do cognitivo, o intelectual<br />

do afetivo, o sentir do pensar” (LIMA, 2003).<br />

A aprendizag<strong>em</strong> é determinada pelo aluno, o que quer aprender, como e quando.<br />

Basta lermos <strong>em</strong> suas expressões e encontrarmos a sintonia de fogos: “o fogo do<br />

desejo de ensinar com o fogo do desejo de aprender”, como afirma Madalena Freire.<br />

É nesse boom de <strong>em</strong>oções que se resume o processo de ensino-aprendizag<strong>em</strong>,<br />

pois, para Ranghetti (2001), “é a afetividade que desenha o grau de intensidade que<br />

o nosso eu infere sobre o objeto a conhecer”.<br />

7. Fio de Ariadne: expressão usada na literatura como metáfora. inspirada na lenda de Ariadne, filha de minos, rei de<br />

creta. Designa uma coisa que serve de guia a uma pessoa perdida entre dificuldades. Ariadne, presa <strong>em</strong> um labirinto,<br />

encontrou a saída, guiando-se por um fio que desenrolava à medida que entrava no labirinto.<br />

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Nesse sentido, identificar e canalizar as <strong>em</strong>oções às aprendizagens é tornar a<br />

sala de aula um espaço com significados.<br />

Snyders (1993, p. 392) conclui que:<br />

O aluno aprende realmente b<strong>em</strong> o que cativa, numa atmosfera de aula que lhe pareça se-<br />

gura, com um professor que sabe criar afinidades. eis porque a escola, ao mesmo t<strong>em</strong>po,<br />

t<strong>em</strong> de conciliar o intelectual e o afetivo e constitui um lugar privilegiado para operar essa<br />

conciliação. A alegria da escola só é possível na medida <strong>em</strong> que o intelectual e o afetivo<br />

consegu<strong>em</strong> não se opor.<br />

Tome-se o conceito de interdisciplinaridade, surgido na Europa (final da década<br />

de 1960) e, a seguir, nos EUA, na luta dos estudantes contra a fragmentação das<br />

áreas, buscando a proximidade do currículo aos t<strong>em</strong>as políticos e sociais.<br />

No Brasil, Paulo Freire, na obra Pedagogia do oprimido (1968), conceitua a ação<br />

curricular através de T<strong>em</strong>as Geradores, num diálogo entre os conteúdos a ser<strong>em</strong><br />

estudados com a realidade sobre a análise crítica.<br />

A escolarização dividida <strong>em</strong> disciplinas, s<strong>em</strong> diálogo, propicia a percepção também<br />

fragmentada dos conhecimentos, influenciando o desenvolvimento da habilidade<br />

de síntese, sendo esta adquirida quando a visão global dos fatos é aprendida.<br />

Não é necessário ao educador abdicar de seu percurso profissional, pois “negar<br />

o velho é uma atitude autoritária” (FAzENDA, 2001, p.16). Opor-se a isso é negar o<br />

preceito que fundamenta a atual pedagogia na EJA <strong>em</strong> especial.<br />

quando Arroyo (2008, p. 20) diz “que é urgente recuperar o conhecimento como<br />

núcleo fundante do currículo e o direito ao conhecimento como ponto de partida<br />

para indagar os currículos”, ele reforça novamente a necessidade de definição da<br />

educação que se quer partindo do cidadão que t<strong>em</strong>os e do que quer<strong>em</strong>os formar.<br />

Tais fatores são decisivos para compor sujeitos com conhecimentos necessários ao<br />

direito e aos saberes do trabalho.<br />

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Considerações finais<br />

As questões aqui abordadas buscam articular a probl<strong>em</strong>ática da EJA no que se<br />

refere aos conteúdos, pois cabe à escola organizá-los, e esta o t<strong>em</strong> feito de forma<br />

paralisante, alheia à realidade.<br />

Os alunos de EJA esperam da escola a oportunidade de ser<strong>em</strong> valorizados, pois<br />

a condição de não escolarizados os mantém humilhant<strong>em</strong>ente à marg<strong>em</strong> da vida.<br />

Esperam uma proposta educativa que possibilite o encontro de uma escola segura,<br />

confiável, que respeite as suas experiências e a partir delas possa pensar num currículo<br />

significativo ao seu dia a dia.<br />

Tal proposta não elimina as identidades curriculares, mas conta com profissionais<br />

especializados para assumir o desafio de articular as disciplinas no sentido único<br />

– de compreensão.<br />

Mesmo na incerteza do que é isso e de como fazer, precisamos redimensionar<br />

a nossa educação, significando-a para todos, uma vez que é ilimitado o potencial<br />

humano para descoberta de novos campos de atuação.<br />

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Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores


Práticas educativas e<br />

construção de currículo<br />

<strong>em</strong> EJA<br />

Reflexão das práticas avaliativas, construção<br />

da aprendizag<strong>em</strong> significativa<br />

Adna Ramos Abreu Santos*<br />

RESUMO<br />

Este trabalho apresenta uma breve reflexão sobre<br />

a elaboração do currículo escolar <strong>em</strong> EJA,<br />

apontando aspectos relevantes de um de seus<br />

el<strong>em</strong>entos fundamentais, a avaliação. considerada<br />

um instrumento de suma importância<br />

no currículo escolar e no processo de ensinoaprendizag<strong>em</strong>.<br />

PAlAVRAS-CHAVE: Reflexão; currículo; avalia-<br />

ção; aprendizag<strong>em</strong>.<br />

ABSTRACT<br />

This paper presents a brief reflection on<br />

the development of a school curriculum<br />

on Youth and Adult Education, pointing to<br />

relevant aspects of one of its fundamental<br />

el<strong>em</strong>ents, the evaluation, considered an<br />

instrument of paramount importance in<br />

the school curriculum and in the teaching-<br />

learning process.<br />

KEYwords: reflection, curriculum,<br />

evaluation, learning.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Introdução<br />

* Curso de Graduação <strong>em</strong> Pedagogia - licenciatura Plena. Local de atuação: SESC - Serviço<br />

Social do Comércio - Zona Norte - Natal/RN.<br />

Um dos pontos mais debatidos nos últimos 20 anos é a formação do docente<br />

para atuar na área do Ensino Fundamental, e, <strong>em</strong> especial, na EJA. Inúmeras propostas<br />

inovadoras vêm sendo desenvolvidas com o intuito de avançar no conhecimento<br />

do campo de ensino <strong>em</strong> nosso país e melhorar a posição <strong>em</strong> que se encontram<br />

os caminhos dos saberes nas universidades e escolas públicas <strong>em</strong> geral.<br />

A vida profissional de um docente exige frequentes estudos, pesquisas <strong>em</strong><br />

fontes teóricas e experiências de trabalhos, mas não existe formação teórica que a<br />

prática pedagógica <strong>em</strong> sala de aula não supere com novas reflexões baseadas <strong>em</strong><br />

observações comportamentais do aluno, na análise das suas mudanças de atitudes<br />

<strong>em</strong> relação ao aprendizado mediado pelo professor, b<strong>em</strong> como no desenvolvimento<br />

de suas habilidades.<br />

Tendo por finalidade contribuir para a ampliação dos seus conhecimentos,<br />

auxiliando-os nas necessidades presentes no seu cotidiano, este artigo v<strong>em</strong> apresentar<br />

uma breve reflexão sobre a relevância das práticas docente e avaliativa na<br />

sala de aula como el<strong>em</strong>entos básicos e essenciais para a elaboração do currículo <strong>em</strong><br />

EJA, b<strong>em</strong> como da participação do corpo discente, contribuindo com suas histórias<br />

reais e experiências. Tais práticas dev<strong>em</strong> propiciar ao educando uma transformação<br />

que o torne capaz de viver <strong>em</strong> uma sociedade com dignidade, reconhecendo seus<br />

direitos e deveres, buscando resoluções para seus probl<strong>em</strong>as.<br />

quanto à avaliação <strong>em</strong> EJA, que des<strong>em</strong>penha um papel essencial no currículo<br />

escolar, esta não se restringirá apenas a formular um levantamento de informações<br />

sobre resultados de aprendizagens, mas funcionará como um el<strong>em</strong>ento de planejamento,<br />

ação-reflexão-ação.<br />

Essa prática integra o processo de ensino e aprendizag<strong>em</strong>, de forma que poderá<br />

ser realizada continuamente pelo professor, que irá observar as atitudes, os<br />

procedimentos, os conceitos e as ações direcionadas a situações reais, mostrando<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

137<br />

Práticas<br />

educativas e<br />

construção de<br />

currículo <strong>em</strong> EJA


138<br />

Práticas<br />

educativas e<br />

construção de<br />

currículo <strong>em</strong> EJA<br />

que realmente a aprendizag<strong>em</strong> se deu de forma significativa, s<strong>em</strong> pesar notas ou<br />

pontuações, evitando uma concorrência por valores numéricos ou um julgamento<br />

negativo, s<strong>em</strong> nada fazer para melhorar e buscar soluções para o aluno que não<br />

conseguiu avançar.<br />

Um currículo real<br />

O currículo é um importante instrumento educacional, seja no âmbito escolar<br />

regular ou na modalidade de EJA. Isso já é reconhecido por parte de qu<strong>em</strong> tenta<br />

organizar os caminhos que dev<strong>em</strong> percorrer o ensino e a aprendizag<strong>em</strong> no processo<br />

cognitivo do ser social. O fundamental na sua elaboração não é compreendê-lo<br />

apenas na forma tradicional, como um conjunto de conteúdos programáticos, mas,<br />

sim, como e a qu<strong>em</strong> será direcionada essa organização de conteúdos curriculares.<br />

O caminho que leva à formulação de uma proposta curricular torna-se o fruto<br />

de uma série de decisões sucessivas que serão o resultado da aplicação de alguns<br />

princípios firm<strong>em</strong>ente estabelecidos e unanim<strong>em</strong>ente aceitos. Consequent<strong>em</strong>ente,<br />

o que importa é justificar e argumentar sobre a solidez das decisões que vamos tomando<br />

e sobretudo velar pela coerência do conjunto (COLL, 1987, p. 43).<br />

Na sua elaboração, de certa forma, estão implícitos o corpo docente e o discente,<br />

tornando-os reais e presentes.<br />

O docente está diretamente <strong>em</strong> contato com diversificadas situações vivenciadas<br />

pelos alunos. É ele qu<strong>em</strong> propicia a conexão entre os objetivos, conteúdos e<br />

realidade dos alunos. quanto ao corpo discente, este traz uma riqueza de experiências<br />

culturais e sociais para ser<strong>em</strong> compartilhadas na sala com o grupo, ampliando<br />

os conhecimentos e tornando a aprendizag<strong>em</strong> significativa. Sendo assim, o currícu-<br />

-lo se torna um documento real e presente, podendo relacionar-se com o cotidiano<br />

dos alunos, tanto dentro da escola como fora dela.<br />

Coll (1987) afirma que o currículo pode ser considerado um projeto, pois ele é<br />

um guia para os encarregados do seu desenvolvimento, um instrumento útil para<br />

orientar a prática pedagógica, uma ajuda para o professor. Por essa função, não<br />

pode limitar-se a enunciar uma série de intenções, princípios e orientações gerais<br />

que, por ser excessivamente distante da realidade das salas de aula, seja de escassa<br />

ou nula ajuda para os professores. Portanto, o cuidado que dev<strong>em</strong>os tomar<br />

com esse guia é o de não deixar de fora o processo de produção sociocultural<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


presente no cotidiano escolar e os sujeitos envolvidos na dinâmica de efetivação<br />

das propostas.<br />

Um projeto curricular válido, útil e eficaz é, por definição, um instrumento indefinida-<br />

mente perfectível cujo uso pelos professores nunca se limita – ou não deveria limitar-se<br />

– a uma aplicação mais ou menos automática. Um bom projeto curricular não é o que<br />

oferece soluções prontas, fechadas e definitivas aos professores, mas aquele que lhes<br />

proporciona el<strong>em</strong>entos úteis para que possam elaborar <strong>em</strong> cada caso as soluções mais<br />

adequadas, <strong>em</strong> função das circunstâncias particulares nas quais exerc<strong>em</strong> sua atividade<br />

profissional (cOll, 1987, p. 188).<br />

O desafio do educador<br />

Nas práticas curriculares de sala de aula é comum os professores agir<strong>em</strong> conforme<br />

o sist<strong>em</strong>a de trabalho que lhes é destinado, selecionando uma lista com conteúdos<br />

e t<strong>em</strong>as julgados relevantes. Depois, escolh<strong>em</strong> qualquer t<strong>em</strong>a, organizam atividades<br />

que dev<strong>em</strong> ser realizadas <strong>em</strong> busca de respostas às suas questões, seguindo<br />

o roteiro para concluí-lo no final de cada ano letivo. Porém, o grande desafio do<br />

educador é fazer com que esse documento oficial e técnico se transforme <strong>em</strong> um<br />

currículo vivo, ou seja, aquele <strong>em</strong> que o profissional vai tentar associar o conteúdo<br />

ao que é necessário na formação de um determinado sujeito que já atua <strong>em</strong> um<br />

mundo social.<br />

O professor se dirige a uma sala de EJA com intuito de desenvolver seu trabalho<br />

s<strong>em</strong> a preocupação de relacionar os conteúdos com as experiências dos alunos, seus<br />

desejos e ideais ou seus objetivos de vida. A dinâmica dos encontros se torna cansativa<br />

e desestimulante, s<strong>em</strong> falar que não vai auxiliá-los <strong>em</strong> suas necessidades sociais<br />

cotidianas. Diferente desse professor é o que entra <strong>em</strong> contato com o grupo através<br />

de um texto que reflete a sua vida e a dos alunos, conversando e pedindo ex<strong>em</strong>plos<br />

de situações contidas nos versos de uma poesia, comparando e valorizando a história<br />

de cada um, fazendo-os perceber e aceitar a riqueza que têm suas experiências.<br />

As experiências de vida mais diversas surg<strong>em</strong> na atividade pedagógica e interfer<strong>em</strong> no<br />

trabalho curricular, trazendo ao cotidiano da escola uma multiplicidade e uma riqueza cul-<br />

tural e social não controláveis pelas propostas curriculares. Sendo assim, poder-se-ia dizer<br />

que exist<strong>em</strong> muitos currículos <strong>em</strong> ação nas escolas, apesar dos diferentes mecanismos<br />

homogeneizadores. infelizmente, boa parte das propostas curriculares t<strong>em</strong> sido incapaz de<br />

incorporar essas experiências, pretendendo pairar acima da atividade prática e diária dos<br />

sujeitos que constitu<strong>em</strong> a escola (OliVeirA, 2001).<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

139<br />

Práticas<br />

educativas e<br />

construção de<br />

currículo <strong>em</strong> EJA


140<br />

Práticas<br />

educativas e<br />

construção de<br />

currículo <strong>em</strong> EJA<br />

A construção do currículo poderá ser coletiva. Antes da organização dos conteúdos,<br />

deve-se pensar qu<strong>em</strong> é o sujeito que ir<strong>em</strong>os auxiliar a ampliar o seu saber:<br />

um jov<strong>em</strong> que t<strong>em</strong> sonhos de frequentar uma universidade, um adulto que<br />

pretende melhorar suas habilidades de leitura e mudar de cargo na <strong>em</strong>presa onde<br />

trabalha, ou até mesmo um sujeito na terceira idade que gostaria de aprender a ler<br />

um po<strong>em</strong>a, simplesmente porque l<strong>em</strong>bra sua vida, mas não teve oportunidade de<br />

desenvolver suas habilidades de leitura e escrita. É com essa diversidade com que<br />

nos deparamos nas salas de aula de EJA, é um desafio para o professor trabalhar<br />

com os diferentes objetivos e pensar <strong>em</strong> uma forma de elaborar um currículo que<br />

cont<strong>em</strong>ple essa heterogeneidade escolar.<br />

Refletindo sobre esse público de jovens e adultos, é fundamental organizar alguns<br />

importantes aspectos do currículo <strong>em</strong> EJA, que deveríamos utilizar para estruturar<br />

esse documento, tornando-o vivo e real: primeiramente, buscar informações<br />

necessárias para definir as intenções que formaram os objetivos e conteúdos,<br />

considerando a singularidade dos vínculos estabelecidos por cada um <strong>em</strong> função<br />

das experiências e conhecimentos anteriores, e, <strong>em</strong> segundo, romper com o formalismo<br />

e incorporar os saberes, valores e crenças adquiridos no universo social pelos<br />

grupos de alunos.<br />

Segundo Beane (1997), com esse enfoque colaborativo, a integração curricular<br />

também promove uma integração social. Por essa razão, os professores que utilizam<br />

a aproximação <strong>em</strong>penham-se <strong>em</strong> criar comunidades d<strong>em</strong>ocráticas <strong>em</strong> suas<br />

salas de aula.<br />

Com a integração de conhecimentos prévios vivenciados no dia a dia pelos<br />

alunos é que os professores poderão ampliar saberes que realmente beneficiarão o<br />

desenvolvimento e relacionar os conteúdos que serão um diferencial na aprendizag<strong>em</strong>.<br />

Assim, os educandos alcançarão os verdadeiros objetivos por eles almejados,<br />

aqueles que têm um significado concreto e eficaz <strong>em</strong> suas vidas.<br />

Para isso, nós, professores, dev<strong>em</strong>os estar atentos à organização dos conteúdos<br />

presentes no currículo da EJA, não nos restringindo a transmitir apenas matérias<br />

dentro de disciplinas estabelecidas e que não tenham nenhum vínculo com a realidade<br />

dos alunos, mas trabalhando de uma única forma, visando a atender todos<br />

no grupo com equidade, pois não dev<strong>em</strong>os esquecer que nossas salas de aula são<br />

também heterogêneas, cada um aprende <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos e de maneiras diferentes.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Os conteúdos que dev<strong>em</strong>os abordar nas salas de <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos<br />

dev<strong>em</strong> conter t<strong>em</strong>áticas que lev<strong>em</strong> os alunos a refletir sobre sua condição de m<strong>em</strong>-<br />

bros de uma sociedade, na qual se produz<strong>em</strong> certas formas de relação das pessoas<br />

entre si e delas com o meio natural.<br />

A avaliação, por muito t<strong>em</strong>po, limitou-se a reunir informações sobre resultados<br />

de aprendizag<strong>em</strong> obtidos pelos alunos, que, muitas vezes, eram tidos como<br />

responsáveis pelo sucesso ou fracasso na escola. O ato de avaliar poderá servir a<br />

outros fins, além de só saber se o aluno alcançou ou não certos objetivos de aprendizag<strong>em</strong>.<br />

A avaliação reúne diferentes sujeitos e objetos, também diversas funções,<br />

por ser concebido como um el<strong>em</strong>ento do planejamento e como uma prática que<br />

integra o processo de ensino e aprendizag<strong>em</strong>.<br />

Ao centrarmos a avaliação no educador, dev<strong>em</strong>os analisar o processo de ensino<br />

planejado e executado por ele, suas expectativas <strong>em</strong> relação ao grupo ou a cada<br />

aluno, a adequação dos conteúdos e as estratégias didáticas. Com essa expectativa,<br />

a avaliação é tomada como instrumento de acompanhamento do processo de<br />

aprendizag<strong>em</strong> de cada aluno e do grupo, ao mesmo t<strong>em</strong>po, instrumento de acompanhamento<br />

do processo de ensino, de regulação do planejamento e verificação<br />

de sua adequação às necessidades de aprendizag<strong>em</strong> dos alunos. Entre as diversas<br />

possibilidades de avaliação estão a diagnóstica ou inicial, a formativa ou a de processo<br />

e a somativa ou de resultados, que des<strong>em</strong>penham a função, para o aluno e<br />

para o educador, de integrar a prática educativa do início ao fim, de forma contínua<br />

no decorrer do processo.<br />

A primeira, diagnóstica ou inicial, é essencial para darmos partida à aprendizag<strong>em</strong><br />

dos alunos, para identificarmos seus conhecimentos prévios sobre determinado<br />

t<strong>em</strong>a, conceito, procedimento etc. Esse momento é adequado para que o<br />

professor conheça o que os alunos já sab<strong>em</strong>, quais procedimentos dominam, que<br />

atitudes os predispõ<strong>em</strong> ou indispõ<strong>em</strong> para realizar a aprendizag<strong>em</strong> do conteúdo<br />

<strong>em</strong> pauta. Com essas informações, o educador poderá ajustar seu plano de intervenção<br />

pedagógica, adequando-o às condições <strong>em</strong> que seus alunos se encontram.<br />

A avaliação formativa ou de processo é a que permite ao educador acompanhar<br />

o processo de aprendizag<strong>em</strong> dos alunos e saber de que modo as atividades didáti-<br />

cas estão colaborando ou não para que os alunos atinjam os objetivos previstos. Ba-<br />

seando-se nessas informações, o educador poderá também realizar ajustes no seu<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

141<br />

Práticas<br />

educativas e<br />

construção de<br />

currículo <strong>em</strong> EJA


142<br />

Práticas<br />

educativas e<br />

construção de<br />

currículo <strong>em</strong> EJA<br />

plano com o objetivo de encontrar respostas às necessidades manifestadas pela<br />

turma ou por algum aluno, para os quais deverá propiciar trabalhos diferenciados.<br />

Por último, a avaliação somativa ou a de resultados t<strong>em</strong> como objeto os resultados<br />

obtidos pelos alunos, e que é ponto de chegada promovido pelo educador por<br />

meio de seu plano de ensino. É através desse instrumento que ele prevê e planeja<br />

novas aprendizagens, revendo seu plano e estratégias de trabalho para uma próxima<br />

etapa ou uma nova turma.<br />

Desse modo, a escola encerra sua ação na verificação dos resultados, transformando<br />

“o processo dinâmico da aprendizag<strong>em</strong> <strong>em</strong> passos estáticos e definitivos”.<br />

No entanto, a avaliação da aprendizag<strong>em</strong> deve ser “um ato dinâmico que qualifica e<br />

subsidia o reencaminhamento da ação” (LUCKESI, 1990, p. 75).<br />

O educador poderá utilizar diversas formas de registro de sua prática e dos<br />

avanços do aluno. Uma dessas formas presente no dia a dia de sala de aula, é o<br />

portfólio dos alunos, que é um instrumento que arquiva informações obtidas <strong>em</strong><br />

avaliações diagnósticas, de processo e de resultados, organizando atividades que<br />

acompanham a aprendizag<strong>em</strong>. Com esse instrumento, que permanece <strong>em</strong> sala de<br />

aula, o professor pode se orientar para fazer seus registros e observações, analisar,<br />

refletir, estudar e pesquisar novos caminhos. É esse registro diário, s<strong>em</strong>anal ou mensal<br />

de todo o processo de trabalho desenvolvido com os alunos, observando suas<br />

atitudes, ações e procedimentos diante das dificuldades encontradas e os novos<br />

conceitos adquiridos por eles, que facilitará um novo planejamento de ações para<br />

mediar uma aprendizag<strong>em</strong> significativa.<br />

Outro instrumento de que o professor poderá apropriar-se é a ficha de observação<br />

por objetivo de aprendizag<strong>em</strong>, que consiste <strong>em</strong> uma tabela preenchida pelo<br />

educador <strong>em</strong> determinados períodos do processo de aprendizag<strong>em</strong>. Exist<strong>em</strong> ainda<br />

diversas formas de organizar as informações que substitu<strong>em</strong> a avaliação, além de<br />

atividades especialmente destinadas a esse fim, como provas, trabalhos, pesquisas<br />

etc. O importante é contar com alguma forma de registro que retrate o andamento<br />

do processo de ensino e aprendizag<strong>em</strong>, para que tanto os alunos quanto o educador<br />

tenham referências para aperfeiçoar o trabalho.<br />

no seu verdadeiro sentido, a avaliação s<strong>em</strong>pre faz parte do processo de ensino-aprendi-<br />

zag<strong>em</strong>, pois o professor não pode propiciar a aprendizag<strong>em</strong> a menos que esteja cons-<br />

tant<strong>em</strong>ente avaliando as condições de interação com seus educandos (VAScOncellOS,<br />

1956, p. 59).<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


A questão da avaliação está na verdade voltada para uma finalidade funda-<br />

mental, que é favorecer a aprendizag<strong>em</strong> dos alunos e auxiliá-los a alcançar esse<br />

fim com clareza e significado. Como instituição, o que se espera da escola é que<br />

possa colaborar para formar a cidadania (objetivo de que participam outras ins-<br />

tâncias sociais) pela mediação do conhecimento científico, estético e filosófico. O<br />

conhecimento não t<strong>em</strong> sentido <strong>em</strong> si mesmo: deve ajudar a compreender o mundo<br />

e a nele intervir. Assim sendo, entend<strong>em</strong>os que a principal finalidade da avaliação<br />

no processo escolar é ajudar a garantir a formação integral do sujeito por meio da<br />

efetiva construção do conhecimento, a aprendizag<strong>em</strong> por parte de todos os alunos<br />

(VASCONCELLOS, 2000, p. 47).<br />

Algum dia, pod<strong>em</strong>os imaginar, não mais haverá notas, conceitos ou classificação<br />

na escola. Porém, a avaliação, com certeza, s<strong>em</strong>pre existirá, com o objetivo de<br />

acompanhar o desenvolvimento dos alunos, para ajudá-los <strong>em</strong> suas dificuldades,<br />

não com a finalidade de exclusão do processo educacional.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

143<br />

Práticas<br />

educativas e<br />

construção de<br />

currículo <strong>em</strong> EJA


144<br />

Práticas<br />

educativas e<br />

construção de<br />

currículo <strong>em</strong> EJA<br />

Considerações finais<br />

Em resumo, pode-se concluir que a elaboração de um currículo na escola é fun-<br />

damental para se alcançar um bom des<strong>em</strong>penho e rendimento do educando, e que<br />

a prática, a experiência e estudos facilitam a elaboração de um documento que<br />

auxilie todo o trabalho docente com base na vida dos discentes e de toda a comunidade<br />

escolar.<br />

Esta breve reflexão não t<strong>em</strong> como intuito fornecer a receita certa para se elaborar<br />

um currículo com um mesmo padrão, pois b<strong>em</strong> sab<strong>em</strong>os que cada escola, seus<br />

profissionais e alunos têm uma necessidade diferenciada, mas que a experiência<br />

com a prática nos favoreça no desafio de enfrentar e vencer as dificuldades que<br />

encontramos na área da educação.<br />

Se pretendermos que os nossos alunos jovens e adultos se apropri<strong>em</strong> do conhecimento<br />

e da aprendizag<strong>em</strong> significativa e que tenham o saber como um requisito<br />

essencial e como uma ferramenta que os auxilie <strong>em</strong> sua vida social, dev<strong>em</strong>os ir<br />

além do marco de um currículo disciplinar idealizado para submeter a população<br />

a um saber não funcional. Precisamos nos aproximar da realidade dos alunos com<br />

o objetivo de realmente ajudá-los a vencer e a ter uma vida digna na sociedade.<br />

Dev<strong>em</strong>os pensar melhor no instrumento de avaliação, tomando os devidos cuidados<br />

não para medir o que o aluno sabe, mas para observar sua reação diante de<br />

situações desafiadoras do cotidiano com base na aprendizag<strong>em</strong> adquirida.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


REFERÊNCIAS<br />

BeAne, J. A. Curriculum integration: designing the core of d<strong>em</strong>ocratic education. new York:<br />

teacher’s college press, 1997.<br />

cOll, c. Psicologia e currículo: uma aproximação psicopedagógica à elaboração do currículo<br />

escolar. [S.l.]: Ática, 1987.<br />

lUcKeSi, c. c. Verificação ou avaliação: o que pratica a escola? in: cOnHOlAtO, m. c. A construção<br />

do projeto de ensino e a avaliação. São paulo: FDe, 1990. (Série idéias, n. 8).<br />

OliVeirA, i. B. tendências recentes dos estudos e das práticas curriculares. Alfabetização e Cidadania:<br />

revista de educação de Jovens e Adultos, São paulo, n. 11, abr. 2001.<br />

VAScOncellOS, c. S. Avaliação: concepção dialética-libertadora do processo de avaliação escolar.<br />

11. ed. São paulo: libertad, 2000.<br />

ViVer, aprender: educação de Jovens e Adultos, guia do educador. 3. ed. São paulo: Global, 2004.<br />

YUS, r. <strong>em</strong> busca de coerência, colaboração e relevância. Pátio: revista pedagógica, porto Alegre,<br />

n. 27, p.18-19.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

145<br />

Práticas<br />

educativas e<br />

construção de<br />

currículo <strong>em</strong> EJA


Reflexões para a<br />

constituição de um<br />

currículo possível <strong>em</strong><br />

<strong>Educação</strong> de Jovens e<br />

Adultos<br />

Lêda Letro Ribeiro*<br />

RESUMO<br />

Este trabalho resulta da minha reflexão sobre<br />

as fundamentações teóricas da educação;<br />

a função da escola na atual conjuntura brasileira;<br />

os impactos das novas políticas públicas<br />

sobre o direito de todos os brasileiros a uma<br />

educação de qualidade; as especificidades da<br />

<strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos (EJA); e os desafios<br />

gerados <strong>em</strong> relação à elaboração de um<br />

currículo que leve <strong>em</strong> conta os processos pedagógicos,<br />

inclusive de alfabetização e letramento<br />

dos alunos no Ensino Médio, e à necessidade<br />

de formação de professores qualificados para o<br />

atendimento desse público.<br />

PAlAVRAS-CHAVE: <strong>Educação</strong>; direito; currículo;<br />

jovens e adultos.<br />

ABSTRACT<br />

These paper results from my reflections on<br />

the theoretical foundations of education,<br />

the role of schools in the current Brazilian<br />

juncture, the impacts of new public policies<br />

on the right of all Brazilians to quality<br />

education, the specifics of Youth and Adult<br />

Education, and the challenges faced when<br />

developing a curriculum that takes into<br />

account the teaching processes, including<br />

the literacy and higher learning of high<br />

school students, and the need to train<br />

qualified teachers in order to meet the needs<br />

of this target audience.<br />

KEYwords: Education; law; curriculum;<br />

youth and adults.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Introdução<br />

* Profissional integrada à <strong>Educação</strong> Básica na Modalidade <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos<br />

na IF-SC; professora de Geografia e Filosofia, no curso de ensino médio modalidade EJA no<br />

SESC-SC; m<strong>em</strong>bro do Fórum Estadual de EJA e professora/tutora a distância do polo de<br />

Florianópolis, no curso de aperfeiçoamento de professores de EJA da UFSC.<br />

O presente trabalho está organizado <strong>em</strong> quatro partes: na primeira, traço<br />

um panorama de como a educação brasileira está inserida no contexto político<br />

mundial e nacional e defendo a importância do professor como agente crítico de<br />

mudança; na segunda parte, apresento os principais desafios e dil<strong>em</strong>as enfrentados<br />

pelos professores da EJA e desenvolvo a ideia de que é possível e necessária a<br />

constituição de um currículo mais adequado às especificidades dessa modalidade<br />

de ensino; na terceira, relato como a teoria e a prática pedagógica se recriam e se<br />

contextualizam no cotidiano escolar do Centro de Atendimento de Florianópolis<br />

(CAF); e na quarta e última parte concluo com a mesma questão que o inicia,<br />

será mesmo possível a constituição de uma proposta curricular baseada <strong>em</strong> um<br />

outro paradigma?<br />

O conhecimento crítico como poder de<br />

transformação<br />

A educação é um campo onde as decisões simbólicas são tomadas a partir de<br />

uma luta <strong>em</strong> que diferentes classes estão envolvidas. A cultura dominante integra<br />

a classe dominante ao distingui-la das outras e ao desmobilizar a classe dominada<br />

a partir dos sist<strong>em</strong>as simbólicos que serv<strong>em</strong> para impor e legitimar a dominação.<br />

Nesse contexto a escola funciona como o aparelho ideológico central do Estado,<br />

transmitindo a ideologia da cultura dominante por meio de seu currículo, o que<br />

garante a reprodução mais ampla da sociedade capitalista (SILVA, 2001).<br />

Assistimos, nas últimas décadas, à construção de um discurso ideológico divulgado<br />

pelas classes dominantes <strong>em</strong> todo o mundo, inclusive aqui no Brasil, no qual a<br />

educação quase s<strong>em</strong>pre esteve relacionada a padrões e modelos que não atend<strong>em</strong><br />

às necessidades da sua população, mas a uma lógica externa. Ao longo da história,<br />

a dominação se fez presente nas mais diversas áreas: econômica, institucional e política,<br />

estando esse discurso representado, entre outros, <strong>em</strong> documentos legais que<br />

legitimam políticas educacionais neoliberais.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

147<br />

Reflexões para<br />

a constituição<br />

de um currículo<br />

possível <strong>em</strong><br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos


148<br />

Reflexões para<br />

a constituição<br />

de um currículo<br />

possível <strong>em</strong><br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos<br />

Na década de 1990, o Ministério da <strong>Educação</strong> (MEC), <strong>em</strong> associação aos organismos<br />

internacionais: Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização<br />

Mundial do Comércio (OMC) etc., preparam, por intermédio da escola, tanto<br />

educadores como educandos para aceitar<strong>em</strong> passivamente a lógica do capital,<br />

como se esta fosse uma “coisa natural” (SIqUEIRA, 1997). O que se observou foi a<br />

nova agenda educacional imposta por esses organismos, que prega a expansão da<br />

escolarização básica com o objetivo de acabar com o analfabetismo e de atender às<br />

necessidades do mercado <strong>em</strong> detrimento dos cursos de educação de nível superior<br />

e da pesquisa, o que ainda leva o país a uma dependência cada vez maior da ciência<br />

e da tecnologia desenvolvidas no exterior.<br />

Nesse contexto, a adoção da lógica da gestão <strong>em</strong>presarial pelas escolas v<strong>em</strong><br />

se tornando real. A docência e a profissionalização dos professores vêm regidas<br />

por leis, diretrizes e pareceres que estimulam a competição entre as instituições.<br />

Transformam, assim, a função do professor, que antes era a de transmissor do conhecimento,<br />

na de colaborador, um profissional competente, eficiente, habilidoso,<br />

polivalente e comprometido com a construção de uma escola eficaz que objetiva<br />

formar trabalhadores cada vez mais competentes, habilidosos, versáteis e atualizados.<br />

Entretanto, alienados, não enxergam que ao competir por uma vaga <strong>em</strong> um<br />

mercado capitalista que oferece <strong>em</strong>prego somente para uma parcela da população<br />

provocam o aumento da exclusão social e da miséria da nação.<br />

Com um discurso ambíguo de descentralização e autonomia, o governo foi se<br />

desobrigando de seus deveres, transferindo para esferas menores, estados e municípios,<br />

a responsabilidade da oferta da educação básica, ao mesmo t<strong>em</strong>po que<br />

continuou exercendo controle sobre a suposta qualidade, através do Sist<strong>em</strong>a de<br />

Avaliação, que impõe padrões de eficiência aos sist<strong>em</strong>as de ensino.<br />

Paralelamente a essas políticas, entidades ligadas à formação de professores<br />

buscam desenvolver uma base comum nacional para formação dos profissionais da<br />

educação, como é o caso da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa <strong>em</strong><br />

<strong>Educação</strong> (Anped), oferecendo oportunidade para uma qualificação real.<br />

Nós, professores, precisamos juntar esforços a essas entidades para melhor conhecer<br />

a história e o contexto <strong>em</strong> que os documentos e os discursos sobre a EJA<br />

foram e são produzidos. Esse entendimento, a meu ver, é fundamental para a realização<br />

de um trabalho crítico e libertador nessa modalidade.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Dil<strong>em</strong>as e desafios, qual a melhor forma de<br />

superá-los?<br />

Segundo o Documento Base Nacional Preparatório à VI Conferência Internacional<br />

de <strong>Educação</strong> de Adultos (Confintea), os números do analfabetismo no Brasil<br />

ainda são enormes. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou<br />

que 14,4 milhões de brasileiros, com 15 anos ou mais, eram analfabetos <strong>em</strong> 2006; na<br />

região Sul eram 1,2 milhão. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio<br />

(Pnad), 30,5 milhões de brasileiros com 15 anos ou mais <strong>em</strong> 2006 eram analfabetos<br />

funcionais, ainda que tenham frequentado a escola <strong>em</strong> média 8,5 anos. Esses dados<br />

confirmam e denunciam a desigualdade de acesso e permanência na escola entre<br />

os cidadãos, a precariedade do desenvolvimento da habilidade básica de leitura e<br />

escrita e o quanto ainda se t<strong>em</strong> a fazer para transformar a escola <strong>em</strong> um espaço de<br />

inclusão e de valorização das múltiplas culturas que constitu<strong>em</strong> a nossa sociedade.<br />

