Para um pensamento do sul : diálogos com Edgar Morin - BVS-Psi
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O modelo <strong>do</strong> homo economicus defende que a otimização <strong>do</strong>s interesses<br />
individuais produz o máximo de bem-estar coletivo. Adam Smith ilustrou<br />
bem seu <strong>pensamento</strong> ao afirmar: "não é da benevolência <strong>do</strong> padeiro, <strong>do</strong><br />
açougueiro ou <strong>do</strong> cervejeiro que eu espero que saia o meu jantar, mas sim<br />
<strong>do</strong> empenho deles em promover seu ‘autointeresse’". Desembocamos aqui<br />
em <strong>um</strong>a questão crucial: a crença no princípio <strong>do</strong> interesse individualista<br />
<strong>com</strong>o principal móbil para a ação h<strong>um</strong>ana e <strong>com</strong>o base para a construção<br />
societária. Antes dele, Bernard Mandeville chocou o mun<strong>do</strong> intelectual ao<br />
afirmar que os vícios priva<strong>do</strong>s promovem a riqueza das nações. A crença<br />
no individualismo instaurou, segun<strong>do</strong> J. goudbout, <strong>um</strong>a teoria que goza<br />
de <strong>um</strong> "privilégio paradigmático" sobre as demais, dificultan<strong>do</strong> as possibilidades<br />
de interpretação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> a partir de outros pontos de vista.<br />
Alguns anos antes da emergência e propagação da concepção individualista,<br />
em seu Trata<strong>do</strong> sobre a natureza h<strong>um</strong>ana, h<strong>um</strong>e formulou a ideia<br />
de que a simpatia seria, por excelência, o sentimento responsável pelo<br />
vínculo entre as pessoas. Mesmo Smith, considera<strong>do</strong> o pai <strong>do</strong> liberalismo,<br />
havia já escrito <strong>um</strong>a grande obra, de menor sucesso, onde desenvolveu<br />
sua teoria <strong>do</strong>s sentimentos morais, postulan<strong>do</strong> <strong>um</strong>a tendência natural <strong>do</strong><br />
h<strong>um</strong>ano para a simpatia. Frans de Waal vai além, estenden<strong>do</strong> a simpatia<br />
aos primatas e fazen<strong>do</strong> a ponte <strong>do</strong> símeo em nós. São os movimentos <strong>do</strong><br />
<strong>pensamento</strong> em suas alternâncias e dialogias.<br />
<strong>um</strong>a teoria <strong>com</strong>plexa da ação h<strong>um</strong>ana precisaria trabalhar para ultrapassar<br />
as clássicas dicotomias sociológicas. Homo economicus, homo <strong>do</strong>nator,<br />
homo ludens, homo creator e muitos outros, <strong>com</strong>põem esse mosaico<br />
multifaceta<strong>do</strong>.<br />
O acha<strong>do</strong> antropológico de Mauss, a tríplice obrigação (dar-receberretribuir),<br />
re<strong>sul</strong>tou em diferente <strong>com</strong>preensão sobre as trocas h<strong>um</strong>anas e<br />
inspirou o Mouvement Anti-utilitariste en Sciences Sociales (Mauss), que<br />
surgiu nos anos 1970 <strong>com</strong>o crítica profunda ao utilitarismo em geral e ao<br />
liberalismo em particular. O <strong>do</strong>m é <strong>um</strong> paradigma relacional, que afirma<br />
<strong>um</strong> sistema de obrigações <strong>com</strong>o base para o laço social. A tríade tece o<br />
vínculo a partir de relações <strong>com</strong>plexas de amor e ódio, guerra e paz. Ao<br />
contrário, o projeto <strong>do</strong> liberalismo visa libertar o homem de qualquer relação<br />
pessoal <strong>com</strong> o outro, <strong>com</strong> quem estabelece suas trocas. Essa liberdade<br />
funda-se na liquidação imediata da dívida. Se não há perspectiva de futuro<br />
para as relações, não estamos inseri<strong>do</strong>s n<strong>um</strong> sistema de obrigações.<br />
visl<strong>um</strong>bramos, aqui e ali, movimentos de resistência aos assaltos <strong>do</strong>s<br />
"moinhos satânicos". Dentre os de natureza prática, destaco Muhamad yunus<br />
e seu sonho de transformar a miséria em objeto de museu. A economia<br />
de <strong>com</strong>unhão, de Chiara Lubich. Sugata Mitra e sua aposta no autodida-