A realidade dos nossos alunos não é diferente. Como resultado de todos esses<br />

fatores, atualmente receb<strong>em</strong>os matrículas no Ensino Médio de alunos precariamente<br />

alfabetizados, muitos analfabetos funcionais. Esses estão sendo promovidos<br />

pelos professores do Ensino Fundamental antes de sequer dominar a técnica de<br />

leitura e escrita.<br />

Tal fenômeno t<strong>em</strong> desafiado o coletivo de professores que leciona no nível<br />

médio na modalidade EJA. Na maioria das vezes, somos profissionais que não<br />

possu<strong>em</strong> formação específica <strong>em</strong> alfabetização. Por isso ficamos s<strong>em</strong> saber como<br />

agir. O que fazer? Aqui, arrisco a fazer algumas especulações. Talvez as instituições<br />

que oferec<strong>em</strong> vagas nos cursos de nível médio devess<strong>em</strong> contratar profissionais<br />

especialistas <strong>em</strong> alfabetização. Essa atitude, <strong>em</strong> curto prazo, poderia levar as escolas<br />

a cumprir seu dever mais el<strong>em</strong>entar que é o de ensinar a ler e escrever; <strong>em</strong> médio<br />

prazo, nós, professores, poderíamos nos qualificar para atender às necessidades de<br />

alfabetização dos alunos jovens e adultos e, <strong>em</strong> longo prazo, os gestores, educadores<br />

e educandos do primeiro e segundo segmentos do Ensino Fundamental e do<br />

Ensino Médio deveriam promover encontros para debater e estabelecer o nível de<br />

proficiência <strong>em</strong> leitura e escrita que o aluno deve alcançar antes de ser promovido<br />

para o nível seguinte.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

149<br />

Reflexões para<br />

a constituição<br />

de um currículo<br />

possível <strong>em</strong><br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos


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Reflexões para<br />

a constituição<br />

de um currículo<br />

possível <strong>em</strong><br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos<br />

Porém, enquanto medidas não são tomadas, o que fazer com esses jovens e<br />

adultos que ao final de um curso de nível médio ainda se encontram no estágio de<br />

s<strong>em</strong>ianalfabetismo?<br />

Acredito que o maior dil<strong>em</strong>a dos professores da EJA, hoje, seja decidir sobre o<br />

que fazer. Certificar o aluno que frequentou as aulas, mas não concluiu seu processo<br />

de alfabetização, ou reprová-lo e contribuir para o agravamento de sua baixa autoestima,<br />

reafirmando sua incapacidade de aprender?<br />

A responsabilidade dos educadores que trabalham nos cursos que possu<strong>em</strong><br />

autonomia para fazer a avaliação no processo e expedir o certificado de conclusão<br />

da <strong>Educação</strong> Básica é muito grande. O que leva a formular outras perguntas: qual<br />

a qualidade de um curso que não consegue sequer alfabetizar os alunos? Até que<br />

ponto a responsabilidade é do professor que não está conseguindo fazer as mediações<br />

necessárias e até que ponto a responsabilidade é do aluno que não está se<br />

dedicando o suficiente para superar suas limitações? Como buscar juntos respostas<br />

satisfatórias a essas questões? Segundo Hoffmann (1997),<br />

Uma prática libertadora da avaliação não exige obrigatoriamente uma revolução de mé-<br />

todos e técnicas, mas uma compreensão diferenciada do seu significado, uma consciência<br />

crítica de nossas ações.<br />

E no caso dos alunos que chegam alfabetizados ao Ensino Médio, como formálos<br />

para que se apropri<strong>em</strong> cada vez mais de sua língua materna <strong>em</strong> benefício de<br />

todos? O que cabe aos professores realizar <strong>em</strong> relação ao letramento para que se<br />

alcance o b<strong>em</strong> comum? Acredito que propiciar situações <strong>em</strong> que o aluno se mobilize<br />

para:<br />

• desenvolver a capacidade de usar a língua portuguesa, compreendendo que<br />

ela possui códigos e convenções que são apenas parecidos com os da língua<br />

falada;<br />

•<br />

•<br />

ampliar seu vocabulário;<br />

passar de um pensamento rudimentar a um mais complexo;<br />

• expressar melhor, seja oralmente ou por escrito, suas <strong>em</strong>oções, seus sentimentos,<br />

seus sonhos, seus planos etc.;<br />

•<br />

•<br />

conhecer, reconhecer, ler e interpretar textos de vários gêneros e tipos;<br />

identificar os suportes <strong>em</strong> que estes são publicados;<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


• compreender que a leitura nos permite repensar o que se pensa de acordo<br />

com as ideias de outros, inclusive daqueles que já morreram ou que estão<br />

distantes de nós;<br />

•<br />

•<br />

buscar informações;<br />

participar de debates, de s<strong>em</strong>inários, reuniões;<br />

• construir argumentos para discordar, se opor, concordar, enfim, posicionarse<br />

e daí ter o que escrever;<br />

• escrever com a intenção de divulgar as próprias ideias e, a partir disso, interferir<br />

e influenciar na forma e nos pensamentos de outras pessoas;<br />

• entender que escrever dá poder e que quanto melhor se escrev<strong>em</strong> ideias<br />

criativas, criadoras, lógicas, maiores as chances destas se tornar<strong>em</strong> “imortais”.<br />

Assim, talvez, o aluno perceba o papel social da escrita.<br />

Além disso, nós, professores, também t<strong>em</strong>os que ter consciência da importância<br />

da leitura e da escrita na participação social. Precisamos investir na nossa formação<br />

e qu<strong>em</strong> sabe nos tornarmos, como diz Ramos (2007),<br />

(...) um intelectual pesquisador, comprometido com a elaboração de um currículo que or-<br />

ganize os conhecimentos tanto <strong>em</strong> forma de disciplinas ou de projetos interdisciplinares,<br />

mas que garanta a manutenção dos referenciais das ciências básicas, relacionando os con-<br />

ceitos e integrando conhecimentos gerais e específicos, sob uma construção contínua ao<br />

longo da formação, sob os eixos do trabalho, da ciência e da cultura.<br />

Outra informação trazida pelo Documento Base Nacional Preparatório à VI<br />

Confintea é o crescimento das matrículas de jovens e adultos na modalidade EJA<br />

do Ensino Médio no Brasil. Entre 1997 e 2006, este foi da ord<strong>em</strong> de 344%. Essa nova<br />

realidade amplia as perspectivas para EJA, apontando-a como uma área específica de<br />

direitos e de responsabilidade político-educacional, já que educamos quase s<strong>em</strong>pre<br />

agentes oriundos das classes populares, jovens, adultos e idosos, na sua maioria<br />

negros e negras pobres, filhos de trabalhadores braçais analfabetos, que possu<strong>em</strong><br />

uma trajetória escolar marcada pela discriminação negativa, pelas reprovações<br />

e interrupções. A cada dia está mais presente na escola a multiplicidade de raça,<br />

de cultura, de gênero, de linguag<strong>em</strong>, de classe etc., o que nos obriga a definir um<br />

novo paradigma para essa modalidade da <strong>Educação</strong> Básica, construindo não só um<br />

currículo que inclua a todos, mas uma escola que rompa com o modelo tradicional.<br />

As políticas públicas e a elaboração de documentos-base para a EJA são muito<br />

recentes e muito ainda se discute na Câmara de <strong>Educação</strong> Básica do Conselho<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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Reflexões para<br />

a constituição<br />

de um currículo<br />

possível <strong>em</strong><br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos


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Reflexões para<br />

a constituição<br />

de um currículo<br />

possível <strong>em</strong><br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos<br />

Nacional da <strong>Educação</strong> (CEB/CNE); somam-se a isso professores desqualificados,<br />

desatualizados e desmobilizados; um contexto sociocultural desfavorável dos<br />

alunos; e a falta de infraestrutura e de recursos pedagógicos, o que gera um quadro<br />

caótico e torna de extr<strong>em</strong>a urgência que os sist<strong>em</strong>as de ensino mantenedores<br />

de cursos de EJA promovam cursos de formação de professores/educadores <strong>em</strong><br />

serviço que garantam a melhoria da qualidade da educação, principalmente<br />

quando se deseja a elaboração de um currículo capaz de atender às necessidades<br />

de aprendizado da classe trabalhadora.<br />

Porém, não pod<strong>em</strong>os negar que houve avanços na condução das políticas públicas<br />

para a EJA. O governo atual v<strong>em</strong> somando esforços aos movimentos organizados<br />

da sociedade civil para que a alfabetização e o letramento de jovens e adultos<br />

sejam alcançados, através da criação da Secretaria de <strong>Educação</strong> Continuada,<br />

Alfabetização e Diversidade (Secad), da Comissão Nacional de Alfabetização e de<br />

programas como o Brasil Alfabetizado. Gradualmente, v<strong>em</strong> assumindo novos compromissos<br />

políticos no sentido de garantir o direito à educação dos alunos da EJA.<br />

Em 2006, foi instituído pela Emenda Constitucional nº 53 o Fundo de Manutenção<br />

e Desenvolvimento da <strong>Educação</strong> Básica e de Valorização dos Profissionais da <strong>Educação</strong><br />

(Fundeb), <strong>em</strong> substituição ao Fundef; t<strong>em</strong> se apoiado os Sist<strong>em</strong>as de Ensino<br />

para Atendimento à EJA e a <strong>Educação</strong> Profissional Integrada à <strong>Educação</strong> Básica na<br />

Modalidade de Jovens e Adultos (Proeja), <strong>em</strong> consonância à Capacitação de Profissionais<br />

do Ensino Público, promovido pela Secretaria de <strong>Educação</strong> Profissional e<br />

Tecnológica (Setec/MEC), além do financiamento dos últimos Encontros Nacionais<br />

de EJA (Eneja), entre outros.<br />

Mas que capacitação é necessária?<br />

Segundo Moreira (1999), é preciso formar docentes multiculturais, capazes de<br />

analisar sua prática criticamente a fim de aprimorá-la; comprometidos com o seu<br />

desenvolvimento intelectual, agentes transformadores e pesquisadores que compreendam<br />

as posições de distintos grupos culturais <strong>em</strong> uma mesma sociedade e<br />

a concepção burguesa de trabalho historicamente construída, redutora da mão de<br />

obra do trabalhador a mera mercadoria de troca. Essas são competências essenciais<br />

para que o nível de proficiência dos educandos melhore.<br />

Esses momentos e espaços de formação são fundamentais, mas é preciso que<br />

o professor/educador se questione: de que lado se está? qual deve ser o papel de<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


qu<strong>em</strong> quer ver a lógica da cultura dominante revertida? Como deve agir diante de<br />

todas essas transformações neoliberais que afetam a sua vida, b<strong>em</strong> como a de seus<br />

educandos? que práticas, que teoria adotar?<br />

Do discurso à ação<br />

O Projeto Político-Pedagógico do Curso da EJA do Centro de Atividades de Florianópolis<br />

(CAF) – Serviço Social do Comércio foi elaborado <strong>em</strong> outubro de 2004<br />

pela equipe técnica, coordenadoras regional e local, e fundamentado na Proposta<br />

Pedagógica da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos do Departamento Nacional do SESC,<br />

elaborada <strong>em</strong> set<strong>em</strong>bro de 2000. Em junho de 2006, o projeto foi aprovado pela Secretaria<br />

de <strong>Educação</strong> do Estado de Santa Catarina, ficando o SESC autorizado a oferecer<br />

o Ensino Fundamental (2º segmento) e o Ensino Médio na modalidade EJA.<br />

Em agosto de 2006, o Curso passou a funcionar no CAF, que sedia múltiplas<br />

atividades, o que possibilita aos alunos frequentar não só os espaços destinados às<br />

aulas, como as salas, a biblioteca e o laboratório de ciências, mas também o teatro<br />

do SESC. A área de teatro do SESC t<strong>em</strong> como programação cultural peças, espetáculos<br />

de dança, cin<strong>em</strong>a, contação de histórias, shows musicais etc., e o centro de<br />

convivência conta com um espaço privilegiado, no qual realizamos as festas de confraternização.<br />

Espaços externos também são utilizados para aulas e passeio, como<br />

o centro comercial da cidade, os pontos turísticos, os museus, as feiras de flores e<br />

livros, a sede campestre do SESC-Cacupé, a praia, a universidade etc. A proposta é<br />

ampliar ainda mais o acesso dos nossos 150 alunos a outras atividades e espaços,<br />

propiciando-lhes maiores e melhores alternativas de vivências culturais.<br />

As atividades ocorr<strong>em</strong> de segunda a sexta-feira, com duração de quatro horas,<br />

divididas <strong>em</strong> quatro aulas diárias nas disciplinas de Artes, Biologia, Filosofia, Física,<br />

Geografia, História, Língua Portuguesa, Língua Estrangeira, Mat<strong>em</strong>ática, química e<br />

Sociologia, ministradas por sete professores/educadores licenciados, coordenados<br />

por uma equipe técnica formada por pedagogas.<br />

O público atendido no Curso da EJA do CAF é formado prioritariamente por<br />

trabalhadores ligados ao comércio e pela comunidade <strong>em</strong> geral, caracterizados<br />

principalmente por ser<strong>em</strong> sujeitos que permaneceram muitos anos fora da escola<br />

e/ou carregam uma história de fracasso escolar. quando questionados sobre seus<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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Reflexões para<br />

a constituição<br />

de um currículo<br />

possível <strong>em</strong><br />

<strong>Educação</strong> de<br />

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Reflexões para<br />

a constituição<br />

de um currículo<br />

possível <strong>em</strong><br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos<br />

objetivos ao regressar<strong>em</strong> ao espaço escolar, eles deram as seguintes respostas: criar<br />

novas possibilidades profissionais e/ou ascender profissionalmente; melhorar a<br />

<strong>em</strong>pregabilidade, se preparar para atender às necessidades do mercado de trabalho;<br />

adquirir novos conhecimentos; concluir o Ensino Médio; continuar os estudos,<br />

cursando o nível técnico ou ensino superior; ser alguém na vida; realizar um sonho;<br />

satisfazer um desejo.<br />

Por ser o Projeto Político-Pedagógico um documento oficial da escola onde se<br />

registram as propostas curriculares, entendidas aqui como o conjunto das práticas<br />

pedagógicas desenvolvidas no cotidiano escolar, ele v<strong>em</strong> sofrendo atualizações<br />

permanentes com o objetivo de adequá-lo aos princípios por ele mesmo prescritos:<br />

que o processo educativo seja mediado pelo mundo do trabalho, voltado à formação<br />

integral do educando, baseado nos preceitos da humanização, da d<strong>em</strong>ocracia<br />

e dos direitos humanos.<br />

São ex<strong>em</strong>plos das atualizações:<br />

• a integração do curso da EJA a outros setores, como o de grupos, de saúde,<br />

de nutrição, de cultura, de esporte e de recreação, tornando-o responsabilidade<br />

de todo o CAF e não somente do setor de educação;<br />

• a divisão do número de aulas pelo número de professores e não mais por<br />

disciplina, o que mantém um equilíbrio maior entre as áreas;<br />

• a oferta somente do Ensino Médio, porque nesse nível a d<strong>em</strong>anda por vagas<br />

é maior e a evasão menor;<br />

• a adequação do t<strong>em</strong>po de duração do curso à determinação do Parecer CEB/<br />

CNE nº 29/2006, de 1.200 horas distribuídas <strong>em</strong> 18 meses;<br />

Outras características foram mantidas, tais como:<br />

•<br />

•<br />

a organização do curso <strong>em</strong> dois ciclos de formação e por disciplinas;<br />

a frequência mínima obrigatória de 75% às aulas;<br />

• a avaliação quantitativa baseada <strong>em</strong> provas finais para definir médias que<br />

deverão ser alcançadas pelos alunos;<br />

•<br />

as reuniões de conselho de classe com a participação de todos os alunos.<br />

A avaliação ainda é a maior dificuldade encontrada pelo grupo. Sab<strong>em</strong>os que<br />

esse é o ponto que deverá ser revisto e reformulado pela equipe, o mais rápido<br />

possível. Ainda que nada nos obrigue, continuamos a usar fórmulas que serv<strong>em</strong><br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


como parâmetros de uma avaliação classificatória excludente, prática que gera a<br />

reprovação e a evasão.<br />

Já o conselho de classe participativo é a nossa melhor prática, professores e<br />

alunos se reún<strong>em</strong> e todos têm o direito de avaliar o curso e de fazer propostas. É<br />

um momento d<strong>em</strong>ocrático que favorece o crescimento de todos. Porém, para que<br />

se alcanc<strong>em</strong> os princípios do Projeto Político-Pedagógico, é necessária a criação de<br />

órgãos colegiados que possibilit<strong>em</strong> não só o debate, avaliação e formulação de propostas<br />

para a melhoria do funcionamento do curso, mas que tenham algum poder<br />

deliberativo, como é o caso das ass<strong>em</strong>bleias escolares e/ou dos colegiados. Outra<br />

oportunidade de participação política e d<strong>em</strong>ocrática é o Fórum Estadual da EJA do<br />

Estado de Santa Catarina. Precisamos motivar os alunos para que se mobiliz<strong>em</strong> e<br />

pass<strong>em</strong> a participar, como, por ex<strong>em</strong>plo, através de um grêmio estudantil.<br />

Neste contexto, quais seriam as perspectivas?<br />

Acredito ser o SESC uma instituição que se mostra aberta ao debate e que enseja<br />

a d<strong>em</strong>ocratização da educação. Por isso, vários são os compromissos que pod<strong>em</strong><br />

ser estabelecidos entre essa instituição e os sujeitos que estamos formando para<br />

viver neste mundo, como:<br />

• a construção de um currículo, com a participação de todos os segmentos,<br />

que reconheça as especificidades da EJA, o histórico de exclusão e de baixa<br />

autoestima dos educandos, as expectativas de ascensão social e a esperança<br />

de uma vida com mais qualidade;<br />

•<br />

a valorização das várias culturas trazidas por esses educandos;<br />

• a proposição de práticas didático-pedagógicas que adot<strong>em</strong> avaliações de<br />

caráter formativo, que elabor<strong>em</strong> objetos de estudo e materiais didáticos com<br />

foco na interdisciplinaridade, visando a atender às especificidades da EJA;<br />

• a valorização dos profissionais da educação, possibilitando sua formação<br />

continuada e <strong>em</strong> serviço;<br />

• a garantia da constituição de órgãos colegiados que propicie a participação<br />

d<strong>em</strong>ocrática da comunidade escolar <strong>em</strong> todos eles.<br />

qu<strong>em</strong> sabe assim possamos resgatar valores que favoreçam a humanização<br />

dos sujeitos, propiciando a formação integral de cidadãos éticos que reconheçam o<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

155<br />

Reflexões para<br />

a constituição<br />

de um currículo<br />

possível <strong>em</strong><br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos


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Reflexões para<br />

a constituição<br />

de um currículo<br />

possível <strong>em</strong><br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos<br />

valor de ser<strong>em</strong> virtuosos, solidários, d<strong>em</strong>ocráticos, morais, tolerantes, autônomos,<br />

qualificados para o mundo do trabalho e <strong>em</strong>ancipados.<br />

É louvável e digna de reconhecimento a intenção de promover a formação cidadã<br />

ativa, oportunizando aos educandos uma melhor formação, um aprofundamento<br />

e aprimoramento de seus conhecimentos. Mas, para que estas se configur<strong>em</strong><br />

<strong>em</strong> ações reais, é imprescindível a atualização das práticas docentes, no sentido de<br />

qualificá-las e torná-las abrangentes e inovadoras. O professor/educador somente<br />

contribui para a formação de cidadãos críticos, livres, <strong>em</strong>ancipados, conscientes,<br />

responsáveis, autônomos, éticos, d<strong>em</strong>ocráticos, felizes etc. se primeiramente desenvolver<br />

essas virtudes nele mesmo, abandonando a ingenuidade e os preconceitos<br />

do senso comum e adotando como princípio as atividades de análise, reflexão<br />

e crítica.<br />

Acredito que se quisermos, pod<strong>em</strong>os assumir compromissos pautados <strong>em</strong> outra<br />

lógica que não seja a do mercado, dando condições ao desenvolvimento pleno<br />

do ser humano. Sim, é possível a constituição de um currículo para a EJA que represente<br />

um conjunto de práticas escolares capazes de contribuir para que as funções<br />

reparadora, equalizadora e qualificadora sejam efetivadas ao socializarmos com os<br />

alunos os conhecimentos que os levam a se perceber<strong>em</strong> como cidadãos que possu<strong>em</strong><br />

direitos, segundo Rummert (2002),<br />

(...) de acesso à escolaridade básica de qualidade, s<strong>em</strong> qualquer ord<strong>em</strong> de discriminação<br />

negativa; de políticas que garantam retorno e a permanência fornecendo-lhes as condi-<br />

ções necessárias para que adquiram ou compl<strong>em</strong>ent<strong>em</strong> sua escolaridade e de atualização<br />

de conhecimentos por toda a vida.<br />

Tais conhecimentos dev<strong>em</strong> possibilitar que o educando reflita sobre:<br />

• o seu papel no mundo enquanto agente transformador<br />

da sua realidade individual<br />

e comunitária;<br />

•<br />

sua participação na construção de uma sociedade d<strong>em</strong>ocrática;<br />

• sua compreensão do papel da ciência para a destruição das condições geradoras<br />

de exclusão e meio para promoção da sua inserção no mundo do<br />

trabalho.<br />

Desse modo, formar<strong>em</strong>os nossos jovens e adultos conscientes de seus recursos<br />

pessoais, despertando-os simultaneamente para suas responsabilidades familiares,<br />

sociais, profissionais, cívicas, culturais e políticas.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Faz-se necessária e <strong>em</strong>ergencial a fundamentação das práticas pretendidas <strong>em</strong><br />

teorias libertadoras como norteadoras da valorização dos profissionais da educação<br />

que as executarão, visando servir principalmente de orientação aos aprendizes<br />

que buscam e necessitam de uma formação coerente e adequada às necessidades<br />

de uma sociedade dinâmica e exigente.<br />

Nessa perspectiva, cabe ao Estado formular políticas públicas para os sist<strong>em</strong>as<br />

de ensino, viabilizar a construção de propostas pedagógicas que express<strong>em</strong> o projeto<br />

político e cultural da sociedade, além de contratar, valorizar e r<strong>em</strong>unerar adequadamente<br />

seus profissionais. Com salário justo e formação permanente, o educador<br />

conseguirá contribuir como mediador para que o educando conscientize-se,<br />

a partir da reflexão, do seu papel no mundo do trabalho, buscando participar de<br />

fóruns políticos e d<strong>em</strong>ocráticos.<br />

Estabelecer um novo paradigma é o grande desafio, uma vez que ainda persist<strong>em</strong><br />

situações de exclusão provocadas, entre outras, pela adoção de práticas pedagógicas<br />

pouco adequadas à modalidade da EJA. Nesse contexto, cabe refletir sobre<br />

os projetos políticos e culturais, suas finalidades, seus princípios, sua estrutura e seu<br />

funcionamento, como e por qu<strong>em</strong> estão sendo elaborados, quais são as condições<br />

concretas de trabalho de qu<strong>em</strong> os elabora e suas consequências para a qualidade<br />

do curso oferecido pela instituição onde se trabalha.<br />

Estamos <strong>em</strong> um momento político decisivo. Por sermos favoráveis à criação de<br />

oportunidades de acesso e permanência das classes populares na escola, precisamos<br />

nos mobilizar para transformá-la <strong>em</strong> um espaço sociocultural onde o cidadão<br />

tenha seu direito à <strong>Educação</strong> Básica de qualidade assegurada, pois só assim ter<strong>em</strong>os<br />

a chance de fazer justiça neste país.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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Reflexões para<br />

a constituição<br />

de um currículo<br />

possível <strong>em</strong><br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos


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Reflexões para<br />

a constituição<br />

de um currículo<br />

possível <strong>em</strong><br />

<strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos<br />

REFERÊNCIAS<br />

BrASil. ministério da educação. Secretaria de educação continuada, Alfabetização e Diversidade.<br />

Documento base nacional preparatório à VI CONFINTEA. Brasília, DF, 2008. Disponível<br />

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Janeiro, 2000.<br />

SilVA, t. t. Documento de identidades: uma introdução às teorias do currículo. 2. ed. Belo Horizonte:<br />

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educacional. Disponível <strong>em</strong>: .<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores


160<br />

Parte II<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Avaliação da<br />

aprendizag<strong>em</strong><br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

161


Avaliação da aprendizag<strong>em</strong><br />

escolar nos cursos da<br />

<strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos:<br />

uma discussão acerca das<br />

possibilidades de rediscuti-la<br />

nos currículos escolares<br />

Aldeci da Silva Dias*<br />

RESUMO<br />

A avaliação da aprendizag<strong>em</strong> escolar dos alunos<br />

da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos necessita<br />

de maior discussão, pela qual se pretende interpretar<br />

as diferentes vozes, quando são instadas<br />

a discutir sobre a avaliação. Apesar de ser<br />

uma questão polêmica, não se pode fugir desse<br />

t<strong>em</strong>a, visto que os alunos precisam das “notas”<br />

para ser<strong>em</strong> promovidos. As assertivas dos diferentes<br />

autores denotam uma compreensão<br />

crítica do assunto, mas que não pod<strong>em</strong> ir muito<br />

além daquilo que a sist<strong>em</strong>ática de avaliação<br />

prevê. Muito <strong>em</strong>bora a questão fundamental<br />

não seja o quantitativo no ato de avaliar, mas,<br />

sobretudo, o aspecto qualitativo das informações<br />

contidas durante esse processo, verificase<br />

um paradoxo ao se compreendê-la como um<br />

mal necessário.<br />

PAlAVRAS-CHAVE: Avaliação; currículo;<br />

discussão.<br />

ABSTRACT<br />

The learning assessment of the students in<br />

Youth and Adult Education needs further<br />

discussion in order for the different voices<br />

urged to discuss the evaluation can be<br />

interpreted. Even though it’s a controversial<br />

issue, one cannot escape this topic, since<br />

the students need their “grades” so as to<br />

get promoted. The assertions of various<br />

authors show a critical understanding of the<br />

subject, but cannot go much beyond what<br />

the syst<strong>em</strong>atics of the evaluation provides.<br />

Although the fundamental issue is not<br />

the quantitative of the evaluation action,<br />

but above all, the qualitative aspect of the<br />

information contained in this process, there<br />

is a paradox when you understand it as a<br />

necessary evil.<br />

KEYwords: Evaluation; curriculum;<br />

discussion.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Introdução<br />

*Aluno pesquisador pela Universidade Federal do Amapá. Formado <strong>em</strong> Pedagogia pela<br />

Universidade Federal do Pará. Pós-graduado <strong>em</strong> Orientação Educacional pelas Faculdades<br />

Integradas Severino Sombra. Licenciado e bacharel <strong>em</strong> História pela Universidade Federal<br />

do Amapá. Pós-graduado <strong>em</strong> Metodologia do Ensino de História pelo Instituto Brasileiro de<br />

Pós-graduação. Especialista <strong>em</strong> Ciências da Religião pelo Ipar (Belém). bacharel <strong>em</strong> Direito<br />

(Unifap). É orientador educacional na Escola Estadual Santuário do Perpétuo Socorro, na<br />

modalidade EJA, pelo Governo do Estado do Amapá e professor de História pelo município<br />

de Macapá. Atualmente é aluno de especialização <strong>em</strong> história do Amapá e do mestrado inte-<br />

grado <strong>em</strong> Desenvolvimento Regional pela mesma universidade.<br />

Muito se t<strong>em</strong> discutido sobre a avaliação e pouco se t<strong>em</strong> avançado quando se<br />

fala no reenquadramento do currículo. Não por omissão, mas porque o t<strong>em</strong>a é árido<br />

e necessita de el<strong>em</strong>entos que possam desvelar os mitos existentes.<br />

A avaliação, ao longo do t<strong>em</strong>po, t<strong>em</strong> se constituído num dos aspectos mais probl<strong>em</strong>áticos<br />

da prática pedagógica. Professores e pesquisadores têm efetuado vários<br />

estudos no sentido de constatar<strong>em</strong> as causas que levam ao alto índice de evasão e<br />

repetência escolar. Estão presentes diferentes situações e, entre estas, destaca-se a<br />

avaliação porque é através dela que ocorre a aprovação ou reprovação.<br />

Esse processo é indispensável na prática pedagógica. Se os educadores utilizar<strong>em</strong>-na<br />

adequadamente, tornar-se-á o recurso mais importante no processo ensinoaprendizag<strong>em</strong>,<br />

por possibilitar ao professor reformular ou não ou até mesmo cancelar<br />

seu planejamento e, consequent<strong>em</strong>ente, transformar sua prática pedagógica.<br />

No entanto, o que se observa é que a maioria dos professores não exerce o<br />

papel que se atribui à avaliação, trazendo, assim, consequências graves para um<br />

trabalho mais efetivo na práxis pedagógica.<br />

Muitos fatores contribu<strong>em</strong> para que o professor utilize a avaliação de forma<br />

inadequada, como, por ex<strong>em</strong>plo, o currículo escolar, que privilegia o acúmulo de<br />

conhecimento, não levando <strong>em</strong> consideração o processo amplo da educação; a má<br />

formação do professor é outro fator, pois sua falta de conhecimento sobre o que<br />

seja avaliação dificulta e prejudica todo um processo, porque, s<strong>em</strong> isso, ele não utiliza<br />

critérios para realizá-la e quando os usa, são arbitrários e inadequados.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

163<br />

Avaliação da<br />

aprendizag<strong>em</strong><br />

escolar nos cursos<br />

da <strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos:<br />

uma discussão<br />

acerca das<br />

possibilidades<br />

de rediscuti-la<br />

nos currículos<br />

escolares.


164<br />

Avaliação da<br />

aprendizag<strong>em</strong><br />

escolar nos cursos<br />

da <strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos:<br />

uma discussão<br />

acerca das<br />

possibilidades<br />

de rediscuti-la<br />

nos currículos<br />

escolares.<br />

Com essa atitude, o professor atribui conceitos aos alunos baseado <strong>em</strong> seus<br />

próprios valores e não leva <strong>em</strong> consideração a cultura dos alunos, <strong>em</strong> especial dos<br />

provenientes das camadas pobres, tendendo a reproduzir os valores da classe dominante.<br />

Assim, a avaliação torna-se instrumento para conseguir disciplina na sala<br />

de aula, confirmação do autoritarismo do professor etc., deixando, dessa forma, de<br />

ter a sua função principal que é diagnosticar a aprendizag<strong>em</strong>.<br />

Nesse sentido, a avaliação diagnóstica possibilita detectar as possíveis falhas<br />

do processo ensino-aprendizag<strong>em</strong> e, assim, retomá-la, buscando novas alternativas<br />

para melhorá-la. No entanto, o que acontece é que o professor não dá muita<br />

importância para os resultados obtidos pelos alunos, importando-se <strong>em</strong> transmitir<br />

conteúdos que posteriormente serão cobrados e aos quais serão atribuídas “notas”.<br />

Nesse caso, a avaliação apenas t<strong>em</strong> função de cumprir aspectos legais na vertente<br />

“conteana”, assim esquecendo a função pedagógica.<br />

Nesse sentido, o currículo torna-se um instrumento importante de análise, pois<br />

possibilita, como instrumento estruturante e organizacional da escola, discutir diferentes<br />

concepções, através de el<strong>em</strong>entos que identifiqu<strong>em</strong> o discurso dos docentes<br />

e suas práticas <strong>em</strong> sala de aula, muitas vezes desvelando comportamentos não condizentes<br />

com a postura de educador.<br />

quando se discute avaliação escolar, o que realmente está <strong>em</strong> jogo é a prática<br />

escolar como um todo, o constitutivo da avaliação: a tomada de posição. S<strong>em</strong> esse<br />

caráter a avaliação não t<strong>em</strong> sentido.<br />

Outro aspecto do probl<strong>em</strong>a avaliativo que ocorre na <strong>Educação</strong> de Jovens e<br />

Adultos é a inadequação da forma de avaliar para essa clientela, visto que se trata<br />

de alunos com uma tipicidade diferente do aluno regular.<br />

Nessa linha de raciocínio, é preciso considerar que o resultado final s<strong>em</strong>pre fica<br />

circunscrito à aprovação e reprovação. A partir daí, então, poder-se-ia desvelar preconceitos<br />

ou um autoritarismo que o professor exerce no ato de avaliar. É claro que<br />

o professor é apoiado socialmente nessa dominação, considerando que seu ofício<br />

t<strong>em</strong> a legitimidade do Estado <strong>em</strong> função da sua formação e dos aspectos jurídicos<br />

no ato da posse.<br />

Assim, torna-se oportuno indagar: como t<strong>em</strong> sido a prática de avaliação? Essa<br />

prática está associada à falta de definição e clareza dos professores quanto à definição<br />

de avaliação? qual sua finalidade no processo ensino-aprendizag<strong>em</strong> e na filo-<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


sofia da educação que fundamenta sua prática pedagógica? que tipo de hom<strong>em</strong> se<br />

pretende formar e para que tipo de sociedade?<br />

Julgar e classificar pessoas é um exercício que se faz desde a infância, dessa forma,<br />

contribuindo para que experiências revel<strong>em</strong> diferentes compreensões acerca<br />

da realidade, de percepções e variações acerca do mundo que nos rodeia.<br />

A avaliação escolar, até um passado recente, realizava-se alicerçada na convicção<br />

de critérios do professor e na tradição escolar; no entanto, se distinguia do próprio<br />

ato de ensinar/educar. Os critérios de avaliação determinados pelos valores fundamentais<br />

instituídos e mantidos por cada formação social variavam profundamente<br />

no espaço e no t<strong>em</strong>po. Assim, por ex<strong>em</strong>plo, os espartanos avaliavam as novas gerações<br />

segundo os valores da cultura e desenvolvimento físicos, enquanto os atenienses<br />

atentavam acima de tudo para as qualidades intelectuais e morais do indivíduo.<br />

Na pedagogia tradicional (cabe frisar, infelizmente, isso ocorre até hoje), a<br />

avaliação se limitava apenas a sua função classificatória, realizada no final de uma<br />

unidade, curso ou programa, e resultava <strong>em</strong> nota ou conceito. S<strong>em</strong> dúvida, essa<br />

prática reflete a pedagogia reprodutivista, na medida <strong>em</strong> que oferece uma educação<br />

fundamentada <strong>em</strong> valores e padrões da classe média, excluindo as crianças<br />

das camadas populares ao conhecimento acumulado pela sociedade. No entanto,<br />

se o professor optar por uma educação que possibilite aos alunos, além da instrumentalização<br />

teórica, as habilidades e os conteúdos necessários para a formação da<br />

consciência crítica, a avaliação passa a des<strong>em</strong>penhar uma função diferente daquela<br />

praticada pela maioria dos professores.<br />

A escola, ao compreender o currículo nesta nova prática de avaliação, deve<br />

estar consciente da importância política de sua competência no domínio do conteúdo<br />

da disciplina, no conhecimento de propostas alternativas para trabalhar tais<br />

conteúdos através do processo de sist<strong>em</strong>atização das experiências e conhecimentos<br />

dispersos e desorganizados que os alunos possu<strong>em</strong> e que, inevitavelmente, deverão<br />

ser el<strong>em</strong>entos constitutivos do currículo.<br />

Do educando vai ser exigida uma participação dinâmica na sala de aula e capacidade<br />

de compreensão, análise e síntese, e não apenas relacionada aos aspectos<br />

da m<strong>em</strong>orização.<br />

Após considerações preliminares, serão discutidos alguns tópicos importantes<br />

sobre avaliação da aprendizag<strong>em</strong> que pretend<strong>em</strong> instrumentalizar este estudo:<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

165<br />

Avaliação da<br />

aprendizag<strong>em</strong><br />

escolar nos cursos<br />

da <strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos:<br />

uma discussão<br />

acerca das<br />

possibilidades<br />

de rediscuti-la<br />

nos currículos<br />

escolares.


166<br />

Avaliação da<br />

aprendizag<strong>em</strong><br />

escolar nos cursos<br />

da <strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos:<br />

uma discussão<br />

acerca das<br />

possibilidades<br />

de rediscuti-la<br />

nos currículos<br />

escolares.<br />

conceito de avaliação, a filosofia da educação que norteia a prática avaliativa, as<br />

funções e modalidades da avaliação, instrumento de avaliação, histórico e avaliação<br />

na <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos.<br />

Conceito de avaliação: um enfoque crítico<br />

A avaliação t<strong>em</strong> sido utilizada com diferentes significados por professores que<br />

a confund<strong>em</strong> na sua prática com o conceito de medida. Mas o que significa cada<br />

um desses conceitos e qual a implicação da falta de clareza dos mesmos para a<br />

prática avaliativa do professor? E de que forma poderá ser melhor compreendido<br />

no currículo?<br />

Medir é uma forma de comparar grandezas, tomando uma como padrão e outra<br />

como objeto a ser medido e tendo como resultado a quantidade de vezes que a<br />

medida padrão cabe dentro do objeto medido. Medir significa a descrição quantitativa<br />

do grau que o aluno alcança ao dominar determinados conteúdos, limitando-se<br />

a uma coleta de informações do comportamento do educando e sua ordenação <strong>em</strong><br />

termos numéricos, quantitativos, ou seja, a medida padrão para a aprendizag<strong>em</strong> é<br />

o número de acertos (testes, provas e outros).<br />

A partir desse entendimento, a avaliação constitui-se num processo mais amplo<br />

que a medida e implica a interpretação dos dados fornecidos pela medida, envolvendo<br />

um julgamento de valor sobre os mesmos. Dessa maneira, ao avaliar resultados<br />

<strong>em</strong> termos de aceitação ou não como indicativo de que o aluno alcançou os<br />

objetivos esperados segundo critérios preestabelecidos d<strong>em</strong>onstra que a avaliação<br />

pode ter outra compreensão.<br />

Posta dessa maneira,<br />

a avaliação é uma questão de justiça, bom senso, equilíbrio pessoal e valorização do de-<br />

s<strong>em</strong>penho do aluno, enfatizando o aprender a aprender, o aprender a ser, o aprender a<br />

criar e o aprender a fazer. Assim a avaliação do ensino da aprendizag<strong>em</strong> e da produção é<br />

concebida sob a ótica da competência (retenção de conhecimentos), da capacidade (sa-<br />

ber explicar e relacionar conhecimentos), da habilidade (saber aplicar e relacionar conhe-<br />

cimentos de forma criativa e inovadora) e da (com) vivência de sentir-se realizado por ser<br />

competente, capaz e hábil (BOtH, 2008, p. 104).<br />

Uma das definições mais comuns e significativas que subsidiam o aspecto acima<br />

levantado é a formulada por Luckesi (1988), de que a avaliação é um julgamento<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


de valor sobre manifestações relevantes da realidade, tendo <strong>em</strong> vista uma tomada<br />

de decisão. Assim, verifica-se que <strong>em</strong> primeiro lugar entende-se por juízo de valor<br />

uma afirmação ou negação qualitativa sobre um determinado objeto, tendo como<br />

base critérios preestabelecidos. Em segundo lugar, esse julgamento se faz com base<br />

nos caracteres relevantes da realidade relacionados com os objetivos que se quer<br />

alcançar. E, por último, a avaliação exige uma tomada de decisão sobre o objeto<br />

avaliado com o escopo de contribuir para a transformação e crescimento do indivíduo,<br />

num processo que envolve o mecanismo da ação-reflexão-ação na prática<br />

avaliativa, isto é, “o julgamento avaliativo da ação deve estar <strong>em</strong> função do aprimoramento<br />

desta” (LUCKESI, 1988, p. 13).<br />

Diante dessa definição, questiona-se: quais as decisões tomadas com relação<br />

aos resultados de uma avaliação? T<strong>em</strong> servido aos propósitos da dimensão e/ou<br />

classificação por notas, impedindo assim o crescimento e o acesso ao saber e à<br />

competência, ou t<strong>em</strong> sido direcionada por uma visão de totalidade sobre os dados<br />

relevantes numa perspectiva de aprimoramento da prática pedagógica e não da<br />

estagnação através da classificação?<br />

Então, a partir dessa concepção, poder-se-ia atribuir algumas características<br />

que a avaliação deve assumir, orientada por essas inquietações:<br />

•<br />

deve ser realizada de acordo com objetivos claramente definidos;<br />

• t<strong>em</strong> finalidade de detectar as dificuldades de assimilação de conhecimento,<br />

procurando superá-las, fazendo com que essa transmissão resulte num domínio<br />

efetivo dos conteúdos e habilidades por parte dos alunos;<br />

• serve para verificar até que ponto o ensino t<strong>em</strong> alcançado os objetivos<br />

pretendidos.<br />

A prática da avaliação e da filosofia que a norteia<br />

A avaliação educacional, <strong>em</strong> geral, não se dá n<strong>em</strong> se dará num vazio conceitual,<br />

mas, sim, dimensionada por um modelo teórico do mundo e da educação traduzido<br />

<strong>em</strong> prática pedagógica. Dito assim, entende-se que a prática educativa não é<br />

neutra, mas fundamentada por uma concepção de mundo e de educação de qu<strong>em</strong><br />

a executa, que determina dois tipos de prática pedagógica: uma voltada para a reprodução<br />

e conservação da sociedade e, automaticamente, a domesticação dos<br />

alunos e outra, para as perspectivas de transformação social.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

167<br />

Avaliação da<br />

aprendizag<strong>em</strong><br />

escolar nos cursos<br />

da <strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos:<br />

uma discussão<br />

acerca das<br />

possibilidades<br />

de rediscuti-la<br />

nos currículos<br />

escolares.


168<br />

Avaliação da<br />

aprendizag<strong>em</strong><br />

escolar nos cursos<br />

da <strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos:<br />

uma discussão<br />

acerca das<br />

possibilidades<br />

de rediscuti-la<br />

nos currículos<br />

escolares.<br />

No primeiro caso, a avaliação assume uma função classificatória, constituindose<br />

num instrumento meramente legalista que impede o processo de crescimento<br />

intelectual do aluno, na medida <strong>em</strong> que o professor t<strong>em</strong> o poder de classificar os<br />

alunos de forma definitiva por meio de conceito ou nota que atribui, baseando-se<br />

<strong>em</strong> critérios não b<strong>em</strong> definidos e claros. É o caso do educador que facilita a aprovação<br />

de aluno baixando o nível de exigência do conhecimento e habilidades, ou<br />

do professor que utiliza os testes-surpresa, com um grau de dificuldade superior ao<br />

nível da turma, com o objetivo de prejudicar os alunos indisciplinados.<br />

Já no contexto de uma pedagogia voltada para a transformação, a avaliação<br />

assume a função diagnóstica e deve ser um instrumento dialético de avanço, possibilitando<br />

aos educandos acesso ao saber e à competência, além do crescimento<br />

para a autonomia necessária à vivência de uma relação de reciprocidade e não de<br />

subordinação de uns sobre os outros – característica própria de uma pedagogia<br />

conservadora.<br />

A opção do educador por uma pedagogia que traduz o modelo de sociedade<br />

voltada para a sua transformação deve romper com uma prática avaliativa autoritária,<br />

que serve como mecanismo para reproduzir e conservar a sociedade, deixando<br />

isso claro e presente no currículo escolar.<br />

A prática da avaliação está inserida num contexto mais amplo, e está a serviço<br />

dele. Por isso, a escola deve fazer uma opção clara e objetiva sobre a filosofia<br />

norteadora da sua prática pedagógica quanto ao planejamento, a execução e a<br />

avaliação, e tais princípios deverão estar presentes no currículo escolar. É preciso ter<br />

consciência de qual o tipo de aluno que se deseja formar: críticos, criativos, capazes<br />

de analisar a realidade e buscar soluções para os probl<strong>em</strong>as dessa realidade, ou<br />

formar alunos passivos, meros repetidores de conhecimentos.<br />

É importante ressaltar que a falta de clareza e/ou definição do conceito de avaliação<br />

traz<strong>em</strong> implicações para a mesma. O que se observa na realidade é que o<br />

objetivo da avaliação na prática pedagógica da maioria dos professores da <strong>Educação</strong><br />

de Jovens e Adultos é simplesmente cumprir uma exigência legal de atribuir ao<br />

aluno, a cada bimestre, determinado conceito ou nota que definirá sua aprovação<br />

ou reprovação ao final de um ano letivo.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Colocado dessa maneira, é oportuno asseverar que tal situação perpassa o entendimento<br />

que o professor t<strong>em</strong> do mundo e do hom<strong>em</strong>. A partir daí, então, devese<br />

iniciar um processo de construção de uma avaliação mais justa e participativa.<br />

Dentro da perspectiva de educação voltada para a transformação da sociedade,<br />

a avaliação apresenta outros objetivos, tais como: servir de instrumento para que a<br />

maioria da população tenha acesso ao saber sist<strong>em</strong>atizado e, não, eliminar aqueles<br />

que apresentam maiores dificuldades para adquirir<strong>em</strong> esse saber, pois o que ainda<br />

ocorre é que a escola transmite e leva <strong>em</strong> consideração os valores de classe média<br />

ou alta para atribuir conceitos aos seus alunos.<br />

com a função classificatória, a avaliação constitui-se num instrumento estático e formador<br />

do processo de crescimento; com a função diagnóstica, ao contrário, ela constitui-se num<br />

momento dialético do processo de avançar no desenvolvimento de ação de crescimento<br />

para a autonomia, do crescimento para a competência etc., como diagnóstico, ela será um<br />

momento dialético do senso de estágio <strong>em</strong> que se está e de sua distância <strong>em</strong> relação à<br />

perspectiva que está colocada como ponto a ser atingido à frente (lUcKeSi, 2005 p. 72).<br />

Ao assumir essa posição, cabe ao professor comprometer-se com uma “instrumentalização<br />

teórica” de conscientização e organização política do educando<br />

que possibilite a reivindicação de seus direitos <strong>em</strong> nível de igualdade com a<br />

classe dominante.<br />

Funções e modalidades da avaliação<br />

Antes de falar sobre esse it<strong>em</strong>, é importante comentar alguns princípios básicos<br />

que dev<strong>em</strong> orientar o processo de avaliação. Já foi dito <strong>em</strong> tópico anterior que a<br />

avaliação só terá sentido se os objetivos tiver<strong>em</strong> sido claramente definidos; nesse<br />

caso, a avaliação é funcional, pois é feita <strong>em</strong> função de objetivos.<br />

O importante também é compreender que a avaliação deve ser um processo<br />

sist<strong>em</strong>ático, s<strong>em</strong>pre estabelecendo o critério e/ou padrão de domínio que se espera<br />

do aluno; deve ser contínua, realizada não só <strong>em</strong> final de bimestre, de s<strong>em</strong>estre<br />

ou de ano, mas ao longo de todo um processo integral, abrangendo todos os<br />

domínios do comportamento do aluno – cognitivo, afetivo e psicomotor –, seus<br />

interesses, opiniões, habilidades e competências e não apenas a quantidade de conhecimentos<br />

retidos.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

169<br />

Avaliação da<br />

aprendizag<strong>em</strong><br />

escolar nos cursos<br />

da <strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos:<br />

uma discussão<br />

acerca das<br />

possibilidades<br />

de rediscuti-la<br />

nos currículos<br />

escolares.


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Avaliação da<br />

aprendizag<strong>em</strong><br />

escolar nos cursos<br />

da <strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos:<br />

uma discussão<br />

acerca das<br />

possibilidades<br />

de rediscuti-la<br />

nos currículos<br />

escolares.<br />

Pod<strong>em</strong>-se citar três modalidades de avaliação, que, na prática, dev<strong>em</strong> estar interrelacionadas<br />

entre si: a somativa, formativa e diagnóstica.<br />

1) A avaliação somativa é aquela que ocorre no final de um curso, de um bimestre<br />

ou s<strong>em</strong>estre, isto é, após um determinado período de t<strong>em</strong>po, com a finalidade<br />

de classificar os alunos segundo os níveis de aproveitamento, cujos resultados são<br />

expressos <strong>em</strong> notas e conceitos.<br />

2) A avaliação formativa ocorre durante o processo de ensino-aprendizag<strong>em</strong><br />

para verificar o grau de domínio de aprendizag<strong>em</strong>. A avaliação formativa des<strong>em</strong>penha<br />

papel importante.<br />

Dá um feedback (retroalimentação) contínuo do professor acerca de seu des<strong>em</strong>penho no<br />

processo de ensino, pois ao verificar que a maior parte de seus alunos não está atingindo<br />

o domínio esperado, a avaliação formativa servirá de alerta para que ele procure analisar o<br />

que está errado <strong>em</strong> seu ensino e reformule suas estratégias (DiniZ, 1982, p. 8).<br />

Também dá feedback ao aluno, na medida <strong>em</strong> que mostra o que ainda precisa<br />

dominar, suas falhas e as possibilidades de uma recuperação:<br />

A avaliação formativa informa ao aluno a necessidade de maior dedicação ao estudo e me-<br />

lhor organização do mesmo; torna-se necessário, portanto, uma recuperação paralela, pois<br />

esta só t<strong>em</strong> sentido se realizada no momento <strong>em</strong> que o aluno verifica suas falhas, podendo<br />

assim recuperá-las imediatamente (id<strong>em</strong>).<br />

A recuperação imediata, decorrente da avaliação formativa, é fundamental porque,<br />

ao mostrar as falhas do aluno durante o processo, impede-o de acumular dificuldades<br />

que prejudicarão o domínio de habilidades mais complexas.<br />

3) A avaliação diagnóstica é utilizada com dois objetivos: detectar o nível <strong>em</strong><br />

que se encontram os alunos no início do processo com relação às habilidades, experiências<br />

acumuladas e outros conhecimentos, b<strong>em</strong> como detectar as causas de suas<br />

dificuldades durante o processo de ensino-aprendizag<strong>em</strong>. A avaliação diagnóstica<br />

serve de instrumento de compreensão do estágio de aprendizag<strong>em</strong> <strong>em</strong> que se encontra<br />

o aluno, tendo <strong>em</strong> vista tomar decisões suficientes e satisfatórias para que<br />

ele possa avançar no seu processo de aprendizag<strong>em</strong>. Se determinado conhecimento<br />

ou habilidade é essencial na aprendizag<strong>em</strong> do educando, ele deverá adquiri-lo, e<br />

se não conseguir, dever-se-á trabalhar para tal, e isso é possível de ser identificado<br />

através da avaliação diagnóstica. Mas, para que a avaliação diagnóstica seja possí-<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


vel, é preciso compreendê-la e realizá-la comprometida com uma concepção pedagógica,<br />

mais precisamente, com uma proposta pedagógica histórica-crítica.<br />

Instrumentos de avaliação<br />

A opção por uma abordag<strong>em</strong> transformadora de educação exigida do professor,<br />

além dos princípios básicos comentados anteriormente, requer muito mais do<br />

que predisposição e comprometimento com seu fazer pedagógico. É antes de tudo<br />

desenvolver uma compreensão holística de mundo e ser humano.<br />

Assim, é frequente se observar na prática avaliativa de muitos professores a escolha<br />

de testes como instrumento de avaliação predominante, que, na maioria das<br />

vezes, contém questões rotineiras que exig<strong>em</strong> do aluno simplesmente a m<strong>em</strong>orização<br />

dos conteúdos, deixando <strong>em</strong> segundo plano os objetivos previstos.<br />

É bastante comum, por ex<strong>em</strong>plo, ver-se <strong>em</strong> provas questões do tipo: “dê o plural”, “dê o<br />

f<strong>em</strong>inino”, “separe <strong>em</strong> sílabas”, inteiramente desligadas de um contexto capaz de ser pro-<br />

bl<strong>em</strong>atizado. muitas vezes os exercícios sobre textos propõ<strong>em</strong> perguntas cujas respostas<br />

não exig<strong>em</strong> mais do que copiar uma palavra do próprio texto, para completar uma frase<br />

idêntica ao mesmo. na mat<strong>em</strong>ática, também são comuns as clássicas “continhas” precedi-<br />

das da instrução: “arme” e “efetue”. muitos probl<strong>em</strong>as mat<strong>em</strong>áticos são quase idênticos aos<br />

dados <strong>em</strong> classe e o aluno já está quase que treinado para resolvê-los, não se solicitando<br />

nenhuma forma mais elevada de pensamento. com este panorama estamos avaliando<br />

apenas se nossos alunos são bons repetidores, mas nunca se são críticos ou criadores<br />

(cAnDAU, 1988, p. 41).<br />

Exist<strong>em</strong> instrumentos adequados para cada tipo de objetivo que se deseja alcançar;<br />

compete ao professor utilizar instrumentos e técnicas variadas que sejam<br />

práticas com relação a sua elaboração e que atendam às diversas situações.<br />

No caso dos testes, exist<strong>em</strong> determinados objetivos que pod<strong>em</strong> ser verificados<br />

<strong>em</strong> questões objetivas, outros, <strong>em</strong> subjetivas, não havendo nenhuma relação de superioridade<br />

desta sobre aquela, isso no entendimento de alguns educadores. Dessa<br />

forma, as questões de múltipla escolha, testes para completar, itens para relacionar,<br />

são importantes para avaliar certos objetivos que seriam difíceis de avaliar de outra<br />

forma; o mesmo acontece com os objetivos de expressão do pensamento lógico do<br />

aluno, que são avaliados através de redações ou outros similares.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

171<br />

Avaliação da<br />

aprendizag<strong>em</strong><br />

escolar nos cursos<br />

da <strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos:<br />

uma discussão<br />

acerca das<br />

possibilidades<br />

de rediscuti-la<br />

nos currículos<br />

escolares.


172<br />

Avaliação da<br />

aprendizag<strong>em</strong><br />

escolar nos cursos<br />

da <strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos:<br />

uma discussão<br />

acerca das<br />

possibilidades<br />

de rediscuti-la<br />

nos currículos<br />

escolares.<br />

Bloom (1993) e seus colaboradores classificaram os objetivos educacionais na<br />

área cognitiva apresentados numa hierarquia de comportamento, partindo do mais<br />

simples e concreto para o mais complexo e abstrato:<br />

1) Conhecimento: valoriza a m<strong>em</strong>orização, o reconhecimento de fatos, como,<br />

por ex<strong>em</strong>plo, citar nomes, fatos, datas, conceitos, dizer sinônimos. É o nível mais<br />

baixo de resultados de aprendizag<strong>em</strong> no domínio cognitivo.<br />

2) Compreensão: corresponde à mais simples habilidade ou capacidade intelectual.<br />

O objetivo de compreensão exige que o aluno não apenas cite, mas explique,<br />

identifique, interprete, resuma, traduza uma língua para outra.<br />

3) Aplicação: aplicação de conhecimento <strong>em</strong> situações novas e concretas, isto<br />

é, pôr <strong>em</strong> prática regras, normas, ideias gerais, princípios e teorias, atendendo ao<br />

princípio da transferência da aprendizag<strong>em</strong>, por ex<strong>em</strong>plo; <strong>em</strong>pregar numa relação<br />

as regras de concordância verbal.<br />

4) Análise: divisão de um todo <strong>em</strong> suas partes ou el<strong>em</strong>entos constitutivos. Os<br />

objetivos desta categoria são: comparar, dar a função sintática de um nome numa<br />

oração, distinguir uma coisa da outra, determinar a relação entre duas coisas ou<br />

fenômenos.<br />

5) Síntese: reunião de el<strong>em</strong>entos na constituição de um todo. O aluno terá que<br />

constituir ou montar algo, desenvolver a sua criatividade. São objetivos desta categoria:<br />

formular um objetivo expressivo, elaborar uma hipótese, elaborar um projeto<br />

de excursão, formular um plano de operações, escrever uma redação de uma comunicação<br />

original (conto).<br />

6) Avaliação: é categoria mais complexa e exige julgamento de valor ou expressão<br />

de um ponto de vista original com base <strong>em</strong> critérios definidos.<br />

É muito importante que o professor, ao elaborar os seus instrumentos, possibilite<br />

a avaliação de objetivos mais elevados, reduzindo ao máximo as categorias de<br />

níveis mais baixos, que apenas exig<strong>em</strong> repetição de fatos e informações, procurando<br />

atingir gradativamente as formas mais elevadas e complexas sínteses.<br />

No quesito questões subjetivas, o aluno expressa sua própria resposta, seu pensamento,<br />

“<strong>em</strong> vez de selecioná-la entre várias alternativas, como ocorre com questões<br />

de múltipla escolha” (VIANNA, 1973, p. 81).<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


É importante dizer que os professores se preocupam <strong>em</strong> definir avaliação dentro<br />

de termos técnicos. E, ainda, a avaliação está bastante relacionada a diversos termos<br />

com que é frequent<strong>em</strong>ente associada e geralmente confundida, por ex<strong>em</strong>plo,<br />

verificação, medida e, naturalmente, controle. Esses termos deveriam ser distinguidos<br />

entre si, uma vez que o significado que se dá às palavras costuma influenciar o<br />

fazer pedagógico do professor.<br />

O probl<strong>em</strong>a que ocorre quando se discute avaliação está intimamente ligado<br />

apenas à parte intelectual de qu<strong>em</strong> está sendo avaliado: se o aluno aprendeu ou não.<br />

Nesse sentido, a avaliação é conteudista, na medida que só privilegia o conteúdo.<br />

A avaliação s<strong>em</strong> o caráter diagnóstico torna-se apenas verificação de aprendizag<strong>em</strong>,<br />

isto é, subtrai-se da avaliação a tomada de decisão. quando um professor<br />

avalia um aluno e esse mesmo aluno fracassa continuadamente s<strong>em</strong> que o professor<br />

tome a iniciativa de buscar as causas e superá-las, ele está apenas fazendo<br />

verificação.<br />

Imagine-se que uma pessoa vai ao médico por sentir dores nas costas. De início,<br />

o médico constata ser uma pneumonia que está localizada na parte esquerda<br />

inferior do pulmão e, apesar de verificar a doença, não prescreve nenhum r<strong>em</strong>édio.<br />

Depois de 15 dias, o paciente retorna ao médico, s<strong>em</strong>pre reclamando das dores. O<br />

médico constata que a pneumonia já tomou conta de seu pulmão esquerdo e já<br />

está no lado direito. Consequência: o paciente morre.<br />

Então, colocada nessas proporções, a avaliação apenas constata alguma coisa.<br />

É claro que o médico que verificou a pneumonia no paciente, de imediato, deveria<br />

ter tomado uma decisão: aplicar o antibiótico; se não der resultado, reforça-se a<br />

dosag<strong>em</strong>, até que o paciente sare. Se estiver clara na mente do professor a importância<br />

da avaliação, ele terá que rever seus objetivos, mudar sua metodologia, suas<br />

estratégias, enfim, fazer alguma coisa para que os alunos aprendam.<br />

Dito assim, é difícil retirar uma parte do todo e examiná-la isoladamente. Esse<br />

procedimento, além de favorecer uma análise parcial da realidade, quando não relaciona<br />

a parte ao todo, pode comprometer a visão da totalidade e, consequent<strong>em</strong>ente,<br />

direcionar ações dissociadas do seu universo. Contudo, verifica-se que qualquer<br />

uma das opções especificadas está comprometida com uma ideologia.<br />

Outra questão delicada é a avaliação no processo. Antes de mais nada, é importante<br />

chamar atenção para que esta não venha a se tornar uma arma contra o aluno.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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Avaliação da<br />

aprendizag<strong>em</strong><br />

escolar nos cursos<br />

da <strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos:<br />

uma discussão<br />

acerca das<br />

possibilidades<br />

de rediscuti-la<br />

nos currículos<br />

escolares.


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Avaliação da<br />

aprendizag<strong>em</strong><br />

escolar nos cursos<br />

da <strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos:<br />

uma discussão<br />

acerca das<br />

possibilidades<br />

de rediscuti-la<br />

nos currículos<br />

escolares.<br />

Ela surge da necessidade de proporcionar aos educandos vários momentos de avaliação<br />

e, assim, oferecer uma visão muito mais ampla da mesma, desconsiderando<br />

o caráter excludente, visto que é contínua e não estanque. Compreendida dessa<br />

forma, a avaliação não se limita à exigência da frequência do aluno como subterfúgio<br />

“legal”, mas abrange diferentes processos da aprendizag<strong>em</strong>.<br />

Na forma de avaliação no processo observa-se que essa modalidade exige do<br />

aluno frequência diária, visto que acontece a todo momento. Logo, o aluno com<br />

frequência irregular já se encontra <strong>em</strong> desvantag<strong>em</strong> <strong>em</strong> relação aos outros.<br />

Isso se reproduz na sociedade capitalista, pois, de certa forma, aqueles que não<br />

precisam vender bombom ou reparar carros para ajudar na economia de casa estão<br />

privilegiados <strong>em</strong> relação aos que precisam dividir o t<strong>em</strong>po da escola com o trabalho.<br />

Vista assim, a exigência da presença do aluno, inevitavelmente, prejudicará essa<br />

forma de avaliação. Dessa forma, a avaliação novamente é excludente, na medida<br />

<strong>em</strong> que a escola fica “amarrada” nessa concepção de avaliação.<br />

O mais importante é perceber que houve avanço significativo na forma de se<br />

conceber a avaliação, partindo do pressuposto de que, sendo de natureza classificatória,<br />

é nociva e só serve ao propósito de manter a ord<strong>em</strong> e a disciplina na sala<br />

de aula. O passo seguinte, s<strong>em</strong> perder o equilíbrio, se dará a partir do momento <strong>em</strong><br />

que o professor se sentir seguro dos objetivos a alcançar, sendo objeto de análise e<br />

discussão no currículo escolar.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Considerações finais<br />

S<strong>em</strong> querer cometer injustiças, verificam-se esforços de professores e coordenadores<br />

pedagógicos da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos no sentido de desvelar essas<br />

incongruências da avaliação e as ideologias subjacentes, notadamente quando<br />

iniciam a construção do Projeto Político-Pedagógico da escola.<br />

A partir das vozes de professores, alunos e coordenadores, pode-se constatar<br />

que esse tipo de educação sofre discriminação de diretores, professores e coordenadores<br />

que não atuam nessa modalidade. Isso é perceptível quando tratam a EJA<br />

como uma modalidade “intrusa” na escola. Isso, de certa forma, legitima o preconceito,<br />

a discriminação. Desconstruir esse paradigma não é nada fácil, posto que está<br />

no nível de formação de consciência e discurso.<br />

A Universidade Federal do Amapá, através de seu curso de Pedagogia, não t<strong>em</strong><br />

perspectivas de preparar professores para atuar<strong>em</strong> nessa modalidade. Faz-se necessário<br />

o desenvolvimento de políticas mais eficazes quanto à formação e pesquisa<br />

nas áreas de ensino e aprendizag<strong>em</strong> na <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos.<br />

Apesar de a avaliação ter uma característica essencial, que é a tomada de decisão,<br />

infelizmente, o que as escolas vêm fazendo é simplesmente a verificação. E<br />

mesmo que o professor esteja predisposto a realizar a avaliação como diagnose,<br />

ele enfrentará um probl<strong>em</strong>a sério – a exigência no cumprimento dos conteúdos<br />

curriculares, defrontando-se com situações conflitantes: primeiro, o idealismo pedagógico,<br />

o querer assumir a avaliação como caráter diagnóstico — essa atitude<br />

perpassa uma definição pedagógica e política — segundo, verificar que, apesar da<br />

avaliação ser uma tomada de decisão, o professor precisa, necessariamente, cumprir<br />

as exigências acerca dos conteúdos programáticos.<br />

Apesar das tentativas de colocar a avaliação no âmbito da diagnose como retomada<br />

de decisão, o que vale mesmo é a classificação <strong>em</strong> média do aluno. Vista<br />

assim, a avaliação classificatória, apesar das análises como injusta e arbitrária, o professor<br />

ainda utiliza, e vai utilizar por muito t<strong>em</strong>po, como efeito de comprovação de<br />

que avaliar é necessariamente ter que aprovar ou reprovar alguém.<br />

Também há que considerar que a finalidade da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos é<br />

corrigir a distorção entre idade e série dos alunos oriundos do ensino regular e que<br />

após a correção dessa distorção retornariam para este ensino. Entretanto, o que se<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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Avaliação da<br />

aprendizag<strong>em</strong><br />

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Jovens e Adultos:<br />

uma discussão<br />

acerca das<br />

possibilidades<br />

de rediscuti-la<br />

nos currículos<br />

escolares.


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escolar nos cursos<br />

da <strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos:<br />

uma discussão<br />

acerca das<br />

possibilidades<br />

de rediscuti-la<br />

nos currículos<br />

escolares.<br />

percebe não é isso, na medida <strong>em</strong> que é mais atrativo cursar duas séries <strong>em</strong> um ano.<br />

Assim, a finalidade inicial da EJA não se realiza na prática.<br />

Não se quer com isso deixar implícito de que deve haver uma redução na qualidade<br />

do processo de ensino dos jovens e adultos, mas torna-se imperativo asseverar<br />

que não se pode justificar o avanço da EJA como algo “normal” e “necessário” para<br />

esses alunos. Do ponto de vista da eficiência e eficácia do ensino regular, vislumbrase<br />

que a EJA subsista por ausência desses el<strong>em</strong>entos. Já que regular é aquilo que<br />

funciona dentro de padrões normais, a EJA, então, seria uma exceção.<br />

Dessa forma, chegou-se à conclusão de que o el<strong>em</strong>ento essencial para que se<br />

dê à avaliação educacional escolar um rumo diverso do que v<strong>em</strong> sendo exercitado<br />

é o resgate da sua função diagnóstica. Para não ser autoritária e conservadora, a<br />

avaliação deverá se constituir <strong>em</strong> um instrumento dialético de avanço, instrumento<br />

de identificação de novos rumos.<br />

Com isso, não se quer subestimar a competência e habilidade do professor<br />

para avaliar seus alunos, mas, sobretudo, essa autoridade não pode ser entendida<br />

como prerrogativa exclusiva do mesmo, de uma competência outorgada, concedida<br />

pelo Estado. É preciso, antes, desvelar as contradições e ideologias existentes<br />

no ato de avaliar.<br />

Pensar a avaliação a partir de uma matriz cultural que resgate o currículo oculto<br />

é garantir ao indivíduo a possibilidade de manifestar seu agir e pensar.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


REFERÊNCIAS<br />

BlOOm, B. et al. Manual de avaliação formativa e somativa do aprendizado escolar. São<br />

paulo: pioneira, 1983.<br />

BOtH, i. J. Avaliação planejada, aprendizag<strong>em</strong> consentida: é ensinando que se avalia, é avaliando<br />

que se ensina. 2. ed. rev. e ampl. curitiba: ibpex, 2008.<br />

cAnDAU, V. m. Rumo a uma nova didática. petrópolis: Vozes, 2001.<br />

D<strong>em</strong>O, p. Avaliação qualitativa. 9. ed. São paulo: cortez: Autores Associados, 2000.<br />

DiniZ, t. Sist<strong>em</strong>a de avaliação e aprendizag<strong>em</strong>. 5. ed. rio de Janeiro: livros técnicos e científicos,<br />

2001.<br />

lUcKeSi, c. c. Avaliação da aprendizag<strong>em</strong> na escola: reelaborando conceitos e recriando a<br />

prática. 2. ed. Salvador: malabares comunicação e eventos, 2005.<br />

lUcKeSi, c. c. Avaliação educacional escolar: para além do autoritarismo. Revista ANDE, São<br />

paulo, n. 10/11, 1988.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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Avaliação da<br />

aprendizag<strong>em</strong><br />

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da <strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos:<br />

uma discussão<br />

acerca das<br />

possibilidades<br />

de rediscuti-la<br />

nos currículos<br />

escolares.


Recordações:<br />

compl<strong>em</strong>ento para uma<br />

prática inovadora<br />

Maria de Assunção Cortes Costa*<br />

RESUMO<br />

Este artigo t<strong>em</strong> por finalidade apresentar uma<br />

experiência vivenciada no ano de 1997, que<br />

serviu de reflexão e subsídio para inovar a prática<br />

pedagógica referente ao Ensino de Jovens<br />

e Adultos. O t<strong>em</strong>a, “Recordações: compl<strong>em</strong>ento<br />

para uma prática inovadora”, foi resultado de<br />

uma avaliação do curso “Elaborando currículos<br />

<strong>em</strong> <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos”, realizado<br />

pelo SESC – AP, que me levou a detectar<br />

os fatores relacionados ao processo avaliativo<br />

apresentados por alunos de EJA. Os resultados<br />

indicam que para uma prática pedagógica<br />

inovadora é necessário caminhar <strong>em</strong> busca de<br />

novos subsídios como garantia de ampliar as<br />

atividades de reflexão e operação sobre o ato<br />

de avaliar.<br />

PALAvRAS-ChAvE: Prática educativa; avaliação;<br />

processo de ensino-aprendizag<strong>em</strong>.<br />

ABSTRACT<br />

This article aims to present an experience<br />

undergone in 1997, which served as a point of<br />

reflection and support to innovate the Youth<br />

and Adult Education teaching practices.<br />

The th<strong>em</strong>e, “M<strong>em</strong>ories: a compl<strong>em</strong>ent for<br />

an innovative practice,” was the result of an<br />

evaluation of the course “developing Youth<br />

and Adult Education Curricula,” held at<br />

SESC - AP, which led me to detect the factors<br />

related to the evaluation process presented<br />

by Youth and Adult Education students.<br />

The results indicate that for an innovative<br />

teaching practice it is necessary to seek new<br />

supports as a guarantee in order to expand<br />

the activities of operation and reflection on<br />

the act of evaluating.<br />

KEYwords: Educational practice;<br />

evaluation; teaching-learning process.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Introdução<br />

* Docente da Escola Estadual Maria Neusa Carmo de Souza; graduada <strong>em</strong> licenciatura<br />

Plena <strong>em</strong> Pedagogia na Universidade Federal do Amapá (Unifap); bacharel <strong>em</strong> Letras<br />

Tradutor Português/Inglês no Instituto de Ensino Superior do Amapá (Iesap); Pós-gra-<br />

duada <strong>em</strong> Docência do Ensino Superior – Unimeta – Macapá(AP).<br />

O ensino na <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos (EJA) é um desafio político, econômico,<br />

cultural e pedagógico. Esse desafio compreende uma multiplicidade de experiências<br />

que v<strong>em</strong> se destacando na última década. Neste contexto, o Indicativo para<br />

formulação das Diretrizes da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos do Estado do Amapá<br />

(2002) 1 traz referências sobre os programas que foram desenvolvidos ao longo da<br />

história, tais como: o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), de 1969, e o<br />

Ensino Supletivo, <strong>em</strong> que as responsabilidades pelo ensino eram das associações,<br />

igrejas e comunidades, além da Fundação Educar, de 1985, que substituiu o Mobral<br />

e foi criada com a atribuição de fomentar programas destinados àqueles que não<br />

tiveram acesso à escola.<br />

No final de 1987, a Fundação Educar foi extinta devido ao corte das verbas<br />

voltadas a esse projeto, e, <strong>em</strong> substituição, foi criado o Programa Nacional de Alfabetização<br />

e Cidadania (Pnac), que n<strong>em</strong> foi impl<strong>em</strong>entado. Dando continuidade<br />

aos estudos, foi criada a Lei de Diretrizes e Bases da <strong>Educação</strong> Nacional – LDBEN<br />

nº 9394/96, que abre um leque sobre o valor do conhecimento tanto escolar como<br />

extra-escolar voltada, para a qualificação profissional e o preparo do educando no<br />

exercício da cidadania.<br />

Nesse percurso educacional, as escolas de <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos vão<br />

<strong>em</strong> busca de alternativas para propiciar ao aluno viver no mundo da informação,<br />

elaborando pensamentos e ações de forma crítica. Exist<strong>em</strong>, assim, inúmeras escolas<br />

trabalhando a EJA com sucesso, devido aos projetos que são realizados com grande<br />

êxito. Como diz Cury (2003, p.119), “essas técnicas contribu<strong>em</strong> para mudarmos para<br />

s<strong>em</strong>pre a educação. Elas constitu<strong>em</strong> o projeto escola da vida e pod<strong>em</strong> gerar a educação<br />

dos nossos sonhos”. Seguindo a linha do educador Paulo Freire (1921-1997), o<br />

1. Fonte: extraído do indicativo para a formulação das Diretrizes da educação de Jovens e Adultos do estado do<br />

Amapá, elaborado pelos técnicos da Divisão de educação de Jovens e Adultos do Amapá da Dieja/SeeD Ap – 2002.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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Recordações:<br />

compl<strong>em</strong>ento<br />

para uma prática<br />

inovadora


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Recordações:<br />

compl<strong>em</strong>ento<br />

para uma prática<br />

inovadora<br />

projeto alfabetiza com base nos t<strong>em</strong>as geradores, fazendo a ligação dos conteúdos<br />

escolares com a vida do estudante.<br />

Mesmo com essas oportunidades que as escolas vêm vivenciando, o índice de<br />

reprovação escolar é alarmante, sendo ainda motivo de preocupação e alvo de estudos,<br />

análises e debate entre os educadores, especialistas e profissionais comprometidos<br />

com a educação.<br />

A probl<strong>em</strong>ática do ensino deve ser tratada com atenção, a fim de gerar resultados<br />

positivos <strong>em</strong> relação à reprovação e à evasão escolar, no entanto, é preciso que<br />

o estudo seja contínuo <strong>em</strong> todos os aspectos do processo ensino-aprendizag<strong>em</strong>,<br />

e que a metodologia utilizada e, principalmente, a formação do educador da EJA<br />

sejam diferenciadas daquelas d<strong>em</strong>ais modalidades de ensino.<br />

Nesse contexto, a avaliação é um dos fatores que interfere diretamente no<br />

processo ensino-aprendizag<strong>em</strong>, sendo um dos focos <strong>em</strong> discussão. Mesmo assim,<br />

percebe-se o conflito gerado pelas diferentes formas de compreensão do que significa<br />

o ato de avaliar, pois os professores trabalham para a transmissão de conhecimentos<br />

e repetição de conteúdos s<strong>em</strong> perceber<strong>em</strong> que a avaliação faz parte da vida<br />

humana, acompanhando o indivíduo na trajetória de sua vida.<br />

Conforme ressalta Hoffmann (2003, p. 41):<br />

O aluno constrói o seu conhecimento na interação com o meio <strong>em</strong> que vive. portanto,<br />

depende das condições desse meio, da vivência de objetos e situações, para ultrapassar<br />

determinados estágios de desenvolvimentos e ser capaz de estabelecer relações cada vez<br />

mais complexas e abstratas.<br />

Partindo desta ideia, exponho uma experiência vivenciada <strong>em</strong> que destaco os<br />

fatores e as dificuldades do ato de avaliar, detectando a real dificuldade do aluno da<br />

<strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos, para uma possível reflexão de que a avaliação não<br />

pode se basear somente <strong>em</strong> números e dados, mas, sim, ser colocada a serviço do<br />

pleno desenvolvimento do educando.<br />

Experiência <strong>em</strong> sala de aula<br />

O t<strong>em</strong>a “Recordações: compl<strong>em</strong>ento para uma prática inovadora” foi definido<br />

devido à angústia gerada na prática educativa que me levou à reflexão e que proporcionou<br />

buscar subsídios para uma avaliação alternativa no ensino de jovens e<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


adultos. A referida experiência ocorreu <strong>em</strong> uma turma de 2ª etapa (na época Ensino<br />

Supletivo), no ano de1997, na Escola Estadual Serafini Costaperária, com atendimento<br />

no Ensino Fundamental regular e EJA Fundamental, localizada no bairro Jardim<br />

Felicidade I, Macapá (AP).<br />

Apresento as dificuldades que um professor enfrenta quando não possui uma<br />

formação especial acerca do processo de ensino-aprendizag<strong>em</strong> que vai desenvolver.<br />

Estou me referindo também a todos os alunos e alunas, independent<strong>em</strong>ente do ensino:<br />

Fundamental, Médio, EJA ou Superior, já que o educador deve estar preparado<br />

para planejar, pesquisar, estudar e ter compromisso com a formação dos alunos.<br />

Era uma turma de senhores e senhoras com um nível de escolarização baixo,<br />

caracterizado por pouca ou nenhuma leitura de livros, jornais ou revistas. O conhecimento<br />

de mundo era o que prevalecia, mas foi por mim esquecido! S<strong>em</strong> apoio<br />

da escola e s<strong>em</strong> orientação pedagógica, enfrentei esse desafio. O único material<br />

didático utilizado foi o livro de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental, dos quais eram<br />

extraídos os conteúdos, que, por sua vez, eram passados no quadro e copiados pelos<br />

alunos. Na época eu não exercitava leituras de outros livros, jornais ou revistas.<br />

No entanto, hoje reflito: eles eram privados de entrar <strong>em</strong> contato com os textos!!!<br />

A experiência vivida revela o perfil de uma aluna que ficou reprovada e hoje<br />

ainda vive sob condições socioeconômicas precárias. Com seus sete filhos, luta pela<br />

sua sobrevivência. Uma jov<strong>em</strong> senhora, aparent<strong>em</strong>ente com seus 35 anos de idade,<br />

vendedora de doces e salgados, não sabia resolver as quatros operações fundamentais<br />

da mat<strong>em</strong>ática. Onde se viu uma coisa dessas?! E então, eu pensava: essa<br />

senhora é atrasada mesmo! No fim, nota vermelha era o que ela recebia e a reprovação<br />

foi o seu resultado final.<br />

Refletindo, o professor deve valorizar o saber prévio do aluno e, <strong>em</strong> conjunto<br />

com a escola, olhar mais atentamente a experiência de vida que o educando<br />

da EJA possui, e tal conhecimento deve ser um compl<strong>em</strong>ento para o crescimento<br />

profissional desse educando; esses saberes dev<strong>em</strong> ser valorizados, sist<strong>em</strong>atizados e<br />

integrados ao saber escolar.<br />

Na realidade, a escola não dá valor a esse conhecimento, excluindo-o totalmente<br />

do currículo na medida <strong>em</strong> que não vê a importância do saber que o aluno trabalhador<br />

traz para a escola. “Os jovens e adultos trabalhadores traz<strong>em</strong> para o interior<br />

do espaço escolar uma multiplicidade e uma riqueza de saberes que quase nunca<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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inovadora


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inovadora<br />

ousam externar por considerá-los inadequados, s<strong>em</strong> valor ou mesmo equivocados”<br />

(CIAVATTA, 2002, p. 126).<br />

Onde se encaixa o estudo das linguagens? A venda nos olhos não nos t<strong>em</strong> deixado<br />

enxergar a maravilha do cotidiano das linguagens de que tais sujeitos sociais<br />

educandos são portadores quando desenvolv<strong>em</strong> uma conversa entre amigos, narram<br />

uma história contada por colegas, uma notícia de jornal, rádio ou tevê, para não<br />

falar da linguag<strong>em</strong> dos gestos e da visão que têm do próprio corpo!<br />

De acordo com a proposta curricular da EJA, o estudo das linguagens do cotidiano<br />

representa um componente essencial do currículo, pois não se pode estigmatizar<br />

o jov<strong>em</strong> e o adulto <strong>em</strong> função de suas competências e habilidades adquiridas<br />

na trajetória de vida.<br />

A prática: um caminho para o ensino de qualidade<br />

Sab<strong>em</strong>os que os alunos se beneficiam com experiências de vida, <strong>em</strong> especial<br />

os alunos da EJA que consegu<strong>em</strong> desenvolver suas atividades educacionais relacionando<br />

os conteúdos programáticos com as experiências do cotidiano e enfatizando<br />

a interação com os outros, como citado anteriormente no pensamento de<br />

Hoffmann (2003).<br />

Em contrapartida, quando um aluno é excluído dessas oportunidades, aumentam<br />

as suas chances de não conseguir sucesso pessoal e profissional, como exposto<br />

na experiência citada – uma senhora rica <strong>em</strong> conhecimento, com experiência de<br />

vida incomparável, ficou reprovada! E até hoje continua com suas vendas de doces,<br />

no entanto, não continuou seus estudos. Tal recordação levou-me a trabalhar <strong>em</strong><br />

busca de nova orientação do ensino no sentido da vida cotidiana, que na época eu<br />

não sonhava <strong>em</strong> ter.<br />

Nesse sentido, entender a prática da avaliação de Jovens e Adultos predominante<br />

hoje implica repensar como essa prática foi construída ao longo do t<strong>em</strong>po,<br />

uma vez que a prática está a serviço de um modelo teórico de sociedade e de educação,<br />

modelo esse que vê a educação como um mecanismo de conservação e reprodução<br />

de sociedade: “tendo sua orig<strong>em</strong> na escola moderna sist<strong>em</strong>atizou-se a<br />

partir dos séculos xI e xII com a cristalização da burguesia como modelo de prática<br />

educativa da sociedade à qual serve.” ( HOFFMANN, 1996, p. 42).<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Sabe-se que na escola tradicional, pouco preocupada com a análise crítica, com<br />

a reflexão e com a construção de conhecimento, exigia-se assimilação e fixação de<br />

conteúdos e a avaliação era mais quantitativa. Nesse sentido, concordo com o pensamento<br />

de Cury (2003, p. 142), que diz: “peço aos mestres: encontr<strong>em</strong> espaço para<br />

humanizar o conhecimento, humanizar sua história e estimular a arte da dúvida”.<br />

O autor incentiva o educador na busca de alternativas e na construção de novos<br />

caminhos para o sucesso de sua prática, uma vez que toda transformação é<br />

fruto da construção de um novo olhar na formação do educando. No entanto, é necessário<br />

que o educador da EJA esteja <strong>em</strong> busca contínua de novas metodologias<br />

que venham a atender às especificidades de cada aluno.<br />

que a escola seja um espaço de acolhida desse aluno e que ele sinta prazer <strong>em</strong><br />

estar participando das ações que ela promove, pois humanizar o espaço de aprendizado<br />

é um compromisso de todos; que seja respeitado o aluno como um ser humano<br />

capaz de construir e sist<strong>em</strong>atizar novos saberes e aprimorar os saberes adquiridos<br />

na reconstrução de novos conhecimentos, pois o aluno da EJA é atuante na<br />

sociedade, ele pensa e sobrevive <strong>em</strong> busca de crescimento profissional e social, mas<br />

com suas próprias formas de ser, viver e lutar por uma melhor qualidade de vida.<br />

Assim, Ciavatta (2002, p. 125) reafirma que:<br />

Ao pensarmos na especificidade da educação dos Jovens e Adultos, uma questão logo se<br />

apresenta: qu<strong>em</strong> são eles? A resposta abriga múltiplas possibilidades. O universo consti-<br />

tuído pelos que procuram os diferentes níveis de escolaridade básica, fora da faixa etária<br />

socialmente prevista, caracteriza-se por uma diversidade. todos praticamente traz<strong>em</strong>, en-<br />

tretanto, como característica comum, a partilha de expectativas, que constitu<strong>em</strong> a expres-<br />

são do desejo de viver uma vida melhor.<br />

O conhecimento pedagógico é indispensável na prática do professor. Portanto,<br />

o ato de ensinar-aprender necessita estar <strong>em</strong>basado <strong>em</strong> conhecimentos fundamentais<br />

para que de fato se atinja o objetivo do saber aprender. Assim, o processo<br />

educativo alcançará seu objetivo, tornando o educando alguém capaz de reorganizar<br />

conceitos já construídos, possibilitando a criação de novos saberes voltados à<br />

realidade de seu contexto social.<br />

Nesse sentido, Freire (1993, p. 28) nos dá a seguinte contribuição:<br />

Quando viv<strong>em</strong>os a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender participamos de<br />

uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e éti-<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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Recordações:<br />

compl<strong>em</strong>ento<br />

para uma prática<br />

inovadora


184<br />

Recordações:<br />

compl<strong>em</strong>ento<br />

para uma prática<br />

inovadora<br />

ca, <strong>em</strong> que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a seriedade.<br />

A compreensão dessa experiência total referida por Freire requer a construção<br />

de alternativas e ações que exig<strong>em</strong> o confronto entre os múltiplos saberes que tec<strong>em</strong><br />

a realidade escolar, o que desafia o professor a buscar os saberes implícitos nas<br />

atuações dos alunos na prática pedagógica. Nesse sentido, é necessário questionar<br />

as características que o educador de jovens e adultos, na atualidade, precisa cultivar.<br />

Basicamente, é importante que esse educador tenha experiência na <strong>Educação</strong><br />

de Jovens e Adultos, o que facilita muito a diversidade de práticas baseadas nos<br />

conteúdos curriculares de acordo com a realidade do aluno da EJA.<br />

Nessa perspectiva, a educação exige que a práxis pedagógica dos professores<br />

seja significativa, prazerosa e diversificada e que possibilite o desenvolvimento tanto<br />

dos educadores quanto do educando. Para isso, requer uma preparação, ou seja,<br />

um planejamento adequado, muitos estudos e leituras, para que haja uma reflexão<br />

da práxis pedagógica <strong>em</strong> consonância com as necessidades dos alunos.<br />

Nesse aspecto, Freire sugere:<br />

A responsabilidade ética, política e profissional do ensinamento lhe coloca o dever de se<br />

preparar, de se capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua atividade docente. essa<br />

atividade exige que sua preparação, sua capacidade, sua formação se torn<strong>em</strong> processos<br />

permanentes. Sua experiência docente, se b<strong>em</strong> percebida e b<strong>em</strong> vivida, vai deixando claro<br />

que ela requer uma formação permanente do ensinamento. Formação que se funda na<br />

análise crítica de sua prática. (Freire, 1993, p. 28).<br />

Dessa maneira, compreende-se a relevância da necessidade de o educador<br />

possuir “virtudes” ou “saberes” para desenvolver práticas pedagógicas coerentes,<br />

uma vez que o processo educativo possibilita ao docente desenvolver uma rede<br />

de pensamentos concretos sobre a realidade <strong>em</strong> que se encontra inserido. Porém,<br />

sabe-se que essa transformação do docente perpassa a prática educativa – crítica<br />

ou progressista – e que, por isso mesmo, deve ser obrigatória na sua formação e na<br />

sua prática. Assim, na sua prática pedagógica cotidiana, o educador deve oferecer<br />

conhecimentos cuja compreensão seja clara e lúcida.<br />

Avaliação<br />

Marques (1976) retrata a avaliação como um processo contínuo, sist<strong>em</strong>ático,<br />

compreensivo, comparativo, cumulativo, informativo e global que permite avaliar o<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


conhecimento do aluno. Sendo assim, a avaliação é um processo gradativo e ininterrupto<br />

capaz de dimensionar o conhecimento do aluno, que deve ser respeitado<br />

de acordo com suas potencialidades, e privilegiando o senso crítico, a imaginação,<br />

a compreensão e a comunicação.<br />

A avaliação é um processo que busca comprovar, pesquisar e analisar. Luckesi<br />

(2002) enfatiza a avaliação diagnóstica, que t<strong>em</strong> por pressuposto acompanhar<br />

as diferenças individuais, percebendo avanços e recuos do processo de ensino e<br />

aprendizag<strong>em</strong>. Hoffmann (1993) chama a atenção para a avaliação mediadora, que<br />

possibilita ao educador gerenciar a ação didática, tendo <strong>em</strong> vista observar o educando<br />

e, por conseguinte, oferecer ações que propici<strong>em</strong> seu progresso na aprendizag<strong>em</strong>.<br />

Perrenoud (1999) destaca a dimensão formativa da avaliação, que viabiliza<br />

o desenvolvimento de competências e habilidades de cada sujeito aprendiz a partir<br />

de situações pedagógicas inovadoras. Saul (1994) enfatiza a avaliação <strong>em</strong>ancipatória,<br />

que significa a abertura para o processo d<strong>em</strong>ocrático do ato de avaliar no<br />

contexto escolar. Por fim, Moretto (2003) analisa os instrumentos avaliativos, mais<br />

especificamente a prova, que pod<strong>em</strong> servir como forma de conhecer as reais dificuldades<br />

do educando se for<strong>em</strong> trabalhados numa dimensão construtivista, ou<br />

seja, não no sentido de provocar tensão ou medo, mas de propiciar questões que<br />

conduzam o aluno à reflexão crítica do conhecimento científico articulado a sua<br />

própria realidade.<br />

Contudo, nos encontros pedagógicos e formações continuadas, as escolas pouco<br />

discut<strong>em</strong> as ideias desses autores, e com isso, tornam-se impotentes na organização<br />

do trabalho pedagógico, <strong>em</strong> suas ressignificações, na elaboração de nova<br />

roupag<strong>em</strong> para o currículo e, principalmente, no estabelecimento de uma íntima<br />

relação entre ensino-aprendizag<strong>em</strong>.<br />

Sendo assim, a concepção avaliativa deve ser fundamentada para o aprimoramento<br />

da prática pedagógica como forma de evitar a concepção de poder no<br />

desenvolvimento e efetivação das ações avaliativas, na medida <strong>em</strong> que “qu<strong>em</strong> t<strong>em</strong><br />

o poder de avaliar também t<strong>em</strong> o poder de legitimar ou de condenar o pensamento<br />

avaliativo” (HADJI apud GUIMARÃES, 1994, p. 79). A relação avaliador-avaliado é<br />

vivida, nessas condições, como uma relação de combinação hierárquica.<br />

Com isso, a prática avaliativa deve estimular, favorecer e programar uma ação<br />

subsequente que resulte <strong>em</strong> um processo mais prazeroso, <strong>em</strong> que a prática do professor<br />

vai se aperfeiçoando na medida <strong>em</strong> que ele vai se tornando também um<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

185<br />

Recordações:<br />

compl<strong>em</strong>ento<br />

para uma prática<br />

inovadora


186<br />

Recordações:<br />

compl<strong>em</strong>ento<br />

para uma prática<br />

inovadora<br />

professor observador, mediador e avaliador de si e do outro, pois já não confunde<br />

mais o ser justo com o usar de rigidez. Thereza Penna Firme afirma que “justo é ter<br />

bom senso e rigidez é fazer o juízo na base de regras expostas que deve seguir, com<br />

base no conteúdo programático exposto pela escola” . 2<br />

Nesse aspecto, é importante aprimorar o conhecimento sobre a <strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos, o que é um compromisso de todos, principalmente quando este<br />

é adaptado de acordo com as mudanças e as transformações de mundo, como retrata<br />

Silva (2007, p. 25): “as instituições de ensino têm que viver uma dinâmica de<br />

metamorfose, de significados, pois dev<strong>em</strong> caminhar de acordo com as transformações<br />

sociais”. Por esse motivo, deve-se dar importância, nas discussões referentes<br />

à avaliação, às questões fundamentais na formação do educando e às alternativas<br />

metodológicas na prática dos educadores. Contudo, é válido ressaltar:<br />

O probl<strong>em</strong>a da avaliação é muito sério e t<strong>em</strong> raízes profundas: não é probl<strong>em</strong>a de uma<br />

matéria, série, curso ou escola; é todo um sist<strong>em</strong>a educacional, inserido num sist<strong>em</strong>a social<br />

determinado, que impõe certos valores desumanos como o utilitarismo, a competição, o<br />

individualismo, o consumismo, a alienação, a marginalização, valores estes que estão in-<br />

corporados <strong>em</strong> práticas sociais, cujos resultados colh<strong>em</strong>os <strong>em</strong> sala de aula, uma vez que<br />

funcionam como “filtros” de interpretação do sentido da educação e da avaliação (VAS-<br />

cOncellOS, 2000, p. 14).<br />

A avaliação, nessa perspectiva, t<strong>em</strong> consolidado uma prática centrada apenas<br />

na reprodução do saber, por meio da qual se t<strong>em</strong> estabelecido uma relação fragmentada<br />

entre o que o aluno aprende e o que a escola ensina. Fato este que faz da<br />

avaliação algo que t<strong>em</strong> um fim <strong>em</strong> si mesmo, viabilizando a aprendizag<strong>em</strong> como<br />

um processo marcadamente mecanicista.<br />

Se se resolver o probl<strong>em</strong>a da avaliação, se todos fizer<strong>em</strong> uma avaliação b<strong>em</strong>–feita, estará<br />

resolvida a questão da qualidade do ensino. estas afirmações acabam fazendo parte do<br />

ideário dos educadores e até mesmo do senso comum. A avaliação deve ser melhorada<br />

sim, mas dentro do conjunto das práticas educativas do qual ela se faz parte. S<strong>em</strong> isto, não<br />

t<strong>em</strong> sentido trabalhar especificamente sobre a avaliação (SAUl, bases birene.br).<br />

Partindo desse pressuposto, a escola deve vivenciar uma ação integrada envolvendo<br />

administração, supervisão, orientação educacional e educadores, a fim<br />

de atender e detectar as necessidades singulares de cada aluno, com práticas que<br />

atendam às necessidades dos mesmos, s<strong>em</strong>pre atenta à diversidade: é atribuição<br />

2. Fonte: extraído da videoconferência sobre os Avanços da Avaliação no Século XXi — ieSD.<br />

thereza penna Firme é phD, educadora e psicóloga; formação acadêmica no campo da Avaliação; mestre <strong>em</strong> psicologia<br />

educacional; mestre <strong>em</strong> educação; Doutora <strong>em</strong> psicologia da educação e do Adolescente.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


do professor considerar a especificidade do sujeito, analisar suas potencialidades e<br />

avaliar a eficácia das medidas adotadas.<br />

A importância das linguagens cotidianas para o<br />

currículo escolar<br />

Na prática que vivenciei, pude ter como ex<strong>em</strong>plo a importância das linguagens<br />

cotidianas. Se o objetivo é formar cidadãos capazes de interagir no mundo e transformá-lo,<br />

assumindo assim suas próprias ações, o estudo das linguagens t<strong>em</strong> um<br />

papel fundamental para o currículo escolar <strong>em</strong> <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos, pois<br />

qu<strong>em</strong> produz linguagens consegue vivenciar essa produção <strong>em</strong> qualquer situação<br />

de vida, na medida <strong>em</strong> que qualquer aprendizag<strong>em</strong> só é possível por meio da linguag<strong>em</strong>,<br />

que formaliza todo conhecimento.<br />

A linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> si atinge as mais diversas áreas do conhecimento: no trabalho,<br />

na vida doméstica, na política e nas relações do indivíduo <strong>em</strong> sociedade; assim<br />

como a avaliação, o planejamento e o conhecimento estão interligados, a linguag<strong>em</strong><br />

do dia a dia não está separada desse contexto. No entanto, é até mais fácil para<br />

o professor quando ele aproveita esse momento para planejar, devido à facilidade<br />

de manter contato com os alunos. Como diz Paulo Freire, a importância do “diálogo”<br />

é ponto essencial para o conhecimento e aprendizag<strong>em</strong> na relação entre professor<br />

e aluno.<br />

Em todos os campos da linguag<strong>em</strong> da atualidade, <strong>em</strong> plena era tecnológica,<br />

prevalec<strong>em</strong> a leitura e a escrita; daí a necessidade de ir além das paredes da escola,<br />

vivenciar o todo, o contexto de história de vida intra e extraescolar. Assim, sugere-se<br />

a oportunidade de conhecer os eixos da linguag<strong>em</strong> de modo geral, principalmente<br />

quando falada ou escrita com segurança por alunos jovens e adultos, para enfrentar<br />

qualquer preconceito linguístico.<br />

à luz desta questão, Perini (2004, p. 55) sugere:<br />

3. O grifo é nosso.<br />

O que alguns chamam português certo, 3 é uma língua que aprend<strong>em</strong>os na escola, com<br />

a dificuldade que todos conhec<strong>em</strong>os, e que usamos (quando usamos) para escrever, mas<br />

nunca para conversar. É a língua padrão do Brasil, (...) é a língua usada pelos jornais, livros<br />

técnicos, revistas e a maior parte da literatura. portanto, t<strong>em</strong> seu lugar seguro no ensino, e o<br />

ideal seria que toda a população a conhecesse, a ponto de usá-la com certa facilidade.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

187<br />

Recordações:<br />

compl<strong>em</strong>ento<br />

para uma prática<br />

inovadora


188<br />

Recordações:<br />

compl<strong>em</strong>ento<br />

para uma prática<br />

inovadora<br />

O preconceito linguístico existe principalmente relacionado às pessoas que não<br />

possu<strong>em</strong> uma escolaridade, pois a língua sofre variações de uma região para outra<br />

ou de um país para outro, havendo diferença quando falada por um hom<strong>em</strong> ou por<br />

uma mulher, por um adulto ou por uma criança. Exist<strong>em</strong> as variedades linguísticas,<br />

assim como as diversidades de gênero, etárias, socioeconômicas, de nível de instrução<br />

etc. Essa diversidade se dá no cotidiano de cada pessoa e de cada aluno de EJA<br />

e, necessariamente, precisa ser enfatizada e sist<strong>em</strong>atizada para o aprimoramento<br />

da aprendizag<strong>em</strong> escolar.<br />

Considerações finais<br />

O estudo sobre o t<strong>em</strong>a evidenciou um desafio para o qual a escola e os professores<br />

têm que se dispor a encontrar uma solução, pois toda proposta pedagógica<br />

só terá sucesso se o professor agir como pesquisador, s<strong>em</strong>pre incentivando o aluno<br />

ao progresso.<br />

Falta de conhecimento! Desestímulo! Descompromisso! O que leva um educador<br />

a ficar alheio a esses conhecimentos? As oportunidades são inúmeras, basta<br />

refletir conscient<strong>em</strong>ente para se tornar um educador compromissado com a <strong>Educação</strong><br />

de Jovens e Adultos. <strong>Educação</strong> precisa ser ativa, intervir, questionar, probl<strong>em</strong>atizar<br />

numa abordag<strong>em</strong> que evidencie contextos e aspectos específicos, ao mesmo<br />

t<strong>em</strong>po sabendo que a escola impregnada por questões de poder, pode resistir a<br />

argumentos teóricos válidos e sabendo do compromisso real que a palavra currículo<br />

t<strong>em</strong> com a vida cotidiana.<br />

Assim, esperamos que a experiência descrita neste artigo sirva de ex<strong>em</strong>plo para<br />

muitos educadores que hoje, <strong>em</strong> t<strong>em</strong>po de mudanças, ainda permanec<strong>em</strong> com os<br />

olhos vendados, já que é hora de tirar essa venda e se tornar<strong>em</strong> educadores conscientes,<br />

compromissados com o futuro de todos os seus educandos.<br />

Um passo para essa mudança pode estar na adoção de uma avaliação que priorize<br />

a formação integral do aluno, que considere suas formas de pensar e agir que<br />

enriqueça e colabore com o processo de construção do conhecimento.<br />

Refletir sobre a avaliação é importante porque ela é uma prática educacional<br />

necessária para que se meça a qualidade da aprendizag<strong>em</strong> do aluno, do ensino<br />

do professor e das ações da escola como um todo no sentido de uma educação<br />

<strong>em</strong>ancipatória.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


REFERÊNCIAS<br />

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São paulo: libertad, 2000.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

189<br />

Recordações:<br />

compl<strong>em</strong>ento<br />

para uma prática<br />

inovadora


Diagnosticar saberes<br />

significativos ao aluno ou<br />

simplesmente avaliar<br />

Marlucia Oliveira do Carmo Azerêdo*<br />

RESUMO<br />

Avaliar é um ato de respeito às diferenças, portanto<br />

não pod<strong>em</strong>os ter uma avaliação fechada<br />

e predeterminada por professores. Precisamos<br />

aprender que exist<strong>em</strong> vários níveis de aprendizag<strong>em</strong><br />

dentro do ambiente escolar e, por isso,<br />

t<strong>em</strong>os que saber como avaliar as peculiaridades<br />

s<strong>em</strong> prejudicar determinado aluno.<br />

PAlAVRAS-CHAVE: Avaliação diagnóstica;<br />

avaliação significativa; avaliação/flexibilidade.<br />

ABSTRACT<br />

Evaluation is an act of respect for<br />

differences; so we cannot have a closed and<br />

predetermined assessment by teachers. we<br />

must learn that there are various learning<br />

levels within the school environment and,<br />

therefore, we must know how to evaluate<br />

the peculiarities without hurting a specific<br />

student.<br />

KEYwords: diagnostic evaluation;<br />

meaningful evaluation; assessment/<br />

flexibility.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


*Acadêmica do curso de licenciatura Plena <strong>em</strong> Pedagogia e professora da rede munici-<br />

pal de ensino, atuando hoje com o primeiro ano do Ensino Fundamental.<br />

Avaliar é levar <strong>em</strong> conta as diferenças entre os estudantes. Para que esse ato seja<br />

cada vez mais significativo para o aluno, o docente da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos<br />

precisa trabalhar as peculiaridades de cada um. Ele não pode lançar mão de uma<br />

mesma avaliação todos. De inteira responsabilidade do professor, o ato de avaliar<br />

deve ser ao mesmo t<strong>em</strong>po, diagnóstico, significativo e reflexivo.<br />

O ato de avaliar é muito presente na vida de qu<strong>em</strong> trabalha no âmbito educacional.<br />

Atualmente, um dos objetivos primordiais da educação é formar pessoas<br />

que consigam compreender seu próprio mundo, cidadãos que sejam capazes de<br />

refletir sobre seus atos, compreendendo a melhor forma de agir perante os probl<strong>em</strong>as<br />

sociais e familiares.<br />

Hoje, no Brasil, a procura por cursos que possibilit<strong>em</strong> a aquisição da escolaridade<br />

básica ou sua compl<strong>em</strong>entação nos níveis de Ensino Fundamental e Médio<br />

por parte de jovens e adultos v<strong>em</strong> aumentando significativamente. Essa procura<br />

aumenta a cada ano e a conclusão a que chegou é a de que os professores estão<br />

cada vez mais se aperfeiçoando e procurando entender o processo de construção<br />

do conhecimento dos estudantes de EJA.<br />

Vejo que, a cada ano, discentes estão ajudando a melhorar uma modalidade de<br />

ensino voltada para aqueles que por algum motivo deixaram a escola, <strong>em</strong> determinado<br />

momento da vida se viram excluídos do processo regular do ensino formal e<br />

agora se sent<strong>em</strong> cobrados pela sociedade com relação à exigência da escolaridade<br />

básica. Isso v<strong>em</strong> sendo confirmado com a Lei 9.394/1996, que garante o ensino a essas<br />

pessoas que, por um motivo particular, não tiveram a possibilidade de concluílo<br />

<strong>em</strong> t<strong>em</strong>po regular.<br />

Não pod<strong>em</strong>os fechar os olhos para uma realidade que é cada vez mais frequente<br />

no cotidiano escolar, pois perceb<strong>em</strong>os cada vez mais a procura por parte dos<br />

jovens e adultos por vagas nas escolas para retomar<strong>em</strong> seus estudos. A <strong>Educação</strong><br />

de Jovens e Adultos apresenta peculiaridades, e por motivos como o compromisso<br />

com filhos e trabalho, e até mesmo com os probl<strong>em</strong>as de base que ainda não foram<br />

resolvidos, precisamos ter um olhar b<strong>em</strong> atento para avaliar essa clientela.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

191<br />

Diagnosticar<br />

saberes<br />

significativos<br />

ao aluno ou<br />

simplesmente<br />

avaliar


192<br />

Diagnosticar<br />

saberes<br />

significativos<br />

ao aluno ou<br />

simplesmente<br />

avaliar<br />

não pod<strong>em</strong>os ignorar que, no Brasil, probl<strong>em</strong>as de base ainda não foram resolvidos e, por-<br />

tanto, diante de constantes transformações tecnológicas na conquista do conhecimento,<br />

conviv<strong>em</strong>os com o analfabetismo s<strong>em</strong> condições de interação com perfis sociais e econô-<br />

micos mais modernos (picOneZ, 2003, p. 27).<br />

Dev<strong>em</strong>os avaliar nosso alunos pensando na inclusão, “entendida como participação<br />

crescente na vida social, política e econômica do país” (PICONEz, 2003, p. 27),<br />

cabendo ao professor o papel de mediador da aprendizag<strong>em</strong> do discente, <strong>em</strong> vez<br />

de apenas apontar suas dúvidas e dificuldades.<br />

Deve-se procurar conhecer as dificuldades dos alunos para então usá-las de forma<br />

construtiva, de modo que a aprendizag<strong>em</strong> possa ser significativa e mais próxima<br />

da realidade de cada sujeito, respeitando o ritmo e o modo de aprender de cada um.<br />

O docente precisa utilizar estratégias de avaliação que o lev<strong>em</strong> a perceber<br />

o modo como seu aluno constrói conhecimentos, seja através da participação<br />

nos debates <strong>em</strong> classe, nas atividades escolares ou na vida familiar e social, motivando<br />

sua autoestima de forma que esta prevaleça sobre os probl<strong>em</strong>as que enfrenta<br />

na sociedade.<br />

Esse aluno precisa se sentir parte integrante de sua sociedade, algu<strong>em</strong> que<br />

cumpre obrigações de cidadão, que defende seus direitos, pois só então ele conseguirá<br />

perceber que já é m<strong>em</strong>bro desta. Acredito que o professor pode ajudar muito<br />

o educando, estimulando valores e habilidades para que ele possa refletir sobre<br />

suas atitudes perante os obstáculos do seu cotidiano.<br />

Para Luckesi (2005, p. 28), “a avaliação educacional, <strong>em</strong> geral, e a avaliação da<br />

aprendizag<strong>em</strong> escolar, <strong>em</strong> particular, são meios e não fins <strong>em</strong> si mesmos, estando<br />

assim delimitadas pela teoria e pela prática que as circunstancializam”.<br />

Nesse sentido, cabe ao professor ter o entendimento da dimensão do processo<br />

da avaliação, observando a construção do conhecimento dentro da modalidade de<br />

ensino <strong>em</strong> que atua. Segundo Gadotti (2003, p. 16), “crianças e adultos se envolv<strong>em</strong><br />

<strong>em</strong> processos educativos de alfabetização com palavras pertencentes à sua<br />

experiência existencial, palavras grávidas de mundo. Palavras e t<strong>em</strong>as”. O educador<br />

deve perceber esse envolvimento para que não infantilize o processo educativo do<br />

adulto. à medida que sujeitos sociais, educandos marcados pela heterogeneidade,<br />

se envolv<strong>em</strong> plenamente no processo de construção do conhecimento, precisam<br />

estar b<strong>em</strong> orientados sobre como se dá esse processo para que não se sintam infe-<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


iores n<strong>em</strong> superiores aos d<strong>em</strong>ais colegas de classe, uma vez que a aprendizag<strong>em</strong><br />

ocorre de forma específica para cada pessoa.<br />

Perceb<strong>em</strong>os que os jovens e adultos têm realidades e experiências distintas<br />

das das crianças. O professor, ao utilizar uma atividade infantilizada na EJA, acaba<br />

tornando sua aula desinteressante e, consequent<strong>em</strong>ente, avaliando seu aluno de<br />

maneira equivocada.<br />

Esse equívoco ocorre quando o professor não percebe que a clientela com a qual<br />

trabalha não gosta da forma como as atividades estão sendo administradas. Não é o<br />

conteúdo <strong>em</strong> si que não interessa, mas a maneira como é repassado a essas pessoas,<br />

o que leva o professor a realizar uma avaliação que não é clara n<strong>em</strong> objetiva, deixando<br />

parecer “injusta” ao apontar os erros; isso não ajuda seus alunos no sentido de um<br />

crescimento cognitivo e pessoal. Não é esse tipo de avaliação que quer<strong>em</strong>os para<br />

nossos alunos da EJA, mas sim uma avaliação que os leve a refletir sobre seus avanços<br />

e suas dificuldades na construção de seus conhecimentos, atitudes e valores.<br />

A avaliação precisa ser um processo constante no aprendizado, devendo ser<br />

realizada a todo instante, com a percepção dos avanços e das dificuldades de<br />

cada aluno.<br />

Não pod<strong>em</strong>os julgar o aluno da EJA s<strong>em</strong> antes conhecer o mundo que o cerca,<br />

e, para que realmente ocorra uma avaliação justa, o professor deve perceber as diferenças<br />

e limitações de cada um dentro de sala, sendo que essas limitações possibilitam<br />

ao educador traçar os pontos que dev<strong>em</strong> ser avaliados <strong>em</strong> sua aula.<br />

O planejamento facilita a construção de uma avaliação significativa, pois, no<br />

momento <strong>em</strong> que o professor planeja, deve pensar <strong>em</strong> cada aluno de forma a levar<br />

<strong>em</strong> consideração a individualidade do mesmo para que não ocorra uma avaliação<br />

generalizada e formatada de modo a prejudicar determinado aluno.<br />

<strong>em</strong> 1988, surge a carta magna, <strong>em</strong> que pela primeira vez na história da educação Brasileira,<br />

consagra a obrigatoriedade e gratuidade do ensino fundamental para todos os brasileiros,<br />

transformando-o <strong>em</strong> “direito público subjetivo”, independent<strong>em</strong>ente da idade do candi-<br />

dato. Ou seja, a educação de Jovens e Adultos, marginalizados ou excluídos da escola<br />

na idade própria, integra-se no sist<strong>em</strong>a educacional regular de ensino, observando-se,<br />

evident<strong>em</strong>ente, as especificidades didático-pedagógicas para a clientela-alvo (GADOtti,<br />

2003, p. 44).<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

193<br />

Diagnosticar<br />

saberes<br />

significativos<br />

ao aluno ou<br />

simplesmente<br />

avaliar


194<br />

Diagnosticar<br />

saberes<br />

significativos<br />

ao aluno ou<br />

simplesmente<br />

avaliar<br />

Hadji (2001, p. 86-87) indaga: “O que é, efetivamente, ensinar, senão ajudar alunos<br />

a construir os saberes e competências que a frequência nas disciplinas escolares<br />

apela e cuja construção permite?” É essa avaliação de construção de conhecimentos<br />

que os profissionais da educação da EJA dev<strong>em</strong> perseguir, os objetivos da avaliação<br />

destinada a esses alunos, pois como avaliar esse aluno se não levamos <strong>em</strong> conta<br />

sua vivência? Como conseguirão associar os conteúdos a sua realidade? Todos esses<br />

pontos dev<strong>em</strong> ser levados <strong>em</strong> consideração pelo professor na hora de avaliar seus<br />

alunos. quer<strong>em</strong>os que os educadores se <strong>em</strong>penh<strong>em</strong> <strong>em</strong> uma avaliação que faça<br />

com que o aluno da EJA reflita sobre o que e como está aprendendo, para que seus<br />

conhecimentos se torn<strong>em</strong> realmente significativos.<br />

A avaliação deve ter sentido na vida de qualquer aluno, por que não ter sentido<br />

para os alunos da EJA? Será que esse ponto primordial no processo ensino-aprendizag<strong>em</strong><br />

não t<strong>em</strong> sentido na vida escolar dessas pessoas? Ou será que nossos professores,<br />

hoje, não estão preocupados <strong>em</strong> querer que seus alunos compreendam<br />

como se dá a construção de seus saberes? Acredito ser de inteira responsabilidade<br />

do educador conhecer as peculiaridades de cada um de seus alunos para que o processo<br />

de construção do saber se dê de forma clara, para que o aluno possa associar<br />

suas aprendizagens à realidade de vida, uma vez que estudam para ser<strong>em</strong> incluídos<br />

<strong>em</strong> uma sociedade preconceituosa, que discrimina qu<strong>em</strong> não sabe ler e escrever.<br />

É importante que o professor da EJA reflita sobre tais fatos para que tenha clareza<br />

da dimensão da especificidade do trabalho com essa modalidade de ensino.<br />

De acordo com Hoffmann (2006, p. 11), “algumas vezes, ocorre a educadores<br />

conscientes do probl<strong>em</strong>a apontar aos alunos as falhas do processo, criticá-las a<br />

contento e profundidade, exercendo, entretanto, <strong>em</strong> sua sala de aula, uma prática<br />

avaliativa improvisada e arbitrária”. Cabe a nós, educadores, refletir sobre essa<br />

prática improvisada – será que estamos avaliando nossos alunos como realmente<br />

merec<strong>em</strong>? Ou será que estamos realizando uma avaliação arbitrária? Dev<strong>em</strong>os refletir<br />

sobre essa prática para que não trac<strong>em</strong>os uma avaliação errada sobre o aprendizado<br />

de nossos educandos. Precisamos avaliar de forma a estimulá-los cada vez<br />

mais na construção dos conhecimentos, para que possam sentir-se construtores de<br />

seus aprendizados.<br />

Somos frutos de uma prática autoritária e precisamos refletir sobre nossa<br />

prática para não reproduzir aquela. Mesmo não sendo tarefa simples, t<strong>em</strong>os que<br />

pensar sobre que pessoas quer<strong>em</strong>os formar, pois cabe a nós, educadores, traçarmos<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


objetivos, como mediadores do processo ensino-aprendizag<strong>em</strong>, para realizarmos<br />

uma avaliação correta dessa construção de conhecimento que é tão importante<br />

para os alunos.<br />

Segundo Hoffmann (2006, p. 58), “para analisarmos a perspectiva da avaliação<br />

como uma ação mediadora, de fato, é preciso partir da negação da prática atual<br />

quanto ao seu caráter de terminalidade, de obstrução, de constatação de erros e<br />

acertos”. O professor precisa ver seus alunos como construtores do seu próprio processo<br />

educacional, dos quais ser<strong>em</strong>os mediadores e não julgadores. T<strong>em</strong>os que ter<br />

claro que o ato de avaliar vai muito além do ato de detectar erros no aprendizado<br />

dos alunos. Avaliar não é julgar a construção de saberes, e sim, compreender a forma<br />

como os alunos constro<strong>em</strong> seus conhecimentos. O professor precisa entender<br />

que não cabe a ele querer repassar informações prontas e acabadas para que seus<br />

alunos decor<strong>em</strong> conteúdos ou fórmulas. Ele precisa mediar a aprendizag<strong>em</strong> de forma<br />

prazerosa e criativa, pois assim cada aluno construirá seus próprios conceitos,<br />

tornando o aprendizado b<strong>em</strong> mais significativo.<br />

O professor precisa trabalhar o ”erro” do aluno de forma construtiva; assim, o<br />

educando não terá medo de inovar, tentar criar, pois terá certeza de que suas dificuldades<br />

serão trabalhadas da melhor forma, de modo a garantir seus avanços e<br />

conquistas.<br />

para o profissional <strong>em</strong> atividade, avaliar significa <strong>em</strong> primeiro lugar escolher exercícios,<br />

provas, aos quais submeter os alunos. Quando um professor interroga-se sobre a maneira<br />

como poderá apreciar os conhecimentos de seus alunos, encontra-se diante de uma pri-<br />

meira escolha: avaliação oral ou escrita? É a questão das condições do “teste” que surge pri-<br />

meiramente. construir um dispositivo de avaliação consiste precisamente <strong>em</strong> determinar<br />

essas condições (HADJi, 2001, p. 77).<br />

Vejo que não precisamos marcar dia e hora para avaliar nossos alunos, uma vez<br />

que o aprendizado se dá a todo instante – então por que data marcada? Será que<br />

achamos que determinando dia e hora nossos alunos estarão mais ou menos preparados<br />

para ser<strong>em</strong> avaliados? Vejo que, agindo assim, só prejudicar<strong>em</strong>os nossos<br />

educandos, pois, a meu ver, precisamos, sim, avaliar nossos alunos, mas uma avaliação<br />

que vise à melhora dos mesmos, para que eles próprios possam perceber suas<br />

dificuldades e conquistas; desse modo, até mesmo o ato de avaliar será b<strong>em</strong> mais<br />

significativo na vida do aluno. Este só conseguirá ter uma aprendizag<strong>em</strong> prazerosa<br />

se sentir-se seguro para expor suas ideias.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

195<br />

Diagnosticar<br />

saberes<br />

significativos<br />

ao aluno ou<br />

simplesmente<br />

avaliar


196<br />

Diagnosticar<br />

saberes<br />

significativos<br />

ao aluno ou<br />

simplesmente<br />

avaliar<br />

Essa busca deve ser mediada pelo professor de forma clara e coesa, com o único<br />

intuito de ajudar o aluno nesse processo de construção de conhecimento. Tal busca<br />

deve se tornar um momento de prazer e de segurança entre aluno e professor,<br />

uma vez que o aprendizado deve ser construído de forma clara e <strong>em</strong> torno de uma<br />

confiança recíproca.<br />

Para Luckesi (2005, p. 18), “o sist<strong>em</strong>a de ensino está interessado nos percentuais<br />

de aprovação/reprovação do total de educandos”. No sist<strong>em</strong>a público de ensino,<br />

que atende a EJA, a situação não é diferente. Precisamos mudar essa realidade, devendo<br />

ir muito além da preocupação com dados estatísticos. Portanto, a qualidade<br />

dessa aprovação deve ser levada <strong>em</strong> conta.<br />

Não pod<strong>em</strong>os deixar o ensino perder sua natureza de promover a construção<br />

do aprendizado. E para que isso ocorra, precisamos conscientizar nossos alunos do<br />

papel que des<strong>em</strong>penham na sociedade como sujeitos críticos.<br />

De acordo com Luckesi (2005, p. 32), “a avaliação educacional será assim, um<br />

instrumento disciplinador não só das condutas cognitivas como também das sociais,<br />

no contexto da escola”. É nessa perspectiva que o professor deverá trabalhar.<br />

O ato de avaliar o aluno da EJA é antes de tudo refletir sobre a pessoa que estamos<br />

avaliando. Dev<strong>em</strong>os levar <strong>em</strong> conta que essa pessoa adulta ou jov<strong>em</strong>, presente<br />

nos bancos escolares, cursando ainda o primeiro ciclo da educação básica,<br />

por ex<strong>em</strong>plo, já t<strong>em</strong> toda uma história de vida anterior, não cabendo a nós, como<br />

mediadores da construção de conhecimento, julgá-los.<br />

Sab<strong>em</strong>os que o professor, como mediador do conhecimento, deve utilizar-se<br />

de várias técnicas e estratégias para fazer com que seu aluno consiga aprender não<br />

apenas para o dia da “prova”, mas para a vida, o que muitos de nossos colegas professores<br />

ainda não se deram conta, ou seja, não faz<strong>em</strong>.<br />

preocupam-se sobr<strong>em</strong>aneira <strong>em</strong> atribuir nota 7 ou 7, 5, enquanto relegam a último plano<br />

os sérios probl<strong>em</strong>as de aprendizag<strong>em</strong>. perd<strong>em</strong> o sono por tais probl<strong>em</strong>as imaginários ao<br />

invés de se deter<strong>em</strong> <strong>em</strong> probl<strong>em</strong>as verdadeiramente reais de aprendizag<strong>em</strong> (HOFFmAnn,<br />

2006, p. 45)<br />

O professor, como mediador da aprendizag<strong>em</strong>, deve agir de forma que o aluno<br />

possa interagir na construção do seu próprio conhecimento, estimulando, assim,<br />

uma presença significativa nas salas de aula.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


nesse contexto mais técnico, o el<strong>em</strong>ento essencial, para que se dê à avaliação educacional<br />

escolar um rumo diverso ao que v<strong>em</strong> sendo exercitado, é o resgate da sua função diag-<br />

nóstica. para não ser autoritária e conservadora, a avaliação terá de ser diagnóstica, ou seja,<br />

deverá ser o instrumento dialético do avanço, terá de ser o instrumento da identificação de<br />

novos rumos. enfim, terá de ser o instrumento do reconhecimento dos caminhos percorri-<br />

dos e da identificação de novos caminhos a ser<strong>em</strong> perseguidos (lUcKeSi, 2005, p. 43).<br />

A avaliação deve ser realizada ao longo de todo um processo educativo, visando à<br />

dinâmica dos grupos <strong>em</strong> sala e s<strong>em</strong>pre respeitando a individualidade de cada aluno.<br />

O educador deve proporcionar que a avaliação se torne parte integrante do<br />

processo de construção dos saberes. Desse modo, ele estará abrindo espaço para<br />

que seus alunos possam criar novas estratégias que possibilit<strong>em</strong> o enriquecimento<br />

do desenvolvimento educativo.<br />

Com esse olhar mais amplo, não avaliamos apenas se o aluno sabe ou não, avalia-se<br />

todo o desenvolvimento, tanto do educando como do próprio professor, que<br />

é parte integrante do processo de construção de saberes.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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Diagnosticar<br />

saberes<br />

significativos<br />

ao aluno ou<br />

simplesmente<br />

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significativos<br />

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simplesmente<br />

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REFERÊNCIAS<br />

GADOtti, m.; rOmãO, J. e. (Org.). <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos: teoria, prática e proposta. 6. ed.<br />

São paulo: cortez: instituto paulo Freire, 2003.<br />

HADJi, c. Avaliação desmistificada. porto Alegre: Artmed, 2001.<br />

lUcKeSi, c. c. Avaliação da aprendizag<strong>em</strong> escolar. São paulo: cortez, 2005.<br />

picOneZ, S. c. B. <strong>Educação</strong> escolar de jovens e adultos. São paulo: papirus, 2003.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores


Avaliar: um ato político<br />

que poderá levar à<br />

transformação social<br />

Pe. Bruno (Francisco Edson Garcês Carneiro Lira)*<br />

RESUMO<br />

O presente artigo faz um estudo sobre os processos<br />

de avaliação escolar, sobretudo pensando<br />

nos alunos da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos<br />

(EJA), que, na maioria das vezes, já possu<strong>em</strong><br />

certa bagag<strong>em</strong> cultural, mesmo que esta seja<br />

proveniente do senso comum, o que deverá ser<br />

ressignificado nas práticas pedagógicas. Nos-<br />

so texto também apresenta a relação entre as<br />

práticas da Escola Tradicional e o aluno. Propõe-se<br />

uma avaliação a partir dos estudos de<br />

luckesi, Hoffmann e Hadji: diagnóstica, prognóstica<br />

e qualitativa. Sugerimos um currículo<br />

multicultural que abranja todas as dimensões<br />

da integralidade do ser humano: a física, sensorial,<br />

<strong>em</strong>otiva, mental e espiritual, <strong>em</strong> que o<br />

ensino seja contextualizado e direcionado para<br />

a transformação social.<br />

PAlAVRAS-CHAVE: Avaliação; <strong>Educação</strong> de Jovens<br />

e Adultos; replanejamento; ensino-aprendizag<strong>em</strong>;<br />

transformação social.<br />

ABSTRACT<br />

This paper is a study of the school evaluation<br />

processes, particularly related to Youth and<br />

Adult Education students, which in most cases,<br />

already have some cultural baggage, even if<br />

it comes from common sense, which must be<br />

reinterpreted in the teaching practices. Our<br />

text also presents the relationship between<br />

Traditional School practices and the<br />

student. It proposes a diagnostic, prognostic<br />

and qualitative evaluation based on the<br />

studies of Luckesi, hoffmann and hadji.<br />

we suggest a multicultural curriculum<br />

that covers all dimensions of the whole<br />

human being: physical, sensory, <strong>em</strong>otional,<br />

mental and spiritual, in which education is<br />

contextualized and directed toward social<br />

transformation.<br />

KEYwords: Evaluation, Youth and Adult<br />

Education; re-planning, teaching and<br />

learning; social transformation.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


* Graduado <strong>em</strong> Filosofia e Teologia pela Escola Teológica do Mosteiro de São Bento de Olin-<br />

da – PE; fez licenciatura plena <strong>em</strong> Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).<br />

Mestre <strong>em</strong> Ciências da Linguag<strong>em</strong> pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).<br />

Atualmente, é o supervisor pedagógico da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos (EJA) do SESC –<br />

Santo Amaro (Recife - PE) e professor-adjunto dos cursos de Gerenciamento de <strong>Rede</strong>s, Admi-<br />

nistração de Empresas e Ciências Contábeis da FAPE IV (Faculdade Pernambucana).<br />

O ato de educar nasceu junto com o desenvolvimento do próprio ser humano,<br />

que se preocupou <strong>em</strong> ensinar aquilo que aprendeu e o que há de mais importante<br />

para a ser identificado como determinado povo e com culturas que lhe são peculiares.<br />

Portanto, quando se fala <strong>em</strong> ensinar, não se deve pensar apenas na sua modalidade<br />

formal de escola com salas de aula, materiais pedagógicos, currículos e<br />

professores, mas também vale considerar a “escola da vida”.<br />

Mesmo na aprendizag<strong>em</strong> informal, a atitude avaliativa está presente durante<br />

todo o processo, pois só t<strong>em</strong>os certeza daquilo que aprend<strong>em</strong>os quando avaliamos,<br />

ou seja, quando nos deparamos com um determinado probl<strong>em</strong>a e, partindo<br />

de várias estratégias, chegamos a uma solução. Também dentro das práticas formais<br />

de ensino-aprendizag<strong>em</strong> a atitude avaliativa deverá redimensionar todo o percurso<br />

na direção de uma real aprendizag<strong>em</strong>. Nesse contexto, a prática das avaliações deverá<br />

ser uma constante, pois dela dependerá todo o sucesso do trabalho docente<br />

com relação a uma real aquisição dos novos conhecimentos por parte dos alunos.<br />

O professor, aquele que avalia, deverá ser portador de uma atitude que é peculiar à<br />

sua profissão: ensinar, fazer com que os alunos aprendam, e não apenas reprovar e<br />

mostrar superioridade, pois o verdadeiro sábio será um eterno aprendiz.<br />

Sabe-se que, s<strong>em</strong>anticamente, avaliar difere de corrigir, que seria apenas uma<br />

contag<strong>em</strong> de erros que s<strong>em</strong>pre classifica ou desclassifica. A escola tradicional, tendo<br />

por base a doutrina behaviorista, <strong>em</strong> vez de realizar uma real avaliação, s<strong>em</strong>pre<br />

fez exames, provas, muito mais com a finalidade de aprovar ou reprovar do que<br />

avaliar processos de aprendizag<strong>em</strong>. A esse respeito Lira (2006, p. 111) comenta:<br />

para Skinner, fundador da teoria behaviorista (comportamentalista), o aluno é condicio-<br />

nado a partir de estímulos externos a dar uma resposta. esse estímulo seria uma espécie<br />

de reforço (positivo ou negativo), dependendo da realização ou não da aprendizag<strong>em</strong>.<br />

esta teoria está centrada no treino, eliminando toda a possibilidade de reflexão. Frederic<br />

Skinner, preocupado com a aprendizag<strong>em</strong> <strong>em</strong> geral, propõe uma teoria comportamen-<br />

talista a partir de condicionamentos. O indivíduo é apresentado como um autômato, um<br />

robô, cujo comportamento é modificado por meio de um conjunto de estímulos e respos-<br />

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poderá levar à<br />

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tas, ignorando-se, totalmente, a consciência e os estados mentais. <strong>em</strong> suas experiências<br />

com ratos, observou que eles, ao receber<strong>em</strong> determinado estímulo, mudavam de compor-<br />

tamento e aprendiam. esse processo era estimulado pelo reforço, que podia ser positivo<br />

(como ofertas de queijo) ou negativo (como deixá-los com fome, mas s<strong>em</strong> chegar a ser um<br />

sofrimento físico, opondo-se, assim, à punição).<br />

Pode-se dizer que esta ideia de condicionamento operante também se aplica<br />

ao ato de avaliar de maneira tradicional, ou seja, o aluno “aprende” porque é condicionado<br />

pelos estímulos. qu<strong>em</strong> não se l<strong>em</strong>bra dos bolos com palmatória (reforço<br />

negativo) ou das notas coroadas de estrelinhas e dos chocolates que ganhávamos<br />

de nossas professoras (reforço positivo)? Esse tipo de método não prova a verdadeira<br />

aprendizag<strong>em</strong>, pois o condicionamento, com o passar do t<strong>em</strong>po, fica no esquecimento,<br />

enquanto que a aprendizag<strong>em</strong> real leva à solução de vários tipos de probl<strong>em</strong>as<br />

<strong>em</strong> contextos multiformes. L<strong>em</strong>bramos ainda do que diz o autor (2007, p. 26).<br />

Sendo assim, o professor que opta por esse estilo de prática pedagógica é um treinador.<br />

na década de 70, todos nós l<strong>em</strong>bramos daqueles prêmios que recebíamos, quer dos pro-<br />

fessores ou dos pais, quando tirávamos boas notas ou apresentávamos bons exercícios.<br />

esses prêmios funcionavam, ou ainda hoje pod<strong>em</strong> funcionar, como um reforço positivo,<br />

enquanto o castigo aparece como modo de punir os supostos “erros”.<br />

Tais erros deveriam ser um indicador positivo daquilo que precisa ser modificado<br />

na prática pedagógica. O erro otimizado leva os professores a descobrir <strong>em</strong> que<br />

lugar e <strong>em</strong> qual momento deverão redimensionar o seu trabalho docente para que<br />

o aluno aprenda. O aluno errou porque tentou acertar, buscou estratégias para isso,<br />

e se tentar novamente, de outros modos, com certeza acertará.<br />

Faz<strong>em</strong>os, portanto, uma relação entre o currículo tradicional estereotipado, local<br />

das escolhas do professor e das ideologias políticas do momento, e esse modo<br />

de avaliação que oprime, condena e que leva o aluno a ser um reprodutor dos livros<br />

didáticos e dos professores: o que chamamos “cultura de caderno”. O aluno não conseguirá<br />

ir além dos apontamentos tirados do quadro na sala de aula e dos exercícios<br />

s<strong>em</strong> desafios do livro didático, na maioria das vezes, descontextualizados. A respeito<br />

disso, Silva (2004, p. 36) informa-nos:<br />

A função de sist<strong>em</strong>a educativo não se restringe a apenas garantir a entrada e a perma-<br />

nência dos aprendentes na escola e lhes oferecer merenda. Seu desafio maior está <strong>em</strong><br />

possibilitar as condições necessárias para que haja aprendizagens de qualidade social. A<br />

partir desse ponto de vista, é relevante superar as aprendizagens mecânicas, baseadas nas<br />

m<strong>em</strong>orizações, na repetição, na reprodução e na cópia.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Como sab<strong>em</strong>os, o perfil do alunado dos cursos de <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos<br />

(EJA) é b<strong>em</strong> diversificado devido aos vários contextos de procedência de cada<br />

um. Há aqueles que estão ali porque provêm de várias reprovações e pela vontade<br />

dos pais, e não a sua, de que estud<strong>em</strong> naquele momento. Outros casos, mais motivadores,<br />

são aqueles de pessoas que passaram anos s<strong>em</strong> estudar porque tiveram<br />

que trabalhar na tenra idade e agora, por motivos trabalhistas ou por já exercer<strong>em</strong><br />

determinada profissão, desejam, realmente, estudar para aplicar os conhecimentos<br />

adquiridos <strong>em</strong> suas próprias vidas. Nesse grupo encontramos um campo fértil para<br />

unir a teoria à prática.<br />

A partir das reflexões de Cipriano Luckesi, Jussara Hoffmann e outros, o paradigma<br />

da avaliação t<strong>em</strong> se modificado e se mostrado mais diagnóstico-qualitativo,<br />

levando professores e alunos a se autoavaliar<strong>em</strong> e estabelecendo juízos de valor e<br />

uma consequente tomada de decisões. Aqui os conhecimentos prévios dos alunos<br />

são s<strong>em</strong>pre valorizados, e o conhecimento é construído <strong>em</strong> cima daquilo que já<br />

se sabe e pratica. Baseando-nos nessa pr<strong>em</strong>issa, inferimos que a avaliação deverá<br />

ser contínua, estabelecendo constantes reestruturações da prática docente e do<br />

currículo s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> favor da real, e não maquiada, aprendizag<strong>em</strong>. O teórico francês<br />

Charles Hadji, na sua avaliação desmistificada, apresenta a avaliação qualitativa<br />

centrada no aluno como prognóstica, ou seja, o professor, partindo das singularidades<br />

de cada um, já prevê resultados e antecipa (refaz) as suas práticas avaliativas.<br />

quanto ao aspecto dos conhecimentos prévios pensamos como Hoffmann<br />

(1998, p. 135):<br />

Há muito que refletir sobre cada momento de aprendizag<strong>em</strong> de um aluno: sobre suas con-<br />

cepções prévias, seu saber construído a partir de experiências de vida, sobre sua forma de<br />

expressar tais conhecimentos, sobre suas possibilidades cognitivas de entendimento das<br />

questões formuladas, sobre desejos e expectativas <strong>em</strong> termos do conhecer. refletir sobre<br />

essas diferenças e múltiplas dimensões do conhecimento é a tarefa do avaliador. não para<br />

encontrar respostas definitivas ou absolutas, mas para delinear caminhos, estratégias de<br />

aprendizag<strong>em</strong>, para formular novas perguntas que compl<strong>em</strong>ent<strong>em</strong> e enriqueçam suas hi-<br />

póteses iniciais, para desenvolver uma ação de reciprocidade com o seu aluno, no sentido<br />

de ensiná-lo e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, aprender com ele.<br />

É nesse sentido que o educador estará s<strong>em</strong>pre revendo as suas práticas. Tendo<br />

por base aquilo que o aluno já sabe, seu perfil social, seu t<strong>em</strong>po para aprender.<br />

V<strong>em</strong>os aqui, claramente, que nenhum currículo poderá estar engessado, e sobretudo<br />

os de EJA, devido aos vários níveis cognitivos de seu público. O termo grade<br />

curricular cada vez mais deverá ser substituído por matriz ou proposta curricular,<br />

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já que está <strong>em</strong> constante mutação a partir das observações avaliativas. Neste momento,<br />

não poderíamos deixar de mencionar, ainda, Silva (2007), que, ao dialogar<br />

com Giroux, Derrida e outros, sugere a construção de um currículo multicultural <strong>em</strong><br />

que se respeit<strong>em</strong> as identidades dos alunos, <strong>em</strong> nosso caso, os de EJA, sobretudo<br />

no que concerne a etnia, raça, credo religioso, variedades linguísticas... Estando o<br />

processo avaliativo atrelado às práticas de ensino e ao currículo não se poderá esquecer,<br />

<strong>em</strong> sua construção, da diversidade cultural de nossos alunos; entendendo<br />

cultura também como os determinados pontos de vista dos alunos, s<strong>em</strong>pre a partir<br />

de um lugar social.<br />

Conforme o mesmo autor, <strong>em</strong> um processo de construção de currículo deverse-á<br />

levar <strong>em</strong> consideração o discurso do saber, do poder e da formação de subjetividades.<br />

Nesse sentido, vê-se que, <strong>em</strong>butidas nas propostas curriculares estão as<br />

ideologias e crenças. Assumimos para a EJA uma proposta curricular pós-crítica que<br />

busca cont<strong>em</strong>plar o ser humano como um todo e, por isso mesmo, a avaliação também<br />

deverá considerar todas as dimensões da integralidade do hom<strong>em</strong>: a física,<br />

sensorial, <strong>em</strong>otiva, mental e espiritual.<br />

Todo processo avaliativo, desse modo, liga-se à construção curricular, a qual deverá<br />

ter mobilidade de acordo com o perfil de cada aluno, por isso faz-se necessário<br />

perguntar: o que avaliar? Para quê? Por quê? Como? As três primeiras indagações situam-se<br />

naquilo que é significativo para o aluno a fim de que possa intervir <strong>em</strong> seu<br />

contexto social e, consequent<strong>em</strong>ente, na transformação da realidade. No que se<br />

refere aos aspectos metodológicos (o como), deve-se atentar para os vários instrumentos<br />

avaliativos: trabalhos, projetos, provas, observação da capacidade criativa.<br />

O ensino, portanto, deverá ser contextualizado, aplicado às diversas realidades,<br />

tornando-se cada vez mais significativo para as existências dos alunos, que, por sua<br />

vez, deverão agir <strong>em</strong> busca da autenticidade, ou seja, do conhecimento seguro,<br />

que dará firmeza às verdadeiras teorias e não somente a modismos. Nesse sentido,<br />

professores e alunos deverão estar <strong>em</strong> constante conversação, s<strong>em</strong>pre abertos às<br />

novas aprendizagens.<br />

O acompanhamento do desenvolvimento de um aluno (o seu processo avaliativo)<br />

ocorre a partir da visualização por parte do professor (parceiro do ato educacional)<br />

dos conceitos formulados e reformulados, por meio de várias ações educativas<br />

e com diversos instrumentos. Dessa perspectiva, Hoffmann (1998) diz que essas<br />

ações educativas deverão ser desafiadoras, com tarefas de aprendizag<strong>em</strong> sucessivas<br />

e gradativas, permitindo ao professor o acompanhamento dos graus de evolu-<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


ção do pensamento do aluno <strong>em</strong> diferentes áreas do conhecimento. E afirma que<br />

“não há sentido <strong>em</strong> procedimentos avaliativos quantitativos e que vis<strong>em</strong> à soma de<br />

resultados parciais (médias de aprendizag<strong>em</strong>), mas processos analíticos e qualitativos,<br />

uma vez que a evolução do conhecimento não se dá por etapas que se somam,<br />

mas pelo ultrapassamento, pela superação”.<br />

Voltando para a perspectiva avaliativa conforme a proposta de Luckesi (2003),<br />

gostaríamos de enfatizar a total relação existente entre o ato de avaliar, o planejamento<br />

e o replanejar. A respeito disso, ele mesmo diz:<br />

planejamento e avaliação são atos que estão a serviço da construção de resultados satis-<br />

fatórios. enquanto o planejamento traça previamente os caminhos, a avaliação subsidia os<br />

redirecionamentos que venham a se fazer necessários no percurso da ação. A avaliação<br />

é um ato de investigar a qualidade dos resultados intermediários ou finais de uma ação<br />

subsidiando s<strong>em</strong>pre sua melhora... A avaliação da aprendizag<strong>em</strong> necessita, para cumprir o<br />

seu verdadeiro significado, assumir a função de subsidiar a construção da aprendizag<strong>em</strong><br />

b<strong>em</strong>-sucedida. A condição necessária para que isso aconteça é de que a avaliação deixe de<br />

ser utilizada como um recurso de autoridade, que decide sobre os destinos do educando,<br />

e assuma o papel de auxiliar o crescimento (p. 165-166).<br />

Como v<strong>em</strong>os, a avaliação serve para redirecionar a prática pedagógica, tendo<br />

<strong>em</strong> vista a real aprendizag<strong>em</strong> do aluno, aquela que busca resolver probl<strong>em</strong>as<br />

e facilitar atitudes sociais, portanto, com função de auxílio <strong>em</strong> todo o processo de<br />

ensino-aprendizag<strong>em</strong>. De certo modo, ao se promover uma avaliação desse tipo,<br />

qualitativa e formadora, busca-se uma regulação pedagógica que acontece através<br />

de novas estratégias e caminhos a ser<strong>em</strong> trilhados na busca da construção do saber.<br />

Luckesi (op. cit.) conclui afirmando que “planejamento, execução e avaliação são recursos<br />

da busca de um desejo. Para tanto, é preciso saber qual é o desejo e entregar-<br />

-se a ele”. Esse desejo seria a ação pedagógica praticada pelos docentes na busca de<br />

resultados satisfatórios com o auxílio do planejamento e da avaliação.<br />

Luckesi propõe uma avaliação diagnóstica como saída para o modo autoritário<br />

de agir nas práticas avaliativas e como meio de auxiliar na construção de uma<br />

educação que esteja a favor da d<strong>em</strong>ocratização da sociedade. Para ele, a avaliação<br />

se monta no seguinte tripé: juízo de qualidade; sobre dados relevantes da realidade;<br />

para uma tomada de decisão. D<strong>em</strong>onstra, também, a dicotomia entre o tipo de<br />

avaliação conforme o modelo tradicional, <strong>em</strong> cima do medo e castigos, e aquela<br />

libertadora, que deixa a domesticação dos educandos para a sua humanização. Ele<br />

diz que a avaliação nunca poderá ficar ao arbítrio pessoal do professor e do seu<br />

estado psicológico, ou seja, daquilo que ele define como relevante ou irrelevante,<br />

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pois é essa postura que faz aparecer<strong>em</strong> as “armadilhas” nos testes; faz surgir<strong>em</strong> as<br />

questões para “pegar<strong>em</strong> os desamparados”; nasc<strong>em</strong> estes mesmos testes para “derrubar<strong>em</strong><br />

todos os indisciplinados”. Esse autor, portanto, vê a avaliação como um ato<br />

extr<strong>em</strong>amente amoroso, por ser ato de atitude acolhedora e, através dessa acolhida,<br />

sobretudo por parte dos professores, todas as chagas doentias dos castigos, das<br />

classificações e reclassificações, dos exames e exclusões são efetivamente curadas.<br />

De certo modo, a perspectiva de Hadji (2001), como já mencionada anteriormente<br />

com relação à avaliação desmistificada, é um pequeno acréscimo ao que preconiza<br />

Luckesi, ou seja, o professor, antes mesmo de detectar falhas no processo de ensino<br />

e aprendizag<strong>em</strong> (diagnose), já se antecipa na <strong>em</strong>issão de julgamentos e criação de<br />

novas estratégias, por isso é que propõe uma avaliação prognóstica. Segundo ele,<br />

“a validade de previsão do julgamento dos professores também expressa o fato de<br />

que ele é, <strong>em</strong> parte, produtor do sucesso ou do fracasso dos alunos, por meio desses<br />

mecanismos de ajuste dos resultados às representações” (op. cit. p. 55).<br />

Sendo o aluno o sujeito do processo de ensino/aprendizag<strong>em</strong>, a avaliação formativa<br />

t<strong>em</strong> como preocupação constante pôr-se a serviço dele para integrá-lo <strong>em</strong><br />

uma prática pedagógica no seio da qual não se anule.<br />

Para o autor, a regulação, na avaliação prognóstica, consiste numa reorganização<br />

da ação pedagógica, trabalho esse feito pelo professor, e uma regulação metacognitiva,<br />

ou seja, uma atividade realizada pelo próprio aluno, que se autoavalia e<br />

vê o que já aprendeu e o que ainda falta ser verdadeiramente apreendido. Estabelece-se,<br />

assim, uma parceria entre o protagonista da ação educacional (aluno) e seu<br />

mediador (o professor).<br />

Hadji ainda apresenta a avaliação formativa-reguladora como aquela que trilha<br />

por diversos caminhos metodológicos, apresentando possibilidades para reflexão<br />

e recriação por parte dos atores do processo de ensino-aprendizag<strong>em</strong>. Para tanto,<br />

propõe que seja negociado aquilo que deverá ser avaliado: elencar objetivos<br />

construindo diversos instrumentos avaliativos, s<strong>em</strong>pre interpretando as informações<br />

coletadas, e refletindo sobre como poderão ser aplicadas na realidade social<br />

tendo <strong>em</strong> vista a sua transformação. Ele propõe quatro tarefas para uma avaliação<br />

prognóstica formativa que se ligam à prática do professor avaliador: desencadear<br />

comportamentos a observar; interpretar comportamentos observados; comunicar<br />

os resultados da análise e r<strong>em</strong>ediar os erros e as dificuldades analisados. Conforme<br />

sua proposta, nas escolas, as avaliações deverão estar a serviço das aprendizagens,<br />

tornando-se, assim, auxiliares no ato de aprender. Em um contexto de ensino, a<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


avaliação deverá s<strong>em</strong>pre contribuir para o êxito do mesmo. Portanto, a avaliação<br />

normativa e classificatória opõe-se a esta nova forma que é mais criteriosa e s<strong>em</strong>pre<br />

com um objetivo a ser atingido: a aprendizag<strong>em</strong>. Enquanto a avaliação diagnóstica<br />

identifica as características do aprendiz e seus pontos fortes e fracos, a prognóstica<br />

já faz os ajustes necessários dos conteúdos programáticos para facilitar a aquisição<br />

de competências e conhecimentos por parte dos alunos. Como se observa, esse<br />

tipo de avaliação t<strong>em</strong> como preocupação constante pôr as ações pedagógicas a<br />

serviço do aluno, integrando-o como protagonista da ação avaliativa. Essa nova forma<br />

de avaliar constitui-se de um combate diário, pois n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre os nossos alunos<br />

estão motivados para o estudo e a pesquisa, daí ter de ser feito diariamente um<br />

trabalho “exaustivo” de motivação.<br />

Existe, portanto, uma diferenciação entre avaliação institucional e a avaliação<br />

da aprendizag<strong>em</strong>, que deverá ser contínua e não t<strong>em</strong> como finalidade a imposição<br />

da nota, pois, como o próprio nome já indica, o professor observa se os alunos estão<br />

aprendendo e vai modificando as suas práticas quantas vezes for<strong>em</strong> necessárias<br />

para que ocorra a efetiva aprendizag<strong>em</strong>. Esse tipo de avaliação formativa liga-se<br />

às diferentes formas e t<strong>em</strong>pos de aprender de cada aluno, fugindo totalmente da<br />

mensuração.<br />

Como v<strong>em</strong>os, no processo de aprendizag<strong>em</strong> escolar, o ensino e a avaliação se<br />

interdepend<strong>em</strong>, pois seria desprovido de sentido avaliar o que não foi objeto de<br />

ensino, e também não teria sentido nenhum avaliar s<strong>em</strong> que os resultados das avaliações<br />

foss<strong>em</strong> refletidos nas próximas atuações pedagógicas. Desse modo um alimenta<br />

o outro, tendo a função de desenvolver as determinadas competências nos<br />

campos que for<strong>em</strong> eleitos durante a ação docente nas determinadas áreas do saber.<br />

Sobre esse assunto Antunes (2003, p. 155-156) afirma:<br />

na rotina de nossas atividades escolares, o fio dessa interdependência parece ter-se rompi-<br />

do e, desse modo, avaliação e ensino n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre guardam essa reciprocidade. com gran-<br />

des prejuízos para o ensino, pois, <strong>em</strong> muitos casos, a avaliação passou a ser uma espécie<br />

de finalidade: a aula é dada para preparar a prova; o livro é lido porque “é pra nota”; a lite-<br />

ratura é consultada porque “cai no vestibular”, e assim por diante. estuda-se para [...] “uma<br />

prestação de contas”, que pode ser mensal, trimestral, anual no final do ciclo etc. Daí ser o<br />

termo “cobrar” uma expressão b<strong>em</strong> corrente no discurso da escola, o que b<strong>em</strong> claramente<br />

denuncia esse lado mercadológico do ensino. É mais do que oportuno, pois, perguntar-se<br />

sobre os “descaminhos” da avaliação e decidir por uma mudança de rumo, mudança que<br />

t<strong>em</strong> suas origens na revisão de nossas concepções. Sim, porque mudar, seja o que for, t<strong>em</strong><br />

que começar pela revisão de nossos fundamentos conceituais. Se não, muda apenas o<br />

palavreado, muda apenas a fachada.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

207<br />

Avaliar: um ato<br />

político que<br />

poderá levar à<br />

transformação<br />

social


208<br />

Avaliar: um ato<br />

político que<br />

poderá levar à<br />

transformação<br />

social<br />

Como v<strong>em</strong>os, Irandé Antunes comenta de maneira muito clara e objetiva o<br />

modo funcional a que as avaliações se prestaram e ainda se prestam como sendo<br />

uma cobrança para nota, um verdadeiro mercado de “pontos”. Produz-se para<br />

receber algo <strong>em</strong> troca e não somente para aprender. Muitas vezes esses “estudos<br />

contabilísticos” levam apenas ao ato de decorar para ser esquecido com o passar<br />

do t<strong>em</strong>po, enquanto que, quando se aprende, a nota torna-se uma consequência e<br />

aquilo que foi aprendido vai para o uso concreto da vida. A mesma autora (op. cit. p.<br />

160), ainda diz: “A avaliação, <strong>em</strong> função de sua finalidade, deve acontecer <strong>em</strong> cada<br />

dia do período letivo, pois aprendizag<strong>em</strong> também está acontecendo todo dia”.<br />

Tomando a avaliação como um instrumento que favoreça a aprendizag<strong>em</strong>, tornamos<br />

realidade aquelas funções da EJA já elencadas por Leôncio Soares: 1 função<br />

reparadora, que consiste <strong>em</strong> sanar uma falha do passado; a equalizadora que buscar<br />

tratar todos os alunos com igualdade; e a função qualificadora, que deseja oferecer<br />

aos estudantes de EJA um ensino de qualidade que vise a sua inserção social.<br />

A avaliação, portanto, torna-se um ato político na medida <strong>em</strong> que o professor<br />

busca oferecer aos alunos, s<strong>em</strong> exceções, verdadeiros instrumentos avaliativos que<br />

possam redirecionar as práticas pedagógicas na busca da aprendizag<strong>em</strong>. E aqui surge<br />

a pergunta: para que aprender? A resposta está clara. Estudamos para a transformação<br />

social. Transformação esta que levará à melhoria da qualidade de vida do<br />

hom<strong>em</strong> e, consequent<strong>em</strong>ente, do planeta. Essa é a finalidade política das pesquisas,<br />

das indagações e investigações que permeiam o nosso pensar e, por que não<br />

dizer, o nosso agir.<br />

E assim, vamos adiante para a construção do ser que transpõe o mundo do ter,<br />

das meras aparências, do espetáculo materialista-individualista passando dessas realidades<br />

para aquelas que vislumbram uma sociedade verdadeiramente altruísta e<br />

voltada para os interesses do coletivo.<br />

As constantes avaliações, que vis<strong>em</strong> a aprendizagens significativas, poderão<br />

levar-nos a este fim, à transformação social. Dependerá agora de cada professor<br />

e de cada aluno fazer a sua parte dentro da ação didática para termos a sociedade<br />

que tão ansiosamente esperamos.<br />

1. in mímeo.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


REFERÊNCIAS<br />

AntUneS, i. Aula de português: encontro & interação. São paulo: parábola editorial, 2003.<br />

HADJi, c. Avaliação desmistificada. porto Alegre: Artmed, 2001.<br />

HOFFmAnn, J. Pontos e contrapontos: do pensar ao agir <strong>em</strong> avaliação. 6. ed. porto Alegre:<br />

mediação, 1998.<br />

lirA, B c. Alfabetizar letrando: uma experiência na pastoral da criança. São paulo: paulinas, 2006.<br />

lirA, B c. O professor sociointeracionista e @ inclusão escolar. São paulo: paulinas, 2007.<br />

lUcKeSi, c. c. Avaliação da aprendizag<strong>em</strong> escolar. 15. ed. São paulo: cortez, 2003.<br />

SilVA, J. F. Avaliação na perspectiva formativa-reguladora. porto Alegre: mediação, 2004.<br />

SilVA, t. t. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 2. ed. Belo Horizonte:<br />

Autêntica, 2007.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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Avaliar: um ato<br />

político que<br />

poderá levar à<br />

transformação<br />

social


210<br />

parte III<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Formação de<br />

educadores<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

211


Um novo olhar à<br />

formação docente<br />

Edilene do Socorro Almeida Dias*<br />

RESUMO<br />

Este trabalho t<strong>em</strong> por objetivo refletir sobre<br />

a formação docente, oportunizando aos educadores<br />

um repensar crítico e significativo<br />

sobre a elaboração, organização e execução<br />

de seus procedimentos pedagógicos. O aporte<br />

teórico definido foi de autores que defend<strong>em</strong> a<br />

formação permanente do educador como uma<br />

ação pensada estrategicamente, dentro de um<br />

contexto social caracterizado por influências<br />

econômicas, sociais e políticas. Este artigo<br />

teve como objetivo compreender a importância<br />

de planejar as ações político-pedagógicas<br />

vivenciadas na formação permanente do educador<br />

nos diferentes níveis educativos, tendo<br />

<strong>em</strong> vista que a ausência de políticas públicas<br />

gera uma falta de motivação para a mudança<br />

dos paradigmas, permanecendo uma distância<br />

entre teoria e prática no contexto das práticas<br />

educativas e do planejamento docente.<br />

PAlAVRAS-CHAVE: <strong>Educação</strong>; formação docente;<br />

planejamento.<br />

ABSTRACT<br />

This paper aims to reflect on teacher training,<br />

providing opportunities for educators to<br />

rethink, critically and significantly, the<br />

drafting, organization and execution of<br />

their teaching procedures. The theoretical<br />

support defined was developed by authors<br />

who advocate the continuing training of<br />

educators as an action strategically designed<br />

within a social context characterized by<br />

economic, social and political influences. This<br />

article aims to understand the importance<br />

of planning the political-teaching actions<br />

experienced in the permanent training<br />

of educators in the different educational<br />

levels, taking into consideration that the<br />

absence of public policies gives rise to a lack<br />

of motivation for a change of paradigms,<br />

and thus a disconnection between theory<br />

and practice r<strong>em</strong>ains in the context of<br />

educational practices and teacher planning.<br />

KEYwords: Education; teacher training;<br />

planning.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Introdução<br />

* Pedagoga, especialista <strong>em</strong> Psicopedagogia e <strong>Educação</strong> Profissional Técnica de Nível<br />

Médio Integrado ao Ensino Médio, m<strong>em</strong>bro da Associação Brasileira de Psicopeda-<br />

gogia – ABPp-RJ e da Secretaria de <strong>Educação</strong> do Estado e do Município de Santana.<br />

diasedileneap@bol.com.br<br />

Em todo processo histórico, o hom<strong>em</strong> foi e é um ser importante, capaz de criar,<br />

recriar e transformar sua realidade. E por viver e conviver numa sociedade multicultural<br />

complexa e transitória, a exigência de uma formação e qualificação permanentes,<br />

de cunho participativo, atuante e crítico t<strong>em</strong> se tornado o alvo central na<br />

ressignificação dos paradigmas educacionais.<br />

Assim, é mister que se faça uma reflexão sobre a formação docente, b<strong>em</strong> como<br />

sua aplicabilidade no processo de ensino-aprendizag<strong>em</strong> <strong>em</strong> sala de aula, pois, na<br />

maioria das vezes, as discussões teóricas despontam por caminhos que não condiz<strong>em</strong><br />

com a prática conduzida para atender às necessidades do mundo cont<strong>em</strong>porâneo<br />

ou às normas burocráticas do sist<strong>em</strong>a educativo, tornando-a superficial,<br />

incrédula e s<strong>em</strong> comprometimentos com os reais anseios dos alunos.<br />

Partindo dessas concepções, a formação não é apenas uma vertente para insuflar<br />

novas práticas. Ela constitui instâncias de decisões políticas capazes de consolidar<br />

e dinamizar ações que venham ao encontro de interesses de uma coletividade.<br />

Em sala de aula, o professor é uma referência capaz de contribuir para o resgate<br />

do sentido social do trabalho na escola. Para isso, exige-se uma acertada e racional<br />

previsão de todos os procedimentos necessários a uma formação de qualidade, <strong>em</strong><br />

suas diferentes etapas de desenvolvimento e execução, para o alcance dos objetivos<br />

desejados.<br />

Portanto, a necessidade de se pensar sobre a formação docente, o que se quer<br />

alcançar, com que meio se pretende agir e como avaliar o que se quer atingir é de<br />

suma importância para a obtenção de resultados positivos no âmbito educacional.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

213<br />

Um novo olhar<br />

à formação<br />

docente


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Um novo olhar<br />

à formação<br />

docente<br />

Breve contextualização<br />

O Brasil, nas últimas décadas, intensificou o foco na formação docente. No entanto,<br />

os avanços, no que se refere à qualidade do ensino, nos frustram quando<br />

nos deparamos com os baixos resultados dos alunos no processo de ensino-aprendizag<strong>em</strong>,<br />

no desenvolvimento de sua autonomia intelectual e, principalmente, na<br />

superação de preconceitos estabelecidos ao longo da humanidade.<br />

Nosso país se constitui de um alto índice de analfabetos funcionais que ainda<br />

não conseguiram adentrar no mercado de trabalho do ponto de vista qualitativo<br />

– s<strong>em</strong> que seja pelo sub<strong>em</strong>prego –, porém, enquanto o país desenvolve-se pelas<br />

d<strong>em</strong>andas do capital, a <strong>Educação</strong> caminha pelos passos lentos e repetitivos de um<br />

modelo educativo obsoleto que não se enquadra mais neste contexto social.<br />

Viv<strong>em</strong>os atualmente <strong>em</strong> prol da “sociedade do conhecimento”, na qual o sist<strong>em</strong>a<br />

mercadológico nos bombardeia a cada dia com cursos de formação <strong>em</strong> todas<br />

as áreas e a mídia incentiva aos nossos jovens e adultos, b<strong>em</strong> como professores, a<br />

opção por uma formação acelerada através de “cursos-relâmpago”.<br />

Nesse contexto, a educação ainda submete-se a uma proposta de ensino pouco<br />

atrativa, silenciando e/ou aligeirando as regras do sist<strong>em</strong>a educativo como: cumprimento<br />

do ano letivo, conteúdos, projetos educativos muitas vezes s<strong>em</strong> sustentação<br />

teórica e prática que altere atitudes e/ou comportamentos para os que atuam na<br />

escola. O cenário educacional que está posto é desafiador para o professor, que<br />

absorveu na sua formação as ideologias impostas pelo sist<strong>em</strong>a capitalista e, como<br />

consequência, acabou sendo um mero “repetidor” de conteúdos, esquecendo-se da<br />

heterogeneidade da sala de aula, dos anseios, sonhos, desejos, entre outros sentimentos<br />

que perpassam as classes da EJA. Apesar de seus investimentos pessoais ou<br />

institucionais, esse professor ainda não incorporou as mudanças de seu t<strong>em</strong>po.<br />

Diante do que foi exposto, compreendi que ao longo de todo processo formativo<br />

faz-se necessário “não encontrar um novo caminho, mas um jeito novo de caminhar”,<br />

como rel<strong>em</strong>bra a poesia de Thiago de Mello.<br />

A ação docente<br />

O trabalho docente é permeado por teoria e ações práticas, produz resultados<br />

sobre o humano, requer reflexão teórico-prática permanente, aprofundamento e<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


formação continuada. Sua complexidade envolve a interação com alunos e colegas,<br />

planejamento e gestão do ensino, avaliação, transformações curriculares etc. Nesse<br />

sentido, conforme Tardif (2005, p. 8), a docência é “uma forma particular de trabalho<br />

sobre o humano, ou seja, uma atividade <strong>em</strong> que o trabalhador se dedica ao seu ‘objeto’<br />

de trabalho, que é justamente um outro ser humano, no mundo fundamental<br />

da interação humana”.<br />

Acredita-se que haja um caráter interativo na produção do conhecimento. O<br />

professor é sujeito do processo <strong>em</strong> que se produz o conhecimento. A comunicação<br />

t<strong>em</strong> papel fundamental nesse processo e constitui o espaço no qual o sujeito<br />

estudado vai amadurecendo e construindo de forma coletiva e cada vez mais<br />

complexa sua expressão, condição essencial para o conhecimento que se constrói.<br />

Manifesta-se, assim, uma natureza construtivo-interpretativa, <strong>em</strong> um processo vivo,<br />

<strong>em</strong> permanente desenvolvimento, no qual se realizam e legitimam formas muito<br />

diversificadas, entre elas a elaboração pelos próprios sujeitos de suas expectativas<br />

sobre os resultados esperados.<br />

O trabalho didático, numa perspectiva político-pedagógica, envolve métodos<br />

e procedimentos nos quais t<strong>em</strong>os que ousar o novo e o diferente para revitalizar o<br />

nosso fazer pedagógico.<br />

Os significados e as perspectivas que buscamos <strong>em</strong> nossa prática diária não se<br />

esgotam apenas na aplicação de técnicas didáticas adequadas, ela exige a compreensão<br />

dos aspectos culturais, econômicos, sociais e políticos da sociedade.<br />

O espaço para execução do trabalho docente é a escola, uma organização na<br />

qual vários outros sujeitos (diretor, funcionários, pais, comunidade etc.) intervêm e<br />

interag<strong>em</strong> uns com os outros. Dessa forma, se reafirma que um professor trabalha<br />

com e sobre os seres humanos, sofrendo influências das diversas esferas e coletividades<br />

humanas. Logo, compreender a profissão docente pressupõe compreender a<br />

complexidade do processo de ensino-aprendizag<strong>em</strong> que constitui o seu eixo.<br />

Pod<strong>em</strong>os destacar como uma primeira característica do trabalho docente o<br />

fato de ser um trabalho interativo. O ensino dirige-se a seres humanos, que são, ao<br />

mesmo t<strong>em</strong>po, seres individuais e sociais.<br />

Segundo Tardif (2002, p. 22), “o objeto do trabalho docente são os seres humanos<br />

que possu<strong>em</strong> características peculiares”. Além de individual, o objeto do trabalho<br />

docente é também social. Sua orig<strong>em</strong> de classe, étnica e de gênero o expõe a<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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Um novo olhar<br />

à formação<br />

docente


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docente<br />

diferentes influências e experiências, que repercut<strong>em</strong> <strong>em</strong> sala da aula, provocando<br />

diferentes reações e expectativas no professor e nos alunos.<br />

Nesse sentido, Tardif (2002, p. 130) nos alerta, “o objeto do trabalho docente<br />

escapa constant<strong>em</strong>ente ao controle do trabalhador, ou seja, do professor”.<br />

Uma boa parte do trabalho docente é de cunho afetivo, <strong>em</strong>ocional. Baseia-se <strong>em</strong> <strong>em</strong>oções,<br />

<strong>em</strong> afetos, na capacidade não somente de pensar nos alunos, mas igualmente de perceber<br />

e sentir suas <strong>em</strong>oções, seus t<strong>em</strong>ores, suas alegrias, seus próprios bloqueios afetivos.<br />

De acordo com o autor citado, pelas peculiaridades do “objeto” de trabalho docente,<br />

a prática pedagógica dos professores consiste <strong>em</strong> gerenciar relações sociais,<br />

envolve tensões, dil<strong>em</strong>as, negociações e estratégias de interação. Ensinar é, portanto,<br />

fazer escolhas, constant<strong>em</strong>ente, <strong>em</strong> plena interação com os alunos.<br />

Ora, essas escolhas depend<strong>em</strong> da experiência dos professores, de seus conhecimentos,<br />

convicções e crenças, de seu compromisso com o que faz<strong>em</strong>, de suas representações a<br />

respeito dos alunos e, evident<strong>em</strong>ente, dos próprios alunos (tArDiF, 2002, p. 132).<br />

O planejamento docente é um pressuposto essencial para assegurar não somente<br />

o alcance dos objetivos da prática do professor, mas também para definir<br />

a competência dele na sua trajetória profissional com base nos aspectos didáticos<br />

de sua disciplina. A organização e o desenvolvimento planejado das atividades<br />

didático-pedagógicas criam as condições necessárias para uma atuação docente<br />

mais eficiente e eficaz no processo de ensino-aprendizag<strong>em</strong>. Os planos constitu<strong>em</strong><br />

o cenário sobre o qual vão ser delineadas as competências e as habilidades a ser<strong>em</strong><br />

asseguradas aos alunos no âmbito das diferentes disciplinas.<br />

Por ser um trabalho interativo, o ensino exige um investimento pessoal do<br />

professor para garantir o envolvimento do aluno no processo e despertar seu interesse<br />

e participação, evitando desvios que possam prejudicar o trabalho. É por<br />

esse motivo que Tardif (2002, p. 132) afirma que “a personalidade do professor é um<br />

componente de seu trabalho”. O que ele denomina de trabalho investido, ou seja,<br />

“no des<strong>em</strong>penho de seu trabalho o professor <strong>em</strong>penha e investe o que ele é como<br />

pessoa”.<br />

Aquilo que nos parece ser a característica do trabalho investido ou vivido é a<br />

integração ou absorção da personalidade do trabalhador no processo de trabalho<br />

quotidiano como el<strong>em</strong>ento central, que contribui para a realização desse processo.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Cada professor que vivencia a formação continuada e permanente adota no dia<br />

a dia estratégias próprias de atendimento individualizado, de distribuição da atenção<br />

e de acompanhamento de seus alunos, estando s<strong>em</strong>pre atento a essa tensão<br />

entre o individual e o coletivo.<br />

Diante do exposto, a abordag<strong>em</strong> escolhida parte do pressuposto de que é preciso<br />

refletir sobre os cursos de formação oferecidos, b<strong>em</strong> como o fazer pedagógico<br />

daqueles que ainda hoje negam a importância da formação continuada e permanente,<br />

da construção do planejamento didático, pois alguns diz<strong>em</strong> que “têm tudo<br />

planejado na cabeça” ou que já sab<strong>em</strong> o que será discutido. A mecanização do conhecimento<br />

precisa ser substituída pelo raciocínio lógico para que todos os atores<br />

da educação possam participar racionalmente da sociedade dentro da qual a escola<br />

está inserida, como afirma Libâneo (1994, p. 56):<br />

O planejamento do trabalho docente é um processo de racionalização, organização e<br />

coordenação da ação do professor, tendo as seguintes funções: explicar princípios, diretri-<br />

zes e procedimentos do trabalho; expressar os vínculos entre o posicionamento filosófico,<br />

político, pedagógico e profissional das ações do professor; assegurar a racionalização, or-<br />

ganização e coordenação do trabalho; prever objetivos, conteúdos e métodos; assegurar<br />

a unidade e a coerência do trabalho docente; atualizar constant<strong>em</strong>ente o conteúdo do<br />

plano; facilitar a preparação das aulas.<br />

É importante ressaltar que tratar da formação docente t<strong>em</strong> se tornado uma<br />

tarefa complexa, tanto pelo desgaste sofrido ao longo do t<strong>em</strong>po, como pela dificuldade<br />

encontrada pelos indivíduos constituintes do coletivo numa escola <strong>em</strong><br />

conviver<strong>em</strong> de forma profissional com a pluralidade de ideias, que são salutares e<br />

necessárias numa organização desta natureza.<br />

Portanto, a formação do professor, b<strong>em</strong> como de outros atores sociais envolvidos<br />

no processo educativo, t<strong>em</strong> deixado a desejar no âmbito escolar; porque foi<br />

introjetado nas pessoas que cursos de formação consist<strong>em</strong> <strong>em</strong> nada mais que eventualmente<br />

adequar o proposto a uma realidade, executando algo que outros já haviam<br />

decidido por nós, ou discussões teóricas que na prática cotidiana não levam a<br />

mudanças dos paradigmas adotados na escola.<br />

Considerando que essa prática, ao longo do t<strong>em</strong>po, foi internalizada pelas<br />

pessoas e institucionalizada pela escola, hoje t<strong>em</strong>os inúmeros desafios a enfrentar<br />

quando falamos de processos de formação docente como um procedimento viabilizador<br />

de novas práticas, pois tal situação t<strong>em</strong> levado os profissionais da educação<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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Um novo olhar<br />

à formação<br />

docente


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Um novo olhar<br />

à formação<br />

docente<br />

a encarar a formação como algo que ajuda na inovação do ensino-aprendizag<strong>em</strong><br />

mas que n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre atende às reais necessidades dos professores.<br />

A formação permanente t<strong>em</strong> propiciado maior profissionalismo por parte do<br />

professor, que exige mais autonomia da escola e, consequent<strong>em</strong>ente menos interferência<br />

externa. Isso terá como efeito uma redução dos controles burocráticos e<br />

uma crescente autonomia para os professores.<br />

Uma das competências dos professores na escola será o de despertar <strong>em</strong> seus<br />

alunos a paixão pelo conhecimento, mas isso só acontecerá se o professor conseguir<br />

alcançar os caminhos de sua própria autoria e a paixão pelo saber, visto que o<br />

professor que conseguir encontrar <strong>em</strong> seus valores luz que guie sua própria história<br />

conseguirá encontrar <strong>em</strong> sua autoria o seu próprio valor, pois o ser humano que<br />

constrói sua autoria se humaniza e não se maquiniza, decide viver por meio de seu<br />

próprio olhar, do seu próprio viver e do seu próprio criar, edifica sua vida com arte<br />

porque esta arte/vida é fruto do seu próprio sonho.<br />

O planejamento docente como uma ação de formação<br />

político-pedagógica<br />

O planejamento é um processo que exige organização, sist<strong>em</strong>atização, previsão,<br />

decisão e outros aspectos, na pretensão de garantir a eficiência e eficácia de uma<br />

ação, quer seja <strong>em</strong> um nível micro, quer seja <strong>em</strong> nível macro. Do ponto de vista educacional,<br />

o planejamento é um ato político-pedagógico porque revela intenções, e<br />

a intencionalidade expõe o que se deseja realizar e o que se pretende atingir.<br />

Com base neste entendimento, é possível constatar que o planejamento didático<br />

docente t<strong>em</strong> um caráter político-pedagógico, tanto <strong>em</strong> relação à d<strong>em</strong>ocratização<br />

das relações cotidianas da escola como no processo global da sociedade e da<br />

cidadania. Por outro lado, não haverá educação de qualidade se o planejamento<br />

não estiver enraizado, no mundo real e a ele articulado.<br />

Assim sendo, é substancial que a escola, b<strong>em</strong> como o professor, enfrente o desafio<br />

de compreender os novos t<strong>em</strong>pos para abraçar os anseios das novas gerações<br />

e como ressalta D<strong>em</strong>o (2001, p. 21), dialogar com a realidade inserindo-se nela<br />

como sujeito criativo”, porque a escola deve ser um espaço de convivência, onde os<br />

conflitos serão trabalhados e não camuflados.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


A ação de planejar as atividades educativas não se restringe à reflexão a respeito<br />

dos probl<strong>em</strong>as educacionais. Ela implica uma visão e análises amplas de mundo<br />

e da sociedade. É necessário resgatar a dimensão pedagógica do planejamento docente<br />

como uma atividade que propicie a aglutinação <strong>em</strong> torno da escola dos diferentes<br />

segmentos escolares, como corrobora Padilha (2001, p. 66): “O planejamento<br />

é socializado quando o processo de decisão é possibilitado a todos e não limitado<br />

aos especialistas”, ou mesmo a um “grupo de coordenação”.<br />

O planejamento docente deve constituir uma proposta progressista que expresse<br />

o tipo de hom<strong>em</strong> e de sociedade que lutamos para construir. Deve ser pautado<br />

<strong>em</strong> uma proposta pedagógica que busque compreender a relação dialética<br />

entre teoria e prática, superando a dualidade da escola de formação acadêmica e a<br />

escola de formação popular, e que trabalhe o conhecimento sist<strong>em</strong>atizado historicamente,<br />

não o reproduzindo simplesmente, mas recriando-o e transformando-o.<br />

Como comenta Freire (1992, p. 43), o diálogo é “o encontro amoroso dos homens<br />

que mediatizados pelo mundo o pronunciam, isto é, o transformam e transformando-o<br />

humanizam para a humanização de todos”.<br />

Convém, no entanto, segundo Padilha (2001, p. 63), perceber que:<br />

O ato de planejar <strong>em</strong> sentido amplo é um processo que visa dar respostas a um probl<strong>em</strong>a,<br />

estabelecendo fins e meios que apontam para a sua superação de modo a atingir objetivos<br />

antes desejados, pensando e prevendo necessariamente s<strong>em</strong> desconsiderar as condições<br />

do presente e experiências do passado; levando <strong>em</strong> conta os contextos e os pressupostos<br />

filosóficos, culturais, econômicos e políticos, de qu<strong>em</strong>, com qu<strong>em</strong> e para qu<strong>em</strong> planeja.<br />

É possível entender que uma nova competência pedagógica se origina na própria<br />

prática, no debruçar-se sobre ela, no movimento dialético ação-reflexão-ação.<br />

Busca-se escapar da dicotomia entre teoria e prática, pois ambas têm papel assegurado<br />

na construção do planejamento docente, porque as teorias são como mapas<br />

que nos ajudam a viajar sobre o momento presente, o que não se faz s<strong>em</strong> a história.<br />

A questão central do planejamento docente não pode ser a de somente saber<br />

como se vai passar um conteúdo preestabelecido. Ela deve conter ideias mais amplas<br />

e mais profundas.<br />

Para tanto, faz-se necessário que, nos cursos de formação docente, reflitamos<br />

sobre a ação de planejar para que possamos encontrar caminhos norteadores e<br />

significativos que possam contribuir de fato na formação dos discentes.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

219<br />

Um novo olhar<br />

à formação<br />

docente


220<br />

Um novo olhar<br />

à formação<br />

docente<br />

Considerações finais<br />

A todo momento, <strong>em</strong> todo lugar e <strong>em</strong> diversos campos da atividade humana,<br />

as pessoas buscam o “novo”, o “diferente”, onde possam registrar a sua marca, a sua<br />

identidade, o seu diferencial.<br />

Viv<strong>em</strong>os <strong>em</strong> uma época que <strong>em</strong> nada se ass<strong>em</strong>elha a outras vividas por nossos<br />

antepassados e para a qual não fomos preparados e, como consequência, sentimos<br />

grandes dificuldades para enfrentar os desafios com que nos defrontamos.<br />

A formação permanente neste século é uma das pr<strong>em</strong>issas e exigências cont<strong>em</strong>porâneas<br />

e por isso as pessoas buscam incessant<strong>em</strong>ente se manter<strong>em</strong> informadas<br />

e atualizadas, <strong>em</strong> especial os docentes.<br />

Ao nos reportarmos à formação docente, não pod<strong>em</strong>os apenas focar os cursos<br />

de formação para o exercício da profissão. Ela acontece <strong>em</strong> múltiplas dimensões e<br />

<strong>em</strong> várias esferas, governamentais e não governamentais. No entanto, convém frisar<br />

que existe uma conectividade <strong>em</strong> rede, que os conhecimentos são construídos<br />

não somente do ponto de vista linear e hierárquico, mas circularmente nas dimensões<br />

teórica, política, social, epist<strong>em</strong>ológica, pedagógica e didática.<br />

Nessa perspectiva, os docentes apropriam-se de diferentes saberes para a construção<br />

de sua prática, começam a perceber que somos seres <strong>em</strong> construção e inacabados,<br />

e como consequência desenvolv<strong>em</strong> a concepção de que mudar é preciso<br />

e necessário.<br />

Nesse contexto, é fundamental que se estabeleçam prioridades no que tange<br />

à formação permanente do professor, priorizando não só formar do ponto de vista<br />

acad<strong>em</strong>icista, mas daquele do ser individual, capaz de realizar-se como pessoa,<br />

como ser social que se identifica com o seu grupo e atividade que des<strong>em</strong>penha, e<br />

este foco parece ser uma missão quase impossível.<br />

Os estudos e investigações no que se refere à formação docente descrev<strong>em</strong> geralmente<br />

uma desvinculação entre o pensar e o agir como um entrave na aplicabilidade<br />

da prática pedagógica, ocasionando uma repetição dos modelos tradicionais<br />

e ultrapassados.<br />

Segundo Moço et al. (2008, p. 42), que comenta sobre a precariedade da formação<br />

dos educadores, “eles buscam um referencial teórico, mas não consegu<strong>em</strong> se<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


aprimorar, acabam fazendo no dia a dia um trabalho intuitivo e equivocado”. Partindo<br />

desse pressuposto, é importante ressaltar que a formação docente não está adequada<br />

às reais necessidades do professor, atrofia o desenvolvimento do processo<br />

educativo, não t<strong>em</strong> garantido uma mudança das concepções e práticas e t<strong>em</strong> como<br />

resultado o retardamento do crescimento do país, haja vista que a sociedade evolui<br />

a partir de sua evolução educacional.<br />

As exigências do mundo cont<strong>em</strong>porâneo requer<strong>em</strong> do profissional da educação<br />

uma postura pré-ativa, interativa e pós-ativa, ou seja, o professor precisa ser um<br />

sujeito ativo nas diversas situações existenciais da prática educativa: ser pré-ativo<br />

significa anteceder ao agir; ser interativo é intermediar o processo educativo, promovendo<br />

a interação entre as partes; e pós-ativo significa dizer que ao final de determinada<br />

situação a ação de produzir com autonomia não se esgota <strong>em</strong> um único<br />

fim, mas continua, para que se desvel<strong>em</strong> os processos cognitivo, estético e poético<br />

numa perspectiva reflexivo-criadora.<br />

O professor, por sua vez, é o mediador dessa articulação do conhecimento científico<br />

necessário entre o trabalho <strong>em</strong> sala de aula e a relação com a prática social do<br />

educando, visto que o aluno já traz consigo uma carga de informações ao ingressar<br />

na escola a ser considerada, uma vez que a escola t<strong>em</strong> como finalidade primordial<br />

a formação do aluno <strong>em</strong> sua globalidade, levando-o a ser um cidadão crítico, ativo<br />

e criativo. Mediar essa relação entre aluno, conhecimento e a sua realidade é papel<br />

fundamental dos docentes e da escola.<br />

Essa relação só será possível por meio de uma metodologia dialética que conceba<br />

o hom<strong>em</strong> como ser ativo e de relações com o outro e com o meio. Nessa<br />

perspectiva, o processo de formação permanente dos professores configura-se nas<br />

relações existentes entre estudos, pesquisa e autoavaliação, contribuindo significativamente<br />

para o seu aperfeiçoamento profissional.<br />

Dessa forma, é preciso que haja uma mudança de posicionamento e redimensionamento<br />

das formas de desenvolver a formação, levando-se <strong>em</strong> consideração a<br />

prática de novas metodologias, interatividade entre as partes, partilhamento das<br />

ideias e afetividade. Esse conjunto de ações pressupõe combustível incontestável<br />

para que haja um novo resgate da educação com chances de dar certo, e o resultado<br />

que se espera é o melhor possível.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

221<br />

Um novo olhar<br />

à formação<br />

docente


222<br />

Um novo olhar<br />

à formação<br />

docente<br />

Inovar <strong>em</strong> educação é, pois, um processo individual/coletivo de análise do real,<br />

do que é pertinente e do que precisa ser modificado no sentido de possibilitar às<br />

crianças, aos jovens, aos adultos o direito de desenvolver-se como seres humanos e<br />

cidadãos, através da escola.<br />

Partindo desse pressuposto e considerando os professores como executores<br />

e responsáveis por resultados positivos no processo educativo, estes dev<strong>em</strong> estar<br />

atentos às mudanças que acontec<strong>em</strong> ao seu redor e que influenciam a sua prática<br />

docente e a sua subjetividade. Assim, poderão articular melhor sua autoformação,<br />

quebrar a inflexibilidade dos cursos de formação e recriar um novo mundo, uma<br />

nova terra para novos sujeitos, sendo atores de sua própria prática pedagógica.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


REFERÊNCIAS<br />

D<strong>em</strong>O, p. Pesquisa, princípios científicos e educativos. 8. ed. São paulo: cortez, 2001.<br />

Freire, p. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São paulo: paz e<br />

terra, 1996.<br />

liBÂneO, J. c. Planejamento na escola. São paulo: cortez, 1994.<br />

mOçO, A.; SAntOmAUrO, B.; VicHeSSi, B. Discurso vazio. Revista Nova Escola, São paulo, ano 28,<br />

p. 42-51, dez. 2008.<br />

pADilHA, p. r. Planejamento dialógico: como construir o projeto político pedagógico da escola.<br />

São paulo: cortez, 2001.<br />

tArDiF, m.; leSSArD, c. O trabalho docente: el<strong>em</strong>entos para uma teoria da docência como<br />

profissão de interações humanas. rio de Janeiro: Vozes, 2005.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

223<br />

Um novo olhar<br />

à formação<br />

docente


Especificidades da EJA:<br />

trajetória e desafios para<br />

o saber docente<br />

Adriana Cláudia de Assis*<br />

RESUMO<br />

O presente trabalho faz uma abordag<strong>em</strong> histórica<br />

do lugar que a <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos<br />

t<strong>em</strong> ocupado no cenário nacional e no âmbito<br />

de políticas públicas para essa modalidade<br />

de ensino. Nosso objeto de estudo é a <strong>Educação</strong><br />

de Jovens e Adultos, tendo como aporte teórico<br />

e metodológico documentos legais, como a<br />

lDB (1996) e o Parecer 11/2000, e os autores<br />

que buscam <strong>em</strong> suas discussões priorizar o estudo<br />

dessa t<strong>em</strong>ática. Objetiva-se a partir deste<br />

trabalho identificar os avanços ocorridos ao<br />

longo dos últimos oito anos; articular teoria e<br />

prática às experiências dos alunos da EJA; e<br />

analisar as discussões no cenário nacional no<br />

que se refere a essa modalidade.<br />

PAlAVRAS-CHAVE: <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos;<br />

políticas públicas; cenário nacional.<br />

ABSTRACT<br />

This paper addresses the historical place<br />

Youth and Adult Education has occupied<br />

in the national scene and in the context of<br />

public policies for this type of education.<br />

our object of study is the Youth and Adult<br />

Education, having as theoretical and<br />

methodological support legal documents,<br />

such as the BdL (1996) and Expert opinion<br />

11/2000, and the authors that seek to<br />

prioritize the study of this subject in their<br />

discussions. This paper aims to identify,<br />

based on this study, the advances that have<br />

occurred over the past eight years, aligning<br />

theory and practice with the experiences of<br />

Youth and Adult Education students and to<br />

analyze the discussions in the national arena<br />

with regard to this type of education.<br />

KEYwords: Youth and Adult education,<br />

public policies, the national arena.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


* Formada <strong>em</strong> Pedagogia Universidade Estadual Vale do Acaraú. Atua no SESC—Serviço<br />

Social do Comércio de Natal, Rio Grande do Norte.<br />

No cenário nacional, por muitos anos, os jovens e adultos não escolarizados<br />

aparec<strong>em</strong> à marg<strong>em</strong> das atividades sociais e políticas, marcados por desigualdades,<br />

principalmente quando se trata de jovens e adultos da classe trabalhadora, como<br />

os pobres, negros e des<strong>em</strong>pregados e, sobretudo, os que não obtiveram uma educação<br />

básica de qualidade. Porém, vale salientar que essas diferenças sociais nas<br />

quais estão envolvidos não foram aceitas por livre escolha, mas lhes foram impostas<br />

como resultado de uma sociedade <strong>em</strong> constantes transformações. Sociedade essa<br />

que não se deu conta que essas transformações deveriam ocorrer concomitant<strong>em</strong>ente<br />

no campo educacional.<br />

Esses grupos marginalizados não pretendiam estar na situação <strong>em</strong> que se encontram;<br />

se tivess<strong>em</strong> que escolher, fariam diferente, de modo a alcançar outros espaços<br />

na sociedade. Segundo Arroyo (2001),<br />

não pod<strong>em</strong>os esquecer que o lugar social, político, cultural pretendido pelos excluídos<br />

como sujeitos coletivos na diversidade de seus movimentos sociais e pelo pensamento<br />

pedagógico progressista t<strong>em</strong> inspirado concepções e práticas de educação de Jovens e<br />

Adultos extr<strong>em</strong>amente avançadas, criativas e promissoras nas últimas décadas (ArrOYO,<br />

2001, p. 10).<br />

A partir desse pressuposto, pod<strong>em</strong>os perceber que vários movimentos vão surgindo<br />

com a finalidade de criar políticas públicas para o ensino da <strong>Educação</strong> de Jovens<br />

e Adultos, de modo que esse público possa se constituir de sujeitos históricos<br />

e sociais que particip<strong>em</strong> ativamente da construção de uma sociedade mais justa.<br />

Conforme a Declaração de Hamburgo, de 1997, “a alfabetização, concedida<br />

como o conhecimento básico necessário a todos num mundo <strong>em</strong> transformação, é<br />

um direito humano fundamental. Em toda a sociedade a alfabetização é uma habilidade<br />

primordial <strong>em</strong> si mesma e um dos pilares para o desenvolvimento de outras<br />

habilidades” (Parecer CEB 11/2000. In SOARES, 2002, p. 34-35).<br />

A educação seria oferecida como um direito desses jovens e adultos, para que<br />

foss<strong>em</strong> capazes de atuar na sociedade como sujeitos autônomos. Porém, é um desafio<br />

muito grande o que se t<strong>em</strong> pela frente, que é oferecer um direito básico a todo<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

225<br />

Especificidades<br />

da EJA:<br />

trajetória e<br />

desafios para o<br />

saber docente


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Especificidades<br />

da EJA:<br />

trajetória e<br />

desafios para o<br />

saber docente<br />

cidadão. Segundo a declaração de Hamburgo, a alfabetização t<strong>em</strong> também o papel<br />

de promover a participação <strong>em</strong> atividades sociais, econômicas, políticas e culturais,<br />

além de ser um requisito básico para a educação continuada durante a vida” (Parecer<br />

11/2000. In: SOARES, 2002, p. 35).<br />

Se, por um lado, vão surgindo esses movimentos, perceb<strong>em</strong>os que, por outro,<br />

muita coisa precisa ser feita, a começar pelos textos legais que não reconhec<strong>em</strong> a<br />

importância da EJA. Porém, as Diretrizes Curriculares Nacionais elaboram um instrumento<br />

de grande valorização para essa modalidade de ensino. Trata-se do Parecer<br />

CNE/CEB 11/2000, que, <strong>em</strong>bora marcado por limites políticos e ideológicos, favoreceu<br />

enorme potencial e valorização no âmbito da EJA.<br />

O Parecer, <strong>em</strong> suas definições prévias, cujo texto traz nas pr<strong>em</strong>issas uma dualidade<br />

sobre a realidade brasileira no que se refere às oportunidades econômicas,<br />

sociais e educacionais, evidencia o contraste entre aqueles que têm o domínio do<br />

conhecimento e aqueles que ao longo da vida não conseguiram obtê-lo. De acordo<br />

com o Parecer:<br />

Dois Brasis, “oficial e real”, “casa Grande e Senzala”, o “tradicional e o moderno”, capital e in-<br />

terior, urbano e rural, cosmopolita e provinciano, litoral e sertão, assim como os respectivos<br />

“tipos” que os habitariam e constituiriam. A esta tipificação <strong>em</strong> pares opostos, por vezes<br />

incompleta ou equivocada, não seria fora de propósito acrescentar outros ligados à esfera<br />

do acesso e domínio da leitura e escrita que ainda descrev<strong>em</strong> uma linha divisória entre<br />

brasileiros: alfabetizados/analfabetos, letrados/iletrados 1. muitos continuam não tendo<br />

acesso à escrita e leitura, mesmo minimamente; outros têm iniciação de tal modo precária<br />

nestes recursos, que são mesmo incapazes de fazer uso rotineiro e funcional da escrita e da<br />

leitura no dia a dia (parecer 11/2000. in: SOAreS, 2002, p. 28).<br />

Analisando a citação, perceb<strong>em</strong>os que a realidade daqueles que são menos favorecidos,<br />

nos dias atuais, continua longe de aproximar-se do padrão dos que têm<br />

o domínio do conhecimento, pois existe uma linha divisória muito acentuada que<br />

faz esse distanciamento. Portanto, não pod<strong>em</strong>os esquecer que a função da EJA é<br />

reparar, equalizar e qualificar. A função reparadora t<strong>em</strong> como principal objetivo restaurar<br />

um direito que foi negado, ou seja, oportunizar de forma concreta a presença<br />

de alunos, jovens e adultos, na escola, garantindo-lhes uma educação de qualidade.<br />

Pois um dos motivos mais alegados pelos alunos de EJA para o abandono dos estudos<br />

na idade apropriada é a escolha forçada entre o trabalho e os estudos. A maioria<br />

deles precisa sair do seu lugar de orig<strong>em</strong> <strong>em</strong> busca de <strong>em</strong>prego ou melhoria da<br />

1. Ver definição de acordo, com a professora magda Soares, no pArecer 11/2000, p. 3.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


qualidade de vida. Exist<strong>em</strong> outros fatores que também desfavorec<strong>em</strong> o acesso escolar,<br />

como a não existência de escolas ou a distância de suas moradas.<br />

No entanto, é muito importante garantir para os alunos jovens e adultos o direito<br />

à escolarização de qualidade que lhes foi negado. De acordo com Arroyo:<br />

A eJA nomeia jovens e adultos pela realidade social: oprimidos, pobres, s<strong>em</strong> terra, s<strong>em</strong> teto,<br />

s<strong>em</strong> horizontes. pode ser um retrocesso encobrir essa realidade brutal sob nomes mais<br />

novos de nossos discursos como escolares, como pesquisadores ou formuladores de polí-<br />

ticas: repetentes, defasados, aceleráveis analfabetos, candidatos a suplência, discriminados.<br />

<strong>em</strong>pregáveis... esses nomes escolares deixam de fora dimensões de sua condição humana<br />

que são fundamentais para as experiências de educação (in: ArrOYO, 2001, p. 12).<br />

Esses são apenas alguns dentre tantos outros rótulos que receb<strong>em</strong> os alunos<br />

da EJA. Mas o que deve ser feito para minimizar tal situação e possibilitar a inserção<br />

desse público de maneira que tenha oportunidade de iniciar ou continuar a escolarização,<br />

podendo gozar de direitos mínimos, como autonomia, reconhecendose<br />

enquanto sujeito ativo e participativo das decisões intrínsecas à sociedade? Ao<br />

abordar os aspectos igualitários na função equalizadora, Ciavatta faz uso da afirmação<br />

de Santos (1996, p.3), quando diz que “t<strong>em</strong>os o direito a ser iguais quando<br />

a diferença nos inferioriza, t<strong>em</strong>os o direito a ser diferentes quando a igualdade nos<br />

descaracteriza”.<br />

Acerca dessa afirmação seria relevante questionarmos se as políticas públicas<br />

educacionais impl<strong>em</strong>entadas para a EJA têm levado <strong>em</strong> consideração necessidades<br />

como o universo ao qual pertence esse público, suas histórias de vida, sua visão de<br />

mundo conforme seus traços culturais e sua vivência social, familiar e profissional;<br />

se o que está sendo efetivado como ensino e aprendizag<strong>em</strong> cont<strong>em</strong>pla aqueles alunos<br />

que anteriormente abandonaram a escola (ou deixaram de inserir-se nela) por<br />

motivos diversos, ou se o que está sendo desenvolvido é mera reposição do que foi<br />

perdido na idade regular (neste caso, tratando-se dos conteúdos curriculares).<br />

A discussão é bastante ampla acerca do processo educativo que envolve esse<br />

público. No entanto, é necessário que haja uma valorização, um compromisso e o<br />

respeito pelos saberes prévios dos educandos. Não pod<strong>em</strong>os esquecer de que o<br />

aluno da EJA, quando v<strong>em</strong> para a escola, traz consigo um leque de informações<br />

e conhecimentos de mundo e que esse conhecimento, quando b<strong>em</strong> aproveitado,<br />

servirá de ponte para ampliar novos saberes. Não valorizar esse conhecimento sig-<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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Especificidades<br />

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saber docente<br />

nifica tratá-lo como se ele fosse uma tábula rasa, ou seja, alguém que não possui nenhum<br />

conhecimento anterior ao da escola. Nesse sentido, Paulo Freire questiona.<br />

por que não aproveitar a experiência que têm os alunos de viver <strong>em</strong> áreas da cidade des-<br />

cuidadas pelo poder público para discutir, por ex<strong>em</strong>plo, a poluição dos riachos e dos cór-<br />

regos e os baixos níveis de b<strong>em</strong>-estar das populações, os lixões e os riscos que oferec<strong>em</strong> à<br />

saúde das gentes? (Freire, 1996, p. 33).<br />

por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disci-<br />

plina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva <strong>em</strong> que a violência é a constante e a<br />

convivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida? [...] por que não<br />

estabelecer uma “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a<br />

experiência social que eles têm como indivíduos? (Freire, 1996, p. 33 e 34).<br />

A partir do momento <strong>em</strong> que o educador trabalha dentro da perspectiva de<br />

valorização da individualidade do aluno, exercendo o respeito aos seus conhecimentos<br />

e experiências de vida, levando <strong>em</strong> conta as diversas realidades existentes<br />

no cotidiano dos alunos, o processo de ensino e aprendizag<strong>em</strong> fluirá. O educando<br />

se sentirá sujeito ativo desse processo, fazendo com que conceitos e significados<br />

sejam melhor internalizados.<br />

É nesse sentido que a função qualificadora traz uma importante discussão no<br />

que se refere à constante necessidade da qualificação, uma vez que, na atualidade,<br />

mesmo qu<strong>em</strong> já t<strong>em</strong> formação média ou superior precisa estar constant<strong>em</strong>ente se<br />

atualizando. Dessa forma, a função qualificadora v<strong>em</strong> reforçar para a <strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos essa necessidade, não somente no intuito de qualificar como também<br />

de estimular nos educandos a busca constante por outros conhecimentos que<br />

venham acrescentar e favorecer as necessidades de cada indivíduo <strong>em</strong> diferentes<br />

fases de suas vidas.<br />

A função qualificadora valoriza a educação <strong>em</strong> diferentes etapas, pois incentiva<br />

que dev<strong>em</strong>os s<strong>em</strong>pre nos atualizar buscando novas aprendizagens, seja a título de<br />

conhecimento ou de qualificação para o mercado de trabalho. As Diretrizes Curriculares<br />

Nacionais são um referencial bastante relevante, sobretudo nesta última<br />

década; contudo, é importante que façamos uma retomada histórica no sentido de<br />

resgatarmos um pouco sobre a <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos no Brasil, para que<br />

possamos melhor compreender as mudanças, avanços e retrocessos, cujos reflexos<br />

culminam no momento atual.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


A EJA t<strong>em</strong> sido colocada nas pautas dos discursos relativos à educação desde<br />

a década de 1940 – quando era denominada <strong>Educação</strong> de Adultos ou <strong>Educação</strong><br />

de Adolescentes e Adultos –, sendo impl<strong>em</strong>entadas campanhas de alfabetização,<br />

cujo custeio ficava sob responsabilidade do governo nesta e na década de 1950,<br />

mas que, devido a estruturação e desenvolvimento, mereceu diversas críticas <strong>em</strong><br />

vários aspectos, sobretudo pedagógicos, uma vez que os resultados pareciam não<br />

atender à proposta inicial, que era a melhoria das condições de vida nas localidades,<br />

o que apontava para o fracasso.<br />

No início da década de 1960, muito provavelmente devido aos resultados das<br />

experiências anteriores e das lutas políticas do período, além do referencial metodológico<br />

do educador Paulo Freire 2 , cuja proposta compreendia a <strong>em</strong>ancipação<br />

das classes populares e cujas orientações serviram de modelo para os diversos movimentos<br />

nessa área, então encabeçados por representantes políticos de alguns<br />

estados nordestinos. Após o golpe militar de 1964, as políticas no Brasil, de uma<br />

maneira geral, tomaram novos rumos, inclusive na educação.<br />

Já na década de 1980, o marco legal que reforça pelo menos o direito de acesso<br />

à escolarização de base no Brasil foi a Constituição de 1988, que, de acordo com a<br />

Proposta Curricular do Ministério da <strong>Educação</strong> e Cultura para a EJA no primeiro segmento,<br />

se consolidava como um direito ao Ensino Fundamental aos cidadãos de todas<br />

as faixas etárias, o que nos estabelece o imperativo de ampliar as oportunidades<br />

educacionais para aqueles que já ultrapassaram a idade de escolarização regular.<br />

Posteriormente, na década de 1990, com a realização da Conferência Mundial<br />

de <strong>Educação</strong> para Todos realizada <strong>em</strong> Jonti<strong>em</strong>, na Tailândia, defendeu-se que<br />

a educação básica deve ser proporcionada a todas as crianças, jovens e adultos.<br />

Esse enfoque abrange o exposto nos artigos 3 0 e 7 0 da Declaração e compreende:<br />

universalizar o acesso à educação e promover a equidade; concentrar a atenção na<br />

aprendizag<strong>em</strong>; ampliar os meios e o raio de ação da educação básica; propiciar um<br />

ambiente adequado à aprendizag<strong>em</strong>; fortalecer alianças.<br />

Esse compromisso, assumido por vários países, dentre eles o Brasil, é reforçado<br />

pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, que afirma que promover a EJA não é somente<br />

possibilitar o acesso, mas envolve compromisso de inserção, permanência,<br />

2. O método paulo Freire consiste numa proposta para a alfabetização de adultos, desenvolvida pelo educador<br />

paulo Freire, que criticava o sist<strong>em</strong>a tradicional, que utilizava a cartilha como ferramenta central da didática para o<br />

ensino da leitura e da escrita.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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continuação e qualidade do ensino oferecido, o que dará condições a esse público<br />

de competir <strong>em</strong> níveis de “igualdade” de participação social.<br />

Ainda na década de 1990, com a elaboração da nova lei educacional, a Lei de<br />

Diretrizes e Bases (LDB) nº 9394/96, foi reafirmado o direito de jovens e adultos<br />

à educação escolar, conforme a redação localizada na seção V do Capítulo II da<br />

<strong>Educação</strong> Básica:<br />

Art. 37. A educação de Jovens e Adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou<br />

continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.<br />

parágrafo 1º. Os sist<strong>em</strong>as de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e adultos que<br />

não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropria-<br />

das, consideradas as características do aluno, seus interesses, condições de vida e trabalho,<br />

mediante cursos e exames.<br />

parágrafo 2º. O poder público viabilizará e estimulará o acesso e permanência do trabalha-<br />

dor na escola, mediante ações integradas e compl<strong>em</strong>entares entre si.<br />

Art. 38. Os sist<strong>em</strong>as de ensino manterão cursos e exames supletivos que compreenderão a<br />

base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos <strong>em</strong> caráter<br />

regular.<br />

parágrafo 1º. Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão: no nível de conclusão<br />

do ensino fundamental, para os maiores de quinze anos; o nível de conclusão do ensino<br />

médio, para os maiores de dezoito anos.<br />

parágrafo 2º. Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos alunos por meios informais<br />

serão aferidos e reconhecidos mediante exames.<br />

É relevante que busqu<strong>em</strong>os conhecer o que diz<strong>em</strong> os marcos legais que concern<strong>em</strong><br />

à escolaridade, pois, a partir desse conhecimento, pod<strong>em</strong>os lutar por uma<br />

educação de qualidade. Em seguida, dev<strong>em</strong>os considerar os diversos fatores, sejam<br />

eles internos ou externos, principalmente dos últimos oito anos, acerca das políticas<br />

educacionais, que, na maioria das vezes, são regidas por interesses de organismos<br />

internacionais, b<strong>em</strong> como das constantes discussões geradas por educadores e<br />

pesquisadores na tentativa de promover reflexões acerca do que compreender por<br />

ensino e aprendizag<strong>em</strong> <strong>em</strong> se tratando de um público específico como o da EJA.<br />

A <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos <strong>em</strong> nosso país foi bastante reforçada a partir<br />

da Declaração de Hamburgo, documento assinado por diversos países, do qual o<br />

Brasil também é signatário e que propõe a <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos como<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


um grande desafio para o século xxI, quando visto num processo para a vida toda,<br />

que possibilita desenvolver:<br />

a autonomia e o senso de responsabilidade das pessoas e das comunidades, fortalecendo<br />

a capacidade de lidar com as transformações que ocorr<strong>em</strong> na economia, na cultura e na<br />

sociedade como um todo; promove a coexistência, a tolerância e a participação criativa e<br />

crítica dos cidadãos <strong>em</strong> suas comunidades, permitindo assim que as pessoas control<strong>em</strong><br />

seus destinos e enfrent<strong>em</strong> os desafios que se encontram à frente (parecer ceB 11/2000,<br />

1997. in: SOAreS, 2002, p. 35).<br />

Reforçamos a importância desses documentos e conferências acerca da <strong>Educação</strong><br />

de Jovens e Adultos, porque que os mesmos traçam metas, discut<strong>em</strong> objetivos<br />

e melhorias para a EJA. São nesses encontros que se promov<strong>em</strong> os incentivos, autonomia<br />

e responsabilidade para o desenvolvimento dos educandos e transformação<br />

relativa à vida social, saúde, entendimento de direitos e deveres.<br />

Outros movimentos que têm tido bastante relevância <strong>em</strong> âmbito nacional são<br />

os Fóruns da EJA, iniciados, no Rio de Janeiro, <strong>em</strong> 1998, quando se realizou o primeiro<br />

encontro do que se consolidaria posteriormente como fórum de discussão<br />

sobre o assunto. Os fóruns da EJA, que acontec<strong>em</strong> anualmente, são movimentos<br />

organizados pela sociedade civil, resultantes da articulação de diferentes instâncias<br />

sociais e instituições públicas e privadas que atuam nessa modalidade de ensino<br />

para discutir<strong>em</strong> as políticas públicas.<br />

Tais encontros são responsáveis pela constituição de espaços onde as especificidades<br />

dessa modalidade de ensino são refletidas, ganhando visibilidade e influenciando<br />

algumas modificações nas práticas educativas de muitos professores<br />

que atuam no campo da EJA.<br />

Contudo, sab<strong>em</strong>os que exist<strong>em</strong> ainda as questões econômicas, com investimentos<br />

muito escassos nessa área, que passou por momentos sérios de crise, com<br />

os recursos financeiros direcionados ao Ensino Fundamental, primeiro segmento,<br />

e com o surgimento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental<br />

e Valorização do Magistério (Fundef), quando a EJA deixou de receber<br />

recursos, que foram direcionados exclusivamente aos anos iniciais de ensino.<br />

A trajetória dessa área educacional, no que concerne a investimentos, garantia,<br />

permanência e acesso, v<strong>em</strong> sofrendo oscilações, já que ora é discutida e incentivada,<br />

ora perde recursos e são fechadas salas de aula por falta de condições financeiras<br />

para manutenção das mesmas. As expectativas nesse sentido caminham para<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

231<br />

Especificidades<br />

da EJA:<br />

trajetória e<br />

desafios para o<br />

saber docente


232<br />

Especificidades<br />

da EJA:<br />

trajetória e<br />

desafios para o<br />

saber docente<br />

que o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da <strong>Educação</strong> Básica e de Valorização<br />

dos Profissionais da <strong>Educação</strong> (Fundeb) venha trazer mais possibilidades de<br />

investimento nesse segmento, criando melhores condições de atuação, integrando<br />

mais espaços e profissionais e, assim, maior participação de seu público-alvo.<br />

Conforme pud<strong>em</strong>os acompanhar, o Estado ainda é o principal veículo provedor<br />

no tocante a assegurar o direito de educação a todos os indivíduos. A LDB é um instrumento<br />

que se prontifica a garantir a inserção, porém percebe-se que essa garantia<br />

não assegura de maneira efetiva que grande parte das pessoas tenha de fato acesso<br />

aos estudos escolares, pois existe uma gama de fatores políticos, econômicos e sociais<br />

e de interesses diversos que estão diretamente envolvidos nesse contexto.<br />

No cenário atual, apesar de a EJA ser um marco na agenda das políticas de<br />

governo, ela ainda se restringe muito ao plano discursivo, uma vez que as ações<br />

nesse campo acontec<strong>em</strong> muito mais como programas efêmeros do que como<br />

políticas públicas adequadas às necessidades e desejos do público dessa modalidade.<br />

Esses procedimentos conservam <strong>em</strong> certa medida a lógica das políticas<br />

compensatórias, visando, <strong>em</strong> nossa compreensão, somente a minimização da pobreza<br />

e a contenção social.<br />

Atualmente, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a <strong>Educação</strong> de Jovens e<br />

Adultos se apresentam como o documento mais aberto e flexível no âmbito das políticas<br />

públicas no que concerne aos debates, respeito e compromisso com uma educação<br />

mais próxima da realidade dos alunos, tendo <strong>em</strong> vista as especificidades da EJA.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


REFERÊNCIAS<br />

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SOUZA, J. Os 10 anos da lDB e os avanços na prática de ensino interdisciplinar <strong>em</strong> história e geografia<br />

na eJA. Revista Encontros, rio de Janeiro, n. 8, 2007.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

233<br />

Especificidades<br />

da EJA:<br />

trajetória e<br />

desafios para o<br />

saber docente


A EJA e o direito à<br />

diversidade:<br />

por uma valorização da<br />

escola da vida<br />

Ariadne Colatto Viana*<br />

RESUMO<br />

Este artigo traz reflexões acerca da heterogeneidade<br />

presente nas classes de EJA, suas implicações<br />

na rotina pedagógica, b<strong>em</strong> como as<br />

possibilidades de contribuição na elaboração<br />

do currículo. A partir da ideia de valorização<br />

da identidade e do contexto sociocultural dos<br />

alunos, o texto discute a necessidade de articu-<br />

lação dos saberes da escola formal com os da<br />

escola da vida. Trata ainda da formação dos docentes<br />

para a EJA, do papel do educador como<br />

sujeito mediador da diversidade e do PPP como<br />

eixo norteador e potencializador das diferenças,<br />

sendo estes reconhecidos como bônus pedagógico<br />

e não como prejuízo.<br />

PAlAVRAS-CHAVE: <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos;<br />

diversidade; currículo; prática e formação<br />

docente.<br />

ABSTRACT<br />

This article presents reflections on the<br />

heterogeneity in Youth and Adult Education<br />

classes, its implications in the teaching<br />

routine as well as the possibilities for<br />

contributing to design the curriculum.<br />

Based on the idea of identity appreciation<br />

and the social-cultural context of the<br />

students, the text discusses the need to align<br />

the knowledge from formal schooling with<br />

that from the school of life. It also discusses<br />

the training of Youth and Adult Education<br />

teachers, the educator’s role as a mediator of<br />

diversity and the PPP as a guiding principle<br />

and potentiator of differences, which are<br />

recognized as an educational bonus rather<br />

than as a loss.<br />

KEYwords: Youth and Adult Education;<br />

diversity; curriculum; teacher training and<br />

practice.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Introdução<br />

*Orientadora pedagógica do Centro Educacional SESC LER <strong>em</strong> Vilhena (RO); pós-gra-<br />

duada <strong>em</strong> Gestão, Orientação e Supervisão Escolar e licenciada <strong>em</strong> Letras pela Universi-<br />

dade Federal de Rondônia (Unir); aluna do curso de Pedagogia (Eadcon / Unitins).<br />

Este texto pretende tratar da valorização da identidade e da realidade sociocultural<br />

dos alunos da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos (EJA). Realidades que criam uma<br />

teia de valores, saberes, crenças, classes sociais, entre outras peculiaridades que não<br />

pod<strong>em</strong> ser desconsideradas pelos educadores.<br />

O currículo escolar tradicional, as práticas de sala de aula e a necessidade de<br />

gestão das classes heterogêneas serão abordados objetivando suscitar reflexões e<br />

provocar mudanças, na medida <strong>em</strong> que instigam todos os envolvidos no processo<br />

educativo a buscar de uma aprendizag<strong>em</strong> significativa.<br />

Também o conceito largamente difundido de “trabalhar com a realidade” dos<br />

educandos da EJA será discutido, d<strong>em</strong>onstrando a ânsia de que as ações didático-<br />

-pedagógicas não fiqu<strong>em</strong> limitadas a esse paradigma.<br />

A partir do levantamento das diferenças entre educação formal e informal,<br />

o artigo abordará a necessidade de mudanças, não só no currículo, mas também<br />

nas metodologias, passando brev<strong>em</strong>ente pelo aspecto da avaliação, da organização<br />

e do funcionamento geral da escola e da participação, que serão cont<strong>em</strong>plados<br />

no contexto do Projeto Político-pedagógico(PPP).<br />

O papel do professor mediador e as possibilidades de formação do docente<br />

da EJA, seja ela inicial ou <strong>em</strong> serviço, serão abordados como pontos-chave para<br />

a articulação de uma educação voltada para a formação humana como um todo,<br />

diminuindo os índices de fracasso escolar dessa modalidade.<br />

A ideia de defesa pela “escola da vida” como parceira da escola formal permeia<br />

o artigo como um todo, assim como a busca pelo direito à diversidade e sua valorização<br />

e utilização como instrumento transformador das práticas escolares.<br />

Por fim, algumas possibilidades de organização curricular e de classificação dos<br />

conteúdos serão levantadas, visando à valorização dos saberes anteriores dos educandos,<br />

o desenvolvimento de habilidades e competências e a contribuição para<br />

que se torn<strong>em</strong> sujeitos autores de sua própria história.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

235<br />

A EJA e o direito<br />

à diversidade:<br />

por uma<br />

valorização da<br />

escola da vida


236<br />

A EJA e o direito<br />

à diversidade:<br />

por uma<br />

valorização da<br />

escola da vida<br />

Iniciando as reflexões...<br />

É impossível pensar uma classe de <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos homogênea.<br />

Aliás, não há classe homogênea <strong>em</strong> etapa ou modalidade de educação alguma. Os<br />

alunos são s<strong>em</strong>pre indivíduos com histórias pessoais próprias, desejos diferenciados<br />

e saberes e habilidades diversas que os faz<strong>em</strong> ímpares.<br />

Especificamente na EJA, é preciso que os educadores encar<strong>em</strong> a heterogeneidade<br />

não como um probl<strong>em</strong>a, e sim como algo precioso que potencializa a construção<br />

do conhecimento <strong>em</strong> sala de aula e possibilita/exige uma flexibilização do<br />

currículo oficial.<br />

Dentre as razões que justificam a validade do resgate dos saberes e experiências<br />

dos alunos estão a convicção de que os estudantes da EJA têm muito a contribuir<br />

para a construção das práticas cotidianas da escola e a certeza de que isso confere<br />

maior protagonismo a suas trajetórias escolares. Sobre a importância da valorização<br />

dos saberes anteriores dos alunos jovens e adultos para a construção do espaço de<br />

ensino e aprendizag<strong>em</strong>, Miguel Arroyo (2005) destaca:<br />

Quando só os interlocutores falam de coisas diferentes, o diálogo é possível. Quando só<br />

os mestres têm o que falar, não passa de um monólogo. Os jovens e adultos carregam<br />

as condições de pensar sua educação como um diálogo. Se toda educação exige uma<br />

deferência pelos interlocutores, mestres e alunos(as), quando esses interlocutores são jo-<br />

vens e adultos carregados de tensas vivências, essa deferência deverá ter um significado<br />

educativo especial.<br />

Na introdução do livro Atenção à diversidade (2002, p. 11), Artur Parcerisa Aran<br />

diz que aceitar a existência dessa heterogeneidade é fácil, difícil é tratar educativamente<br />

as diferenças e <strong>em</strong>pregá-las para o enriquecimento do processo de ensino e<br />

de aprendizag<strong>em</strong>.<br />

Utilizar as diferentes identidades, vivências e crenças dos alunos é uma tarefa<br />

desafiadora, árdua até, mas altamente compensatória. Pois quando a escola parte<br />

do cotidiano dos alunos, de seus conhecimentos e habilidades adquiridos no meio<br />

<strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>, além de os educandos sentir<strong>em</strong>-se respeitados e valorizados, ganham<br />

motivação e possibilidades de trabalhar<strong>em</strong> suas zonas de desenvolvimento<br />

proximal.<br />

A esse respeito, Vygotsky (1991) afirma que as funções mentais superiores são<br />

construídas ao longo da história social do hom<strong>em</strong> e que toda aprendizag<strong>em</strong> recai<br />

sobre a zona de desenvolvimento proximal. Esta é o espaço entre o nível de desen-<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


volvimento real (aquilo que já se domina, que já foi consolidado) e o nível potencial<br />

(aquilo que o indivíduo faz com auxílio de um mediador e que, futuramente, fará<br />

sozinho).<br />

Assim, as pessoas não constro<strong>em</strong> um conhecimento novo do nada, s<strong>em</strong> uma<br />

estrutura, um fundamento prévio. O indivíduo não pode transpor um expediente<br />

de aprendizag<strong>em</strong> s<strong>em</strong> algum conhecimento anterior que esteja cognitivamente relacionado,<br />

isso é necessário para que a nova informação possa se conectar com o<br />

que já é sabido a fim de ser reelaborada e transformada <strong>em</strong> aprendizag<strong>em</strong>.<br />

Em outras palavras, o conhecimento está <strong>em</strong> constante construção no processo<br />

de interação social, nas trocas entre os indivíduos, seja dentro ou fora da escola; a<br />

capacidade de captar informações e processá-las permite que os alunos aprendam<br />

cotidianamente e melhor<strong>em</strong> inclusive o nível de qualidade das próprias interações.<br />

Muito se t<strong>em</strong> falado a respeito da vivência e da realidade do educando, mas ter<br />

uma prática pedagógica pautada no universo sociocultural real dos alunos da EJA<br />

não significa alfabetizar os pescadores com o “A” de anzol, o “B” de barco; tampouco<br />

ensinar aos pedreiros, <strong>em</strong> geometria, apenas a fórmula para se calcular área. É preciso<br />

partir dos saberes já adquiridos para ampliá-los.<br />

A escola não pode esperar padronizar o currículo. O fundamento para os planos<br />

de trabalho deve ser a experiência de vida dos alunos colocada <strong>em</strong> confronto com<br />

os conteúdos formais. A vida deles deve ser probl<strong>em</strong>atizada, discutida e interligada<br />

aos conhecimentos científicos <strong>em</strong> busca de uma construção/transformação de sua<br />

própria história.<br />

Partir da realidade do aluno não implica permanecer na realidade do aluno.<br />

A educação deve ser um ato político, libertador e ampliador de horizontes. Paulo<br />

Freire (1982) situa a educação como instrumento capaz de conduzir o hom<strong>em</strong> à<br />

mudança de sua situação pessoal e social, implicando a mudança e (r)evolução da<br />

realidade a que ele pertence.<br />

Ao longo da vida, as pessoas vão acumulando saberes; alguns dos tipos de saberes<br />

são chamados de saber sensível e saber cotidiano (Cadernos de EJA nº 1, 2006,<br />

p. 6) 1 . O saber sensível é um saber sustentado pelos cinco sentidos, um saber que todos<br />

possu<strong>em</strong>, mas que é pouco valorizado pelas escolas, principalmente na EJA. Os<br />

alunos jovens e adultos são ricos nesse tipo de saber e o processo educativo precisa<br />

1. material produzido pela Secad <strong>em</strong> 2006 e conhecido como cadernos de eJA. título original: coleção trabalhando<br />

com a educação de Jovens e Adultos.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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A EJA e o direito<br />

à diversidade:<br />

por uma<br />

valorização da<br />

escola da vida


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A EJA e o direito<br />

à diversidade:<br />

por uma<br />

valorização da<br />

escola da vida<br />

ter suas bases alicerçadas neste saber sensível, porque é somente através dele que o<br />

aluno se abre a um conhecimento mais formal e reflexivo.<br />

Já o saber cotidiano, por sua própria natureza, é um saber mais reflexivo, pois<br />

é um saber amadurecido, vivido, nascido das experiências e valores socioculturais<br />

formados anteriormente à escola. “É um conhecimento elaborado, mas não sist<strong>em</strong>atizado<br />

(...), pouco valorizado no mundo letrado e, frequent<strong>em</strong>ente, pelo próprio<br />

aluno” (Cadernos de EJA nº 1, 2006, p. 7).<br />

A valorização da diversidade é t<strong>em</strong>a central do volume sobre pluralidade cultural<br />

dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), documento do MEC para o Ensino<br />

Fundamental, onde se pode encontrar:<br />

O reconhecimento e a valorização da diversidade cultural brasileira e das formas de per-<br />

ceber e expressar a realidade própria dos gêneros, etnias e das muitas regiões e grupos<br />

sociais do país não significa renunciar (...) à responsabilidade de constituir cidadania para<br />

um mundo que se globaliza e de dar significado universal aos conteúdos da aprendizag<strong>em</strong><br />

(1997, p. 21).<br />

Contraditoriamente, algumas tentativas fracassadas de adaptações curriculares<br />

para a EJA, propostas por governos e entidades particulares, foram elaboradas<br />

ao longo dos anos, e continuam sendo feitas, mas <strong>em</strong> geral não estão abertas ao<br />

diálogo e à aceitação do conhecimento de mundo dos educandos, de forma que<br />

mascaram o velho currículo oficial engessado que desconsidera o percurso cultural<br />

dos alunos.<br />

As classes de EJA não precisam de uma prática educativa que reproduza a escola<br />

regular, que já excluiu a maioria no passado. Os alunos jovens e adultos clamam<br />

por uma aprendizag<strong>em</strong> significativa, com aplicabilidade real no presente e no futuro.<br />

Mas uma aplicabilidade não meramente utilitária, desenvolvida para atender necessidades<br />

básicas e imediatas apenas; pelo contrário, algo que oportunize refletir,<br />

interagir, elaborar hipóteses e tomar suas próprias decisões.<br />

É papel da EJA, sim, preparar os alunos para o mercado de trabalho, para as<br />

d<strong>em</strong>andas de mão de obra, da tecnologia etc., mas não é só isso. A EJA precisa trabalhar<br />

com a formação humana, com o conceito de ser integral que precisa de uma<br />

educação <strong>em</strong>ancipadora significativa.<br />

Segundo Ausubel (1982), a aprendizag<strong>em</strong> é significativa quando está relacionada<br />

ao conhecimento que o aluno já possui sobre o assunto. Se isso não acontecer,<br />

a aprendizag<strong>em</strong> deixa de ser significativa para ser mecânica, visto que não respeita<br />

conceitos relevantes que já exist<strong>em</strong> na estrutura cognitiva do indivíduo.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


A aprendizag<strong>em</strong> significativa ocorre na interação, quando o aluno é convidado<br />

a exercitar o que aprendeu <strong>em</strong> diversas situações do cotidiano e na sala de aula. Então,<br />

durante as atividades didáticas propostas pelo professor, o educando deve pôr<br />

<strong>em</strong> xeque todas as informações que t<strong>em</strong> sobre o assunto e trocar informações com<br />

seu mediador e interlocutores <strong>em</strong> busca de uma reorganização do conhecimento.<br />

Dessa forma, percebe-se que ensinar com significado é articular a realidade do<br />

aluno, os conteúdos aprendidos na escola da vida, com os conteúdos da escola formal.<br />

Para que isso ocorra é primordial conhecer os educandos, ter um mapeamento<br />

da classe, promover o diálogo, valorizar o erro como ponto de partida para novas<br />

aprendizagens e utilizar os conhecimentos trazidos pelos alunos para formar a base<br />

da significação da aprendizag<strong>em</strong>.<br />

Sobre as diferenças da educação formal (instituição escolar) e a não formal (escola<br />

da vida), Gohn (2006, p. 32) salienta que “a educação não formal parece estar<br />

s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> oposição à educação formal”. Isso porque a escola acaba se distanciando<br />

do cotidiano e aproximando-se do que chama de ciência e de saber necessário.<br />

Para o autor, a educação não formal apresenta <strong>em</strong> seu contexto algumas dimensões<br />

diversas da formal que dev<strong>em</strong> ser consideradas e compreendidas, conforme aponta<br />

o quadro abaixo:<br />

EDUCAÇÃO FORMAL EDUCAÇÃO NÃO FORMAL<br />

É desenvolvida nas escolas.<br />

É aprendida por meio de trocas de experiências <strong>em</strong><br />

espaços cotidianos.<br />

Os conteúdos são preestabelecidos. não exist<strong>em</strong> conteúdos e planejamentos específicos.<br />

Qu<strong>em</strong> educa são os professores.<br />

O educador é “o outro”, aquele com qu<strong>em</strong> estabelec<strong>em</strong>os<br />

relações.<br />

O espaço educativo é essencialmente a escola. Ocorre fora da sala de aula, no cotidiano.<br />

Ocorre <strong>em</strong> ambientes impregnados de normas, regras<br />

e padrões.<br />

O principal objetivo é o ensino-aprendizag<strong>em</strong> de conteúdos<br />

anteriormente sist<strong>em</strong>atizados.<br />

Aqui, requer-se t<strong>em</strong>po, espaço, pessoas devidamente<br />

capacitadas, método, organização.<br />

Há uma divisão por idades e classes de<br />

conhecimento.<br />

Ambientes interativos, constituídos no coletivo. Há uma<br />

intencionalidade do indivíduo <strong>em</strong> querer participar do<br />

grupo.<br />

capacita os indivíduos a se tornar<strong>em</strong> cidadãos do mundo<br />

e no mundo. Os objetivos são construídos num processo<br />

interativo. educa o ser humano para a civilidade.<br />

Atua sobre aspectos subjetivos do grupo, formando a<br />

cultura política do mesmo. colabora para a construção da<br />

identidade coletiva, para o desenvolvimento da autoestima<br />

de seus componentes.<br />

não está organizada n<strong>em</strong> por série, n<strong>em</strong> por idade, n<strong>em</strong><br />

por conteúdos.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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escola da vida<br />

Além das diferenças citadas por Gohn, é preciso ter <strong>em</strong> mente os resultados<br />

atingidos pela educação não formal, pois por seu intermédio os sujeitos são capazes<br />

de interagir no coletivo, descobr<strong>em</strong>-se como portadores e transmissores da<br />

cultura do grupo, resgatam o sentimento de valorização de si próprios e se formam<br />

para a vida, pois aprend<strong>em</strong> a ler e interpretar o mundo.<br />

Todos esses el<strong>em</strong>entos deveriam servir para que os governantes, gestores<br />

e educadores refletiss<strong>em</strong> sobre a melhor maneira da construção do currículo<br />

escolar para os programas da EJA. Um currículo que tenha como fundamento<br />

os conhecimentos adquiridos na escola da vida; respeite as diferenças; mais que<br />

alfabetizar e certificar, dê ao aluno ferramentas para a leitura de mundo; trate<br />

de disciplinas que dialogu<strong>em</strong> com o cotidiano do cidadão trabalhador, do idoso<br />

que busca instrumentalizar-se para o dia a dia e do jov<strong>em</strong> que sonha com a<br />

universidade.<br />

Ainda quando se buscam na educação do contexto social el<strong>em</strong>entos que subsidi<strong>em</strong><br />

uma possibilidade de mudança na escola, há que se debruçar sobre a metodologia.<br />

Na vida, as pessoas precisam resolver probl<strong>em</strong>as, planejar ações às vezes<br />

baseadas <strong>em</strong> experiências anteriores, ou partir rumo a algo desconhecido. As ações<br />

estão s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong>basadas <strong>em</strong> uma série de fatores: se serão individuais ou coletivas,<br />

se o caminho a ser percorrido é este ou aquele, qual material/argumento/conhecimento<br />

será preciso usar <strong>em</strong> prol do objetivo final.<br />

Em suma, a vida dos educandos é s<strong>em</strong>pre cercada de probl<strong>em</strong>as a ser<strong>em</strong> resolvidos<br />

e projetos a ser<strong>em</strong> executados. O que a escola precisa é estar atenta à forma<br />

com a qual o indivíduo lida com essas questões cotidianas para <strong>em</strong>pregá-las na prática<br />

educativa formal, seja para trazer maior significado às aulas, seja para motivar a<br />

classe, ou ainda para potencializar essas ações do dia a dia, visando à <strong>em</strong>ancipação<br />

do educando.<br />

Se, na sala de aula, o aluno da EJA tiver oportunidades de trabalhar com a<br />

metodologia da probl<strong>em</strong>atização (GALLERT, 2006) e com a pedagogia de projetos<br />

(NOGUEIRA, 2003), ele vai reconhecer na escola uma aplicabilidade, pois<br />

ganhará ferramentas para aprender os conteúdos curriculares de uma maneira<br />

mais atraente, interessante e útil para sua vida cidadã. Porque na medida <strong>em</strong><br />

que ele aprende e exercita a focalização/diagnóstico de um probl<strong>em</strong>a, toma-o<br />

como ponto de partida para levantamento de hipóteses, estuda e discute com<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


seus pares como chegar ao objetivo, traça um caminho a ser percorrido, aplica<br />

os procedimentos escolhidos, ou seja, atua sobre a realidade e finalmente avalia<br />

o processo. O aluno manifesta competências cognitivas e sociais para a vida na<br />

escola e fora dela.<br />

Os métodos utilizados na escola dev<strong>em</strong> nortear as atividades por meio do percurso<br />

da descoberta, da autonomia, da criticidade e do poder de autorregulação.<br />

Além disso, torna-se fundamental a motivação dos envolvidos e o papel do mediador.<br />

Não importa se na escola regular, no projeto de <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos,<br />

ou na educação não formal, os mediadores são peças-chave para nivelar os referenciais<br />

de aprendizag<strong>em</strong>, diagnosticar os saberes anteriores, estabelecer diálogos,<br />

gerenciar conflitos, propor desafios, mostrar possibilidades e caminhos. Também<br />

precisam estar abertos para aprender com os alunos, a dar oportunidades para que<br />

haja troca entre os envolvidos.<br />

Sobre o papel do professor mediador e aprendente, Paulo Freire (1982, p. 78<br />

-79) afirma:<br />

O educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, <strong>em</strong><br />

diálogo com o educando, que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam<br />

sujeitos do processo <strong>em</strong> que cresc<strong>em</strong> juntos e <strong>em</strong> que os argumentos de autoridade já não<br />

val<strong>em</strong>. <strong>em</strong> que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com<br />

as liberdades e não contra elas.<br />

Ainda conforme Freire (1982, p. 62), “ninguém educa ninguém, tampouco se<br />

educa sozinho, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”.<br />

É nessa perspectiva dialógica que o educador é a presença impulsionadora ou<br />

destruidora. Muitos, por desconhecimento teórico e/ou falta do mínimo de sensibilidade,<br />

tornam-se professores excludentes e opressores. Acabam repetindo<br />

experiências negativas que viveram na escola e, como agentes históricos que são,<br />

aplicam mesmo que inconscient<strong>em</strong>ente seus pressupostos educativos rigorosos e<br />

tradicionalistas.<br />

Ser educador da EJA implica estar preparado para o novo, para pesquisar e entender<br />

os processos de mudança pelos quais passam os alunos, a comunidade, o<br />

mundo. É preciso ser sensível e fomentar o “eu” dos educandos no sentido amplo:<br />

cognitivo, afetivo, social, psicológico.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

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A EJA e o direito<br />

à diversidade:<br />

por uma<br />

valorização da<br />

escola da vida


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A EJA e o direito<br />

à diversidade:<br />

por uma<br />

valorização da<br />

escola da vida<br />

Talvez uma das possíveis causas das falhas observadas historicamente nos projetos<br />

da EJA seja, além do currículo descontextualizado, a falta de formação docente.<br />

Até os dias de hoje poucas são as oportunidades de formação específica para essa<br />

modalidade da educação básica. Embora algumas universidades ofereçam essa habilitação<br />

<strong>em</strong> nível de graduação ou pós-graduação, as iniciativas ainda são incipientes.<br />

A oportunidade de exercer o magistério <strong>em</strong> classes de EJA acaba surgindo normalmente,<br />

por acaso. Felizmente, uma boa parte dos educadores descobre nesse<br />

meio um universo apaixonante, diverso de tudo que já vivenciaram, e passa a lutar<br />

por um currículo vivo. Mesmo s<strong>em</strong> formação específica, vários professores têm buscado<br />

inovar, respeitar a bagag<strong>em</strong> sociocultural dos alunos, e começam a perceber<br />

a necessidade de registrar suas práticas para que elas se consolid<strong>em</strong> e ganh<strong>em</strong> credibilidade.<br />

A EJA também t<strong>em</strong> causado entre os educadores uma busca pela autoformação,<br />

pela capacitação <strong>em</strong> serviço, por estudos coletivos e leituras que possam dar conta<br />

das d<strong>em</strong>andas educandos e explicitar concepções de ensino e de aprendizag<strong>em</strong>.<br />

Nessas trocas entre os professores, as diferenças também aparec<strong>em</strong>, devido às experiências<br />

individuais – da mesma forma que ocorre com os alunos, um grupo de educadores<br />

também pode ser muito heterogêneo – e é nos momentos de trocas que as<br />

oportunidades de novas aprendizagens aparec<strong>em</strong> também para os docentes.<br />

O ideal seria que todos os professores pensass<strong>em</strong> o currículo levando <strong>em</strong> consideração<br />

a heterogeneidade das classes, aproveitando as diferenças inclusive para<br />

planejar as atividades <strong>em</strong> duplas, trios ou grupos maiores. Agrupando os alunos, <strong>em</strong><br />

alguns momentos, pelas s<strong>em</strong>elhanças nos saberes e, <strong>em</strong> outros, justamente pelas<br />

diferenças, o grupo troca informações e avança.<br />

Por isso, é importante valorizar os momentos de trabalho coletivo porque oportunizam<br />

aos indivíduos agir como seres capazes de opinar e refletir <strong>em</strong> conjunto<br />

com seus pares, vencendo os desafios cooperativamente, exercitando a d<strong>em</strong>ocracia<br />

e a gestão de conflitos.<br />

Ao se observar o cotidiano de alguns projetos da EJA é possível perceber através<br />

de suas práticas pedagógicas, metodologias, materiais e recursos didáticos e até<br />

das relações entre as pessoas, o porquê de não ter<strong>em</strong> obtido êxito na continuidade<br />

dos estudos dos alunos.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Ocorre que é preciso ter ciência de que um projeto da EJA t<strong>em</strong> <strong>em</strong> sua própria<br />

nomenclatura algo que deveria ser fundamento: o fato de a palavra projeto ser originada<br />

do latim projectio, que significa movimento para frente, deveria possibilitar<br />

ao aluno avanço, crescimento, qualificação.<br />

É muito difícil promover um ensino significativo convincente de que a educação<br />

é um processo de construção do ser humano ao longo da vida s<strong>em</strong> um bom<br />

projeto político-pedagógico, feito com a participação da comunidade <strong>em</strong> que a<br />

classe de EJA está inserida, que aponte formas de valorizar e potencializar as diferenças<br />

entre os aluno, respeite os ritmos de aprendizag<strong>em</strong>, avalie qualitativa e não<br />

quantitativamente, e que, além do currículo, se preocupe com o espaço físico, com<br />

o planejamento participativo, os instrumentos de avaliação, os horários das aulas,<br />

enfim, s<strong>em</strong> um projeto político pedagógico que realmente tenha <strong>em</strong> vista os alunos<br />

e suas necessidades.<br />

No livro As dimensões do Projeto Político-Pedagógico (2003), os autores Anna<br />

Rosa Fontella Santiago e José Vieria de Sousa (2003, p. 141-173 e 215-237) reflet<strong>em</strong>,<br />

respectivamente, sobre a importância da flexibilização da organização curricular estar<br />

garantida no Projeto Político-Pedagógico e sobre a atitude ética da construção<br />

da identidade do sujeito, perpassando a construção da identidade da escola. Indicando<br />

o quão valoroso é o PPP quando construído coletivamente <strong>em</strong> prol da união<br />

da vida cotidiana com o conhecimento formal/escolar.<br />

Pois, quando aquilo que os alunos ve<strong>em</strong> na escola não é útil para a vida, ou<br />

quando o que aprenderam na vida não serve para a escola, o aluno de EJA perde<br />

seu direito à individualidade, seu direito a ser respeitado, t<strong>em</strong> a imag<strong>em</strong> de si mesmo<br />

abalada e acaba inflando os índices de desistências dessa modalidade.<br />

Será que o fracasso escolar está na falta de interesse e competência do aluno ou<br />

é gerado pela própria escola?<br />

Essa é uma questão conflitante que perpassa instâncias governamentais e políticas,<br />

mas que não isenta o educador. O que se sabe é que, conforme aponta o<br />

Cadernos de EJA nº 1, 2006, p. 17,<br />

o fracasso escolar tece uma espécie de teia, onde o aluno se enreda e custa a sair. na maio-<br />

ria dos casos, a teia torna-se tão <strong>em</strong>aranhada que não oferece saída e o desfecho dessa<br />

situação é tão comum à realidade brasileira, é o abandono da escola. mais tarde, quan-<br />

do retornam aos bancos escolares, os jovens e adultos ficam extr<strong>em</strong>amente suscetíveis a<br />

enredar<strong>em</strong>-se novamente, a vivenciar<strong>em</strong> outro fracasso escolar.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

243<br />

A EJA e o direito<br />

à diversidade:<br />

por uma<br />

valorização da<br />

escola da vida


244<br />

A EJA e o direito<br />

à diversidade:<br />

por uma<br />

valorização da<br />

escola da vida<br />

É possível diminuir as desistências e o professor t<strong>em</strong> papel fundamental nesse<br />

processo. Ele exerce um papel tão determinante que pode ser responsável tanto<br />

pelo sucesso como pelo fracasso escolar de qualquer um de seus alunos.<br />

É o professor que recebe o aluno <strong>em</strong> sala, que o motiva; é ele a pessoa <strong>em</strong> qu<strong>em</strong><br />

o aluno precisa confiar, mostrando-se por inteiro, nas suas habilidades e fragilidades;<br />

é ele qu<strong>em</strong> planeja as aulas, as intervenções didáticas, as avaliações; deveria ser<br />

ele qu<strong>em</strong> luta por uma escola mais d<strong>em</strong>ocrática e que ensina o aluno a aprender a<br />

aprender apesar das dificuldades.<br />

Para atender à diversidade dos alunos é preciso que também as atividades sejam<br />

diversificadas. Isso não significa ter uma novidade a cada aula e, sim, uma diversidade<br />

de caminhos, t<strong>em</strong>pos, parcerias, lugares e formas de olhar, ouvir e experimentar.<br />

Enfim, considerando todas as especificidades da <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos,<br />

pensar numa organização curricular a partir de uma lista de conteúdos obrigatórios<br />

e suas respectivas cargas horárias não é o melhor caminho a ser seguido.<br />

Ao contrário, uma exigência da qual não se pode escapar reside na inversão de<br />

tudo que tradicionalmente transformou o currículo da EJA numa cópia reduzida da<br />

grade curricular da escola regular de ensino.<br />

É claro que é preciso ter uma base nacional comum, mas a elaboração do rol<br />

de conteúdos dos programas da EJA deveria ser subsidiada, além do Referencial<br />

Curricular para a EJA editado pelo MEC, nas situações vivenciadas pelos alunos, por<br />

suas experiências e anseios, que, tomados como ponto de partida, potencializam o<br />

interesse e a aproximação entre o que é sabido e o que não é sabido.<br />

A seleção de conteúdos para a <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos não pode perder<br />

de vista que a construção de uma grade curricular precisa ser feita no sentido de<br />

oferecer aos educadores um mapa capaz de integrar as disciplinas tradicionais, as<br />

características culturais, sociais, políticas e científicas necessárias para cada comunidade<br />

dentro da sociedade atual.<br />

O autor Antoni zabala (1998) propõe uma organização curricular centrada na<br />

tipologia dos conteúdos, deixando claro que essa classificação não pretende fragmentá-los;<br />

ao contrário, aliados às metodologias sociointeracionistas de trabalho,<br />

os conteúdos, na prática, acontec<strong>em</strong> de forma totalmente integrada.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


A classificação proposta por ele é feita <strong>em</strong>: conteúdos conceituais ou factuais<br />

(o que se deve saber), conteúdos atitudinais (como se deve ser) e conteúdos procedimentais<br />

(como se deve saber fazer). Essa classificação visa criar uma “construção<br />

intelectual para compreender o pensamento e o comportamento das pessoas” (zA-<br />

BALA, 1998, p. 39).<br />

Assim, a escola poderia ampliar, ressignificar, valorizar e respeitar os saberes e<br />

competências dos alunos, aproximando e interligando conhecimento de mundo<br />

com conhecimento científico, possibilitando a permanência do jov<strong>em</strong> e do adulto<br />

na escola, melhorando sua qualidade de vida, sua autonomia e autoestima.<br />

Parafraseando Boaventura, dev<strong>em</strong>os lutar pela igualdade dos alunos de EJA<br />

s<strong>em</strong>pre que as diferenças os discrimin<strong>em</strong> e pela valorização das diferenças s<strong>em</strong>pre<br />

que a tentativa de igualdade os descaracteriz<strong>em</strong>. L<strong>em</strong>brando que a realidade do<br />

aluno é anterior a qualquer ação da escola e que é a partir dessas realidades distintas<br />

que o currículo deve ser construído.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

245<br />

A EJA e o direito<br />

à diversidade:<br />

por uma<br />

valorização da<br />

escola da vida


246<br />

A EJA e o direito<br />

à diversidade:<br />

por uma<br />

valorização da<br />

escola da vida<br />

Considerações finais<br />

Este texto teve como propósito discutir a diversidade/heterogeneidade na EJA<br />

e suas implicações pedagógicas, principalmente no que se refere à organização curricular.<br />

Ao longo dele procurou-se mostrar que o currículo na <strong>Educação</strong> de Jovens<br />

e Adultos deve ser formativo, no sentido de construir a cidadania, e informativo, no<br />

sentido de permitir o entendimento das informações e sua aplicação no cotidiano.<br />

Agregado aos conteúdos curriculares oficiais, espera-se que o currículo da EJA<br />

seja vivo e cont<strong>em</strong>ple as peculiaridades de cada grupo, que trabalhe situaçõesprobl<strong>em</strong>a<br />

próximas à realidade dos alunos e propicie maior interação e retenção<br />

dos saberes.<br />

Por fim, é importante destacar a importância da práxis, ou seja, da elaboração<br />

coletiva das práticas vividas no cotidiano para que ocorra o efetivo direito à diversidade,<br />

valorizando a bagag<strong>em</strong> histórico-cultural dos alunos <strong>em</strong> prol de uma aprendizag<strong>em</strong><br />

significativa e <strong>em</strong>ancipadora. Não esquecendo que os educadores são peças<br />

fundamentais, pois as práticas da EJA só mudarão quando os educadores quiser<strong>em</strong><br />

que elas mud<strong>em</strong>, quando assumir<strong>em</strong> as responsabilidades de cunho afetivo, social,<br />

cognitivo, ético e político que a docência de jovens e adultos implica.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


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<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

247<br />

A EJA e o direito<br />

à diversidade<br />

Por uma<br />

valorização da<br />

escola da vida


Currículo e prática<br />

docente<br />

Rosimária Rodrigues Melo Cardoso*<br />

RESUMO<br />

Muitos probl<strong>em</strong>as relacionados à não aprendizag<strong>em</strong><br />

dos educandos da EJA se dão pelo fato<br />

dos professores não se dispor<strong>em</strong> a investir na<br />

retomada da sua prática pedagógica, visando<br />

ao rompimento de paradigmas que oferec<strong>em</strong><br />

à educação um caráter meramente conteudista.<br />

Este estudo teve o objetivo de promover<br />

uma reflexão sobre a prática pedagógica da<br />

<strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos (EJA), <strong>em</strong> uma<br />

escola municipal de Palmas. Os dados foram<br />

levantados através de questionários e blocos<br />

de notas com duas professoras da sexta série,<br />

que indicam fatores que interfer<strong>em</strong> no ensino<br />

e na aprendizag<strong>em</strong>, como falta de planejamento,<br />

tornando as aulas uma mera cópia do<br />

livro didático, com metodologias que não correspond<strong>em</strong><br />

ao contexto atual. Portanto, ação e<br />

reflexão dev<strong>em</strong> fazer parte de todo o processo<br />

pedagógico.<br />

PAlAVRAS-CHAVE:Metodologia; formação continuada;<br />

planejamento; ensino-aprendizag<strong>em</strong>.<br />

ABSTRACT<br />

Many probl<strong>em</strong>s related to Youth and Adult<br />

Education students not learning occur<br />

because teachers do not strive to invest in the<br />

recovery of their teaching practice, aiming to<br />

break the paradigms that imbue education<br />

with a merely content-oriented nature.<br />

This study aimed to promote reflection on<br />

the Youth and Adult Education teaching<br />

practice, in a city school in Palmas. The data<br />

were gathered through questionnaires and<br />

notebooks with two sixth-grade teachers,<br />

who indicate factors that interfere with<br />

teaching and learning, such as lack of<br />

planning, making the classes a mere copy<br />

of the textbook with methods that do not<br />

match current context. Therefore, action<br />

and reflection should be part of the whole<br />

educational process.<br />

KEYwords: Methodology, continuing<br />

education, planning, teaching and learning.<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


Introdução<br />

* Assistente da Coordenação de <strong>Educação</strong> na Coordenação Geral de <strong>Educação</strong> do SESC.<br />

O presente trabalho traz reflexões sobre as t<strong>em</strong>áticas discutidas no curso Elaborando<br />

currículos <strong>em</strong> <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos que despertaram interesse<br />

<strong>em</strong> analisar e refletir sobre a prática pedagógica dos professores da <strong>Educação</strong> de<br />

Jovens e Adultos <strong>em</strong> uma escola da rede pública de Palmas (TO). Esse estudo consistiu<br />

na realização de uma entrevista s<strong>em</strong>iestruturada com duas professoras, no<br />

horário noturno, e de observações sobre a aprendizag<strong>em</strong> dos educandos, tendo <strong>em</strong><br />

vista a fragmentação dos conteúdos <strong>em</strong> sala de aula, b<strong>em</strong> como as metodologias<br />

utilizadas pelos professores. Considerando o desenvolvimento de aulas monótonas<br />

e cansativas, torna-se fundamental a construção de um currículo <strong>em</strong> que seja enfatizada<br />

a necessidade de se pensar/elaborar uma didática para a EJA que leve <strong>em</strong><br />

conta os aspectos que envolv<strong>em</strong> o educando.<br />

Uma metodologia que se preocupa com a construção do conhecimento vai<br />

buscar sua orientação básica no resgate do próprio processo de construção de conhecimento<br />

da humanidade. Portanto, compete ao educador praticar um método<br />

crítico de <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos que dê ao aluno a oportunidade de alcançar<br />

a consciência crítica instituída de si e de seu mundo — os educandos da EJA, na<br />

sua maioria, são jovens e adultos que estão inseridos no mundo do trabalho e das<br />

relações interpessoais, que traz<strong>em</strong> consigo experiências, conhecimentos acumulados<br />

e reflexões sobre o mundo externo, sobre si mesmos e sobre outras pessoas e<br />

que apresentam uma maior capacidade de reflexão sobre o conhecimento e sobre<br />

seus próprios processos de aprendizag<strong>em</strong>. Diante disso, o professor precisa estar<br />

preparado para possíveis mudanças <strong>em</strong> relação às necessidades e às diversidades<br />

existentes no contexto escolar, propiciando aos educandos, num exercício de mediação,<br />

o encontro com a realidade, considerando o saber que possu<strong>em</strong> e procurando<br />

articulá-lo a novos saberes e práticas.<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

249<br />

Currículo e<br />

prática docente


250<br />

Currículo e<br />

prática docente<br />

Tendo como principal fator de sucesso o desejo de ensinar do professor, a fala<br />

é o seu principal instrumento de trabalho e a eficiência de uma aula está muito<br />

ligada ao uso correto da linguag<strong>em</strong> e à organização lógica do pensamento. Mas<br />

não basta apenas um discurso b<strong>em</strong> articulado; para ter a atenção dos alunos é preciso<br />

despertar <strong>em</strong> todos a vontade de participar do processo de ensino e aprendizag<strong>em</strong>,<br />

usando metodologias dinâmicas, estruturadas e agradáveis o suficiente<br />

para que eles se interess<strong>em</strong> <strong>em</strong> participar apesar do cansaço, possibilitando aos<br />

alunos a formação e o desenvolvimento de capacidades e habilidades cognitivas<br />

e operativas (LIBâNEO, 1991, p. 100) e, com isso, estimulá-los a posicionar-se criticamente<br />

diante do instituído, transformando-o se necessário. É nessa direção que<br />

se propõe este estudo.<br />

Método de pesquisa<br />

Para realizar este trabalho, desenvolveu-se um estudo de caso realizado <strong>em</strong> uma<br />

escola do Ensino Fundamental da rede pública de Palmas (TO), que se baseou <strong>em</strong><br />

cinco observações de quatro horas <strong>em</strong> uma mesma turma de 6ª série da EJA, e na<br />

realização de uma entrevista s<strong>em</strong>iestruturada com duas professoras. Foi observada<br />

a existência de aspectos metodológicos, didáticos e de planejamento de ensino<br />

utilizados para despertar a motivação e o interesse dos educandos no processo de<br />

ensino e aprendizag<strong>em</strong> com professores de diferentes disciplinas. Os alunos dessa<br />

turma encontravam-se na faixa etária de 18 a 24 anos de idade.<br />

Os registros foram feitos através de blocos de notas, observando-se o perfil dos<br />

educadores, suas práticas pedagógicas e as metodologias que desenvolveram.<br />

Foi realizada também uma entrevista com duas professoras, com quatro questões<br />

abertas voltadas para as práticas pedagógicas dos docentes, <strong>em</strong> que as perguntas<br />

abordavam informações sobre as metodologias de ensino e aprendizag<strong>em</strong><br />

utilizadas <strong>em</strong> sala de aula, sobre formas de planejamento, a utilização da pesquisa<br />

e o grau de formação dos docentes. Os dados coletados foram registrados <strong>em</strong> um<br />

caderno para uma análise mais detalhada das t<strong>em</strong>áticas investigadas, os quais permitiram<br />

maior aproximação dos significados das ações observadas.<br />

A análise dos dados foi feita a partir das respostas obtidas e das observações<br />

feitas in loco e das pesquisas bibliográficas baseadas <strong>em</strong> Antunes (2002), Dalmás<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


(1994), Etto e Peres (1997), Kleiman (2001), Freire (1996), Gandin (1999), Libâneo<br />

(1991), Pinto, (2000), Rays (1990), Vasconcelos (1989) e Viana (1986).<br />

Análise dos dados<br />

A análise dos resultados mostrou que as atividades desenvolvidas não refletiram<br />

uma ação planejada, com atividades contextualizadas, que chamass<strong>em</strong> a atenção<br />

dos educandos por ter uma metodologia diferenciada que motivasse o aprendizado<br />

e, na falta de recursos para ser<strong>em</strong> criativos, oferecess<strong>em</strong> opções alternativas<br />

de ensino. Os docentes acabam apelando para os recursos que lhes facilitam o dia a<br />

dia (exibição de filme), ainda que isso lhes cause um certo desprazer, pelo fato de se<br />

sentir<strong>em</strong> obrigados a usar esse recurso didático como forma de dinamizar as aulas<br />

e, não, utilizá-lo de forma adequada, ou seja, com contextualização. Constatou-se,<br />

através da falta de planejamento dos educadores, aulas fragmentadas e metodologias<br />

que não correspond<strong>em</strong> ao contexto histórico atual, a dificuldade que os professores<br />

têm de desenvolver uma metodologia permeada pela negociação entre<br />

a formalização dos desejos e dos saberes do aluno e a necessidade de sist<strong>em</strong>atizar<br />

o conhecimento que é essencial na <strong>Educação</strong> de Jovens e Adultos. Contudo,<br />

só o planejamento não proporciona a formação educativa e significativa e garante<br />

o processo de ensino-aprendizag<strong>em</strong>. Para que isso aconteça de fato, o educador<br />

deve assumir a postura de mediador, proporcionando diferentes alternativas para a<br />

construção do conhecimento.<br />

Na adolescência, tudo começa a ser questionado. Alunos quer<strong>em</strong> saber por que<br />

dev<strong>em</strong> aprender Geografia, História ou Ciências, entre outras coisas. A idade adulta<br />

traz a independência. O indivíduo acumula experiências de vida, aprende com os<br />

próprios erros, apercebe-se daquilo que não sabe e o quanto esse desconhecimento<br />

faz-lhe falta (Antunes, 2002). Essa evolução, infelizmente, é ignorada pelos sist<strong>em</strong>as<br />

tradicionais de ensino.<br />

O professor chega, apresenta o seu objeto de conhecimento, que não é na realidade obje-<br />

to de conhecimento dos seus alunos, e discursa sobre ele, não estando atento <strong>em</strong> ajudar<br />

a estabelecer o vínculo, n<strong>em</strong> <strong>em</strong> possibilitar o confronto pessoal direto dos participantes<br />

com o objeto. O professor deve levantar situações-probl<strong>em</strong>a que estimul<strong>em</strong> o raciocínio<br />

<strong>em</strong> vez de sobrecarregar a m<strong>em</strong>ória com uma série de informações e, ao propor uma ativi-<br />

dade, ele deve esperar o encadeamento das ações, a elaboração das hipóteses, a resposta<br />

por parte do aluno. esse t<strong>em</strong>po de espera é fundamental para o desenvolvimento da refle-<br />

xão e a consequente construção do conhecimento (Vasconcellos, 1989).<br />

<strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong> Currículos <strong>em</strong> EJA: saberes e práticas de educadores<br />

251<br />

Currículo e<br />

prática docente


252<br />

Currículo e<br />

prática docente<br />

Os educandos se sent<strong>em</strong> motivados a aprender quando entend<strong>em</strong> as vantagens<br />

e benefícios de um aprendizado, b<strong>em</strong> como as consequências negativas de<br />

seu desconhecimento. Métodos que permitam ao aluno perceber suas próprias<br />

deficiências ou a diferença entre o status atual de conhecimento e o ponto ideal<br />

de conhecimento ou habilidade que lhe será exigido s<strong>em</strong> dúvida serão úteis para<br />

produzir essa motivação (PINTO, 2000).<br />

Nessa perspectiva, é necessária a valorização do sujeito com aulas que super<strong>em</strong><br />

suas expectativas, tornando-as produtivas e dinâmicas. A formação inicial e continuada<br />

dos educadores são palavras-chave para vincular formação e mudanças<br />

positivas nas suas práticas pedagógicas. O mais importante para a permanência<br />

do aluno e o grau de aproveitamento <strong>em</strong> sala de aula, é o professor, com o seu envolvimento,<br />

preparação, colaboração e disponibilidade para atender aos interesses<br />

dos alunos, mudar seu planejamento <strong>em</strong> virtude das necessidades específicas que<br />

surg<strong>em</strong> no decorrer das aulas (KLEIMAN, 2001).<br />

A formação do professor dá resultados quando ela é autogerada, ou seja, parte<br />

de uma convicção interna sobre a necessidade de mudar sua prática na busca de<br />

soluções para os probl<strong>em</strong>as existentes. Duas dimensões da atuação profissional do<br />

educador estão presentes: a prática, que é o fazer, a intervenção profissional <strong>em</strong> si;<br />

e a teoria, que é o pensar, a reflexão sobre a prática a partir dela própria. Portanto,<br />

ação e reflexão dev<strong>em</strong> fazer parte da práxis profissional do educador; caso contrário,<br />

corre-se o risco do ativismo, prática muito presente no cotidiano escolar <strong>em</strong> que<br />

educadores não comprometidos com a verdadeira educação não planejam suas<br />

aulas, fazendo delas uma mera cópia do livro didático, tornando-as enfadonhas e<br />

desinteressantes.<br />

Comparando com o que foi observado, a metodologia se encontra limitada,<br />

onde o recurso mais utilizado foi o quadro. Os professores escrev<strong>em</strong> resumidamente<br />

o conteúdo das aulas e não utilizam nenhum outro material didático para enriquecer<br />

as aulas e torná-las mais atraentes para os alunos, visto que os mesmos, <strong>em</strong><br />

sua maioria, mostravam-se alheios às explicações da professora.<br />

quando questionados sobre as metodologias utilizadas por eles, o que os professores<br />

mais ressaltaram como dificuldade foi o fato de os livros didáticos não condizer<strong>em</strong><br />

com a realidade do aluno; quando o maior recurso do professor de jovens<br />

e adultos está no mundo a sua volta (PINTO, 2000). Os livros dev<strong>em</strong> ser utilizados<br />

como recurso para facilitar a prática pedagógica. Os professores não dev<strong>em</strong> se ba-<br />

Serviço Social do Comércio <strong>Educação</strong> <strong>em</strong> <strong>Rede</strong>


sear somente nesse material para conduzir seu trabalho. A solução para atender às<br />

necessidades de cada um dos alunos foi trabalhar com atividades diferenciadas e<br />

individuais.<br />

Uma forma de se trabalhar com as diferenças seria desenvolver o trabalho<br />

diversificado, <strong>em</strong> que o professor subdivide a turma <strong>em</strong> grupos que desenvolverão,<br />

ao mesmo t<strong>em</strong>po, atividades diferentes, dirigidas ou não pelo professor, procedimento<br />

este capaz de atender as diferenças individuais dos alunos, <strong>em</strong> seus<br />

vários aspectos. Justifica-se, principalmente, pelo fato de os alunos encontrar<strong>em</strong>se<br />

<strong>em</strong> pontos diferentes quanto ao nível de desenvolvimento físico e mental,<br />

ao ritmo de aprendizag<strong>em</strong>, aos interesses, às aptidões e às experiências vividas<br />

(ETTO e PERES, 1997).<br />

Diante disso, é preciso que o educador assuma a função de criar situações para<br />

momentos de questionamentos, desacomodações, propondo situações-probl<strong>em</strong>a,<br />

desafios a ser<strong>em</strong> vencidos pelos educandos, para que possam construir conhecimento<br />

e, consequent<strong>em</strong>ente, aprender a aprender. Portanto, a metodologia a ser<br />

adotada deve possibilitar que o educando construa e reconstrua conhecimentos,<br />

que questione, pergunte, crie, pense e realize a transposição do que aprende para a<br />

sua vida. Viana, (1986, p. 38) afirma que “o planejamento participativo não é um trabalho<br />

impossível, mas plenamente viável, apesar de todos os <strong>em</strong>pecilhos”. Segundo<br />

Dalmás (1994), a utopia provoca um contínuo processo de planejar e replanejar a<br />

fim de aproximar a realidade existente do ideal definido. Isso requer uma opção<br />

clara de hom<strong>em</strong>, de educação e de sociedade.<br />

Grande parte da energia vital dos professores é perdida na discussão do “como” s<strong>em</strong><br />

que se tenha decidido o “para onde” [...]. montam-se estratégias de como se vai agir,<br />

modificam-se metodologias de ação, mas acaba-se por produzir os mesmos resultados<br />

(GAnDin, 1999, p. 131).<br />

A elaboração e utilização do planejamento foram feitas somente para cumprir<br />

determinações, pois as aulas não refletiram uma ação planejada, com atividades<br />

contextualizadas que chamass<strong>em</strong> a atenção dos alunos por ter uma metodologia<br />

diferenciada que motivasse o aprendizado. Mesmo quando eles tentavam participar,<br />

o professor não esperava o desencadeamento das respostas, lhes dando tudo<br />

pronto. Gandin (1999) diz que o planejamento é o processo de transformar ideias<br />

<strong>em</strong> ação, ou seja, é o processo de intervir na realidade existente, retirando, incluindo,<br />

enfraquecendo ou reforçando ideias e, assim, transformando estruturas. Para<br />

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qualquer intervenção na realidade ou, melhor dizendo, para qualquer mudança<br />

do que existe, são necessários dois componentes: as ideias e o planejamento. Para<br />

que esse momento ocorra, o educador precisa gerenciar esse processo, articulando<br />

“os ‘como’ com as técnicas, a metodologia de trabalho, mas somente depois de ter<br />

clareza sobre qual rumo deseja tomar, depois de ter traçado [...] o seu ‘para onde’ e<br />

ter respondido o seu ‘por quê’”. (GANDIN, 1999, p. 130). Nesse sentido, a função do<br />

educador é, entre outras, garantir a riqueza do processo de ensino-aprendizag<strong>em</strong>,<br />

o que significa, conforme Moraes,<br />

a manutenção de um diálogo permanente, de acordo com o que acontece <strong>em</strong> cada mo-<br />

mento, propor situações-probl<strong>em</strong>a, desafios, desencadear reflexões, estabelecer conexões<br />

entre o conhecimento adquirido e os novos conceitos, entre o ocorrido e o pretendido,<br />

de tal modo que as intervenções sejam adequadas ao estilo do aluno, a suas condições<br />

intelectuais e <strong>em</strong>ocionais e à situação contextual (1997, p. 152).<br />

“Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática” (FREIRE, 1996, p. 43). É preciso<br />

possibilitar que, voltando-se sobre si mesma, através da reflexão sobre a prática, a<br />

curiosidade ingênua, percebendo-se como tal, vá se tornando crítica. Por isso, na<br />

formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão<br />

crítica sobre a prática pedagógica, servindo como referência para políticas públicas<br />

<strong>em</strong> EJA.<br />

Segundo Rays (1990), o professor é um guia, um orientador no processo educativo,<br />

trabalha junto ao aluno, a sua realidade social concreta, abre perspectivas<br />

a partir dos conteúdos. O docente não deve apenas satisfazer necessidades e carências,<br />

deverá despertar outras necessidades, acelerar e disciplinar os métodos de<br />

estudo, exigir o esforço do aluno, propor conteúdos e modelos compatíveis com<br />

as experiências vividas, a fim de que o discente se mobilize para uma participação<br />

ativa. É preciso enfatizar a responsabilidade pessoal pelo próprio aprendizado e a<br />

necessidade e capacitação para a aprendizag<strong>em</strong> continuada ao longo da vida. Ser<br />

disciplinado por vontade própria e não por pressão.<br />

Diante do exposto, o educador deve proporcionar a seus alunos a passag<strong>em</strong><br />

do plano da satisfação individual ao plano das experiências coletivas. Para tanto,<br />

deverá possuir competência técnica, domínio de conteúdo e de métodos que se<br />

adequ<strong>em</strong> à transformação e elaboração do conhecimento (RAYS, 1990), para que o<br />

estudante possa ler o mundo de forma crítica e criativa. Constatou-se a necessidade<br />

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de trabalhar os procedimentos metodológicos que possibilitam melhorias no ensino<br />

e na aprendizag<strong>em</strong>, sendo a formação continuada dos professores da EJA uma<br />

das alternativas que atende a essa expectativa.<br />

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Considerações finais<br />

Observou-se que a educação voltada para um simples repassar de conteúdos<br />

ainda permanece na prática de muitos educadores ainda insensíveis à necessidade<br />

de fazer mudanças <strong>em</strong> suas metodologias. Diante disso, o professor precisa se<br />

transformar num tutor eficiente de atividades de grupos, devendo d<strong>em</strong>onstrar a<br />

importância prática do assunto a ser estudado; deve transmitir o entusiasmo pelo<br />

aprendizado, a sensação de que aquele conhecimento fará diferença na vida dos<br />

alunos; ele deve transmitir força e esperança, a sensação de que aquela atividade<br />

está mudando a vida de todos e não simplesmente preenchendo espaços <strong>em</strong><br />

seus cérebros.<br />

Assim, o docente não poderá ter uma postura autoritária, impondo, entre outras<br />

coisas, um conhecimento pronto, acabado, inquestionável, s<strong>em</strong> significado<br />

para o aluno, e n<strong>em</strong> ser omisso, caindo <strong>em</strong> um espontaneísmo pedagógico, onde<br />

tudo é permitido incontestavelmente. O professor assume a postura de mediador,<br />

proporcionando diferentes alternativas para a construção do conhecimento,<br />

como, por ex<strong>em</strong>plo, através de atividades diversificadas e contextualizadas, uma<br />

vez que nelas se consideram o desenvolvimento pessoal e a realidade do estudante,<br />

respeitando-se, assim, sua natureza, levando-o a refletir e a probl<strong>em</strong>atizar<br />

sobre os t<strong>em</strong>as de ensino.<br />

Nessa perspectiva, trabalhar a formação continuada dos educadores é um caminho<br />

possível para a construção de uma educação que atenda às necessidades<br />

dos educandos inseridos neste novo século, para que sejam capazes de acompanhar<br />

a velocidade das constantes mudanças.<br />

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REFERÊNCIAS<br />

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2002.<br />

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16-20, abr./jun. 1997.<br />

Freire, p. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São paulo: paz e<br />

terra, 1996.<br />

GAnDin, D.; GAnDin, l. A. T<strong>em</strong>as para um projeto político-pedagógico. 4. ed. petrópolis: Vozes,<br />

1999.<br />

KleimAn, A. B.; SiGnOrini, i. O ensino e a formação do professor. porto Alegre: Artmed, 2001.<br />

liBÂneO, J. c. Didática. São paulo: cortez, 1991.<br />

pintO, V. Á. Sete lições sobre educação de adultos. São paulo: cortez, 2000.<br />

rAYS, O. A. Leituras para repensar a prática educativa. porto Alegre: Sagra, 1990.<br />

VAScOncellOS, c. S. Construção do conhecimento <strong>em</strong> sala de aula. São paulo: libertad, 2002.<br />

ViAnA, i. O. Planejamento na escola: um desafio ao educar. São paulo: epU, 1986.<br />

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Fevereiro de 2011.

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